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História Os Últimos Filhos - Hora da Morte


Escrita por: Skjald

Capítulo 11 - Hora da Morte


Fanfic / Fanfiction Os Últimos Filhos - Hora da Morte


~Kölbjörn

Um fato sobre Leif: ele é o maior cabrón hijo de puta e estraga-prazeres que eu já conheci.

Todo homem tem aquele amigo chato que não dá sossego quando o vê com uma garota. Na maioria dos casos, mandá-lo ao inferno e além costuma ser suficiente. Mas quando se trata do seu melhor amigo, é muito mais difícil se livrar dessa incômoda situação. Há os que gritam, os que assobiam e os que batem palmas. Leif não faz nada disso: ele apenas fica parado, observando. E foi o que ele fez, assim que chegou de seu demorado café e sua longa caminhada. Abriu a porta sem bater, encostou-se no batente e ficou ali, observando Helena a chorar, com o rosto enterrado em meu pescoço. A ideia de ter que deixá-la me dava um nó na garganta, até porque eu havia me afeiçoado demais a ela. Acariciei seus cabelos enquanto ela chorava baixinho; eu estava me esforçando para não beijá-la. Eu não sou do tipo que beija uma menina de manhã e outra de noite, e nem do tipo que beija e vai embora. Eu podia ver mais do que um simples gostar nos olhos cor de mel de Helena: ela me olhava com amor, carinho e sentimento. Limpei suas lágrimas e pedi-a que fechasse seus olhos. Ela obedeceu e eu lhe dei um beijinho em cada pálpebra, e um na ponta do nariz. Ela sorriu aquele sorriso doce que me cativara. Levantei-me de meu assento, ainda abraçado a ela. Olhei para Leif, que me avaliou da cabeça aos pés. Ele se limitou a assentir com um movimento da cabeça, aprovador. Sem abraços, sorrisos ou festa. Era como se eu estivesse meramente cumprindo a minha obrigação, o que de certa forma, era verdade. Mesmo assim, eu não fazia a menor ideia do que ele queria que eu fizesse.

- Parece melhor, irmão - Leif começou - Imagino que possa lutar, caso haja necessidade.

Lutar? Talvez ele também queira que eu corra a maldita São Silvestre.

- Eu mal consigo andar, filho da puta. Só luto se for de longe. Pow, pow - eu disse, fazendo um gesto de arma com as mãos.

- Achei que os anestésicos e estimulantes que eu deixei na mala seriam o suficiente.

- Pff. Se fossem, não haveriam baixas nos conflitos. Enfie alguns comprimidos na boca de um cara que tomou um tiro de escopeta no peito e ele está pronto pra outra.

Leif revirou os olhos.

- Tome mais alguns, se necessário. Partiremos na Hora da Morte.

Hora da Morte é como chamamos o período compreendido entre as dez da noite e três e trinta e três da madrugada. É nesse período que as guildas se tornam mais ativas e deixam a proteção de seus territórios para forragear suprimentos, atacar rivais ou simplesmente fazer arruaça. Os civis correm para suas casas, trancam suas portas e apagam suas luzes; não lhes é permitido andar pelas ruas nessas horas, nem pela polícia, nem pelas guildas. Qualquer um que seja infeliz o suficiente para estar fora de casa nessas horas é abordado, roubado e literalmente arrastado até sua residência. Se for ainda mais infeliz de ser pego com alguma arma - mesmo que seja um simples canivete - é executado sem demora, e seu corpo é jogado em uma vala ou no meio do mato. Digo-lhes que os cães encolhem-se de medo nestas horas, e mesmo os sanguerreais só conversam em sussurros. Se duas guildas se encontram, armas são sacadas e um tumulto tem início: quando são aliadas, pedem desculpas e seguem seus respectivos caminhos; quando são rivais, é aço contra aço. Também é nesse período em que a portas que separam esse mundo de outros são abertas: não é aconselhável que você perambule por becos, locais ermos ou abandonados durante essas horas, nem que vá dormir muito tarde. Basicamente, isso significa que o capeta começa a te aguardar no corredor mais cedo.

- Você só pode estar de brincadeira - eu disse, irritado - Ficou louco, Leif?

- Não se preocupe, teremos suporte - Leif fez um gesto displicente - Jaime está aqui, e temos um carro forte à disposição.

