~Gabriel~
No dia do assassinato da minha irmã, eu tomei uma pancada na cabeça e fui parar no hospital. Quando acordei, queria ver minha mãe desesperadamente. Eu não sabia o que fazer, não sabia se ela iria me buscar, se ia me deixar lá por me culpar pela morte de Mirella.
Mesmo que ela nunca tenha dito "A culpa é sua", eu sempre senti que ela pensava isso.
Não queria que Bella passasse por isso. Não queria que ela acordasse e ficasse desesperada para ver a mim ou a Melissa. Não queria que ela ficasse muito tempo sozinha para não pensar que não tinha ninguém.
Por isso, quando Miguel ligou, eu e Melissa largamos tudo e corremos para o hospital às pressas.
- Gabriel, o semáforo!
- Foda-se o semáforo.
Ela riu.
- Vai tomar uma multa.
- Eu pago.
- Desculpa aí, senhor rico, mas isso fica registrado. GABRIEL,O CACHORRO! - ela cravou as unhas em meu braço quando eu passei zunindo pelo cachorro.
- Melissa, relaxa, você está com o melhor motorista do século.
- Aham. Isso inclui arrancar minha cabeça, eu quero chegar no hospital viva, ok?
- Se for pra morrer, a gente já morre lá perto, porque não dá trabalho.
Ela deu um tapa em meu braço.
- Pode parar com essas piadinhas, ok?
O velocímetro marcava 100km/h. Andar na cidade com essa velocidade é o mesmo de pregar uma placa na testa dizendo "Quero ser multado".
Sinceramente, hoje eu não ligo.
Estacionei na frente do hospital cantando pneus. Arregacei a manga do moletom que usava e vi que as marcas das unhas de Melissa estavam ali.
Eu preferia que estivessem nas costas, mas... hoje era uma exceção.
Entramos. Como Melissa era médica e até as paredes do lugar a conheciam, ela conseguiu me arrastar para dentro sem precisar preencher ficha nenhuma.
Batemos na porta e uma voz masculina disse:
- Entre.
Melissa abriu a porta e vimos Miguel lá dentro. Bella estava meio sentada na cama inclinada e sorriu quando nos viu.
Fazia 3 dias que a cirurgia havia sido feita. Antes, ela estava inchada por causa do sangue acumulado e agora, voltou a ser a garota miudinha que conheci. Seus lábios estavam meio pálidos, mas seus olhos ainda brilhavam.
- Oi, Miguel - disse Melissa - Oi, meu amor - Se sentou de um lado da cama e eu me sentei do outro.
Soro estava ligado a ela, e várias máquinas medindo o compasso do coração, mas ela estava bem.
- Papai - ela sorriu e estendeu os bracinhos para mim. Eu e Melissa a abraçamos, num abraço triplo e cada um de nós demos um beijo de um lado do rosto.
Miguel observava, sorrindo.
- Como você está? - Eu perguntei e tirei uma pequena mecha de franja que caiu em seu olho.
- Bem. Eu acho. Meu coração novo funciona!
- Claro que funciona, Bella - disse Melissa. - E funciona muito bem. - ela olhou para Miguel, esperando a confirmação.
- Sim - ele disse - Funciona muito bem. Parece que foi feito para ela. - ele sorriu - Mas, Bella, você só pode sair daqui na sexta-feira que vem, tudo bem?
Ela assentiu.
- Posso trazer meu tablet? - perguntou.
- Pode, claro. Mas só amanhã.
- Ok. Papai, você pega pra mim?
- Claro que eu pego.
Que pergunta era aquela? Eu moveria o mundo por ela.
Parei.
Nunca pensei que algum dia eu fosse dizer isso.
Nunca pensei que um dia fosse ter uma filha e muito menos sentir essa coisa enorme por ela. Como pode?
Eu daria minha vida no lugar da dela sem pensar.
- O que quer fazer quando sair daqui, Bella? - Eu perguntei.
- Não sei...
- Podemos fazer qualquer coisa. - Melissa disse.
- Qualquer coisa?
- Qualquer coisa. - falei.
- Quero ver Gabi, Xofa, Brunna e Nathan. E a irmã dele também, a Bia. Aquele Isaac é o namorado dela? Ele também. Estou com saudades. Depois quero andar de moto. Não, primeiro eu quero andar de moto com o papai, depois ver o pessoal. Depois eu quero ir tomar sorvete, e depois ver filmes da Disney e depois levar as meninas para dormir lá em casa, depois tomar sorvete de novo, depois brincar com a Luka, depois ver os filmes da One Direction, depois ir no zoológico.
- Só isso? - perguntei com a sobrancelha arqueada.
- Só.
Para quem não conseguia pensar em uma coisa, essa é uma lista e tanto.
- Já listou coisas para fazer até sua formatura da faculdade - Miguel riu.
- Que nada, isso tudo a gente faz em um dia. - ela falou.
- Essa garota tem energia. - falei.
- E como.
- Bom, eu preciso conversar com um de vocês ou com os dois - Disse Miguel e nos olhou esperando uma resposta.
Melissa me olhou.
