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História Otherside - Oitavo


Escrita por: redwood

Capítulo 8 - Oitavo


Robert 

Na manhã seguinte, eu estava livre da enfermaria. Fui receitado com alguns medicamentos e o que eles pediram unicamente foi repouso. Também recomendaram evitar irritações. 

Essa parte foi a mais difícil, confesso. 

—Não preciso de ajuda, sério —falei. —Parece até que tenho uns cinco anos de idade. 

—Você pode ser o irmão mais velho, mas pra mim, sempre vai ser um bebezão.  

Minha irmã mais nova, Erica, veio me buscar de Cambridge até a minha casa assim que ficou sabendo do meu "acidente." 

—Deixa que eu dirijo — adiantou logo ela. —Eles falaram que seria bom você evitar esforço também, lembra?  

Eu suspirei, e sorri, me rendendo aos seus cuidados. Com Erica não havia conversa, ela sempre estava certa. 

—Ah, eu também já liguei pro seu trabalho, e avisei que você vai faltar hoje e na sexta. 

—Erica!  

—O que foi? — disse ela, dando partida no carro. 

—Já disse que não tô doente. Não precisa se preocupar tanto assim — falei, irritado. —Eu só... desmaiei. 

Erica não respondeu, trafegando séria pelas ruas de Londres. Não dirigimos uma palavra ao outro, acentuando a constantemente ácida relação que tenho com meus irmãos. 

—Não pode me culpar por me importar tanto. — disse ela, em tom grave. 

—O quê? 

—Eu me preocupo com você, Robbie —ela me fulminou com seus olhos verdes. —De verdade! Isso pode ser um sinal, sabia?  

As fechadas curvas da capital só indicavam o perigoso rumo da nossa conversa. 

—Tá exagerando. —rebati. 

—Fala sério, cara, você se dedica demais ao seu trabalho, não se distrai, e quando tem tempo, só fica na Netflix! Sem falar que não tem ninguém pra cuidar de você. 

—Isso nem é problema. —falei, contrariado. Ninguém precisa me lembrar da minha solidão. 

—Eu sei disso. Mas é importante. Todos nós já temos alguém. Até o Jacob, que era um galinha, se casou com a Kelly. Você precisa de uma mulher que te dê carinho, atenção, cuidado, essa coisa de casado, entende? 

—Ou um... 

—Ou um homem, eu sei disso. Por mais que o papai e a mamãe detestem essa ideia, você tem todo o meu apoio, irmãozinho.  

Erica segurou minha mão e sorriu. Eu sorri de volta, porque ultimamente, saber disso era minha única paz. 

Saber que Erica, pelo menos só ela, me aceita como eu sou, sem impor nada. 

E então chegamos em casa. Meu velho lar me recebia de braços abertos naquela manhã nublada que estava por começar. 

Eu desci do carro. E só então quando desci, percebi o quão distante eu estava da realidade, e que meu subconsciente, mesmo relutante, me avisava que eu estava mentalmente insano ou doente. 

Minha irmã não estava ali. Ela jamais esteve. Esse nosso último diálogo jamais existiu. 

E era tudo na minha cabeça mais uma vez. 

Tento esquecer aquela situação e de imaginar o quão patético eu estava ao dialogar sozinho. Por outro lado, imaginar aquela conversa diz muito sobre quem eu sou agora.  

O que eu desejo. Estar livre. 

Entro em casa e o ar do ambiente vazio se mistura com os meus sentimentos internos. Eu encaro a minha bagunça feita pelos cômodos como um reflexo de como eu também me sinto. Talvez eu devesse iniciar uma revolução, e ela começaria de fora para dentro. 

 - - - 

Caixas pesadas e mofo se misturavam ao meu suor. Eu levava tudo para o quintal, ignorando a eminente dor de cabeça, e também as recomendações do médico. O tempo inteiro o aviso de que eu não deveria cometer esforços vinha como um bipe interno. Terminei analisando o conteúdo de uma antiga caixinha de madeira, pintada pelo meu pai. 

Eu não lembrava do que havia dentro dela. 

Não deveria nem tentar. Me arrependi imediatamente do conteúdo que encontrei na mesma e amassei o que havia dentro.  

Cartas que eu não tive coragem de jogar fora (o grande detalhe eram as lágrimas marcadas no papel), fotos rasgadas, ingressos e coisas de quando eu era fã da Avril Lavigne, em meados de 2003. 

Tudo foi para o monte de tralhas e lixo no fundo. Tudo bem, não é nem metade do que eu realmente deveria descartar. No porão há muito mais porcaria que merecia estar ali. 

Risquei o palito e iniciei o fogo que consumia cicatrizes do passado, deixando a fumaça levá-las para longe. 

A dor na cabeça latejava. Eu queria dormir, mas fedia como nunca e necessitava de um banho. 

- - - 

Lembro de caminhar naqueles campos de areia gramada, e era fim de tarde. O sol nunca doía em nossas peles porque estávamos felizes e o tempo nunca passava, não importando se era o dia ou a noite. 

