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História Our Days Together. - .Greed. Regrets


Escrita por: Rintarou

Notas do Autor


Hai, hai. Eu sei que demorei quase um mês para postar esse capítulo e, honestamente, não me sinto nada orgulhosa a respeito disso. Conciliar estudos e obrigações com hobbies não costuma ser uma das tarefas mais fáceis, mas me empenharei em me esforçar mais! Já aproveito para agradecer à quantidade inacreditável de favoritos nessa fanfic. Nunca imaginei que drabbles de Servamp poderiam juntar tantos leitores, e não consigo expressar minha gratidão a cada um de vocês!
O casal da vez, como devem ter lido no título deste capítulo, é definitivamente especial. Por mais que confirmem se odiar, é evidente desde o princípio que eles apenas omitem a importância que dão para com seu relacionamento de Servamp e Eve, ainda que sua amizade só tenha deslanchado após se entenderem no subconsciente de Lawless. A troca de ofensas e ameaças certamente cria uma abertura ótima para deixar meus pensamentos vagarem e inventarem situações, das mais inusitadas às mais improváveis.
Okay, sem prolongar sua leitura com minhas considerações, desejo uma estadia agradável e uma boa leitura!

Capítulo 3 - .Greed. Regrets


Fanfic / Fanfiction Our Days Together. - .Greed. Regrets

Pela primeira vez em toda sua existência, Licht Jekylland Todoroki, um pianista renomado e aclamado por ser considerado “único” por seu público, não foi capaz de tocar seu instrumento musical.

O moreno se encontrava em um assento baixo, frente a frente com um imponente piano de cauda de coloração marfim disposto no canto do quarto – que tão somente aguardava ser desfrutado pelo musicista, em mais uma das agradáveis melodias que eram dedilhadas com tanta naturalidade. Seu cenho estava franzido enquanto refreava-se a encarar as teclas fixamente, sobre as quais mantinha suas mãos ligeiramente trêmulas pousadas. Aparentava-se que o garoto estava somente direcionando sua atenção à composição que viria a criar intensos sentimentos para todos que a apreciassem; ainda que, em uma introspecção, seria possível perceber-se da mescla de fúria e assombro que se apoderava de todos seus pensamentos, estremecendo sua inabalável confiança por alguns instantes.

Em tentativas de desacreditar em sua condição, fechou seus olhos e dirigiu toda sua concentração à ponta de seus dedos. A partitura de uma canção emergia em sua mente e notas rodopiavam de um lado ao outro, como se participassem de alguma brincadeira, ainda que permanecessem graciosamente alinhadas e preparadas para se materializar em um som inesquecível.

Inspirando profundamente, ele permitiu que a música o conduzisse.

A harmonia de uma das Nocturnes* de Chopin inteirou-se do ambiente, sobrepondo o silêncio com uma atmosfera nublada e enigmática. A cada segundo, a música transformava-se mais em uma legítima obra de arte, trazendo a tona sentimentos anteriormente desconhecidos; as notas, ao adentrarem os ouvidos de quem as captava, empossavam-se da mais diminuta forma de impostura, sendo capaz de causar, simultaneamente, confusão e entendimento. Lágrimas, inevitáveis, deslizariam vagarosamente pelas faces quase inexpressivas das pessoas, até que atingissem as costas de suas mãos, inertes em seus colos. Ainda que estivessem sentadas em cadeiras tão fixas a terra, sentiriam uma tênue brisa de ares divinos e uma carícia, tão suave e quase imperceptível, como se feita por uma das nuvens mais altas do céu. Era assim que, ao contemplarem o musicista, tão compenetrado em seu próprio universo, vislumbravam em fascínio um par de asas brancas e vistosas em suas costas – sua presença em terra era algo indiscutivelmente celestial, assim como os movimentos serenos de suas mãos ao longo do instrumento diante de si.

