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História Os Últimos Filhos - Peek-a-Boo!


Escrita por: Skjald

Capítulo 4 - Peek-a-Boo!


Fanfic / Fanfiction Os Últimos Filhos - Peek-a-Boo!


- O que é que você vê nela?

Me fizeram essa mesma pergunta há alguns anos, quando me tornei amigo daquela garotinha loira, magrela e esquisita, com as roupas sempre cheias de pelos e com cheiro de cachorro. Percebi que você pode abandonar sua antiga vida, mas sua antiga vida não te abandona. 

- Ela é só uma garotinha estúpida e esquisita, que não fala com ninguém e chora se você chegar muito perto - a garota metida a top model continuou. Seus cabelos negros caíam até a cintura, um piercing dourado brilhava em seu nariz, usando uma blusa apertada e uma calça legging, que evidenciavam suas curvas - Meu nome é Clarisse, queridinho. Aqui meu número. Quando quiser uma garota de verdade, só chamar - ela completou, colocando um papelzinho nas minhas mãos, e se afastando acompanhada das amigas.

- Clarisse - chamei-a de volta - Para o caso de eu precisar de uma garota de verdade, já sei exatamente a quem não chamar - rasguei o papel e joguei aos seus pés - Faria bem em não me procurar novamente, querida.

Ela me fitou, com os olhos arregalados, enquanto eu colocava novamente meus fones e fingia que nada tinha acontecido. Eu talvez devesse ter aceitado, até porque eu já estava parecendo um cara anormal demais. Eu me dava bem com os garotos, que me convidavam para jogar futebol ou algum joguinho eletrônico aleatório, mas eu desprezava as meninas dali, que se resumiam a muito peito e bunda, pouco caráter e nenhum cérebro. E além do mais, Helena nem sequer olhara para mim naquela manhã, talvez envergonhada demais ou até mesmo com raiva, por algum motivo desconhecido. É difícil entender as mulheres. As que tem problemas demais, então, nem se fala. As primeiras aulas foram normais, até mesmo a do Brunner, que entregou as atividades corrigidas e assistiu sorrindo aos alunos chorando por causa de suas péssimas notas. Eu e Helena conseguimos a nota máxima, e Brunner sorriu para nós do mesmo jeito. O alarme do intervalo soou. Esperei os alunos descerem correndo e se empurrando feito uma manada de mamutes, e desci tranquilamente com meus fones de ouvido. Fui até a cantina para pegar uma bebida e vi Helena, que aparentemente estava tendo problemas com a Clarisse.

- ...você faz uma mistura metade chá verde e metade coca-cola... - Clarisse disse, colocando o copo na mão de Helena - ...e depois joga esse cara aqui, é muito legal - ela atirou uma pastilha de Mentos no copo.

A mistura começou a espumar e molhar as mãos de Helena, que se desesperou. Revirei os olhos e fui até lá. Puxei o copo das mãos de Helena e espuma escorreu pelos meus dedos. Joguei o conteúdo na cara de Clarisse, para o deleite dos que assistiam.

- Opa, me desculpe. Foi um espasmo.

A multidão começou a rir descontroladamente, enquanto Clarisse se espremia para passar por eles, chorando. Eu me aproximei de Helena, com o copo ainda em mãos, quando ouvi um grito vindo do meio da plebe:

- Filho da puta!

Um cara metido a marombeiro saiu do meio da multidão de alunos, de mãos dadas com Clarisse, que chorava copiosamente. Aparentemente, a vadiazinha tinha UM namorado. 

- Qual foi, seu babaca? - ele berrou, vindo pra cima de mim com o peito estufado e os braços abertos. Parecia um galinho de briga - Porque é que tu jogou essa merda na minha namorada?

Olhei para o copo.

- Opa, ainda tem um restinho - joguei o resto na cara do franguinho de academia, que guinchou. Agarrei-o pela gola, e atirei-o no chão como um saco de areia.

Ele tentou se levantar, meio desequilibrado.

- Vai me pagar, maldito - ele rosnou.

Puxei minha carteira do bolso e tirei algumas notas e cartões:

- Crédito, débito ou espécie, senhor? À vista ou parcelado? 

Puxei Helena pelo braço e deixamos para trás a multidão de alunos que ria descontroladamente do deplorável estado de Clarisse e seu namoradinho. Levei-a até um canto mais reservado, para evitar qualquer tipo de incômodo. Lágrimas rolavam pelos seus bonitos olhinhos cor de mel.

- Não adianta fazer essa carinha, garota - eu disse, tentando parecer irritado - Eu estou tentando ajudar você, mas se sair correndo cada vez que me vir, não vou poder fazer nada.

- M-mas... você.... v-você mal me conhece... - ela murmurou.

- E daí? - eu retorqui - Ficaria surpresa se soubesse o quanto temos em comum.

Ela agarrou o meu braço.
 
- E-escuta... eu... eu... n-não quero arranjar p-problemas pra v-você. É sério. E, a-além do mais, s-sempre que al-alguém se aproxima de m-mim, acaba indo e-embora, e...

- Você não vai ser um problema se ficar por perto, garota - eu disse, segurando-lhe os dois braços - E eu não pretendo ir embora.

Ela sorriu, e não tentou fugir dessa vez.

- O-obrigada.