- Jaime von Drakke, o meu aluno? - perguntei - Quero dizer, ele é o melhor piloto da Falange.

- O próprio - ele respondeu - Sombra da Noite também veio. Seu estado de saúde não é muito bom, mas seu Sentido Sensor permanece tão aguçado como sempre.

- Não vai demorar até que ela se recupere - eu comentei - Só vieram os melhores, pelo visto.

Leif assentiu.

- Você já sabe o porquê, não é?

Eu assenti.

- Não se esqueça: você tem amigos, K - Leif continuou - Desde o dia em que foi embora, estivemos preocupados com você. Assim que o momento oportuno surgiu, começamos a elaborar planos para trazê-lo de volta para casa. E cá estamos agora.

- Se pudesse me contar esses seus planos, eu ficaria agradecido.

Ele olhou para Helena, com ar desconfiado.

- Falaremos disso depois, com calma. Bem, eu imagino que seja hora de voltar para casa, senhorita Helena. A noite se aproxima, e com ela os perigos.

Helena continuava agarrada a mim.

- Eu... eu não vou agora.

- Senhorita, eu... - o xamã começou.

- Eu.... vou ficar mais um p-pouquinho - Helena interrompeu.

- As ruas ficarão perigosas. Você... - Leif tentou argumentar.

- N-não tem problema.

A expressão facial do xamã tornou-se mais sombria. Ele não ia ceder.

- Não me lembro de ter lhe dado a opção de escolher.

- Deixe-a ficar, Leif - eu pedi - Ela quer ficar um pouco mais comigo. E Jaime pode passar pela casa dela, quando formos embora.

- Está falando sério, K? - Leif me perguntou, incrédulo - E se formos atacados antes de chegarmos ao ponto de encontro? Não posso proteger vocês dois ao mesmo tempo.

- Tão sério quanto você, Leif - eu disse, mancando até a cama e pegando a pistola que Camila havia me emprestado - Ela pode se proteger com isto. E eu me garanto. Pode ficar tranquilo. 

Helena parecia ao mesmo tempo surpresa e com medo. Ensinei-a as mecânicas e o funcionamento de uma arma, sob o olhar desaprovador de Leif. Verdade é que esse tipo de treinamento de muito pouco serve diante de uma situação crítica real, mas era melhor que ela soubesse como funciona uma arma na teoria do que ter que aprender na marra. Tínhamos ainda muito tempo livre até que chegasse a hora de deixarmos o hospital. Consegui, com muito custo, convencer Leif a me contar para onde ele iria me levar após a fuga: ele, Jaime e Sombra da Noite montaram sua base em um quarto de hotel na zona sul. Outros grupamentos fizeram o mesmo, alojando-se em diferentes áreas. Helena estava sentada na cama, fitando tristemente a arma que eu lhe havia dado. A dor estava voltando, então tomei mais alguns comprimidos; meu estômago roncou. Eu não comia nada há dias. Aliás, eu nem sabia que dia era, ou quanto tempo havia se passado. Eu já estava quase dormindo em meu assento, quando Leif finalmente se levantou e falou:

- Está na hora.

Com a ajuda de Helena e Leif, terminei de vestir meu uniforme e me armei com a espada de minha família e uma pistola Mauser que Leif fizera a cortesia de colocar na mala; Deixamos juntos o quarto. Leif seguiu na frente, com sua pistola em punho; eu estava logo atrás, amparado por Helena. O toque de recolher da Hora da Morte valia também para o hospital. Não havia ninguém nos corredores: nenhum paciente, nenhuma visita, nenhum enfermeiro. Apenas algumas poucas luzes estavam acesas, conferindo ao local um clima típico de filmes de terror. Tomamos o elevador até os estacionamentos: era perigoso demais sair pela porta da frente. Do lado de fora, as ruas estavam desertas e mergulhadas em penumbra. Haviam pouquíssimas casas ainda com luzes acesas, e não demorou muito até que fossem apagadas. Nem mesmo os postes funcionavam em sua totalidade: as companhias de eletricidade desligavam dois a cada três, numa tentativa de atrapalhar as ações noturnas das guildas. Na verdade, só facilitava: o ambiente escuro era perfeito para emboscadas. Leif e eu somos sanguerreais experientes, então nossos movimentos sempre são extremamente cautelosos, de modo a minimizar quaisquer chances de ataques surpresa. O ponto de encontro combinado por Leif era uma praça não muito longe dali, cerca de quatro quarteirões seguindo em linha reta.

