História "Os opostos se atraem?" - Livro 2 - Warrior

~Melissa~

Acordei no dia seguinte sem saber se era quarta ou quinta-feira.  A cirurgia havia sido na terça  de manhã  e nós  passamos a tarde toda lá. Hoje é  quarta, presumi.

Nós  só  poderíamos  ver Bella amanhã  de manhã, talvez ela nem acorde hoje, a anestesia é  forte demais.

Olhei para o criado-mudo e vi o envelope que Rodrigo havia me entregado. Não o li ontem pois sabia que não conseguiria me concentrar, com tudo aquilo acontecendo. Devo lê-lo hoje?

Gabriel não estava na cama. Não me admira que não tenha conseguido dormir.

Decidi que ele podia estar na cozinha e me levantei. Após  escovar os dentes, peguei o envelope e vi que havia mais um por baixo. Era o de Bella. Eu não abriria o dela, mas seria uma no ideia já  entregar assim que ela voltasse para casa?

Meu nome estava escrito à caneta preta na parte da frente com uma caligrafia naturalmente  itálica, meio tombada.

O  abri e tirei de lá  um papel dobrado, provavelmente uma carta, e uma foto. Pude perceber claramente que era Gabriel quando era mais novo. Provavelmente  uns  15 ou 16 anos. Ao seu lado havia uma garota linda, loira  de olhos azuis  e magra. Era idêntica  a Gabriel, então  presumi que fosse Mirella.

Os dois tinham aparências  alegres na foto. Ele estava de pé, sorrindo de braços cruzados e ela ao seu lado com um dos braços ao redor do pescoço  dele e  fazendo o símbolo de paz e amor com a outra mão, e sorria com a língua para fora.

Desdobrei o papel e comecei a ler.

"Querida Melissa,

Não  acho que esta carta ficará  tão grande quanto a que mandei para o Gabriel, mas espero que compreenda que eu a conheci durante quase duas semanas apenas.

Quando fui embora, eu sabia que Gabriel ia perder a cabeça, ainda mais quando Maria me encontrou para contar de seu tumor no cérebro.  Meu menino era forte, sempre foi. Mas família sempre foi seu ponto fraco. Eu sabia perfeitamente que ele iria meter os pés  pelas mãos e não pensar antes de agir na maioria das vezes, e foi o que aconteceu.

Eu fiquei sabendo de quando ele foi preso, me senti horrível  sem poder visitá-lo. Eu conversava com Maria todos os dias e ela me disse que se eu voltasse de repente para a vida dele, ele poderia ficar mais revoltado do que já estava, e isso não faria bem para o restante da família que havia sobrado.

Quando digo que pensei nele todos os dias, não minto. Mas, acredite, mesmo sem te conhecer, eu pensei em você também. Todos os dias eu rezava e pedia para que alguém entrasse na vida de Gabriel e abrisse os olhos dele para o mundo, o tirasse daquela bolha de preocupação  e solidão  que ele construiu e quebrasse as barreiras existentes ao redor de seu coração. 

Amor.

O amor faria bem para Gabriel, amar alguém  o faria entender um dos sentimentos mais puros e existentes na Terra, e quem sabe, o tiraria da vida que estava levando.

E então, você apareceu.

Acredite ou não, Melissa, você foi uma luz para ele. O trouxe de volta à vida, mostrou a ele o que era o amor, deu-lhe uma filha, e agora vai dar-lhe mais dois filhos.

Vocês deram uma família um ao outro.

Sempre me perguntei se eu viveria para ver Gabriel casado e com filhos. Eu o vi noivo, com uma menina linda e mais  ansioso a cada dia para a chegada dois dois bebês.  E isso foi o suficiente para mim. Me senti realizado ao ver meu menino sentindo o mesmo que senti quando Maria me disse que estava grávida  de gêmeos  e que teríamos  uma família. 

Pode  apostar que, assim como aconteceu comigo e com Maria, Gabriel te amou cem  vezes mais quando ficou sabendo da gravidez.

Ele está vivendo e é  tudo graças a você.

Muito obrigado.

Obs: coloquei uma foto junto com a carta. Era a foto que andava em minha carteira, e como Gabriel detesta tirar fotos, imaginei que não tivesse nenhuma dele e muito menos de Mirella. Espero que não se importe em guardá-la.