Eu sorri de volta. Voltamos para sala juntos, apesar de que ela seguiu ao meu lado sem falar nada, de cabeça baixa. O professor do horário anunciou que teríamos uma palestra, então fomos todos para o auditório do colégio. Sentei-me ao lado de Helena na última fileira, na qual ficamos só nós dois. Prosseguindo, a palestra aparentemente seria ministrada por uma dessas youtubers teen, que nos contaria com detalhes sobre como é ganhar a vida falando bobagens na frente de uma câmera e criando conteúdo de qualidade duvidosa para a internet. Nosso diretor subiu ao palanque, e após algumas breves palavrinhas, chamou nossa ilustre convidada ao palco.

Eu gelei.

Camila.

Os longos cabelos ruivos, a diminuta estatura e a genitália voadora na capa de sua apresentação feita no PowerPoint não deixavam dúvidas de que era mesmo a Camila que conheci. Nos encontramos pela primeira vez quando ela estava em minha cidade para um evento de cultura geek, e eu quase perdi a minha vida para salvar a dela. Sou um bom samaritano, afinal de contas. Bem, nos tornamos bons amigos desde então, mas fazia muito tempo que não nos falávamos e mais ainda que não nos víamos. Mesmo assim, eu teria que ter muita sorte para que ela não me encontrasse. Ela poderia me reconhecer mesmo se eu estivesse vestindo outra pele, eu tenho certeza. E por quê fugir dela? Primeiramente, assim como eu, ela é uma sanguerreal. Além disso, ela era uma protegida da Shindo Renmei, uma guilda formada por imigrantes e descendentes de japoneses que dominava o Bairro da Liberdade e seus arredores e que, desafortunadamente, era uma aliada da Falange Negra. Eu não precisaria nem olhar para saber que havia uma quantidade considerável de japoneses mal-encarados armados com katanas patrulhando os arredores. E, para finalizar, ela é uma das pessoas que poderia trazer meu passado à tona: se ela ao menos sonhasse que eu estava ali, ela com certeza gritaria meu nome - o verdadeiro - no meio da palestra, e correria na minha direção. Isso causaria um tumulto gigantesco - Kölbjörn Furia é um cara bastante procurado, digamos - e ao perceber isso, ela tentaria me esconder em casa ou algo do tipo, o que iria causar mais problemas. Eu queria sair correndo dali, mas não era assim tão simples. Eu tinha que torcer para a sorte estar ao meu favor.

- O q-que foi? - Helena havia percebido minha apreensão - V-você está se sentindo mal?

- Não é nada - eu disse, tentando parecer normal - Eu estou bem.

Eu peguei a mão de Helena e comecei a brincar com seus dedos, o que a fez corar e esconder o rosto com a outra mão. Ela ficava muito fofa quando sentia vergonha, e isso de certa forma fez com que eu me acalmasse um pouco. Eu continuei segurando sua pequena mãozinha enquanto Camila falava sobre sua vida, seu canal, seus objetivos e aspirações. Mais para o final, ela abriu espaço para as perguntas. Todas foram perguntas relativamente normais, exceto pela última. Um filho da puta que estava sentado à minha frente e à direita ergueu a mão e disparou:

- É verdade que você já esteve no meio de um conflito entre duas dessas... hã, guildas?

Tive vontade de rasgar a garganta do camarada de fora a fora, mas ao invés disso, tudo o que fiz foi apertar com força a mão de Helena. Ela pareceu sentir um pouco de dor, mas tentou não demonstrar.

- Me desculpe - murmurei.

- Sim, sim - Camila disse, com certa naturalidade, olhando em direção ao fundo do auditório - Por muito pouco, eu não acabei morta. Mas sabe, às vezes, essas coisas assim tem um lado bom. Eu conheci um cara muito legal no meio disso tudo, e foi ele quem salvou minha vida. Infelizmente, eu não voltei a vê-lo pessoalmente, mas mantivemos contato durante um certo tempo. E bem, eu sinto saudades dele. Queria vê-lo de novo.

Apesar de eu ter achado isso um tanto quanto fofo, eu continuei suando frio. Mas felizmente, ela não me notou. Ela agradeceu e se despediu, aplaudida pelo público após falar copiosamente durante quase duas horas. Eu imagino que o fato de ela ser uma garota bonita com uma voz animada tenha ajudado a manter os alunos focados, caso contrário, o auditório inteiro já haveria dormido na metade da palestra. Os alunos da minha classe correram até a sala para guardar os materiais e desceram feito uma manada de mamutes, como de costume. Segui com Helena até a saída, onde ela dessa vez ela se despediu mais adequadamente de mim, ainda que com a timidez habitual. Perguntei brincando se eu não ia ganhar um abraço de novo, e isso a fez ficar sem jeito, então eu disse a ela que estava tudo bem e seguimos nossos respectivos caminhos. Cheguei na pousada cerca de vinte minutos depois, e, sinceramente, tudo o que eu precisava depois de passar por esse sufoco era de um bom descanso. Resolvi ver um filme na internet para relaxar. Abri meu notebook, loguei e resolvi dar uma olhadinha no perfil do Facebook que havia criado para Edgar, para ver se havia alguma coisa interessante

Havia uma mensagem para mim.

Três simples palavras, que me fizeram gelar.

- Peek-a-Boo!* - dizia a mensagem.

Camila havia me encontrado.
 


Notas Finais


* Peek-a-Boo é um termo em inglês sem tradução literal no português. É usado como denominação para uma brincadeira feita com crianças, similar ao esconde-esconde, onde um dos jogadores cobre o rosto com as mãos, e, ao descobrir o rosto, diz algo como "Achou!"


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