Infelizmente, as coisas nunca são tão fáceis. O sonoro ruído de um motor potente quebrou o silêncio da noite.

- Inferno, patrulha blindada - Leif grunhiu -  Vamos ter que tomar outro caminho.

- Obrigado por afirmar o óbvio, irmão - eu sussurrei.

À uma esquina de distância, uma luz intensa varreu a escuridão da noite. Mais perto do que gostaríamos. Merda, trazer Helena realmente não foi uma boa ideia. Não acho que seja preciso dizer o que aconteceria especificamente com ela, caso fôssemos capturados. Não havia como criar uma distração, nem como nos escondermos em algum lugar sem fazer barulho. A única opção que restava era fugir. Bem, fugir não: acho que "retirada estratégica" soa melhor. Saquei minha pistola e me arrastei junto com Helena até a rua paralela, com Leif nos dando cobertura. Continuamos seguindo rapidamente pelas ruas mal iluminadas. Tínhamos uma vantagem: patrulhas blindadas são extremamente lentas, e só perseguem os alvos que são revelados pela luz dos faróis. Por outro lado, se houvesse um sensor acompanhando o pelotão, estávamos completamente fodidos. Dois quarteirões depois, dobramos uma esquina a esquerda e finalmente avistamos a praça de Leif. Me encostei em uma parede, ofegando e gemendo de dor. Eu havia chegado ao meu limite. Leif me ofereceu mais algum anéstesico, mas eu recusei: os comprimidos eram fortes demais e eu podia acabar tendo uma overdose. 

- Espere dois minutos, Leif - eu gemi - Estou cansado.

- Não podemos perder tempo, irmão - Leif me exortou - Estamos quase lá, força!

- N-não... não dá mais.

- Eu... eu posso te levar, Ed - Helena se ofereceu.

Nem eu nem Leif tivemos tempo de argumentar; Helena pegou o meu braço e passou por cima de seu ombro, fazendo um tremendo esforço para suportar meu peso. Leif ofereceu-lhe ajuda, mas ela recusou. Eu olhei para ela, e ela sorriu para mim. Eu sinceramente não sei de onde ela tirou forças para me carregar. Como eu talvez já tenha dito, apesar de não ser um cara gordo, eu não sou dos mais leves, e Helena é uma garota que eu descreveria como sendo pequena e frágil. Seja como for, ela conseguiu me carregar até a praça. Se quer saber, o que ela fez foi simplesmente lindo. Eu jamais teria pedido a ela para fazer algo assim, mas ela o fez, por vontade própria. Simplesmente por que queria me ajudar, mesmo sabendo que provavelmente nunca mais nos veríamos. Ela ajudou-me a sentar em um banco da praça e desabou no meu colo. Leif começou a praguejar; não havia nem sinal de Jaime ainda.


- Ei, casal - Leif grunhiu - Fiquem atentos. Atirem em qualquer coisa que se mexer.

Eu mesmo não conseguia me mexer, e provavelmente Helena também não, então supus que ninguém poderia usar o mesmo procedimento contra nós.

Eu estava errado.

Um clique ecoou pela noite.

- Sniper - resmunguei para Leif.

Joguei minha cabeça para o lado direito no exato momento em que a bala passou zunindo, acertando uma árvore próxima. Helena teve um mini-infarto e Leif rolou para trás de uma árvore, praguejando. Usei meu Sensor Térmico para tentar localizar o atirador; eu não poderia sair disparando a esmo com minha pistola, isso era literalmente um tiro no escuro. E então, notei que tínhamos mais companhia. Homens armados surgiram de todos lados, gritando e apontando suas armas. Leif começou a gritar e eu murmurei algumas pragas; Helena apontava sua pistola emprestada para todas as direções, completamente desorientada. Eles nos cercaram de modo que poderiam executar um movimento de pinça, fuzis e escopetas apontados para nós; mesmo que não houvesse nada nos bloqueando por trás, não poderíamos esperar fugir de suas armas de fogo, a não ser que a formação fosse atacada por fora. Um cara que eu julguei ser o capitão saiu do meio deles, segurando uma lanterna em uma mão e uma submetralhadora na outra. O filho da puta direcionou o feixe de luz diretamente para o meu rosto, de forma a me impedir de mirar corretamente e acertar-lhe um tiro no meio da cara.

