História Outro Mundo - Russian Roulette

Eu estava no meu quarto há pelo menos uma hora, controlando a vontade de gritar e engolindo cada vez mais o nó que se formava na minha garganta. Rose e Lissa já estavam desaparecidas havia mais de 48 horas, e já haviam sido decretadas mortas oficialmente há duas. Percorri meus olhos pelo box de livro que ela me deu e permiti que uma lágrima solitária caísse.  Era difícil acreditar, mas em algum canto lá no fundo da minha alma eu sabia e sentia que Rose não estava morta.

Ouvi batidas na porta do meu quarto, me recompus colocando minha máscara de guardião e abri a porta, e por um momento imaginei ser Tasha vindo me dar palavras de apoio depois de conseguir controlar o desespero do sobrinho, ou até mesmo Tanaka, mas não esperava ser Adrian.

-Elas ainda estão vivas – Ele disse sério e olhando para mim – Não precisa ficar sofrendo achando que sua amada morreu – Ele sorriu sarcasticamente.

-Não sei do que você está falando, Lord Ivashkov – Eu disse sério e neutro. Esse negócio de espírito assusta.

-Rose diz a mesma coisa quando eu menciono seu nome nos sonhos – Ele ri – Isso vai ser divertido – Depois ele me olhou sério novamente e piscou algumas vezes – Janine está lá fora, acabou de chegar e disse que seguiu os rastros dos Strigois e descobriu a casa deles. Pelo visto é onde vocês estavam procurando mesmo, mas...

Não deixei que ele terminasse de falar, fui para dentro do meu quarto de novo e peguei meu casaco e conferi rapidamente se minha estaca estava dentro do bolso, mesmo eu sabendo que sim. Abri a gaveta da minha escrivaninha e peguei mais duas extras e coloquei dentro da minha bota, ouvi de longe uma risadinha de Adrian e tratei de ignorar.

-Vamos – Eu disse enquanto descia as escadas e percebi que o deixava para trás.

Quando eu cheguei lá em baixo, vi Janine Hathaway ao lado de Abe, ele a envolvia com o seu braço esquerdo sobre os seus ombros e apesar do olhar afiado dela, ele não ligava, não ligava nenhum pouco, e acho que alívio passava pela face de Abe.

-Todos estão aqui – Janine disse ignorando o fato de Abe estar praticamente em cima dela – Vou ser direta.

-Elas ainda estão vivas? – Tanaka perguntou.

-Espero que sim - Ela suspirou preocupada – Eu segui Rupert e não sei quanto tempo ele pretende manter Rosemarie viva – Ela falava com uma frieza tão grande que me surpreendia, mas no lugar dela eu teria que agir do mesmo modo.

-Qual será o plano? – Eu perguntei.

-O plano, Belikov – Ela olhou para mim e deu um passo para frente, com as mãos para trás parecendo uma perfeita líder, e finalmente saindo do abraço de Abe – É matar aquele desgraçado e pegar a minha filha e a princesa. Você e David entrarão pela porta da frente. Joe e Paul quebrarão as duas janelas da frente e entrarão por ela, eu vou entrar pela porta dos fundos – Ela olhou para cada um de nós e apenas assentimos – O resto se dividam e sigam eles quatro – Ela voltou para o lado de Abe e falou com autoridade, autoridade de mãe – Eu quero a minha filha e a princesa vivas, então peguem as duas e saiam – Ela olhou para Abe e sussurrou algo que eu não entendi, e acho que prefiro continuar sem entender – Saímos em 10 minutos.

Olhei ao redor e vi alguns se preparando e David pegando seu celular e digitando algo rápido. Me aproximei dele e pigarreei. Ele olhou sério para mim, como um verdadeiro soldado pronto para a batalha, e nesse momento eu vi que Rose tinha um pouco dele em si, pois o olhar dele era o olhar dela quando eu a botava para estacar bonecos. Ela ainda estava viva.

-Quando voltarmos, com Rose e a Princesa Dragomir viva – Ele semicerrou os olhos na minha direção – Vamos conversar.

-Claro – Eu disse engolindo em seco.

Passei pela minha cabeça todas as minhas conversas com Tanaka, e desde o começo ele sempre suspeitou, até no café da manhã, antes mesmo de algo começar, ele percebeu. Claro que percebeu. Ele não é burro e não ia deixar a menina que ele considera como irmã e praticamente criou como filha, sob a guarda de qualquer um. Mas se ele ficou calado esse tempo todo, e nem me matou misteriosamente, isso é um bom sinal, não é?

Saímos nos carros e eu fui com Tanaka e os outros que entrariam conosco, estávamos seguindo Janine. Um silencio absoluto reinava pelo carro mas a tensão maior estava entre eu e Tanaka. Adrian tinha ficado na mansão junto com as empregadas, alguns guardiões de Abe, e claro, Christian e Tasha, mesmo esses últimos dois implorando para vir e usando como desculpa a magia do fogo, mas eram de morois reais que estávamos falando, mesmo sendo Ozera, e também não tínhamos tempo.