E, tão passageira foi sua aparição, assim foi a maneira como desapareceu. Em uma questão de segundos, sua mente enevoava-se; os acordes se emaranhavam uns nos outros, indecisos e inelegíveis, até que optassem por evaporarem-se por inteiro, como se nunca houvessem existido. O anjo imobilizou suas ações, sem realmente ter certeza de como prosseguir.

Suas mãos se chocaram contra as teclas com uma força sobre-humana, beirando uma ruptura do material que as recobria. Um "tsc" quase inaudível se esgueirou por entre seus dentes, agora trincados por conta do maxilar contraído. Não era plausível que, subitamente, toda sua dedicação árdua, durante todos esses anos, fosse arremessada em uma lata de lixo.

Contudo, havia alguém que era responsável por seu esquecimento e indignação. Alguém que era inútil o suficiente para se prestar ao trabalho de continuar vivo, somente para incomodá-lo com tanto esmero. Alguém que não deveria nem mesmo ter nascido e, para seu desagrado, garantido imortalidade e ser encarregado do fardo do pecado capital da Avareza, ao qual nem mesmo tinha potencial para personificar. E, por fim, alguém a quem era obrigado a carregar consigo por conta de um tolo contrato que os mantinha encarcerados a uma distância limite.

Lawless, ou como o nomeara, Hyde. A criatura mais repulsiva e irritante de todo este universo.

No exato momento que se soerguia de seu banco, exausto em cogitar prolongar seu tempo em tentativas improdutivas, escutou batidas brandas contra a porta ao seu lado. Uma fresta foi aberta e um par de olhos espreitou o interior, observando seus arredores com cautela por um período muito mais extenso do que seria aceitável, como se estivessem vasculhando por quaisquer sinais de perigo antes de realizar sua próxima ação. Antes que Licht pudesse reagir ao cenário ridiculamente montado na entrada do cômodo, os olhos claros focalizaram sua localização e, enfim, o rosto do intruso foi revelado – a expressão facial refletia sua habitual felicidade por trás dos cabelos louros que lhe escapavam da trança e caíam sobre seus olhos eventualmente. Apoiando-se na moldura lateral da porta, o homem se assemelhava a uma criança tentando se esconder em meio a um passatempo.

“Bonjour”, saudou Kranz Rosen com um brilho no olhar. “Como está se sentindo hoje?”

O pianista retomou suas atividades, afastando-se de seu recanto preferido e caminhando até sua cama. Não restringindo um suspiro de desprazer ao recostar-se displicentemente contra seu travesseiro, era capaz de sentir um fastio arrastando-se até onde se situava, desgastando-se do diálogo que tão pouco havia iniciado. Ou melhor, que havia sido introduzido.

“É a terceira vez que me pergunta a mesma coisa, Kranz,” constatou o garoto com descaso, mirando cada minúsculo aspecto do teto. A cor branca perdia sua tonalidade tão grandiosa para ser substituída por um matiz antiquado e lavado, algo um tanto quanto amarelado, como uma página de um livro antigo. “Se tem algo a dizer, não me faça perder meu tempo precioso e diga logo. Estou praticando.”

Desconsiderando suas demandas, o empresário inspecionou o jovem prodígio e seus modos de portar-se consigo com meticulosidade. As íris esverdeadas, emanando um sentimento de ceticismo unido a uma incrível perspicácia, cursavam uma trajetória e desmembravam a veracidade de seu comportamento; os ouvidos, tão afeiçoados a decodificar cada sílaba proferida pelo Eve, eram já peritos quando o assunto a tratar revolvia a impaciente personalidade de um sujeito tão peculiar. Era visível que Todoroki não pretendia retomar as casuais melodias que irradiavam por toda a residência e que, no dia em questão, não fizeram presença em nenhum segundo – aumentando a preocupação de Rosen. Os talentos do rapaz deveriam ser exercitados todos os dias e ele estava disposto a proteger sua vocação, custasse o que custasse.