- Amigo ou inimigo? - ele me perguntou.

- Falange Negra, de Belo Horizonte - respondi.

- Não foi isso que eu perguntei - não era apenas a lanterna que estava apontada para mim agora - Amigo ou inimigo?

- Depende. Se não abaixar essa arma, somos inimigos.

- Abaixem as suas também - ele retrucou.

- Estamos em menor número - eu rebati - Sigam os seus caminhos, e seguiremos os nossos.

O capitão olhou fixamente para mim, abaixando a arma. Ele parecia não saber como proceder. 

- Ei, olha que branquinha gostosa - um deles comentou - Acho que eles não vão ligar se checarmos se a bucetinha dela é rosa.

Helena ficou completamente atônita.

- É aí que você se engana - eu desafiei.

- Cale a boca, viadinho. Você mal consegue ficar em pé.

Existe um ditado popular que diz que "sanguerreal não resolve contenda com pistola" e nunca houve ditado mais verdadeiro. Joguei a pistola no chão e saquei a espada. Mesmo na escuridão, o aço negro brilhava como um céu noturno pontilhado de estrelas. E eu pretendia fazê-lo brilhar ainda mais. Apertei a base da lâmina com a mão livre e deslizei a espada como se a estivesse desembainhando. Eu já havia me acostumado com essa dor. Um filete de sangue escorria pela lâmina. Ergui a espada sobre a cabeça e fiz um sinal de mão.

- Brenna!

A espada ardeu em chamas, sua luz rasgando a escuridão e iluminando toda a praça. Não tanto quanto eu queria, mas ainda suficiente. Talvez eu não tenha comentado, mas nem todas as guildas tem membros sanguerreais: uma demonstração de poder como essa geralmente era suficiente para fazer qualquer pessoa normal pensar duas vezes antes de atacar.

- Abaixa essa porra! - O oficial ordenou.

O infeliz autor do comentário disparou sua arma contra mim. Fui suficientemente rápido para desviar a bala com minha espada flamejante - talvez eu tenha até mesmo a queimado - mas o esforço trouxe uma aguda dor ao meu flanco ferido. Leif agarrou o oficial pelo pescoço, colocando a arma em sua cabeça, e eu puxei Helena para meus braços, apontando minha espada de forma ameaçadora na direção dos agressores. Uma tumulto generalizado teve início, com gritos, ameaças, insultos e tiros para o alto. Haviam pelo menos quinze deles: eu não poderia lutar contra tantos e Leif estava completamente vulnerável ao atirador de elite, e podia acabar morto antes mesmo de matar o oficial. Helena, então, nem se fala: ainda estava completamente chocada com a o comentário ameaçador do maldito bastardo, tremendo em meus braços. 

Um estrondoso ruído pôs fim ao tumulto.

Se você se considera afortunado por ter aquele amigo que chega na voadora, reveja seus conceitos: eu tenho um amigo que chega na porra de uma van blindada, a quase cem quilômetros por hora, com a canção Fus Ro Dah! de Skyrim tocando no volume máximo. Gloriosamente épico. Jaime von Drakke esmagou os filhos da puta sob as poderosas rodas do blindado, estacionando em um perfeito drift. Claro que ele destruiu alguns bancos e árvores, também. Leif disparou sua arma, matando o oficial. O atirador de elite efetuou mais um disparo, e errou novamente; talvez ele não fosse tão elite, no final das contas. A porta do blindado abriu-se: lá dentro estava ninguém menos que Jessica Harford, mais conhecida por sua alcunha Sombra da Noite, vestindo um pijama estampado com ursinhos; uma cascata de cachos negros desalinhados caía-lhe até a cintura.

- Salve, K - ela me cumprimentou, com uma voz rouca - Isso são horas para ficar brincando na rua?

- Se eu pudesse, já estaria dormindo - eu olhei para Helena, ainda agarrada a mim - Vamos?

Ela mordeu o lábio inferior e me abraçou com força.










 



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