História Palhaço - Luz, câmera e vestigios

Eu tinha terminado de contar a novidade via mensagem no celular para Hoseok, nós estávamos de frente para o outro na sala de aula, quando na verdade deveríamos discutir o tema que a gente ia trabalhar num seminário. Ele riu quando soube, mandou vários emojis de alegria que depois se transformaram em emojis de preocupação, já estava imaginando que eu ia fazer algo pra fragilizar tudo de novo ou de minha habilidade que havia conseguindo no inicio da faculdade de fazer papel de trouxa.

- Seja positivo! Não é a hora de me deprimir com isso – eu disse chutando seu joelho.

- Os rapazes vão continuar brigando ou já terminaram de resolver tudo? – nosso professor nos assustou aparecendo repentinamente.

- Nós pretendemos falar sobre os lideres de opinião e sua evolução entre o século XX e XXI – eu disse.

- Isso, vamos nos esforçar muito, só estávamos relaxando um pouco porque não há mais nada o que fazer aqui em relação a isso – Hoseok completou.

- Podem sair na biblioteca se quiserem, já fiz a chamada, mas é pra ir a biblioteca ou ao laboratório de informática.

[...]

- Você é louco? – Hoseok disse ao fechar a porta da sala – inventou um tema sem nem ter acertado comigo e o professor com certeza já foi anotar.

- É um tema bom, nem é tão complicado, é moderno e contemporâneo, deve ser mais fácil de entender e desenvolver do que um assunto de coisas repetidas.

- Tem razão, mas isso foi um bom aviso, vê se vocês dois se policiem pra não ficar por ai parecendo dois bobões apaixonados e deixar o trabalho todo pra mim, se isso acontecer eu não vou colocar seu nome.

- Calma, você sabe que mesmo que eu me disperse um pouco sempre sou assíduo com os trabalhos.

- Ainda bem né, mas sim, diz que a gente vai para a biblioteca mesmo, por favor.

- Vamos, você pesquisa e eu durmo.

- Eu passo e você repete.

- Hoje você está tenso, vou te comprar um doce.

Nós passamos o resto da última aula pesquisando nos livros e nos computadores sobre alguém que falasse do assunto e achamos alguns artigos na internet e autores que abordaram o explorou numa obra, era hora de levar cinco livros de vez da biblioteca. Como a aula já tinha acabado eu precisava deixar os livros no dormitório antes de ir para loja, então voltei com Hoseok, no caminho eu percebi que o dia parecia ter ficado tarde mais rápido, estava nublado, mas ainda não tinha chovido, ir todo molhado para a loja seria um desastre.

Quando cheguei no dormitório o mais novo já tinha chegado, não era surpresa, ele voltava esse horário e ia correndo para lá pra poder dormir e ler tudo que tinha que ler. Assim que me viu, levantou-se e me abraçou, me recepcionando com um beijo intenso, deixando os dois sem ar, como se não tivéssemos feito isso naquela manhã mais cedo e ele não tivesse me visto durante alguns dias consecutivos, meu coração ainda não tinha parado de disparar toda vez que isso acontecia, talvez eu enfartasse com isso. Provavelmente não, porque era bom.

- Passou aqui hoje? Está com dor no estômago? – Jung Kook voltou a se sentar em frente a alguns papéis de manchetes de jornais no chão.

- Não, trouxe livro da biblioteca, e o que você está fazendo?

- Bem, sei lá, me empolguei com a aula de hoje que falou sobre romances policiais, queria tentar montar um roteiro, só uma das loucuras que você sabe o que eu faço – e essa era a diferença de quando ele estava me dando gelo para os dias normais, ao invés de falar apenas uma palavra e não olhar pra mim, ele olhava e falava com empolgação – Vai chover, quer que eu te leve na loja?

- Eu aceito, deixa só eu me trocar.

[...]

- Olha como está, deu carona e tudo, e eu vim de transporte mesmo, grande a amizade de Jung Kook – Taehyung estava na porta da loja e quando eu entrei ele me seguiu falando isso.

- Se você quiser eu posso pedir para nos levar de volta – eu ia caminho do depósito para deixar minha mochila.

- Não vou mentir, quero mesmo. Já contou a Cindy o que aconteceu?