De seu sogro, Rodrigo Marques.

03/07/2017"

Sequei  as lágrimas  e observei a foto novamente.

Após  guardar tudo, desci as escadas. Gabriel estava quase cochilando apoiado com a cabeça nas mãos  em cima da mesa. Havia um papel à  sua frente.

Ele havia lido a carta.

  - Gabriel... - cochichei. - Gabriel?

  Ele abriu os olhos devagar.

  - Vá  se deitar. Já  amanheceu.

  - Onde está  Bella? - ele perguntou meio perdido.

  -No hospital. Está tudo bem com ela. - sorri e corri os dedos por seus cabelos.

Ele esfregou  os olhos e me olhou feliz e triste ao mesmo tempo.

  - Eu sinto muito. - falei baixo.

Eu sabia que não aguentaria passar por metade das coisas que ele já passou na vida. Rodrigo estava certo, Gabriel é  forte. É  um guerreiro.

Ele assentiu  e abriu um pequeno sorriso. Pegou minha mão e me fez sentar em seu colo.

Então me abraçou.

  - Sabe... - ele disse baixinho - Acho que não conseguiria passar por tudo isso se você não estivesse aqui.

Eu apertei os olhos sorrindo e o abracei mais forte.

  - Você sabe que pode contar comigo, Ga...

  - Sim, eu sei. Obrigado por tudo.

  - Por que não vai tomar um banho e voltar a dormir? - sugeri - Aposto que ficou acordado a noite toda.

  - Como sabe?

  - Sabendo.

  - Tudo bem - ele direcionou as íris  azuis para mim. - Não vai pro2 hospital hoje?

Neguei com a cabeça.

Ele selou nossos lábios  e subiu as escadas.

Eu olhei para a carta em cima da mesa e um envelope ao seu lado. Dobrei a carta, coloquei dentro do envelope, o fechei e deixei sobre o balcão. Ele decidiria onde guardá-la depois.

Não, eu não iria lê-la. Minha curiosidade estava à  flor da pele, mas eu não podia invadir sua privacidade assim. O que ele pensaria?

Ouvi uma melodia vindo do quarto e subi as escadas devagar e me concentrei nas notas da guitarra.

Ele havia trazido sua guitarra para cá?

A porta estava entreaberta  e eu fiquei do lado de fora apenas ouvindo ele cantar.

"You  know, I'm not  a charming  Prince.

I have  no  light, and  can't write  since  .

In  this  world I was  born  with  no  chance.

I  got  beauty, but I have no ignorance.

I  live  on the  other  side  of  the fence."

(Você  sabe, não sou um príncipe  charmoso/ não tenho luz e não consigo escrever desde então./ Nesse mundo, nasci sem chance,/ Adquiri beleza, mas não ignorância/ Vivo do outro lado do precipício)

Abri a porta devagar. Ela rangeu e Gabriel parou o que estava fazendo para me olhar.

- Desculpa. Não quis te atrapalhar.

- Não foi nada. Afinal, era pra eu estar no banho. - sorriu de leve.

- Quando trouxe a guitarra para cá?

- Estava no meu carro fazia uns dias. Nunca lembrava de pegá-la. Estou ficando mais aqui do que na minha própria casa e senti saudades de tocar.

Sorri. Era bom que ele voltasse para o mundo da música. Era o que ele amava, e fazia vária semanas que eu não o via tocar.

- Essa musica é nova?

- Sim. Brotou na cabeça, achei que devia escrever.

Percebi que havia um clima entre nós e imaginei quando é que ele ia sumir. Era como uma nuvem sobre nós. Menos carregada do que a de dois dias atrás, mas ainda estava ali, nos sondando.

Luka pulou no meu colo assim que Gabriel foi tomar banho. Eu a acariciei e imaginei quando é que eu poderia ver Bella. Luka deve estar com saudades dela. A casa fica vazia sem sua presença.

E meu coração também.

Na quinta, acabei não indo no hospital também. Miguel me ligou dizendo que o estado de Bella era estável, e que eu poderia ficar em casa.

Mas, foi na sexta-feira que eu tive certeza de que aquela nuvem iria sumir de cima de mim e de Gabriel de uma vez.

Era meio de tarde e ouvi meu telefone tocar.

Miguel.

Meu coração deu um pulo quando ele disse:

- Melissa, Bella está acordada.