Entretanto, não seria saudável mantê-lo aprisionado no aposento e tratá-lo como uma garotinho, até que retornasse à sua rotina; Kranz tinha ciência de que era mais que incomum o fato de Licht esquivar-se de suas obrigações, afinal, o musicista era quem mais se cobrava em torno de seu próprio desempenho, buscando constantemente arrancar mais lágrimas de sua plateia e aperfeiçoar suas técnicas. Sua dedicação era quase doentia e, até mesmo, invejável.

Pigarreando para limpar sua garganta e manter a clareza em sua voz, o mais velho prosseguiu. “Shirota Mahiru acabou de ligar e propôs que todos se encontrassem no resort da família de Sendagaya Tetsu. Estarão todos lá para recebê-lo, caso aceite o convite.”

“Recuse.”

“Seus amigos querem celebrar com você o dia de hoje. Sair um pouco desse quarto lhe fará bem,” rebateu o louro, ligeiramente ofendido com o desinteresse tão evidente. “E você não tem muitas opções, na realidade.”

“Já disse: recuse,” insistiu o moreno, aumentando o tom. “Minha única condição para que eu vá é se eles tiverem comprado melões.”

 “Não é muito simpático exigir coisas de seus anfitriões, Licht...,” reiterou com um sorriso solidário, impedido de restringir uma risada que lhe escapou os lábios ante uma sentença tão típica de seu protegido. “Mas irei passar seu recado. Certifique-se de descansar um pouco.”

“Feche a porta quando sair.”

Rosen suspirou. Essas características tendiam a ser um tanto quanto cansativas.

“Ah,” disse o empresário com pesar, recordando-se do que protelava em principiar, deixando de lado sua leve irritação. “Sinto muito em ser o primeiro a alertá-lo, mas seus pais não poderão vir; ambos ficaram ocupados em performances inadiáveis. Porém, garantiram que irão lhe fazer uma visita o quão antes e pediram para que aproveite seu dia da melhor maneira possível.”

 “Eu já imaginei que não iriam aparecer, então não é nenhuma novidade,” admitiu Licht, seu corpo para baixo, até que suas costas tocassem o colchão macio. Suas pálpebras cerraram-se, repentinamente mais pesadas agora que a conversa se transformava em algo que iria cansá-lo. Sem haver a necessidade de fitá-lo para confirmar, tinha consciência de que o homem parado à soleira de sua porta olhava-o com um sentimento que provocava repulsa em seu âmago – ele sentia pena; condoía-se pela ausência de seus genitores, sempre tão ocupados com seus próprios mundos, e era incapaz de suportar a frieza que Todoroki parecia receber estes tipos de notícia.

Sem que autorizasse que o loiro pronunciasse mais alguma palavra, o anjo optou por tranquilizá-lo. De nada valeria criar conflitos desnecessários e que somente serviriam para aborrecê-lo em nome de proteger seu ego. Tudo o que queria era o silêncio, do qual há tempos não era possibilitado em obter.

“Estou bem, Kranz,” assegurou, simulando o melhor traço de tranquilidade que pôde em seu estado. Sentia-se inquieto pelo término de um dos mais maçantes tópicos que podia ser abordado naquela tarde, ainda que não demonstrasse alterações em seu humor costumeiro. “Arcanjos são puros demais para suportar preocupações desnecessárias.”

“Certo...,” limitou-se a dizer por fim, perdurando o sorriso com certa perseverança e preparando-se para se retirar. “Irei contatar seus amigos agora. Sabe onde me encontrar.”

A insegurança apenas era maximizada no mais velho por ser inapto em lidar com um assunto tão delicado com um indivíduo tão inacessível. Por mais que tentasse, sabia que seria inútil insistir. Tão breve repousava sua palma em volta da maçaneta, girando seu corpo em direção à saída, um chamado quase incompreensível o refreou.

“Oi.”

Sem virar-se para trás novamente, Rosen inspirou e fez esforços para resguardar a integridade de sua voz. “Sim, Licht?”

“Onde está aquele rato estúpido?”

