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História Os Últimos Filhos - Helena


Escrita por: Skjald

Capítulo 3 - Helena


Fanfic / Fanfiction Os Últimos Filhos - Helena


O nome dela era Helena.

Finalmente, a volta às aulas. Se é que eu poderia chamar assim, já que fodi meu primeiro dia com um rato flamejante. Exceto pela área de esportes destruída e pelas patrulhas policiais mais frequentes e intensas nos arredores, tudo parecia relativamente normal. Como sempre fora meu costume, cheguei mais cedo e dei uma volta pela escola (nada de bullying nessa manhã, felizmente) enquanto ouvia minhas músicas. Optei por Wardruna e Heilung nesse dia, o que me trouxe um certo sentimento de nostalgia. Lembrei-me de quando entoava o Hakkerskaldyr, hino de guerra da Falange, junto a meus companheiros, a energia e o fervor que cresciam a cada verso declamado. A natureza me agraciara com o dom da música, então geralmente eu ficava responsável por liderar o canto. A Falange Negra é uma guilda com uma tradição essencialmente pagã, então nossos cantos eram geralmente em islandês ou nórdico antigo. Embora você talvez possa achá-los um tanto estranhos, eu sempre achei que os hinos da Falange tinham uma beleza inigualável. Enfim, deixemos o saudosismo de lado e prossigamos.  
                               
Às sete em ponto, soou o alarme de início das aulas. Os alunos, que aguardavam a entrada no pátio, dirigiram-se para suas respectivas classes. Eu tive que esperar mais um pouco, até que um disciplinário me acompanhasse até a minha classe. Em minha bem elaborada fraude, atestei ser um aluno do segundo ano, com duas reprovações, já que estava com uma certa preguiça de começar no primeiro ano. Importante lembrar que, além de ter frequentado escolas regulares, eu frequentei também as da Falange, então, veja bem, eu possuo conhecimentos a nível técnico e superior e não teria nenhuma dificuldade com o conteúdo do ensino médio. Quando cheguei à classe, o professor, que parecia já estar me aguardando, fez sinal para que eu me aproximasse e começou a apresentação:

- Bem turma, esse é Edgar, nosso novo colega - ele começou - Ele veio de Minas e se mudou recentemente pra cá. Sejam gentis e dêem as boas vindas a ele - ele olhou para mim, esperando que eu continuasse a apresentação.

- É isso aí, caras. Eu sou o Edgar. Se precisarem de algo - eu disse, fingindo uma certa distração.

Edgar de Guimarães Feuchtinger foi a identidade que adotei para mim. Criativo, não? Edgar Feuchtinger foi um general da Alemanha Nazista. Além do fato de eu querer fazer jus ao meu humor negro, optei por esse nome por motivos meramente estéticos, como o fato de Edgar soar um tanto nórdico sem parecer anormal, e ter um nome alemão justificaria meu sotaque arrastado, já que eu passei a maior parte da minha vida falando as linguagens nórdicas. Bem, prossigamos. Acho que eu não preciso dizer que eu me sentia um ser de outro mundo, com todas aquelas pessoas me olhando. Alguns acenavam e outros sorriam gentilmente, mas percebi que algumas meninas davam risadinhas debochadas: só então eu percebi que havia caído na sala da garota bonita que eu havia salvado do incêndio. O professor me apontou um lugar vago, na última carteira de uma fileira ao lado das janelas. O lugar perfeito. Essa primeira aula era de geografia, ministrada por um professor gordinho, calvo e tediosamente animado demais para o meu gosto, então não dei muita importância e fiquei rabiscando alguns desenhos no caderno. Notei que a garota me encarava periodicamente, e abaixava a cabeça quando eu lhe devolvia os olhares. Ela também parecia querer se aproximar de mim nos intervalos das aulas, mas acabava desistindo. Eu me fingi de desentendido e continuei a sofrer por quase duas horas com aulas entediantes até que finalmente o alarme do intervalo soou. Porra, não me lembrava que escolas convencionais eram tão chatas assim. Na Falange, todas as atividades eram realizadas em trios e você poderia arremessar uma agulha ou uma faca em algum babaca que enchesse demais o seu saco, isso se o professor não o fizesse antes. Sentei-me em um canto com meus fones e meu lanche, quando para minha surpresa, a garota finalmente se aproximou. Ela estava meio vermelha de vergonha e parecia não saber exatamente como começar.