- Pode ir você. - ela disse. -Eu fico aqui.
Assenti.
Miguel foi comigo até o corredor.
- Bella está se recuperando muito rápido. - ele disse - Geralmente, não tiramos os pacientes da UTI até antes de uma semana do pós-operatório. Mas notamos uma recuperação tão rápida nela, e uma estabilização tão repentina, que seria inútil mantê-la lá. Trouxemos ela para o quarto ontem. Ela acordou hoje. Até a cicatrização foi rápida. Claro que não cicatrizou completamente, mas nós vamos tirar os pontos amanhã.
Assenti.
- Você sabe que foi um milagre, não sabe? Ter conseguido um coração.
- Sei - falei - Eu pensei que não íamos conseguir. Pensei que ia perder Bella - coloquei as mãos nos bolsos e olhei para meus pés.
Era uma mania que me acompamhava desde a adolescência.
- Sabe, Gabriel, eu também pensei - ele colocou a mão em meu ombro - Mas, definitivamente, essa ainda não era a hora da Bella.
- Parece que não. Fico feliz que não seja. A conheço faz apenas 3 meses. Não seria...
- Justo, eu sei. Não seria nem um pouco justo. - ele sorriu com compaixão - Mas... voltando ao assunto, Bella terá que ficar de repouso por um mês. Poderá andar, lógico, mas sem correr, sem pegar peso, sem se exercitar, no geral. Poderá sair de casa de carro, para ir ali e aqui, mas coisas rápidas. Sem ficar andando o dia todo.
- E a escola? - perguntei.
- Ela está de férias?
- Sim, mas as aulas já voltam em agosto.
- É o tempo que precisamos. Um mês em casa e depois volta à escola normalmente. Se ela se importar muito com a cicatriz que vai haver no meio de seu peito, posso indicar uma psicóloga muito boa para ela, mas apenas se ela estranhar a cicatriz. Caso contrário, é lucro para nós.
Assenti. Bella não parecia ser o tipo dee pessoa que se importaria em ter uma cicatriz.
- Por fim, amizades são sempre bem-vindas, então ela poderá chamar quem quiser para se encontrar e matar a saudade, mas como eu disse, sem esforços.
- Pode deixar, eu vou cuidar dela. - falei, e algo me ocorreu - Mas... e se os pontos romperem?
Miguel me olhou, dessa vez com o olhar distante.
- Se isso acontecer, há duas coisas que você tem que fazer, Gabriel. A primeira delas é trazê-la aqui o mais rápido possível.
- E a segunda?
- Rezar.
Meu coração deu um salto.
- Cuide o máximo para que isso nao aconteça.
Eu assenti, ainda meio assustado.
Quando me imaginava com filhos, só conseguia pensar em trocar fraudas quando ele fosse bebê. Mas a realidade foi perder a fase bebê de Bella e agora cuidadar de seu coração.
A mudança era assustadoramente drástica.
- Vou escrever os nomes de marcas de pomadas cicatrizantes, antibióticos caso ela sinta dor, e gaze. Troquem o curativo todos os dias. - ele falou, quase com a mão na maçaneta.
- Melissa sabe fazer isso, não sabe? - perguntei inseguro.
E se Melissa não soubesse? Como iríamos fazer isso?
- Melissa sabe como ninguém, mas não se preocupe. Quando Bella for embora, Cristina irá ensinar como trocar os curativos. Ensinará aos dois.
- Tudo bem. Obrigado, doutor Miguel.
- Pode me chamar so de Miguel. -ele sorriu - Ah, e... sobre seu pai. Não sei se quer falar sobre isso, mas.. eu sinto muito. O corpo dele está no necrotério. Os órgãos foram doados, como ele relatou que queria no processo. Mas quem decide se ele vai ser cremado ou enterrado é você.
- Quero que ele seja enterrado. - falei sem pensar - Ao lado de minha mãe. E... ao lado de Mirella.
- Desculpe a pergunta, mas.. quem é Mirella?
- Ela é minha irmã gêmea. Era - corrigi - Morreu com 15 anos.
- Meus pêsames.
- Obrigado.
- Vou mandar o corpo para o velório amanhã de manhã. Eles provavelmente o vão enterrar na parte da tarde. Avise os amigos mais próximos.
- E Bella? - perguntei - Ela ainda estará aqui amanhã.
- Gabriel, eu sei que pode parecer meuo egoísta... - ele suspirou - Mas é melhor Bella não ir ao enterro do avô. Seria demais para ela. Tanto para o físico, quanto para o emocional dela. Tente não tocar no nome do avô quando ela estiver por perto, e se ela perguntar algo, resuma a história de um jeito que deixe o final bom. Bella é muito esperta e inteligente, mas ainda é uma criança de 10 anos. Não precisamos apressá-la para crescer.
Assenti.
- Vou tentar não ficar muito para baixo quando estiver com ela. - falei - Mas não sei se isso ajuda.
- Ajuda, claro que ajuda. Separe as coisas. A dor de perder seu pai você desabafa com Melissa, com algum amigo próximo, alguém que te ouça. Procure um porto seguro. Só que não se esqueça de que quem vai ser o porto seguro de Bella será você. Então, para ela, guarxe apenas os momentos de alegria. Entendido?