- Sim, foi meio estranho, mas contei.

- Ela parece ser bem legal, deve ter ficado assustada com sua cara de doido gaguejando e enrolando.

- Pior que foi mesmo – eu já estava sentado no banco da loja esperando os clientes, era interessante observar às vezes como a quantidade de consumidores aumentava quando nós dois estávamos atendendo juntos em comparação de quando apenas um aparecia.

[...]

- Ver vocês dois me fez pensar em meus sentimentos – Taehyung disse ao trancar a porta da loja indo para fora esperar a carona comigo – já era a hora de fechar a loja -, em seguida ele estendeu a mão com um chiclete – Quer?

- Sim, obrigado – peguei da mão dele e ele tirou outro do bolso para si.

- Então... eu parei para reparar que eu sinto falta do Hoseok em alguns lugares principalmente nas festas , mas deve ser costume de escutar ele o tempo todo, sei lá, é tudo tão ligeiro e momentâneo, me sinto numa cena de filme que dura meia hora e depois volto a realidade, ele fica falando coisas sentimentais e num piscar de olhos faz zoeira com isso – Taehyung olhava para a rua a sua frente como se estivesse pensativo.

- Acho que ele está andando muito tempo comigo – ri fraco – bem, é bem difícil ouvi-lo falar dos seus sentimentos, se sempre quando vocês saem ele conversa sobre isso quer dizer que ele confia em você inconscientemente e depois lembra que a sua pessoa não está num relacionamento faz muito tempo e não queira assusta-lo.

- Você poderia dar um empurrãozinho também né, você é o único que parece que consegue domar a fera.

- Vou ver o que posso fazer, isso porque gosto de vocês dois e sei que mesmo que algumas vezes da sua boca só saia besteira e língua de gente desconhecida, até que é gente boa.

- Por falar em gente boa, olha a carona chegando – atravessamos a rua e entramos no carro de Jung Kook.

Durante todo o caminho fiquei olhando cara de Taehyung pelo espelho do carro, já que eu estava no banco do passageiro e ele no de trás. Ele aparentemente parecia aquele babaca de clichê juvenil, mas na verdade só era mais um rapaz em Seul quase tirando sua própria pele de tanto esforço para tirar notas boas enquanto também se divertia, acho que até nos sonhos dele ele completava tarefas, e quando o conhece melhor, vê que é uma pessoa bem cuidadosa com quem ele se importa.

O dia terminou tranquilo, mesmo chuvoso, o mais novo veio nos buscar e depois fomos aos seus respectivos dormitórios e eu ajudei Jung Kook com sua nova viagem num gênero literário diferente, eu estava me sentindo como quando tinha 10 anos e tentava adivinhar qual brinquedo ganharia no aniversário, investigando cada pista, analisando o comportamento de meus pais.

[...]

E finalmente um bom tempo se passou até o final do semestre, íamos ter a semana do fim de ano e depois um mês de férias, felizmente o quarteto não reprovou em nada, Hoseok e eu fizemos uma ótima apresentação, mostramos no final como vídeos reactions de youtubers famosos faziam os grupos de kpop serem conhecidos no Ocidente, o professor quase nos deu a nota máxima se não tivéssemos feito a parte escrita por último e com pressa já que Hoseok passou uma semana trancafiado no seu dormitório depois que Taehyung disse que gostava mesmo dele, tempo esse que nós reservamos para terminar o trabalho. Mas isso deixa para depois, não sou fofoqueiro.

O Natal eu passei em família e no Ano Novo Jung Kook me apresentou como seu namorado aos pais dele e vice-versa, na casa dele foi muito tranquilo, já na minha meu pai ficou fazendo piada de mau gosto por conta de vir de uma família muito tradicional, mas não nos rejeitou, e meu irmão ficou o dia todo na cola de Jung Kook porque eles gostavam da mesma série baseada em jogo, então passei o primeiro dia do ano lavando os pratos que eu não tinha usado no dia anterior por estar na casa do mais novo e de resto ouvindo sobre upar e como o filme não seguiu o roteiro do jogo, mas ficou ótimo.