“Eh? Ele está trabalhando. Embora ele deva estar em casa antes que sintam os efeitos de seu distanciamento. Há algo que precise falar com ele?”

“Hm,” o garoto balbuciou, deitando-se para o sentido contrário que estava seu visitante e dando-lhe as costas. “Eu não tenho nada a falar com demônios, preciso apenas exterminá-los.”

“Hyde está dando duro ultimamente em seu emprego,” o francês apurou com honestidade com a mão em seu queixo. “Nunca o vi tão determinado. Chego a pensar que esteja com algo em mente, trabalhando dessa forma... Bom! Vou telefonar para seus amigos antes que me esqueça. Não se sobrecarregue no dia do seu aniversário.”

O som da porta alcançando seu batente ressoou até as orelhas de Licht, concedendo-o a possibilidade de retornar a sua posição anterior sem que abrisse os olhos. Sua cabeça parecia ter a massa semelhante à de um caminhão e não parecia querer se esvaziar de pensamentos irrelevantes.

Desde que regressaram ao Japão no início do mês, após uma viagem para apresentar-se em palcos por diversas imediações do território parisiense, o musicista não esboçou reações ao perceber que seu parceiro vinha se tornando mais e mais distante com o passar dos dias. Seu serviço vinha ocupando uma grande fração de seu tempo e o vampiro agia como um verídico trabalhador compulsivo, salvo a ocasião que tornava ao hotel ora para renovar o acordo de proximidade, ora para dormir. A intuição de Todoroki levava-o a crer que tanta devoção se destinava a um motivo oculto – algo onde o dinheiro fosse fundamental e que lhe coagia a perambular pelas ruas por horas a fio. A informação, no entanto, era sonegada; Kranz lhe inquiriu a mesma coisa por incalculáveis vezes, mas Hyde raramente o dava atenção, esquivando-se com o uso de piadas infames ou desculpas egocêntricas.

As brigas também se tornavam mais esparsas. A desaparição do Servamp deixava as instalações em uma quietude impetuosa e, até mesmo, insuportável. Os episódios de irritação do pianista acumulavam-se em seu interior por conta de não os incorporar em confrontos verbais e físicos como comumente fazia com o porco-espinho. Essa “fraqueza”, ou o que quer que aquele sentimento significasse, começara a atrapalhá-lo em sua rotina, impossibilitando-o de irromper em um estado de paz quando seus dedos cariciavam as teclas de seu instrumento, algo que, de fato, nunca o ocorrera.

O que exigiria sua presença constante e recursos financeiros? O vampiro poderia ter, por fim, se atrelado a jogatinas e dívidas com yakuzas da região? Não, Hyde não seria inteligente o suficiente para entrar em um cassino e ganhar qualquer um dos jogos, além de acabar sendo descoberto cedo ou tarde. Teria feito amizade com seus colegas de trabalho e passado os finais de expediente em saídas casuais, como karaokê ou bares? A ideia não era uma das piores, mas nenhum ser humano teria a mesma paciência para com aquele rascunho mal desenhado de um ator inteiramente entregue a obras de Shakespeare, não folgando de suas citações baratas nas mais inusitadas conjunturas.

Ou será que... A razão que esclarecia seu sumiço seria alguma mulher? Hyde teria se envolvido com alguém?

Licht sentiu um estremecimento em seu corpo com a repugnância em ruminar uma ideia tão transtornada como aquela. Primeiro, por não ter noção do por que alguém criaria um caso com um garoto tão perturbado e azucrinante como o loiro, avaliando que mesmo seu próprio mestre não comportava a convivência tranquilamente. E, segundo, por não importar-se com um detalhe tão infrutífero como o relacionamento de um ser tão insubstituível como um aparelho telefônico quebrado. O que faria com seu pseudônimo que denominava vida não tinha, e nem teria, a ver consigo.

Então por que uma inquietação em seu peito o arrebatara com uma trivial suposição?

