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História Otherside - Décimo Sexto


Escrita por: redwood

Capítulo 16 - Décimo Sexto


Nico 

Acordei com o ar seco de uma manhã de inverno se instalando em meus pulmões. Senti minhas narinas arderem quando levantei, e ao me fitar no espelho, percebi que meu nariz estava sangrando. Olhei para os lados. Vanessa estava resolvendo problemas em Belfast. Meu reflexo parecia o de alguém espantado, ou abalado. Quebrei aquela imagem dando um sorriso. E havia razão para aquilo: Robert. Eu o tinha para mim. Aquilo. O momento em que eu levantava e existia uma certa empolgação em viver aquele dia. Se eu tivesse a oportunidade de fotografar um acontecimento para a memória, seria aquele. 

Por vezes, não parecia real. Eu revivia a imagem de nós dois juntos o tempo inteiro e sim, ele era meu namorado, e eu era o seu. E não podia ser tão fácil assim, podia? Me entreguei de uma forma que havia prometido jamais me entregar daquele jeito novamente, então posso concordar que sim, eu o amo. 

Talvez isso representasse um perigo para mim. 

Desço as escadas. Ninguém estava desperto, ainda. Olho o relógio na parede. Seis da manhã. Cogitei voltar para a cama, mas ouvi barulhos na cozinha. 

— Bom dia. — falei, um pouco tímido, por não ser muito próximo da pessoa. 

— Oi. — era Lauren, a garota que aparentemente era a líder da República. Ela não parecia muito bem. Estava sentada na mesa. Em sua mão havia uma caneca. A mesma mão que segurava também tremia. 

— Tá tudo bem? — tentei ser simpático. 

— Aham. — concordou ela, sem se mover. Minha abordagem nunca foi muito boa. 

Permaneci em silêncio, e me levantei para voltar ao quarto. Foi quando ela me chamou: 

— Nico.  

Me sentei na cadeira ao seu lado. 

— Posso conversar com você? — disse ela, baixando a cabeça, triste. 

— Sim, sim. O que houve? 

— Aconteceu... — Lauren pausou e respirou fundo. — Aconteceu uma coisa ontem. Comigo.  

Senti meu corpo estremecer por inteiro. 

— Você quer dizer, aqui? O que- 

— Não. — disse. — Eu... Eu só preciso colocar isso para fora, okay? 

Acenei, concordando. 

— Eu conheci esse cara faz umas semanas. Ele é da Universidade também. — ela parou por um instante, e me encarou com seus olhos castanhos. — Também é um dos professores. 

Eu congelei. Mas a deixei continuar. 

—  Nós saímos na noite passada — continuou. — O que era para ser algo casual acabou meio que numa bebedeira, sabe? — Lauren comprimia as mãos como se espremesse um pano úmido. — Ele me levou para o apartamento dele depois que eu estava bêbada e inconsciente, e então... 

Engoli em seco. Provavelmente me faltariam palavras depois do que estava por vir. Lauren estava em lágrimas na minha frente, fragilizada e eu me reprimi junto com ela. De repente, toda aquela felicidade que eu estava sentindo parecia como uma ofensa à situação dela. 

— E a pior parte — disse Lauren. — É que eu lembro. Quer dizer, eu estava bêbada. Mas eu tenho a imagem dele na cabeça. Me estuprando. 

Pensei em abraçá-la, entretanto, logo me ocorreu que a última coisa que Lauren gostaria era de ser tocada por um homem. 

— Você já contou isso para mais alguém? — perguntei. 

— Não! — ela respondeu, assustada. — E-eu tenho medo.  

— Lauren, isso é muito sério 

— Eu sei. — rebateu ela. — Acha que eu deveria contar? 

— Isso não pode acontecer de novo. E você disse que ele é um dos professores, certo? 

Ela permaneceu em silêncio por alguns segundos. Ficou olhando para a janela de vidro, até que me revelou: 

— O nome dele é Liam. 

Prometi a Lauren que não revelaria nada a ninguém por agora, entretanto, aquele nome pairava na minha mente.  

Liam.  