Chegamos nas partes periféricas, era oito da noite e a escuridão já dominava tudo. O carro de Janine deu a volta e entramos em um bairro residencial e suburbano, aparentemente tranquilo e que nós não procuramos por ali, passamos por algumas casas até o fim da rua onde paramos o carro na beira da rua. Meu celular e o de Tanaka vibrou ao mesmo tempo e olhamos.

Casa 45. Se posicionem e no meu próximo sinal ataquem.

Olhei para Tanaka e ele acenou para mim e depois olhei para os outros. Fomos caminhando disfarçadamente até a casa 45, e uma onda de medo passou por mim. E se tivéssemos chegado tarde demais?  

Esgueirei-me entre uma árvore e outra e percebi que de longe Joe, que ia entrar pela janela, fazia o mesmo processo que o meu. Tanaka estava atrás de mim e quando eu pude ter uma visão da lateral da casa eu identifiquei um humano.

-Humanos! – Sussurrei para David e fiz um sinal para Joe. Ele também fez o mesmo sinal para mim e eu suspirei querendo rir por colocarem humanos como seguranças – Joe disse que tem do outro lado também.

Continuamos andando devagar e Joe foi o primeiro a atacar o humano, e pude ouvir um crack de longe. O outro humano, o que eu deveria incapacitar, logo saiu da lateral da casa e foi ver a situação, eu fui na sua direção e lhe dei somente um murro que lhe deixaria desacordado por um bom tempo.

Andamos em direção as nossas posições, apenas esperando o sinal de Janine. Senti meu coração dar um pulo ao ouvir a voz de Rose e Rupert retrucar.

“Você não vai matar ela!”

Tão brava. Tão valente! Apertei minha estaca controlando a onda de pensamentos que me invadiu. Ela protegendo a princesa de um poderoso Strigoi... isso me deixava tão orgulhoso quanto vê-la protegento Lissa de um bullying adolescente idiota. Ela protegendo a princesa, bem, eu a treinei para isso, mas eu sabia que essa não era a vida ela levaria. Tudo não passava de uma fachada e nós dois levamos aquilo a sério, tanto que ela se destacou entre os alunos e seus professores sempre vinham me parabenizar.

Meu celular vibrou. Eu e Tanaka trocamos olhares ao ver um Agora! Na tela dos nossos celulares.

-Você pega as meninas – David disse com uma raiva controlada nos olhos – Eu e o resto cuidamos de Rupert e quem tiver mais lá dentro.

Tanaka arrombou a porta com facilidade e nós passamos por ela ao mesmo tempo em que eu ouvia barulhos de janelas sendo quebradas. Olhei para Rose e ela estava praticamente sentada em cima de Lissa, com as mãos amarradas para trás, mas estava a centímetros de Rupert. Ela realmente não ia deixar ele tocar nela.

Naquele instante em que eu fui na sua direção, desviando de uma Strigoi enquanto Tanaka e outros três guardiões lidavam com Rupert, eu tive a certeza: Rose daria a sua vida pela princesa não pela política dhampir/moroi, mas sim porque era algo da natureza dela proteger todos que ela ama, e ela amava Lissa.

Rose’s pov

Eu estava pronta para morrer, afinal eu ia morrer de qualquer jeito. Era o que os bilhetes diziam, não? Só tive conhecimento de um, mas Lissa me falou dos outros que ela recebeu, e eu acho que eu fui ameaçada nos que o meu pai recebeu também. Pelo menos eu ia morrer protegendo a minha melhor amiga de um monstro, mas aí janelas foram quebradas e uma porta foi arrombada.

Foi tudo muito rápido, Dave e os outros partiram pra cima de Rupert que lutava como se aquilo fosse um hobby para ele. Uma vez Dimitri me disse que quanto mais antigo o Strigoi fosse, mais forte ele seria. Aquilo me deu arrepios.

-Roza!  - A voz preocupada de Dimitri fez eu desviar meus olhos de Dave e os outros e encarar o rosto do amor da minha vida.

-Você veio... – Eu disse em um sussurro assustado.

-Eu preciso que você saia de cima da Lissa para eu te desamarrar e depois desamarrar ela, entendeu? – Ele disse olhando nos meus olhos, e alívio passando por eles por me encontrar viva.

Só então eu percebi que eu estava sentada em cima de Lissa por causa da hora em que aquele Strigoi disse que iria matá-la.

Me levantei e virei de costas para ele me desamarrar, mas antes ouvi um xingamento em russo. Certamente ele viu a situação da minha mão. Ele cortou as cordas e depois eu ajudei a puxar Lissa, que estava em um estado de semi-choque. Mas pelo laço ela estava agradecida por aquele pesadelo estar acabando.

-O que eu tenho que fazer? – Perguntei para Dimitri com determinação. Eu queria lutar, eu queria fazer algo.

-No momento me seguir e pegar uns pontos na sua mão – Ele disse me olhando sério – Seu pai está próximo com vários alquimistas.

Semicerrei meus olhos na direção dele e senti aquela raiva crescer. Por que ele continuava me tratando como uma donzela em perigo? Eu cuidei de mim e de Lissa até aqui, eu poderia ajudar. Eu sentia isso.

-Eu posso ajudar! – Eu quase pude sentir meu pé batendo na madeira inconscientemente.