A existência de Ophelia não fora capaz de impedir um epílogo que viera muito cedo, demarcando-se em Hyde como um amor que nunca tenha se concretizado. Obviamente, sua falta teria formado um vão em seu coração e ele transitava de pessoa a pessoa, intentando preencher este vazio com distrações – ou, inclusive, uma ligação mais duradoura do que apenas um consolar de seu desassossego. Nada mais viável que obter estabilidade emocional do que uma nova paixão, não é mesmo?

“Aquele imbecil,” praguejou o moreno. “Consegue ser um estorvo até mesmo quando não está por perto.”

Desistindo de conjecturar sobre uma temática ridícula e procurando amainar sua angústia infundada, relaxou seus músculos o máximo que pôde e aceitou ser levado pelo torpor de um sono que absteve a partir do momento que o porco-espinho evadiu seu quarto noite afora, no dia anterior, e não retornara desde então.

 

 

“Estou de volta, Angel-chan~!!”

Licht, enfim, ergueu suas pestanas em sobressalto.

A voz estridente e distinta redemoinhou pelo ar, acertando-lhe em cheio os ouvidos e estrangulando seus tímpanos; a cantoria abrupta atinou seus sentidos, desalinhando completamente suas ponderações e desestabilizando sua impassibilidade; incitou uma pulsação intensa em uma das veias de sua têmpora, aproximando-se de romper a fina ligação sanguínea em seu cérebro por conta de uma ira irrefreável. Cada minúscula musculatura enrijecia-se e seu corpo esguio retesava-se conforme a assimilação do cenário imposto diante de si sucedia.

O vampiro examinava atentamente o garoto com as órbitas carmim por trás do par de óculos, emanando perversão e estudando seu rosto com um ar de deboche. Irritantemente, exibia seus dentes afiados em um sorriso de escárnio, como se confessasse ser capaz de ler todos os pensamentos constrangedores que bailavam em sua mente até sua chegada. Os segmentos de madeixas castanho-escuro intercalavam-se com os fios loiros e emolduravam seu rosto, caindo teimosamente em suas pálpebras e, estranhamente, bem arrumados como sempre. As pernas sustentavam seu corpo e estabilizavam-no, cada uma em uma das laterais de seu Eve; sentara-se no colo do moreno sem rubores e apoiava suas mãos em seu peito, embora não precisasse de suporte algum em sua posição.

“O que pensa que está fazendo, shitty rat?,” rosnou Todoroki entredentes, imediatamente elaborando cálculos de uma trajetória perfeita para que o corpo de Lawless fosse arremessado diretamente para fora da janela – por onde a criatura deve ter passado.

“Aw, Licht-tan...! Não é assim que deveria me receber após ficar um bom tempo fora!,” lamuriou Hyde com uma pretensa melancolia, como se fosse um personagem em meio a uma peça de teatro. Sua palma cobriu uma parte de seu rosto e seus olhos baixaram-se dramaticamente, enquanto tomava continuidade de suas lamentações. “Você deveria estar usando um avental e se apressar para me receber, sempre com um sorriso estonteante em seu rosto; depois, perguntaria, ‘O que prefere primeiro: o jantar ou... Eu?’. E é claro que eu escolheria voc–”

No instante seguinte, a criatura era atirada contra a parede em frente ao leito com uma velocidade imensurável e irreal, criando uma fenda na estrutura na região em que sua coluna colidiu e promovendo a queda de objetos que estavam avizinhados. O estrondo foi suficiente para vibrar a acomodação e, muito possivelmente, o hotel em que estavam hospedados como um todo. Não seria nenhuma surpresa se fossem despejados com a inevitável destruição que viria a seguir e, consequentemente, penalizados pela autoridade de Kranz e a disciplina de Guildenstern. Todavia, nenhuma destas consequências era levada em consideração – o Eve, logo que seu parceiro fora projetado para fora da cama, acercava-se do corpo fincado nos escombros e esmagava seu abdome com uma de suas botas escuras.