Mais tarde então, me ocorrera que o nome Liam foi mencionado por Andrew, este sendo o amigo mais próximo de Robert. Os três se conhecem. 

Talvez fosse mais difícil cumprir minha promessa. Talvez fosse mais difícil ainda não surtar com tantas desgraças acontecendo seguidamente, como num cronograma de tragédias. 

*** 

O dia seguiu estranho. Fiquei inerte àquela situação, porém sentindo que deveria agir. Não sabia se ligava para Robert, ou se deixava como estava. Mas em algum momento, sabia que algo teria de ser feito.  

Mais tarde, fazendo compras num supermercado próximo, encontrei Charlie — que aliás, não morava na República fazia semanas, e sim dividindo um apartamento com um amigo que ele jura ser de infância — por entre as prateleiras. Desviamos entre conversações paralelas em nosso diálogo, até um silêncio constrangedor se formar entre nós, e eu não aguentei: 

— Vamos, eu sei que você quer falar sobre isso. 

— Isso o quê? — perguntou ele, fingindo ingenuidade. 

— Charlie, é sério. 

— Tá bom! — rendeu-se. — Mas você não viu o que eu vi. E nem ouviu. 

— Provavelmente estava um pouco bêbado. — ironizei. 

— Bom, bêbado o suficiente para não ouvir que o professor disse que era seu namorado. E ainda ameaçou Kurt com uma faca. 

Eu só não larguei minha cesta de compras no chão porque haviam ovos nela. 

— Ele o quê?! 

Charlie respirou profundamente. Naquela altura, eu não sabia se queria socar ele ou Robert. 

— Pois é. O cara é um perigo. 

— Charlie, você tem certeza? 

— Eu estava lá! Nico, por que não me contou sobre vocês dois? 

— Não é como se fôssemos amigos íntimos, né. — comentei, em voz baixa. 

— Qual é o seu problema? — perguntou ele, logo se afastando irritado em direção ao caixa. 

Droga, por que eu não calo a boca? 

— Charlie, espera! Eu... — corri para alcançá-lo, mas ele já havia pagado as compras. 

— Vai se foder. Não espere que eu diga "eu te avisei" quando você estiver realmente ferrado. 

E então saiu pela porta de vidro. 

Não haviam palavras para expressar o quanto eu estava puto com aquilo. Não com Charlie, eu fui um idiota com ele, mas com Robert. Mal eu havia voltado a depositar minha confiança nele, e ela havia sido destruída. E então fiz minha observação pessoal. 

Eu não conheço Robert. A cada dia, é revelada uma nova face de si, um novo detalhe sobre quem ele é. E tenho medo até que ponto isso vai chegar. E aonde isso vai me levar. 

Ah é, e ainda tem Liam. 

Assim que saía do mercado, presenciei uma mendiga cega encostada na parede em seu cobertor. Eu a ofereci uma de minhas maçãs. 

Ela agradeceu. Ponderou por alguns segundos em minha direção e então disse: 

— Você é uma boa pessoa, mas não se deixe levar pelas aparências. Ele está te enganando há muito tempo. 

— Quem? — perguntei imediatamente. 

— Seu coração. 

A cega se levantou e saiu andando como se nada tivesse acontecido. 

                                                        

*** 

Haveria esse baile do final de semestre no qual ninguém parava de falar sobre. Eram umas 7 horas da noite quando os garotos e as garotas se vestiam para celebrar o quão desrespeitosos eram perante a recente morte de uma aluna.  

É tradição. E tradições nunca podem ser interrompidas, diziam. Provavelmente eu não teria ido se não fosse a insistência de Vanessa. Mesmo de Belfast, ela ligou e exigiu que eu não perdesse o tal baile. 

Estava com um pé atrás naquilo tudo. Havia optado por evitar Robert, e pelo fato de que ele provavelmente estaria lá, o confronto seria certo. 

Eu o estava ignorando mesmo. Ligações, mensagens e tudo. Mal havíamos começado algo, e tudo estava deslanchando.  

Sei que ele não está entendendo o que está acontecendo, mas esse é meu jogo, essas são as minhas regras. 

