Está quente, então decido ligar o ventilador. Mas não basta. Sinto o suor escorrendo pelo meu corpo. Então decido tomar um banho. Me despindo, percebo que ainda estou bronzeada devido aos meus banhos de sol com Julia e uma nostalgia horrenda de Malibu toma conta de meu corpo, fazendo com que eu trema mesmo com o calor. A água gelada atinge minha pele dourada, fazendo com que eu solte um suspiro de alívio. Não arruinei meu futuro. Tudo pelo que passei valeu a pena! A briga com meus pais, o fato de eu ter abandonado minhas amigas e meu namorado (agora ex), a dor da partida, a solidão, o queixo machucado, o suor, as mãos firmes que agarraram minha bunda... Até posso ver de uma forma engraçada se ignorar a humilhação e as coisas horríveis que fiz! Queria passar horas e horas conversando com meus pais sobre isso, esse novo sentimento, mas eu não posso. Não posso correr o risco de desapontá-los mais ainda. Não posso correr o risco de enchê-los de esperança e depois não ser aceita. Com esse último pensamento assustador, saio do banho e visto meu pijama de estampa de girafas.
Tento me distrair assistindo televisão, mexendo no celular, olhando para janela, mas não consigo. Visto um vestido azul, pego minha bolsa e desço as escadas. Está na hora de encher a cara. Vou até o pub mais próximo, sento em um dos altos bancos de madeira e abro o jogo:
- Uma dose de Everclear, por favor!
- Minha nossa, você quer morrer? - pergunta o barman.
- O que você tem a ver com meu suicídio? - pergunto, irritada.
- Bem, garota, vou precisar da identidade! - disse o grandalhão todo tatuado, com um olhar de pena.
Começo a vasculhar pela minha bolsa e depois de pegar um espelho, farelos de um biscoito, uma chave, um gloss e um esparadrapo, finalmente encontro minha identidade falsa.
- Está aqui. Feita há quatro meses. Alexandria Harper Farchland, 25 anos de idade. Fugiu do ensino médio, não tem mais família pra dar tapinhas nas costas e está totalmente fudida! - grito, de modo que todos do bar me olharam.
- Que Deus esteja a seu lado, moça. - ele diz, virando-se para prateleira.
Uma loira magérrima senta ao meu lado, amassando (quase comendo) um homem que tinha cara de carrapato.
- E aí? Vai ficar olhando muito? Isso aqui não é sex tape não, enxerida! - disse ela ao perceber que eu estava olhando.
Estava tão escuro que eu não havia percebido de quem se tratava até o rosto da loira ficar em um ângulo que a luz fraquejante do lugar iluminasse seus traços ossudos. Nathalia Brass Hermingston.
- Se você quer privacidade vai pro banheiro, querida. Enquanto você estiver traindo Dallas Hermigston no banquinho de um pub a menos de um metro de mim, eu tenho o direito de olhar! - falei.
Ela gela por um segundo, mas rapidamente sua expressão incrédula transforma-se em nojo e ela puxa o homem pela gravata.
- Se você ousar postar, falar, supor ou escrever algo sobre isso, saiba que você está morta, Alexandria Farchland. - ela diz, ao sair.
Reviro os olhos.
- Que Deus a tenha. - disse o barman ao pôr o copo na mesa.
Deixo o dinheiro em cima e vou saboreando a bebida. Até que me canso e bebo tudo de uma só vez. Eu gostaria de beber mais, mas ainda estava sóbria o suficiente para isso. Então, dou um giro 180 graus com a cadeira e pulo fora. Resolvo jogar futebol de mesa com alguns caras.
- Qual de vocês dois quer sair chorando daqui hoje? - pergunto.
Dois deles, um de touca e outro careca, se entreolham.
- E se a mocinha é que sair chorando? - eles perguntam.
- Então a mocinha paga um uísque. - respondo.
- E vai para a cama com V! - fala um baixinho lá de trás, batendo na mão do suposto V.
- OOOOOOOOpa! Não sou prostituta não! - falo.
- Ué, pensei que seria um de nós que sairia chorando! - diz o de touca, com tom de zoação.
- Está certo. Mas quando eu vencer, vocês terão que pagar tudo o que eu beber esta noite! - faço minhas apostas.