- Sim.
Ele olhou para a porta, depois para mim.
- Você vai entrar? - perguntou.
-Sim, mas vou fazer um telefonema primeiro - respondi.
- Tudo bem. Com licença.
Ele entrou no quarto de Bella e fechou a porta atrás de si.
Peguei meu telefone e disquei o número que eu sabia de cor.
- Gabriel? Oi cara, aconteceu alguma coisa?
- Oi, Nathan. Bella está acordada, cara. - falei.
Ele riu.
- Que notícia boa! Deu tudo certo?
- Sim, está tudo nos conformes. Ela está se recuperando muito rápido, volta para a escola depois das férias.
-Ligaram hoje do hospital?
- Sim. Foi o doutor Miguel. Ele não esperava que Bella acordasse tão cedo, mas diz que foi bom ter acontecido. Ela volta para casa na sexta-feira que vem.
- Só mais uma semana e todo esse inferno acaba, cara. Fica firme.
- Pode deixar - suspirei - Miguel vai mandar o corpo do meu pai para a funerária. Amanhã a tarde ele já será enterrado, eu preciso correr atrás das coisas - falei, pensando que meu dia seria mais cheio do que esperava.
- Não, de jeito nenhum. Você fica com a Bella, a Melissa vem acalmar a Brunna, que está quase me dando nos nervos, e eu corro atrás das coisas. Você não precisa resolver esse tipo de coisa agora. Deixa esse trampo comigo.
Suspirei, aliviado.
- Muito obrigado, cara. E... o que aconteceu com Brunna?
- Está enlouquecendo de preocupação por causa de Bella. Eu vim passar uns dias em sua casa e ela me acorda todas as manhãs me chutando e gritando, dizendo depois que sonhou que tinha dado algo errado na cirurgia... está uma loucura aqui. Só não vou embora porque tenho medo que ela se mate ou destrua a casa se ficar sozinha. Ou os dois.
Soltei uma risada.
- Bia veio aqui com Isaac e tentou acalmá-la, mas não deu certo.
- Eu vou pedir para Melissa ligar para ela. Fique tranquilo. E falando em Isaac, ele e Brunna estão firmes?
- Estão namorando. Faz uns meses já.
- O tempo passou rápido.
-E como! Logo seu aniversário está chegando!
- É verdade.
Eu havia me esquecido complestamente de meu aniversário.
- Dia 04 de setembro está praticamente na nossa cara. - ele disse. - Falta só dois meses e BUM! 28 anos.
- Pois é -sorri. - Nathan, eu vou voltar para junto de Bella ok? Ainda estou no hospital. Vou pedir para Melissa ligar para Brunna e quando ela puder receber visitas sem ser dos pais, eu já aviso vocês.
- Tudo bem, cara. Boa sorte ai. Diz que eu e Brunna mandamos um beijo para a Bella.
- Eu mando sim.
Guardei o telefone e entrei novamente no quarto de Bella.
Miguel conversava sorrindo com ela e Melissa.
Melissa estava com um rabo de cavalo despojado no topo da cabeça. Sorria sentada na cama ao lado de Bella. Fiquei ali parado, apenas observando. Ela era linda.
Sempre foi.
"A beleza de uma alma infantil, que sem maldade é pura e gentil"
Me lembrei do poema que fiz para ela. Não era a toa que ela tinha roubado meu coração desde a primeira briga que tivemos.
O final dele era minha parte preferida.
" E faz-me amar, amor que nunca se viu"
Apesar da morte de meu pai, eu estava contente. A risada de Melissa ali naquele quarto me trouxe de volta à vida por um momento.
Eu sorri, ainda a observando.
Uns minutos depois, quando estávamos quase saindo, Bella disse:
- Mamãe, você não precisa dormir aqui comigo. Amanhã de manhã vocês vêm, não vêm?
- Sim, nós viremos - falei - Claro que viremos.
- Então tudo bem. Não tem problema eu ficar aqui sozinha.
- Tem certeza? - Melissa perguntou.
- Tenho, mãe.
- Eu cuido dela, Melissa - disse Miguel - Pode deixar.
Melissa sorriu.
- Confio em você, Miguel.
- Ah, Bella, um amiguinho seu me pediu pra te entregar isso. - tirei do bolso o desenho que Victor havia pedido para eu dar para Bella. A folha contendo um fundo azul e um coração vermelho no meio.
- Ok. -ela falou.
- Tchau, amor - Melissa deu um beijo em seu rosto, eu dei do outro lado e nós saímos.
Durante a semana toda houve uma atmosfera estranha entre nós. E agora, eu sentia que ela havia sumido.
- Sabe uma coisa que nunca fiz com você desde quando começamos a namorar? - perguntei, já dando partida no carro.
- Estou com medo de perguntar - ela riu, escondendo o rosto com a mão.
- Nunca te levei pra jantar. É melhor se arrumar.
- O que? Por que?
- Porque vai ser hoje.
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