O despertador toca. 7h. Com a preguiça impregnada em meu corpo, levanto e ligo o chuveiro, tomando um banho rápido. Seco meus cabelos castanhos e desembaraço as ondas que se enrolam entre si. Visto minha lingerie preta e saio para escovar os dentes. Ligo a televisão e deixo rodando novamente minha inspiração, Cidadão Kane. Visto uma blusa de cetim preta, de alças finas e uma calça de montaria. São 7h10. Calço meu salto agulha preto e ponho uma correntinha de prata que havia ganhado de Julia no natal passado. Passo um pouco de rímel e brilho labial e pego minha bolsa. Desligo a televisão e vou embora.
Chego no prédio às 7h28, entrando pela porta da sala do Sr. Brass exatamente às 7h30.
- Pontual, Srta. Farchland. - o velho diz, sorrindo.
Devolvo o sorriso.
- Pois bem, a recepcionista deveria estar aqui há meia hora, preciso que você tente ligar para estes números aqui e ver o que houve. O nome dela é Rose Presley. Estou em uma reunião para tratar do financiamento de um novo filme de Tim Burton. Avise-a que a reunião com George Sèlles deve ser adiada para depois do primeiro dia útil de outubro. Avise a Adèle Montes, atriz francesa que está nos ensaios na primeira sala à direita do segundo andar, que eu não posso ajudá-la em questão ao fato de ela achar injusto o preço gordo que paguei a ela. Às nove horas você deve buscar Tempton, o beegle da recepcionista, no petshop PetIt. Você o leva até a casa de Arthur, o endereço está na lista que estou entregando. Pesquise o endereço no Google. Ao meio dia e meia, você vai ao set de gravações de "Bon Voyage, Labelle!" e entrega o almoço de Arthur a ele. O almoço dele é filé de frango grelhado com ervas finas, batata rostiê e tomates cereja. Você pode pegar na cantina. Ele gosta do filé quente e de comer sem atrasos, então pegue o almoço e leve-o em um timing perfeito para que ele o coma quente ao meio dia e meia. Você tem uma hora de almoço, depois disso venha me encontrar na minha sala. Entendido? - ele perguntou, me entregando uma lista cheia de números telefônicos.
- Sim, senhor. - respondi, pegando a lista de telefones.
Saí da sala e me sentei no lugar onde a recepcionista deveria estar e comecei a discar os números. Os primeiros cinco não atenderam, mas tive sorte com o seis. Ou não.
- Bom dia, Lionel Brass Produções. - falei, com voz de atendente.
- Bom dia - ele foi interrompido por um risinho feminino - aqui é Arthur Brass mandando você se ferrar! - diz ele, rindo no final.
- Arthur! Oh, meu Deus! Era só para você... - a voz feminina entre risos é interrompida por uma risada masculina e um corte do telefone.
- Ugh. Que nojo! - falo.
- O que foi? - perguntou Lionel Brass, risonho como sempre.
- Arthur está transando com a sua secretária! - falo, imaginando a cena.
- Ah, que feio! Antes do casamento! - falou o Sr. Brass, rindo.
Então Arthur iria se casar?
Sr. Brass dirige-se à reunião e eu fico tentando ligar novamente para aquele número. Nesse meio tempo, escuto risadinhas. E então vimos uma ruiva, cheia de sardas no rosto, magra, delicada e absurdamente linda entrar pela sala, no mais elegante vestido amarelo. Acompanhada de Arthur.
- Ah, meu amor, você deve ser a nova assistente, me desculpe sobre hoje! Arthur não tem limites! Seja muito bem-vinda! Qual o seu nome? - disse a ruiva se apresentando.
- Alexandria Farchland. Sr. Brass pediu que eu a dissesse que ele se encontra em uma reunião com Tim Burton e que a reunião com George Sèlles foi adiada. Ah, e obrigada pela recepção, mas eu realmente tenho que ir... - falei, saindo de seus braços.
Ela me olhou sair com seu sorriso sedutor no rosto.
Deixo minha bolsa no lugar dos funcionários, pego meu bloquinho e minha caneta, anoto tudo o que tenho fazer e vou correndo para a sala de ensaios, onde a tal Àdele Montes se encontra.