O "baile" se tratava de um DJ animando uma mísera festa dentro de um ginásio com alunos e professores, não muito diferente do ensino médio. Assim que cheguei lá, a cena era um pouco estranha: alunos dançando de forma lenta o que seria um The Smiths, enquanto outros conversavam nos assentos ao redor da quadra, e os professores, em cadeiras confortáveis, arregados de bastante cerveja. Era engraçado. A clara diferença até aqui, fora das salas de aula. 

Tentei não procurá-lo entre meus olhares, o que foi em vão, pois de longe eu o via. Entre uma risada e um gole por aqui e ali, ele também procurava alguém. Me dispersei entre a multidão, me lançando aos montes. Haviam apenas rostos desconhecidos. 

Fazia muito tempo em que eu não havia me sentido só daquele jeito. Percebia que todos, aparentemente, estavam com alguém que dava significado as suas vidas. Mas o que eu estava fazendo com a minha? Meu Deus, estou do outro lado do mundo, longe de casa, sem meus amigos, e me relacionando com um homem que não sei se é quem aparenta e diz ser. Só queria abraçar o meu pai e dizer que ele estava certo.  

— Nico? 

Despertei dos meus pensamentos, assustado. 

— Isaac! — de repente, um rosto conhecido, pelo menos. — Não sabia que você viria. 

— E eu não sabia que Vanessa não viria. — retrucou ele. 

— É, ela está em Belfast. 

— Enfim — disse, talvez um pouco chateado. — Vem, eles estão dando bebida pra todo mundo. 

Ele me arrastou pela quadra, e a essa altura, eu só me preocupava em ser visto. Teria funcionado corretamente, se não fosse o fato de meu cotovelo esbarrar em alguém enquanto pegava um copo. 

— Oh, desculpe. — lamentei. 

O homem não deu muita importância. Foi quando ouvi uma voz um pouco atrás. 

— Ei, Liam! Traga mais dois copos! 

Liam. Era ele. Minha reação ao vê-lo bem ao meu lado foi fugir dali e correr imediatamente para o banheiro. 

Vomitei em um sanitário. Minhas mãos tremiam, geladas. Não sei se eu sentia medo por ver um estuprador ao meu lado, ou se sentia raiva por ele estar impune.  

Fui até a pia para lavar meu rosto. Com a música vindo abafada do outro lado, aquilo parecia mais um pesadelo.  

E o meu reflexo no espelho mais uma vez. Cada olhar que lançava para minha própria imagem soava como uma pessoa diferente. Meu rosto parecia o de alguém inerte a uma situação. 

Inerte ao medo. Um calafrio sobe pela minha nuca quando tenho esse presságio de que algo irá acontecer. 

Deixo o banheiro, Mas a imagem diante dos meus olhos já não era mais a multidão dançando em pares. Era Robert. Ali, diante de mim. E quando pensei que as palavras viriam de dentro de mim, elas não apareceram. 

Sem dizer uma única palavra, Robert me puxou para dentro de um dos boxes do banheiro e começou a me beijar. Acabei aceitando o contato entre nossas línguas, o seu toque entre meus cabelos e as mordidas em meu pescoço. Sim, eu estava com raiva dele por antes, agora eu estava por ser fraco diante suas investidas. Eu era seu, e quando isso acontecia, eu não era mais nada.  

Porém, entre um beijo e uma mordida, ele interrompeu: 

— Por que... — ele estava ofegante. — Você não me atende? Eu estava preocupado. 

Sua boca fedia a álcool. 

— Porque... — eu não conseguia inventar uma desculpa, pois enquanto falava ele chupava minha nuca. Eu estava eriçado com aquilo, e não tinha controle.  

Mas Robert não pareceu se importar com o meu silêncio. Aparentemente bêbado, pude sentir quando sua ereção esbarrou em minhas coxas. 

— Robert, pára. Não podemos fazer isso aqui... Robert! 

Eu tive que estapeá-lo. 

— O que deu em você?! — perguntou, indignado. 

Fui saindo do box, e então o abordei, ignorando todo o resto: 

— Seu amigo Liam é um estuprador.



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