“Não diga nada repulsivo, bastardo,” sibilou Licht com as mãos no bolso e aplicando uma força maior contra a barriga do outro.

Uma risada baixa desprendeu-se dos lábios curvados do loiro, pigmentados por conta de um pequeno filete de sangue que lhe escorria pelo canto da boca, e uma luz de admiração fez-se presente e ofuscou sua visão. Uma excitação crescia dentro de si, repleto de perspectivas em sua batalha com seu mestre. E a melhor parte é que ele nem precisaria erguer um dedo – suas palavras seriam o suficiente para diverti-lo.

“Como esperado do melhor pianista que existe! Angel-chan é tão incrível que pode purificar tudo e todos em sua volta, não é?!,” exclamou, caçoando da atitude do denpa** e prendendo seu tornozelo com um aperto firme. “É uma pena que seria incapaz de fazer isso comigo hoje e darei alguns poucos, mas grandiosos, motivos!”

“Não toque em mim, seu rato sujo.”

“O primeiro motivo,” avançou, desmerecendo as ameaças tão comuns. “É que não consigo nem imaginar o que Kranz iria fazer se este prédio desmoronasse. Manter-nos confinados por dias juntos seria, talvez, uma das consequências para um incidente que voltaria a se repetir se não nos entendêssemos. Provavelmente teríamos que dormir na mesma cama~ Não é como se nunca tivéssemos feito isso antes, não é, Licht-chan?”

Hyde sentiu uma pressão dolorosa em seu estômago. Caso não fosse imortal, aquilo certamente deixaria sequelas. Porém, a sensação deliciosa de brincar com o fogo omitia quaisquer dores que se alastravam por seu tronco.

“Morra,” condenou o moreno com o rosto contorcido em asco com tal explicação. “Eu não vou precisar aturar isso porque irei purificá-lo, demônio. Sendo um anjo, é o meu dever.”

“Como você é mau, Angel-tan... Você diz isso como se não tivesse gostado,” Hyde soluçou falsamente com seus olhos submergindo em lágrimas. “Tem coragem de me dizer que esqueceu todos os momentos preciosos que passamos debaixo dos lençóis?”

Em um átimo, o vampiro usufruiu-se da desatenção do humano para com sua disposição, volteando seu corpo por meio do pé que esmagava seus ossos. Apanhando sua perna, perfurou-a com suas unhas pontiagudas e propeliu-a com agilidade para o canto oposto de onde se estabelecera, carregando consigo toda a existência do ser mais arrogante e magnífico que já cruzara seu caminho. Outra explosão repercutiu por além das redondezas da residência alugada, desorganizando itens e quebrando outras extensões da superfície da parede – a tintura azul manchava-se com a poeira dos destroços e marcas do impacto violento vivido pelo garoto, que acumulava fragmentos de madeira e pó esbranquiçado em meio a seus fios escuros de cabelo. Escorregara até tanger ao chão, abandonando traços púrpura do sangue que fugia pelos cortes na cabeça pela parede e apresentando numerosos hematomas por sua pele exposta. Hyde deslocou-se morosamente em sua direção, ajoelhando para nivelar-se com a altura em que o corpo imóvel jazia e libertando um profundo suspiro em júbilo.

“Terei de te matar para vê-lo implorar por meu nome novamente, Licht?,” murmurou sugestivamente, estendendo sua mão para segurar a mecha nívea do pianista por entre seus dedos e investigando-a com curiosidade. A maciez afagava sua derme e seu aroma ascendia até suas narinas, desconcentrando-o. “Sua voz ecoando, mesmo que tentasse se manter em silêncio para que ninguém soubesse que nós estávamos–”

Sua frase interrompera-se antes de culminar-se. Seu pescoço foi bruscamente envolto em uma tentativa de estrangulá-lo, comprimido por garras que não o soltariam tão cedo e espremiam-no cada vez mais.

