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História Paper - Café


Escrita por: Beeyu

Notas do Autor


Nossa ISDAHAHDAHSDIH
Eu to tão feliz com vocês, sério.

Aqui eu termino a primeira fase da história e começo a segunda. :D

Capítulo 14 - Café


Fanfic / Fanfiction Paper - Café

                                                                   Eu não quero ser um saco de pancadas.

 

...

 

Uma noite sem sonhos.

 

O cobertor é pesado sobre meu corpo. Os parcos raios de sol que invadem minha janela são acompanhados de poluição e preguiça. Os olhos estão grudentos, a boca com gosto ruim. Minha mente vagueia. O que aconteceu ontem?

 

Otabek não tinha o direito de fazer aquilo comigo. Eu posso estar exagerando? Talvez. Fazer-me assistir um filme que praticamente gritava transfobia foi ridículo. Ele poderia não saber que o filme tinha aquele conteúdo. Podia até achar graça, mas o que mais me machucou foi ele não ter se importado com isso.

 

Meu coração se aperta ao lembrar da forma absurda que ele arrancou com a moto. A forma que atingiu uma velocidade absurda em tão pouco tempo. A angústia cresce ao não receber o usual bom dia. Mando a mensagem, sem resposta. Teria acontecido algo? Ele deve estar apenas bravo comigo. Isso. Apenas isso. Respire, Yuri.

 

Saio do quarto, meu avô ressona sobre a cama dele. Faço o café e arrumo a cozinha pensativo. Eu gosto de Otabek. Quando estamos juntos, o clima é um misto estranho de conforto e sensualidade. Nunca nem nos beijamos, o que é irônico dado minha situação.

 

As pessoas erram, é normal. Eu deveria conversar com ele. Expor o que estou sentindo. Mas o orgulho fala mais alto. Orgulho é um sentimento horrível. Fuço minha mochila em busca de um cigarro. A preocupação me devora ao mesmo tempo que sinto a nicotina preencher meus pulmões.

 

Ele é uma boa pessoa. Digo, Otabek. Não é mais errado que eu. Somos um casal complicado. Somos um casal? Não mais.

 

O que me dói agora é pensar que provavelmente ele não falará mais comigo.

 

Mais um cigarro.

 

Talvez nunca mais.

 

Eu não deveria ter gritado, não deveria.

 

Talvez se eu tivesse reagido de outra forma, ele não teria saído tão rápido.

 

Talvez ele não arrancasse com a moto.

 

Talvez meu coração não se apertaria, e ele até mesmo pediria desculpas. Talvez, apenas talvez, por alguns segundos nossos olhares se encontrariam e ele diria que entendeu. Que eu não sou feito para bater.

 

Talvez.

 

E outro cigarro.

 

Alguns dias depois

 

Ainda sem uma resposta.

 

Mandei bom dia e boa noite até o terceiro dia.

 

Não tive a menor vontade de sorrir durante esses três dias. Estava apático, e isso era visível até para meu avô, que me faz comer contra minha vontade. Ele está bem, está feliz com meu novo emprego. Um problema a menos.

 

O cansaço está duelando contra todas as minhas forças. Não o vi na faculdade em nenhum dos dias, mas não cheguei a procurar.

 

Teria ele morrido?

 

Otabek estava morto?

 

Estava, ao menos para mim.

 

Meu coração não quer acreditar, minha mente implora. A confusão se faz presente.

 

Minha única fonte de esperança havia se esgotado. Agora tudo que eu tenho é que terminar a faculdade e continuar minha vida.

 

A nicotina e o cansaço agora são companhias que não desgrudam das minhas entranhas. Estão fincadas como estacas firmes nos meus órgãos. Substituem a dor, a preocupação. Amenizam a dor que sinto na garganta, suavizam as lágrimas que ameaçam correr.

 

Fazem minha mente divagar enquanto o homem a quem chamo chefe esfrega seu corpo no meu, e abaixa as próprias calças. A dor no corpo não se compara à dor da alma. O corpo é acostumado com isso, a alma não.

 

A sensação é completamente diferente da que eu sentia vendendo o corpo nas ruas. É pior, é degradante. Dói, arde, queima, pesa. Pesa muito.

 

A nicotina virou minha melhor amiga. Substituiu o espaço que estava começando a ser ocupado pelo moreno.

 

A resposta veio de uma forma engraçada. Um “Desculpe”, enviado no meio da noite do terceiro dia. Então ele estava vivo. Estava?

 

Talvez estivesse apenas brincando com a minha cara.