- Fechado. - diz o careca.
- Quem é o perdedor que vai vir aqui? - pergunto.
- Eu. - diz o suposto V.
- Ok. - falo, me dirigindo ao barman - Um Jack Daniels.
O barman me olha com desgosto e me apresenta um pequeno copo de uísque. Pego e volto ao jogo.
- Vamos lá. - falo, tomando o uísque em um gole só.
Começo jogando tranquilamente, vencendo as primeiras 3 jogadas (e tomando mais 3 doses de uísque). Mas então, o suposto V toma força e conseguimos empatar.
- Abacate? - ele pergunta.
- Hã? O quê! NÃO!! É O MEU ABACATE, SÓ MEU! - falo, entre risos.
Tudo está embaçado, mas ainda assim, consigo subir na mesa ao lado.
- ESTÁ TUDO TÃÃÃO QUENTE! ESTOU NO INFERNO UHUUUUUUUUL! - grito, tirando o vestido.
Consigo escutar uma gritaria, assovios e um "uhuuuul" estimulante. Mal tive tempo de sentir quatro mãos firmes enforcando o meu braço e apaguei.
* * * * * * *
Acordo em uma cama extremamente confortável. Há lençóis pretos da Coca-cola sobre meu corpo. O quarto é todo de madeira e um mural de fotos brilha ao meu lado, cheio de piscas-piscas. Me aproximo das fotos e analiso-as. A foto que me chama atenção é a em que há uma garota, um pouco mais alta do que eu, de cabelos ondulados verdes, beijando uma garota pálida e loira. Essa garota de cabelos verdes está em todas as fotos, com diferentes cortes e cores. Ela é bonita, não tem um corpo no padrão modelo. Tem quadris largos e seios grandes e se veste que nem uma hippie com saias longas e blusas com frases hindus e budistas. Encontro então, acima de um baú uma carta. Com uma cursiva masculina encontra-se "Eles queriam vc na minha cama. Aí está vc. - V".
Com um medo irracional, visto meu vestido e minhas sandálias e desço apressadamente as escadas. As escadas deram para um grande salão branco, com sofás finos, tapetes de pele e quadros com aparência cara. Logo, escutei vozes e me escondi atrás de uma coluna grega.
- Victoria! Você não entende! Vão assimilar! O que a empregada de uma modelo famosa estaria fazendo em um bar, em uma segunda-feira à noite? - perguntou uma voz estridente.
- Salvando uma garota bêbada de ser estuprada? - perguntou uma voz rouca.
- Não, Victoria! Vão dizer que você estava enconbrindo minhas transas com Harry Liengfield, que na mesma noite saiu do bar se agarrando com uma loira! Sua própria bêbada assistiu tudo! - disse a voz de Nathalia Brass.
Meu cérebro havia se confundido. Eu estava na mansão de Nathalia Brass, escutando-a xingar a garota que me salvou? Minha curiosidade falou mais alto e resolvi espiar.
- Ah! Aí está você! - a voz rouca que eu ouvira sai da boca da garota que eu havia visto nas fotos.
- Oh, meu Deus! Menina, você está destruída! Victoria! Faça um litro café bem forte. Já aproveite e veja um copo de água
e duas pílulas para dor de cabeça. Você costuma vomitar quando tem enxaqueca, querida? - pergunta Nathalia para mim.
- Ah, obrigada! Mas não, tenho estômago forte! - respondo.
- Então não precisamos de balde. Siga Victoria e vá tomar seu café. - ela diz, correndo escada acima.
Sigo Victoria em silêncio. Chegamos na cozinha e me sento defronte a uma mesa de madeira crua, enquanto Victoria me passa um enorme copão de café, um prato com torradas com mirtilos, um copo de água e o remédio.
- Obrigada. - agradeço.
- É o meu trabalho. - ela diz.
- Te pagam quanto para salvar bêbadas em bares de serem estupradas? - pergunto, ironicamente.
- Ah, isso. Bem, estava fazendo um favor a nós duas. Eles me acham a maior vadia! Eu não fico com qualquer uma não! - ela diz.
- Vou ignorar a ofensa e matar de vez a curiosidade: você é o, a V? - pergunto.