Depois dessas festas voltamos para Seul e decidimos ficar no dormitório, mas só pra descansar, porque na verdade íamos explorar a cidade e alguns distritos próximos, principalmente o de Hoseok e os restaurantes, mesmo no inverno, na verdade era um plano do quarteto que na verdade na cabeça do último citado era um trio já que Taehyung não foi convidado, segundo ele.

Devido ao frio, tudo se limitava a locais cobertos sem neve, foi surpreendente como achamos vários lugares bem interessantes até mesmo no inverno, em geral o local mais visitado era o teatro de cada cidade por causa de Jung Kook, e tivemos de ouvir Taehyung falando coisas técnicas, era estranho e engraçado vê-lo dizendo coisa com coisa, ele ficava fascinado com a dimensão de alguns prédios e construções antigas.

Ao longo das semanas o tempo foi esquentando, mas o frio continuava, só a neve estava sumindo, e nós começamos a sair mais para olhar as ruas, praças, a melhor parte foi passar em Busan e dormir na minha velha cama.

Alguns dia antes de começar as aulas nós saímos por Seul mesmo, pela noite fomos naquele pub que me encontrei com Yonngi. Pensamos em pedir bebida quente, e acabou que bebemos apenas um shot de vodka e conversamos em volta da mesa sobre absinto, na verdade foi aquele momento meio retardado quando a pessoa não conhece o artefato e discute sobre a existência com seus amigos leigos também e dão mais risada do que têm uma explicação conclusiva do que é.

- Imagine Taehyung experimentando isso – Jung Kook disse apontando para nosso amigo e rindo.

- Muitas fotos constrangedoras um dia depois nas minhas redes sociais – ele disse olhando pra o nada como se estivesse num deja vú.

- Fala alguma coisa Hoseok, só fica rindo – eu o cutuquei e ele bateu nas minhas costas.

- Alguma coisa – ele disse e logo em seguida virou o resto que ainda tinha no seu copo e fez cara feia quando engoliu.

- A viagem toda tagarelando, só porque sentou do lado de Taehyung tá agindo assim – Jung Kook disse.

- Tsc... – Hoseok se encolheu na cadeira como se quisesse se afastar da mesa.

- Sério, estou com saco cheio de vocês dois, Taehyung fingindo que você não existe e você fazendo jus ao fingimento – Jung Kook murmurou já que mesmo com um bar cheio ainda assim dava pra ouvir a conversa dos outros e não era da conta de ninguém o que acontecia.

- Eu não estou fingindo que ele não existe, muito pelo contrário, mas ele não fala mais nada – Taehyung também murmurou.

- Quando você está perto, porque hoje ele já gastou conversa de uma semana toda comigo – eu falei.

- Que saco – Hoseok disse e simplesmente saiu.

- Eleição imediata, quem vai atrás dele? Taehyung ou Jimin? – Jung Kook perguntou e apontou para o outro e eu também – Taehyung venceu, se você levantar agora ainda dá tempo de pegar o mesmo transporte que ele.

- Depois eu pago a parte da gente da conta – Taehyung disse e se levantou.

- Relaxe – eu disse.

- O que será que acontecerá com o jovem confuso Hoseok? Só saberemos amanhã no novo capitulo de My demon – Jung Kook disse .

- Você que provocou eles, mas só assim para conversarem, vai por mim ele queria falar com Taehyung.

- Vendo de fora eu finalmente percebo como tudo isso é patético, mas quando você está na situação não é tão fácil, talvez eu tenha aprendido e amadurecido nisso por agora, ou só estou esperando um vacilo acontecer e já vou agir assim novamente, enfim, humanos...

- Não vai ser comigo, eu espero.

- Antes que aconteça algo contra gente, melhor eu contar uma novidade, fiz um teste para um dorama, na verdade um funcionário do estúdio me indicou.

- Que horas isso?

- De manhã quando você ficou conversando com Hoseok, tinha recebido o convite na noite passada. O resultado vai demorar de sair porque o elenco vai ser bem escolhido, vai até analisar as redes sociais,

- Boa sorte! – levantei para abraça-lo.

- Obrigada – ele retribuiu o abraço.

- Por que praticamos costumes ocidentais às vezes? – eu perguntei.

- Não sei, a mídia influencia muito, você já devia saber disso.

- Eu estou de férias, só penso em dormir.