 

E então a raiva substituiu tudo. Não fiz menção de responder virtualmente. Nem olhei para a janela da mensagem mais.

 

Fui para a faculdade borbulhando de raiva. Não encontrei seu corpo musculoso. Não vi seu semblante de peixe morto. Não ouvi sua risada. A raiva passou. Passou junto ao bastão de papel e tabaco que acendi e enfiei pelos lábios.

 

Avistei o coreano que andava sempre com ele, também não tinha ideia do paradeiro de Otabek. Procurei Jean, não encontrei. Victor também não sabia onde ele estava. A preocupação me corroeu.

 

Victor disse que iria ligar para os hospitais em busca dos dois, e que me ligaria se descobrisse algo. Yuuri me levou para respirar. A única coisa que respirei foi a fumaça da nicotina.  Ficou comigo até o horário de ir para casa, ele é uma boa companhia.

 

Estava surtando.

 

A semana de provas se aproximava, saio do trabalho com o gosto ruim de sêmen preso na garganta. Mais uma madrugada estudando. Não consigo dormir, o peso das provas é maior.

 

Estudo e estudo. Trabalhos, estudar. Aulas. Otabek. Aulas. Emprego. Dor, dor. Tudo dói minha cabeça, tudo me faz chorar. Mas não choro de verdade, com lágrimas. Na verdade, meus olhos estão secos.

 

A visão no espelho é horripilante. Os orbes a que chamo olhos estão opacas. A pele está ressecada, manchada. Os lábios acinzentados. A garganta marcada em roxo pelos dedos de meu chefe. Os cabelos estão compridos e desgrenhados. Não sinto a menor vontade de pentear. Fecho o rosto e visto minha melhor carranca.

 

Onde está meu moreno? Eu preciso dele.

 

Ele é meu vício.

 

Outro cigarro.

 

Se eu conversasse com ele, será que entenderia?

 

Algumas semanas depois

 

Otabek não apareceu na semana de provas. Cheguei até a perguntar para seus professores. Ninguém sabia onde ele estava.

 

Eu estou enlouquecendo.

 

Sentado no refeitório da faculdade, sem a menor vontade de ir para a aula. Um homem platinado se aproxima.

 

—Yurio. —Se senta do meu lado, me fazendo endireitar a coluna.

 

—Victor.

 

—O que está acontecendo com você? Emagreceu tanto. Parece que está definhando.

 

—Eu sinto falta dele, Victor.

 

O homem japonês se aproximou e sentou à minha frente.

 

—Yurio, ele era abusivo com você. — Yuuri começou. Não quero ouvir esse discurso de novo.

 

Arranho a garganta com a voz ríspida, grunhindo. Os dois não se surpreendem.

 

—Ele não era abusivo comigo.

 

—Claro que era, Yurio! —Victor se exaltou, mas logo voltou ao tom normal. — Que tipo de pessoa faz isso? Ele sumiu e te deixou todo preocupado! Olhe seu estado!

 

Reviro os olhos.

 

—Além disso, Yurio, você me disse aquele dia que ele tentou te bater. — Yuuri tem uma voz de sono, voz de enfermeiro que diz que a injeção não vai doer mesmo sendo uma benzetacil.

 

Aposto que se eu tomasse uma injeção dessas na testa, a dor de perder o moreno seria menor.

 

—Calem a boca. —Minha voz não é brava, por mais que eu esforce.

 

—Ele foi um otário com você. —Yuuri continuava a falar. Olhe quem fala, Victor o faz de gato e sapato. Ele não moral para falar nada.

 

—Você nem sabe se ele está vivo ou não, Yurio. Outra pessoa pode ter enviado aquela mensagem pelo celular dele. —Era a vez de Victor me irritar.

 

A raiva entope meus vasos sanguíneos.

 

—Ou ele pode apenas ter desaparecido da face da Terra para não ver mais você. —Yuuri deu de ombros.

 

—Calem a boca, por favor. — E se calaram. Por pouco tempo, logo a voz de Yuuri se fez novamente presente.

 

—Vocês dois precisavam de terapia, urgentemente.

 

Respirei fundo, tentando acalmar o ódio que inflamava e pulsava. O coração apertava e a adrenalina corria. Os braços arrepiaram, os olhos se apertaram. As contrações percorreram todos os meus músculos, correndo e sapateando pelas células de meu corpo. Os dois continuaram falando, não fiz menção de ouvir. A voz de Victor comentando sobre uma psicóloga no campus foi a gota d’água.