- Sim, sou a V. A lésbica vadia do grupinho desde os dezenove anos de idade! - ela diz.
- Nossa, agora você fez com que eu me sentisse tão nova! - falo, olhando para cima.
- E você me fez sentir velha! - ela diz.
- Olha os pés de galinha! - falo, rindo.
- Ai, nem me fala isso, garota! Rugas só quando eu passar dos trinta! - ela diz.
- Hum, então você não é tão mais velha que eu! - falo.
- Tenho 27. - ela diz.
- Tenho 19. E estou morrendo de fome! - digo ao abocanhar a torrada.
- Tome o remédio e o café que a enxaqueca passa em cinco horas! - diz Victoria.
Arregalo os olhos.
- Que horas são? Que dia é hoje? - pergunto.
- Oito horas da manhã. Hoje é dia 3 de setembro. Calma, hoje é o dia seguinte do seu show de strip tease. - ela diz, rindo.
Coro vermelha.
- Eu fiz isso? - perguntei.
- Sim. E gritou que estava queimando nas chamas do inferno, algo assim. - diz ela, segurando o riso.
Começo a rir e ela se rende ao riso também.
- ...ai, Arthur. Você não tem noção! A coitada estava totalmente bêbada! Até disse que havia me visto com outro cara! E Victoria foi maravilhosa, foi até ela e a salvou! - escuto a voz de Nathalia se aproximando.
Ai. Não.
- Acho que Alice se apaixonou. - diz Arthur, rindo.
Quando seus sapatos sociais marrons atravessaram o arco que dividia a cozinha da sala de jantar, com seu terno na mão, eu sabia que estava perdida.
- Também, olhe como ela é linda. - disse Nathalia, por fim.
Quando ele me viu, quase tropeçou. Ele começou a me fitar com raiva e comecei a sentir medo.
- Essa "linda" a chamou de vadia, maninha. - ele diz, sem tirar os olhos de mim.
- Como assim? - pergunta Nathalia ao mesmo tempo que solto um "Maninha?".
- Ah, pergunte a ela. - ele diz com ácidez.
- Ontem, me irritei com seu...irmão. Eu não sabia que ela seu irmão na verdade, mas acabei por xingá-la de... - tento falar, mas sou interrompida.
- Vadia e siliconada. - ele conclui, rindo com desgosto.
Os olhos de Nathalia encheram-se de lágrimas.
- Desculpe-me. Eu não deveria ser tão preconceituosa. - falo, arrependida.
- Gostaria que a senhorita se retirasse, por favor. - Nathalia diz, limpando os olhos e soluçando.
Me levanto e arredo a cadeira para seu lugar. Victoria me alcança minha bolsa e dou um soco forte no peito de Arthur.
- Espero nunca mais ver a sua cara. - falo.
Ele ri descaradamente e me bate nas costas assim quando saio. Jogo o dedo do meio para ele, mas tenho lágrimas no rosto.
Minha saída até poderia ter sido triunfal, mas a porta da frente está trancada. Não sei se é um efeito da bebedeira de ontem, mas começo a me estressar com a maçaneta e tentar abrir de qualquer jeito. Acabo me cortando, surto e mando a maçaneta se fuder. Então, Victoria aparece mansamente com as chaves e uma mão nas minhas costas.
- Desculpe-me. - ela cochicha.
* * * *
Desta vez não estou atrasada. Minha blusa não está suada. Minha calça não está suja. Meu queixo não está quebrado. A porta giratória não me prendeu. O guarda não veio com o cassetete. Arthur não tocou nas minhas partes sensíveis. Mas ainda assim, eu estou me sentindo horrível. Estou nauseada, com dor de cabeça, culpa e me sentindo horrível pela Nathalia. E o pior, tenho o pressentimento de que não serei aceita. Minha entrevista foi tranquila, tranquila até de mais. Ele se espantou com meu currículo extenso e minha ótima memória. Mas isso não tira a má sensação que sinto. Acho que vou vomitar. Sr. Brass sai da sua sala, em sua cadeira de rodas.
- Srta. Alexandria Farchland, você é minha nova assistente. - ele diz, com um sorriso, logo em seguida deixando a sala de espera.
- Ai. Meu. Deus. Estou tão fudida!
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