-Rose! –Lissa gritou e eu automaticamente coloquei ela para trás de mim, e Dimitri se colocou na frente de nós duas, mas depois deu uma volta tirando a estaca do seu sobretudo, e me olhando com pena, ele enfiou a estaca em alguém.

-Merda, David! – Percebi Joe gritar e uma risada de Rupert invadir toda a sala.

-Daphine! – Ele gritou logo em seguida ao perceber que Dimitri tinha a matado.

Foi como se tudo passasse em câmera lenta na minha cabeça.

Daphine estirada no chão, igual eu deixei ela da primeira vez em que eu a incapacitei, só que agora morta de verdade, com um buraco no peito. Sua mão direita tinha sangue, o sangue de Dave. Suas unhas enormes e afiadas tinham penetrado a pele dele.

Por favor, que você esteja vivo.

-Roza, vamos sair daqui – Dimitri veio rápido na minha direção antes que eu arrastasse meus olhos para a esquerda.

-Não! – Eu gritei com ele, o empurrando e correndo na direção de Dave – Não, não, não...

Era tudo o que eu conseguia dizer quando eu vi o enorme buraco que aquela vadia deixou na barriga dele.

-Baixinha... – Ele disse com um tremendo esforço e dificuldade.

-O que ela fez com você... – Eu sussurrei sentindo minhas mãos arderem e tremerem. Peguei sua cabeça e a levantei para ele permanecer acordado – Eu devia ter matado ela quando tive a chance – Eu disse com lágrimas – Desculpe.

-Tudo bem – Ele disse um pouco pálido – Eu estou com sono – Ele sorriu – Eu te amo. Diga para a Piper que eu amo ela também.

Piper! Os gêmeos! Não, droga!

-Dave! – Dei leves batidinhas nas suas bochechas. Olhei ao redor e vi que minha mãe estava ali e agora lutava no pequeno batalhão contra Rupert. Ninguém enxergava Dave? Lissa permanecia imóvel e Dimitri estava ao lado dela – Dave, me escuta: Piper está grávida – Eu disse isso e seus olhos se arregalaram levemente – De gêmeos. Por favor, você tem que viver – Eu empurrei seus cabelos para trás da orelha – É um menino e uma menina. Uma menina! Você tem que viver para criar ela que nem você me criou. Por favor... – Eu disse chorando.

Ele me olhou impressionado, como se não pudesse falar mais nada, e talvez naquela altura do campeonato não pudesse mesmo. Mas seria tão injusto Dave morrer ali, por minha causa e os filhos dele crescerem sem o pai.

-Lissa! – Gritei e ela veio correndo na minha direção, quase sendo atingida por uma decoração barata de latão, quase. Dimitri veio junto.

Pelo laço Lissa já sabia o que eu ia pedir, e no fundo ela queria fazer isso mesmo que eu não pedisse, mas ela estava fraca. Não seria capaz de fazer nem se quisesse. Fechei meus olhos e olhei para o lado, torcendo para Dimitri ou os outros não sentirem nojo de mim depois disso, mas Dave era meu amigo, meu irmão mais velho, e se essa era a única alternativa para salvá-lo, então eu não me importaria.

-Me morda – Eu disse olhando nos seus olhos cor de jade e tentando ignorar a presença de Dimitri.

-Você tem certeza? – Lissa disse baixo.

-Apenas faça! – Eu gritei com lágrimas nos olhos ao sentir um leve beliscão de Dave no meu braço – Eu não me importo, contanto que você não deixe ele morrer – Lissa hesitou mais um pouco –Ele vai ser pai, ele tem que ver os filhos crescerem!

Eu tenho que fazer isso. Essa é a minha prova.

Lissa respirou fundo e eu inclinei meu pescoço, ainda olhando para ela e seus caninos. Fechei meus olhos quando senti o calor da sua boca e seus caninos roçarem meu pescoço. Me preparei para dor que viria quando seus dentes atravessassem minha carne, e por um momento senti dor, mas depois veio as endorfinas dos vampiros.

Eu já fumei maconha uma vez, no segundo, escondida no banheiro enquanto eu matava aula de matemática. As endorfinas são mil vezes melhor. Aquele batalhão iria acabar com Rupert uma hora ou outra, Lissa iria curar Dave e ele iria criar os dampirinhos dele, e quanto a Dimitri, acho que depois a gente se acerta, foi por um causa maior. Acho mais fácil ele ficar bolado comigo se eu falar para ele que uma vez eu e Mason assistimos um filme na netflix e as coisas esquentaram entre a gente, logo depois que Dave foi embora.

Ainda com as endorfinas no meu organismo, senti Lissa sair de perto de mim. Eu não senti ela tirar seus caninos, então não sabia se ela teve o cuidado de parar de se alimentar de mim e ainda me segurar ou apenas me largar e dar atenção ao Dave. Prefiro pensar na segunda opção, ele não tinha tempo, e também porque quanto eu me senti tão leve que podia voar, eu senti um par de braços que eu conhecia muito bem me segurarem firmemente, então eu podia voar tranquilamente, eu não tinha como cair mesmo.