Em seguida pedimos a conta e a pagamos, indo direto para a república, assim que entramos no nosso dormitório começou a chover, bem na hora que eu estava pretendendo bisbilhotar a discussão dos outros dois, mas o que me sobrou foi deitar e ao invés de dormir – que era o que o mais novo estava fazendo – eu comecei a me dar conta de que se Jung Kook passasse no teste ele acabaria virando uma figura pública, ou seja, eu não queria atenção das câmeras e ele teria de ser bem sigiloso, mas no meio da minha paranoia acabei apagando.

No outro dia de manhã encontramos com Hoseok e Taeyhyung aparentemente de pazes, pelo menos os dois tagarelavam um para o outro como antes. Era uma relação peculiar, provavelmente deve ter rolado algo.

[...]

Passou-se dois meses desde aquela semana, as aulas voltaram, e a primavera chegou, ou seja, plano dormir de conchinha cancelado, coisa que eu não fiz. Nesse meio tempo eu consegui vasculhar o celular de Hoseok e ver o que ele falava com Taehyung, pelo que parecia estava tudo normal para eles que estavam num relacionamento aberto. Fiz uma vídeo chamada com a Cindy e Jung Kook estava comigo, conversamos muito por sinal, o nosso hobby era discutir filmes e rir das fake news do EUA e da Coreia do Sul.

Até que numa sexta eu e Hoseok recebemos um email da empresa que fizemos a entrevista, eu achei que seria mais rápido, mas eles utilizavam um método seguro, fizemos psicotestes e uma sessão com terapeuta de graça, não sei como me aceitaram até o resultado parcial.

- Convido ao Prezado Senhor Jung Hoseok para comparecer a sede mais próxima da nossa empresa para cumprir as respectivas formalidades – Hoseok lia o email no celular enquanto estávamos no intervalo entre uma aula e outra, no banheiro.

- O meu diz o mesmo – eu olhei para ele e nós rimos de nervosismo e um rapaz saiu de uma das cabines nos olhando torto.

- Precisamos contar aos caras, preciso esfregar na cara de Taehyung que eu consegui – Hoseok disse com olhar confiante, agora voltado para o espelho.

- Eu vou é contar para minha mãe – sai da página do email e disquei o número dela – Alô mãe! Consegui a vaga! ... Calma mãe... Senta ai por favor, a senhora sempre se alterando assim... Obrigada... não, Jung Kook não está aqui e ele ainda não sabe... eu sei que ele mandou a foto das minhas roupas sujas acumuladas lá no dormitório, eu já lavei ... Tá, beijo, tchau.

- Que bonitinho, também vou falar com a minha, mas vou mandar mensagem – sempre percebi essa certa frieza de Hoseok com os pais, devia ser drama de gente rica.

Durante a tarde eu pedi que ele não contasse aos meninos ainda, e fui trabalhar na loja com Taehyung e aproveitei para conversar com o chefe sobre isso, na volta fomos numa pizzaria e pedimos uma pizza família para levar e algumas garrafas de bebida, claro que o outro não entendeu nada. Quando chegamos no meu dormitório Hoseok estava rindo com Jung Kook enquanto o mesmo colocava canudos no seu nariz.

- Eu que não quero mais usar isso – falei.

- Esse é o cara que não corre o risco de repetir matéria – Taehyung falou deixando a pizza no meio do circulo que nós formamos no chão depois que fechei a porta.

Dez minutos de mastigação e arroto depois...

- Vai contar o que ta rolando ou eu vim só pra engordar? – Taehyung perguntou.

- Fomos aceito na entrevista do estágio! – Hoseok gritou rápido enquanto eu pigarreava me preparando para falar.

- Que? Esse troço ainda estava valendo? – Taehyung fez graça.

- Parabéns aos futuros formandos promissores, começa quando? – Jung Kook perguntou.

- Semana que vem temos que ir lá acertar tudo, talvez eles avisem – eu disse

- Eu também tenho uma novidade, o resultado do teste para o dorama chegou, leia – ele me entregou o celular e de repente eu comecei a ficar ansioso e o coração acelerou.

“As palavras com que escrevo agora não são as mesmas com a que escrevi uma semana atrás, sempre reinventando, sempre me questionando sobre o que eu fiz no passado, várias versões de mim em uma só pessoa”