Lembro também de, após um futura reflexão depois daqueles tempos, em como as pessoas estão cansadas de boas histórias de amor. Porque o que é bom, passa. É finito como um filme de romance hétero onde tudo está fadado a ficar bem. Não que isso seja uma regra geral, claro. O que estou tentando dizer é que a dor e o sentimento de mágoa se prolongam. Aquele entalo na garganta não passa, e você quer aceitar que as coisas terminaram daquele jeito e ponto. Mas o seu coração não compreende que o destino é mito, e que as circunstâncias são fato. 

O tempo que se leva para entender que apaixonar-se não significa assinar um contrato de eternidade entre um casal com o destino é maior que compreender que ele não existe. Certas pessoas jamais poderiam ficar juntas no futuro, e pronto. 

Entretanto, entender isso machuca. E até lá, nós voltamos para aqueles campos de areia, e estamos na praia mais uma vez. Não consigo ouvir o que você me diz, pois a brisa do oceano corta as suas palavras no ar. 

E eu também, pois não consigo dizer uma palavra. Em vez disso, eu também lhe corto, mas com uma faca. O objeto cortante penetra o âmago do seu estômago, e você derrama lagrimas, que se misturam a sangue, areia e água salgada. 

Você está relutando e morrendo em minha frente, e eu não faço nada. O sal na água faz você gritar cada vez que uma onda se choca com o ferimento. 

Em minha outra mão há um revólver. Eu sei que há uma única bala. A única solução também está diante de mim agora. 

No silêncio da angústia, aponto a arma acima da minha orelha direita. 

E então atiro. 

 

—Robbie! — alguém batia aos gritos na porta. —Robbie! Pelo amor de Deus! 

—Já vai... — falei, esmorecido. Eu havia acabado de dormir no sofá, e pelo visto, havia sido quase uma vida inteira. Já era final de tarde. 

Abro a porta.  

Agora sim, era minha irmã, e ela estava ali de verdade. 

—Eu estava te chamando fazia uma hora! — reclamou ela, logo entrando. —Você parece que hiberna. Jesus... 

—Eu só... Tava muito cansado, sabe? 

—Percebi — analisou-me dos pés a cabeça. —Sua cara tá amassada. E você... Tá de cueca. Meu Deus, Robbie. Cadê os moletons que você tanto usa? 

—Desculpa —falei. —Eu- 

—Eu nada — disse Erica, logo levantando-se e me fazendo subir as escadas. —Vamos, veste alguma coisa decente porque- 

—Ah não! 

—Robbie! — repreendeu-me. 

—Erica... 

—Robert Frederick Davis, você vai sair sim! Você vai socializar, sim! Nem que seja com a sua irmã e o seu cunhado.  

Ela me empurrava pelos degraus a contragosto, e eu, como sempre, só tinha que deixar acontecer. Minha irmã é o diabo. 

—Eu tô patético — falei, me constatando no espelho. —Olha essa camiseta. 

A camiseta era uma daquelas polo padrão sem nenhuma estampa. Eu odiava camisetas assim, pois sempre gostei de exibir meu excelente gosto em filmes, séries e bandas. E agora eu era só mais um. 

—Você tá lindo — Erica sorriu contente, como se eu fosse seu pupilo. —Agora sim, um verdadeiro cidadão de Londres! 

—Droga... Minha barba... — reclamei, descendo as escadas. 

Erica era quem dirigia. Provavelmente seria mais um típico encontro com o seu noivo – um chato metido a besta que se chama Lincoln – e que ela jura que eu não ficarei "segurando vela". Há muito tempo, ela tenta me reincluir num círculo social, algo que não dá muito certo. 

Ela falava o tempo inteiro, agora mais que o normal. Estava empolgada com o casamento, e com as expectativas da vida matrimonial e bem, na verdade, ela só me perguntava acerca desse tipo de vida, como se eu compreendesse de verdade aquela realidade. 

Se não fosse tudo uma farsa, óbvio. 

O ponto alto foi quando passamos em uma certa rua. Rua essa que mudaria o rumo da minha vida, e que eu secretamente agradeço minha irmã por isso. 

—Erica! Erica! Que rua foi essa que acabamos de passar? 

—A rua acima do viaduto das linhas do metrô...? 

—Não! A que quadra, a que quadras fica da minha casa. 

—Umas duas quadras, por quê? 

—Nada não... — sorri, discretamente. 

Naquela rua, mais específico, naquele prédio, eu vi um adolescente. Um bem bonito. Ele sorria com seus amigos, sentados em um velho sofá. E eu pude vê-lo perfeitamente pois o reflexo das luzes batia em seu rosto tão identificável. E ele era adorável. 

Eu havia acabado de encontrar o endereço da República de Cambridge. Só por acidente. E Nico veio junto dessa descoberta. 

Valeu, Erica. Eu te amo, irmãzinha.



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