- Pois não? - eu disse, esboçando um sorriso.

- O ... O... O-obrigada! - ela gaguejou.

- Pelo quê, querida? - eu disse, dando uma de João Sem-Braço*. Sempre fui mestre nessa arte.

- B... B-bem... por... por ter m-me tirado da água... e...

- Ah, não foi nada! - eu disse, tentando parecer gentil.

Percebi uma rodinha de garotas se formando ao nosso redor, lideradas pelas patricinhas da piscina. A garota ficou ainda mais vermelha.

- HELENA TÁ NA-MO-RAN-DO! - elas começaram a cantar, em uníssono.

Vergonha alheia define.

- Ah, pelos deuses! O que é isso aqui, o pré-primário? Vão, sumam daqui, deixem a garota em paz! Saiam, saiam! Vão arranjar o que fazer!             

Demorou mais algumas risadinhas e olhares intimidadores da minha parte até que elas começassem a se dispersar. Aparentemente, meu sotaque não passou despercebido, já que ouvi algumas vadiazinhas sussurrarem algo sobre Leôncios, suecos e chucrutes enquanto saíam. Mais essa agora.

- Helena, hã? - eu disse, tentando quebrar o clima ruim - Lindo nome. Assim como você.

Ser galante é uma das minhas características mais marcantes, mas dessa vez não ajudou muito. Aparentemente a garota teve um pequeno lag mental, já que ela parecia não saber se agradecia, sorria, tremia ou saía correndo. Eu sorri, para provar minha sinceridade, e ela decidiu sair correndo, com lágrimas nos olhos. Senti pena da garota e pensei em ir atrás dela, mas isso só ia piorar as coisas. O alarme de fim de intervalo soou, e eu fiz meu caminho de volta para a sala. Helena havia chegado primeiro que eu, e estava encolhida e soluçando em sua carteira, e abaixou a cabeça assim que me viu. Sentei em minha carteira e procurei ignorá-la, mas não consegui. Ela era uma garota bonita e fofa, porém triste, e isso me fez querer dar-lhe um abraço. As próximas duas aulas foram entediantes, mas a última deixou as coisas um pouco mais interessantes. O professor de matemática, um cara de meia idade chamado Caio Brunner, parecia ter saído de um hospício. Ele tinha cabelos lisos, grisalhos e despenteados que caíam até a altura da intersecção de seu grosso pescoço com o queixo quase inexistente. Ele usava um pulôver marrom meio velho e tinha um sorriso manchado de amarelo fixado em seu rosto. Havia algo estranho sobre ele, que eu não sabia dizer o quê. Talvez fosse um Sanguerreal? Coloquei a mão sobre o rosto e senti a familiar sensação do meu Sentido Sensor sendo ativado. Meus olhos ficariam completamente brancos até que eu acabasse de assimilar as assinaturas energéticas, então eu não podia deixar ninguém ver isso. Não detectei nada de anormal. O professor calmamente colocou suas coisas sobre sua mesa e pediu para que formássemos duplas. Vi alguns alunos acenando para mim, em sua maioria garotas. Eu não sabia qual escolher, e foi então que vi Helena sozinha, pegando os seus materiais em sua mochila. Arrastei minha carteira para o lado dela.

- Posso? - perguntei.

Ela se assustou, como se não esperasse por aquilo, e uma pequena lágrima escorreu sobre seu rosto.

- O que foi? Eu assusto você?

- N-não! - ela gaguejou - N...não é n-nada. Nada mesmo. P-pode sim.

