E assim eram todas as noites. Os berros, o choro, a dor que entrava pela porta da sala quando o marido de Marcela chegava do trabalho.
Os dois brigavam pela casa inteira; começavam no quarto, passavam pela cozinha, pelo porão. Quase sempre terminavam a discussão num pequeno quarto de empregada nos fundos da casa, onde o marido confinava sua esposa como um castigo, fruto da autoridade matrimonial que Deus o havia concedido.
Marcela se encolhia, insignificante, no chão frio. Ficava completamente sozinha, a não ser por um grande espelho que a encarava. Tinha a impressão de que o objeto zombava dela, como se os olhos refletidos não fossem os da própria moça, mas os de outra pessoa, que julga, ri, demoniza.
Certa noite, Marcela não aguentou mais a dor estancada no peito. Com um soco, quebrou o espelho de sua cela em vários pedaços. Segurou um dos cacos e, sem hesitar muito, cravou-o na própria garganta.
Na manhã seguinte, o marido de Marcela descobriu o que fizera. No entanto, o que realmente o assustou foi não ver o próprio reflexo no espelho quebrado. Havia o sangue, o cadáver, mas nenhuma imagem do verdadeiro culpado.
E assim são todas as noites.
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