Abro a porta e vejo vários atores fazendo treino vocal e corporal, treinando suas falas, suas canções e gestos. Há muitas mulheres na sala, então decido gritar.
- Srta. Àdele Montes! Favor se dirigir aqui!
Uma mulher negra alta vestindo um elegante vestido preto se dirige a mim.
- O certo é Sra. "Montê". O "s" não se pronúncia e sou casada. O que você quer? - ela pergunta.
- Sr. Brass pediu que eu a avisasse que não há nada que ele possa fazer para aumentar seu pagamento. Ele alega o preço ser justo. - falo.
- Quero marcar uma reunião particular com ele. - ela diz.
- Isto é com a recepção. Quer o número da recepção? - pergunto.
- Por favor. Mas seja rápida, minutos são preciosos. - ela fala.
Arranco um pedaço de folha do meu bloco e escrevo o número pedido.
- Aqui está. Boa tarde! - falo, entregando o papel e saindo.
8h10. Tenho 50 minutos livres. Me dirijo até a recepção e me sento ao lado de Rose. Abro um pacote de salgadinhos de batata e ela dá um berro.
- O que houve? - pergunto.
- Suas veias vão se entupir e você sabe o que acontece quando as veias entopem? Você incha. - ela diz.
Eu dou uma risadinha pela burrice que ela acabou de dizer e devoro todo o pacote.
O silêncio torna-se tão constrangedor que pego meus fones de ouvido e meu Ipod e começo a escutar "Ghost Town"
do Adam Lambert. Vejo a boca de Rose se mechendo e quase revirando os olhos, tiro o fone da orelha esquerda.
- O que você disse? - perguntei.
- Gostei do seu colar. Mas você não deveria usar ametista. Esmeralda ou jade fica mais legal, iria parecer que faz conjunto com seus olhos. - ela diz.
- Ah, obrigada! Mas, bem, isto não é uma ametista, é só uma bijuteria. - falo, sem graça.
- Ás vezes me esqueço que sou rica. Na verdade, Arthur é que é rico, mas ele me dá tudo o que quero. Daqui a dois meses não haverá mais isso de "meu ou dele" será simplesmente "nosso". - ela diz, suspirando.
- Você vai se casar, parabéns! - falo, tentando por de lado o preconceito.
- Ah, sim. Sábado irei olhar o anel de noivado e o vestido. Quer vir junto? - ela pergunta.
Como negar o pedido de uma noiva com olhos desesperados?
- Mas é claro! - digo.
- Ah, que ótimo! - ela diz contente.
8h30. Ainda falta meia hora e não estou nem um pouco a fim de ficar com Rose.
- Bem, vou andando. Até mais tarde, Rose! - falo.
- Até mais, Lexie! - diz ela.
Pego minha bolsa e vou até uma das sacadas do prédio. Tiro um cigarro de uma cartela e acendo. Mal dou uma tragada e meu celular apita.
- Alexandria Farchland falando. - falo.
- Lexie, preciso que você guie uma moça aqui por favor. Ela não sabe onde fica o estúdio de gravações 07. Não posso levá-la, tenho negócios a fazer. - ela diz, desligando.
Ainda com o cigarro entre os dedos, me dirijo a recepção, onde uma moça de cabelo tingido de ruivo vestida de modo simples está a minha espera.
- Olá, eu sou Alexandria Farchland, assistente de produção da empresa. - falo, me apresentando.
- Elizabeth Grant, prazer. - ela diz.
Seus olhos brilham ao ver meu cigarro.
- Cigarro? - ofereço.
- Por favor. - ela diz, com um jeito meigo.
Entrego um cigarro a ela e vejo que em sua mão está tatuado "trust no one".
- É, não se deve confiar em ninguém. - falo.
- Ah, você gostou? - ela perguntou.
- Sim. Sempre quis fazer uma tatuagem, mas meus pais não deixavam e hoje tenho que vestir roupa formal para trabalhar. - falo, apertando no botão correto do elevador.
Ela ri.
- Ah, mas vale a pena! - ela diz.
- Hum... talvez. - falo.
- Você não gosta do seu trabalho? - pergunta ela, saindo do elevador.
- Não tenho essa opção, fugi de casa para realizar meu sonho de ser cineasta e esta é a primeira etapa de muitas. - falo.