Ela limpou a lágrima que escorria por seu rosto e esboçou um pequeno sorriso. Peguei meus materiais e coloquei sobre a mesa. O professor Brunner passava pelas carteiras, distribuindo as folhas para resolvermos os exercícios, sempre com seu sorriso podre no rosto. Abaixei a cabeça novamente, ativando meu Sentido Sensor. Dessa vez, consegui detectar uma assinatura bem peculiar, sutil como o bater de asas de uma borboleta. Bingo! Era comum que sanguerreais mais poderosos desenvolvessem naturalmente uma assinatura difícil de detectar. Sombra da Noite, a melhor sensora da Falange, dizia que era quase impossível me encontrar em um campo de batalha. Eu podia dizer o mesmo dela. Brunner havia deixado duas folhas, uma para mim e uma para Helena. Ele estava agora de costas para mim. Decidi testar uma teoria: girei o meu lápis em minha mão direita e o arremessei em direção ao professor. Ele nem se dignou a olhar: apenas estendeu uma mão e agarrou o lápis no ar. Então, virou-se pra mim.

- Opa, meu querido - aquele sorriso já estava me irritando - Parece que escapou. Cuidado com isso da próxima vez, sim?

Ele jogou o lápis de volta pra mim e eu o peguei entre os dedos indicador e médio. Quase finquei o lápis na mesa, sentindo um misto de raiva e empolgação, mas me lembrei de Helena ao meu lado e me acalmei. Brunner começou a passar os exercícios na lousa. Ele era um sacana, pelo visto: os exercícios eram de um nível extremamente alto, e somente se os alunos fossem muito bons, poderiam esperar gastar a maior parte de seu tempo resolvendo apenas um deles. Helena começou a resolver um deles, me olhando com olhos marejados e tentando sorrir. Apesar de parecer estar indo bem melhor que o resto da turma, que resmungava e praguejava sem nenhuma ideia de como resolver aquilo, ela estava com um pouquinho de dificuldade.

- Está tudo bem aí? - eu disse, enquanto acabava de rabiscar a minha folha - Aqui, eu tenho as respostas. Olha só.

Ela me olhou assustada, provavelmente pensando que eu havia surrupiado o gabarito de Brunner, embora não quisesse demonstrar isso.

- Pega aqui. Tudo certo, eu garanto. Sou bom com matrizes.

Ela não estava animada com a ideia de ter que confiar em um cara que havia reprovado três vezes.

- E...está bem, eu... eu consigo. N-não se p-preocupe.

- Ok, você quem manda.

Mais sete minutos, e ela resolveu a primeira de três, e eu me surpreendi. Alguns minutos mais, e ela já estava indo para a terceira. A aula já estava quase no fim, quando ela começou a ter problemas com a última questão. Deslizei a minha folha para o lado dela. Ela me olhou, e sorriu timidamente. Levei nossas folhas para Brunner, que já estava em pé lá na frente, recolhendo os exercícios e sorrindo para os alunos que o amaldiçoavam. Ele olhou para mim e sussurrou:

- Edgar Feuchtinger, hein? Isso é nome de nazista, garoto.

Não lhe dei atenção e voltei para minha mesa, com ele sorrindo pelas minhas costas. Guardei minhas coisas e aguardei pelo alarme de término das aulas. Helena não conversou muito comigo, nem mesmo enquanto fazíamos a nossa atividade. Ela parecia preferir ficar me olhando, com aqueles bonitos olhos cor de mel. O alarme soou e ela desceu rapidamente as escadas na minha frente. Consegui alcançá-la depois de desviar de alguns muitos alunos, e agarrei seu braço para que ela não escapasse.

- Não vai nem se despedir?

Ela me fitou por um longo momento, e para a minha total surpresa, pulou em meu pescoço, em um abraço tímido e desajeitado. Em um mundo muito distante, imaginei ter ouvido aplausos debochados e piadinhas de mal-gosto. Ignorei e aproveitei o momento para sentir o doce perfume da pequena e bela garota que me abraçava. Voltei a realidade quando ela me soltou e saiu correndo pela rua, me olhando uma última vez, com uma pequena lágrima brilhante em seus olhos, sorrindo para mim. Eu abri um largo sorriso. Nem me lembrava que eu podia fazer isso.

Helena.

Ela era a mais bela borboleta de primavera, trazendo cor àquela cidade em preto em branco.
 


Notas Finais


* Dar uma de João Sem-Braço: fingir-se de desentendido.


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