“Não ouse terminar o que você estava dizendo, seu idiota,” advertiu Todoroki com um olhar possesso pela raiva, não parecendo se importar com o líquido avermelhado que corria por suas maçãs do rosto. Inábil em atestar se suas bochechas coloriam-se com vestígios de sua hemorragia ou por conta de um embaraço de suas narrações, Lawless satisfazia-se com hipótese de tê-lo envergonhado e esforçava-se para conter gargalhadas satíricas que teimavam em evadir-se. “E não me chame pelo nome tão casualmente.”

O Servamp apartou-se do garoto com certa dificuldade, mas permaneceu próximo. “Hai, hai. Já chega,” declarou, rendendo-se com uma fisionomia fatigada e inclinando-se para capturar algo recostado a um móvel de cabeceira. “Por mais que eu queira mutilá-lo em um dia tão especial, não teria tanta graça quanto ver sua expressão quando entregasse isto pessoalmente.”

“Do que está falando?,” questionou rabugento, predispondo-se a aniquilar a mais fajuta representação da Avareza, mas bloqueado por algo que lhe fora prensado diretamente contra o rosto.

Extraindo o elemento que lhe fora embatido com um semblante confuso, afastou-o até um perímetro que se tornasse focalizado e encarou-o por alguns instantes sem efetivamente compreender o que carregava. A mochila cintilava com suas asas vultosas e resplandecentes, superiores em tamanho do que sua mala atual; um dispositivo permitia que estas fossem abertas ou fechadas através de um diminuto elo que as conectava a quem lhes pretendia usar. As penas de inúmeras formas que pendiam no suporte muito se equiparavam às de um arcanjo, tão graciosas e frágeis que Licht sentiu-se na ânsia de afagá-las com o máximo de cuidado que se via imprescindível. Seus olhos arregalaram-se ao atinar-se da delicadeza que foram confeccionadas, como se fossem autênticas e já houveram pertencido a um ser divino.  Desviando seu olhar para o vampiro, o moreno sentiu sua fala desvanecer, adicionando um sentimento de orgulho na criatura da noite.

“Parece que usar minhas economias acabou por me recompensar, afinal de contas,” Hyde concluiu com um sorriso de deleite. Inclinando-se, afixou o queixo de Todoroki para que não alterasse sua posição e capturou seus lábios com os seus próprios. O sabor metálico e sanguíneo saturava os sentidos de ambos pelo que lhes pareceu eternidades, mas que consistiu em um tênue roçar; desunindo-se, o vampiro fitou-o no fundo de seus olhos, como se algo que estivesse ali guardado fosse facilmente transparecido. “Feliz aniversário, Licht-tan.”

Batidas na porta transportaram-nos para de volta à realidade, seguidas de uma voz familiar e colérica que ribombava em seus tímpanos.

“Licht! Hyde!,” Rosen ralhava, seus toques ganhando força e impaciência. “Eu só não irei trancar este quarto agora porque vou levá-los até a festa que Mahiru se empenhou em fazer, junto a seus amigos! Ele até mesmo comprou os melões que você pediu, então nem pense em negar. Mas não pensem que irei deixá-los impune por quase acabar com este lugar inteiro! Sabe quantas ligações já recebi da gerência, buscando justificativas para o edifício estar sendo implodido e moradores alegando terem escutado barulhos assustadores vindos daqui?!...”

Não impondo um término de sua retaliação, Kranz gritou com os garotos até que o telefone tocasse. Resmungando algo sobre ‘ter que dar um jeito na situação sozinho, de novo,’ os dois captaram os ruídos de seus passos se desaproximando do quarto e se encaminhando até outro cômodo. O Servamp e seu Eve se entreolharam por um segundo sem terem consciência do que expectar, até que Hyde pôs-se de pé, espreguiçando-se e destinando seu trajeto até a saída.

“Você ouviu, Angel-chan,” falou o loiro preguiçosamente, com as duas mãos repousadas em sua nuca. “Não estou com muita paciência em ter Guil me castigando...”