- Fiz algo parecido. Mas eu queria ser cantora. - ela diz.
- E deu certo? - pergunto, abrindo a porta do estúdio 07.
- Pesquise Elizabeth Woolridge Grant na internet e você vai ver o que eu consegui. - ela diz, abanando e me jogando um beijo no ar.
Abano de volta e fecho a porta.
8h50. Maravilha.
Desço até o térreo e vou até a parada de ônibus em frente. Mas em menos de cinco minutos, uma limousine para a minha frente e buzina.
Entro no carro e o motorista dá uma risada. É tudo muito luxuoso. Bancos almofadados, frigobar cheio de bebidas e ambiente bem-iluminado e fresco. Quinze minutos e já estamos no pet shop. Desço e busco o cão.
Mais uma viagem, desta vez de meia hora, até a casa de Arthur. Eu até poderia me preocupar, mas Arthur estava na Lionel Brass Produções, já que seu cargo, produção executiva, exige isso.
O motorista me entrega as chaves da casa. Abro cuidadosamente a maçaneta e largo o cãozinho no seu quarto, que é indicado por uma plaquinha. Escuto um barulho na cozinha. Vou correndo olhar, pegando uma vassoura no meio do caminho, caso fosse um assalto.
Já estou preparada para dar a vassourada, quando antes de chegar a porta, ouço a voz de Arthur.
- Eu não posso fazer isso. Não posso fazer isso... ela é linda e legal, mas eu não posso...
Sua voz está desesperada, embargada e ofegante.
- Respire. - me aproximo.
- O que você faz aqui? - ele pergunta, com raiva.
- Vim deixar Tempton. - respondo.
- Ok. Vá embora agora. - ele fala.
- Mas você não está respirando direito, está pálido. - falo.
- Estou bem, vá embora. - ele diz, quase sem ar.
- Espere. - falo, desamarrando sua gravata.
Seu hálito estava podre. Ele está bêbado. Totalmente bêbado. Tão bêbado que me pega pela cintura e me coloca em cima da pia da cozinha. Suas mãos pousam sobre meus quadris e em menos de um segundo, seus lábios encostam aos meus. Ternamente e ao mesmo tempo agressivamente. Meu ar é consumido por minha ofegação. Ele estava quase a ponto de beijar-me de verdade quando um sussurro baixinho veio da porta.
- Sr. Brass. Ligaram do "Bon Voyage, Labelle!". - diz o motorista.
Ele para um pouco a ação, olha para o lado e diz:
- Digam que estou indo, só tenho que terminar algo.
- Sim, senhor. - diz o motorista, saindo.
Ele tenta beijar-me novamente,mas toco sua mão.
- Sr. Brass. Você tem que ir. - falo.
- Ah, tenho? - ele pergunta.
- S-sim. - respondo ofengante
- Que pena! - ele diz, saindo.
- Motorista! - grito.
O motorista vem correndo.
- Leve o Sr. Brass para um banho de água gelada. - falo, com tom profissional.
Preparo um café forte para viagem, junto com remédios para náuseas e dor de cabeça.
Mas há só uma coisa que ronda a minha mente: eu me aproveitei de um bêbado casado. E ele, é filho do meu chefe. Começo a chorar. Não porque posso perder meu emprego. Mas sim porque o que fiz foi errado.
* * * * * * * *
- Srta. Farchland, o que você faz aqui? - ele pergunta.
Parece que ele não se lembra de nada do que aconteceu.
- Vim deixar o cachorro de sua noiva aqui e você estava passando mal. Resolvi ajudar. Chamei o motorista e ele lhe ajudou a tomar banho. - menti.
- Hum! - ele diz.
- Entre no carro, senhor. - o motorista diz.
Arthur entra na limousine, seguido por mim e então ele começa.
- Sei que vocês me viram bêbado. Mas o que aconteceu hoje aqui, fica entre nós. Somente entre nós. - diz, ranzinza.
- Sim, Sr. Brass. - falo.
Chego e cumpro todas as minhas tarefas perfeitamente. Passo o dia agendando reuniões e reservando hotéis para atores estrangeiros para evitar tanto para Arthur, quanto para Rose. Eu menti para os dois, o que me restava era sobreviver com a mentira.
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