E, como uma ilusão, sua marcha foi estagnada. Inerte em seu lugar, sua respiração cessou em sua garganta, agora completamente ressecada e teimando em fazê-lo engolir em seco. A única coisa que o mantinha alerta era os braços que circundaram sua cintura com suavidade e o corpo que se encostava a seu próprio por trás. A quentura emitida por uma respiração que chocava-se contra sua orelha, em contraste com sua temperatura corpórea fria, provocou-lhe arrepios em sua coluna e forçou-o a expirar todo o oxigênio de seus pulmões. Temia proferir uma letra sequer – sua voz iria indubitavelmente vacilar, visto seus pensamentos turvos e seus batimentos cardíacos inquietos, martelando em seus ouvidos. Sabia que o outro era plenamente capaz de sentir seu coração disparado pela ponta de seus dedos, pressionadas contra sua roupa, e amaldiçoava-se em silêncio.

Licht moveu seus lábios, sussurrando algo que fez Hyde retesar em choque e piscar algumas vezes, absorvendo o que lhe havia sido dito. Seu corpo foi empurrado para o lado com agressividade e, sem possibilidade de se firmar antes que cedesse, o loiro caía no chão desajeitadamente.

“Saia da frente, rato imundo,” ordenou o pianista, conduzindo-se à porta e dando-lhe as costas. “Está no meu caminho.”

Lawless assistiu seu mestre partir, alinhando as alças de sua nova mochila em seus ombros. Por um breve período de tempo, teve convicção em aperceber sua luta em esconder seu rubor por trás de seus cabelos negros, associando-se a um fraco sorriso que brincava em sua boca, até que ultrapassasse a moldura da entrada para o corredor.

“Ah, droga...,” balbuciou descrente, levantando-se rapidamente e disparando para acompanhar seu companheiro. “Licht-tan é tão incrível que parece ser de outro mundo...!”

A voz do musicista ainda circulava por seu interior, dando-lhe calafrios e motivando seu Servamp a agradecer por cada dia de trabalho que o permitiu acumular recursos o bastante para adquirir seu presente.

Talvez este presente tenha sido mais especial para si mesmo do que para seu remetente. 

Você é meu verdadeiro presente... Hyde.


Notas Finais


*Nocturnes: Existe uma coletânea delas, mas a que eu ouvi, de forma específica, foi a Nocturne No. 20. Achei que seria justo fazer essa consideração, senão pareceria que eu só atirei em algum site de buscas qualquer e nem cheguei a escutar.
**Denpa: Também chamado de denpa-kei ou denpa-san, segundo nossa mãe Wikipedia, é um termo em japonês para indivíduos que são desconectados ou desassociados das pessoas em sua volta. Eles podem se entreter com fantasias selvagens e delírios persecutórios (ou outras fortes crenças), e seus diálogos ou ações podem aparentar ser estranhas ou incoerentes para seus observadores. É a forma como Hyde costuma definir a maneira como Licht acredita genuinamente que ele é um ser divino no mangá.

Uau. Como as personalidades do Greed Pair são complicadas de serem incorporadas em um conto. Estava bem receosa em publicar esse capítulo (que, como podem observar, ficou um pouco mais longo do que o anterior – estou trabalhando nisso), porque não tinha ideia se consegui manter com fidelidade o caráter de cada um deles. Espero que sim...
Neste período em que estive ausente, o último episódio de Servamp foi lançado e foi capaz de me deixar nas nuvens e partir meu coração em incontáveis pedacinhos em menos de trinta minutos. Imagino que tenham presenciado aquele cenário maravilhoso, e espero que tenham gostado tanto quanto eu! Contudo, meros 12 episódios não seriam o bastante para cobrir o enredo na íntegra; muitos buracos permaneceram sem ser preenchidos e informações foram deixadas de lado. Só nos resta torcer pelo sucesso do anime e pelo retorno de segunda temporada! Qual é a opinião de vocês sobre esse assunto?
Obrigada por ler e até a próxima!


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