 

—Eu tenho que ir trabalhar, com licença. — Levantei da mesa, deixando os dois estáticos atrás de mim. A mochila pesando no ombro. Ainda faltava tempo para eu ter que ir trabalhar, mas não aguentava mais ouvir tudo aquilo.

 

Ônibus, floricultura. Margaridas, lágrimas, petúnias, sangue, rosas, sêmen, bromélias e orquídeas. Um dia comum, cheiros comuns.

 

A esposa de Nishigori sabia de tudo. Acobertava tudo. Ela tinha medo. Os roxos em sua pele eram um sinal, um pedido silencioso de socorro.

 

Me contaram que ela chamou a polícia e ele gritou. Ameaçou tirá-la de casa, bateu em seu corpo. Bateu tanto que o trauma se fez recorrente em sua vida. Bateu não só no corpo, como na alma.

 

Otabek seria assim comigo se nós ficássemos juntos?

 

Não quero pensar nisso.

 

Meu salário caiu na minha conta corrente. Um pouco a mais do que o combinado, comprei comida a mais. Meu avô estava tão feliz.

 

Ele cuida de mim desde que sou pequeno. Eu amo meu avô, amo muito.

 

Eu faria tudo por ele. Passaria por tudo. Passaria pelos dedos sujos de quem quer que fosse.

 

Isso é engraçado. Ele melhorou tanto ao saber que não me vendo nas ruas. Mas não tem ideia de como consigo o dinheiro. Pelo menos não há mais o álcool. Apenas a nicotina.

 

Perguntou-me alguns dias onde estava o moreno. Ao ver minha reação, não perguntou mais. Me abraçou e me deixou chorar em seu colo.

 

—Você merece alguém que te ame, Yuratchka. Alguém que te trate bem.

 

Eu mereço?

 

Mas Otabek me trata tão bem.

 

Mila não concordava.

 

—Aquele garoto é esquisito mesmo. Uma hora te dizia uma coisa, outra hora queria outra. Ele não era.... Assexuado? —Mila bebeu mais um gole da cerveja. —E depois ficou te chamando para trepar. Parece até bipolar, credo. É um esquisito, isso sim. Ele não queria bater em você?

 

—Ele não me chamou para trepar, Mila.

 

—E ainda tem aqueles desenhos bizarros de você apanhando. Se eu fosse você, desencanava. Perda de tempo ficar ligando para essas pessoas esquisitas. Ele deve ser só mais um com fetiche estranho em gente morta.

 

—Eu não estou morto.

 

—Eu sei disso, meu amor. Foi modo de dizer. Sangrar, morto. É tudo a mesma coisa. Por falar nisso, você nem sabe se ele está vivo. E se estiver, ele não quer papo com você.

 

Eu sei disso tudo. As pessoas me falam como se eu não soubesse, mas eu sei.

 

Otabek não é violento, ele não é abusivo. Eu não tenho medo de apanhar. Eu sou homem, tenho força. Apanhar fisicamente não é problema, nunca foi. O físico nunca foi meu medo.

 

Eu não tenho coragem para isso. Assumir que me preocupo com ele. Ele é tão complicado quanto eu, e eu não sei nada sobre a vida dele. Me sinto egoísta por nunca ter perguntado.

 

Talvez se eu soubesse de algo, teria poupado tudo isso. Talvez tivesse poupado toda a dor, todo o sofrimento. Mais um cigarro.

 

Eu emagreci. Estudava, trabalhava. “Trabalhava”. Meu medo de perder o emprego me corrói. Meu avô está tão feliz.

 

Porém, eu tenho consciência que isso é apenas um medo. Eu sei da minha situação, sei que estou preso em um turbilhão incoerente de medos que não fazem sentido.

 

Sei que estou machucado, sei que Otabek também está. Na verdade, não sei onde está Otabek. Isso está me deixando à flor da pele. Não quero falar de flores. Flores antes eram tão bonitas.

 

Agora as flores são testemunhas da minha dor.

 

Testemunhas do sangue, da agonia.

 

Jean apareceu na faculdade. Estava um pouco abatido. Quem em sã consciência falta tantos dias seguidos no curso de medicina?

 

—Ah, oi Yuri. Não, não sei onde está Otabek.

 

—Então ele está vivo?

 

—Eu... Argh, Yuri. Ele está vivo.

 

Meu coração se acalmou. A agonia partiu, e agora só resta uma raiva pequena. A outra sensação que restou é estranha. Saudades?

 

—O que aconteceu? Por favor Jean, por favor. Eu preciso saber.

 

—Ele me pediu para não te falar.

 

Raiva.

 

—Como assim? Ele não quer mais saber de mim? É isso? Então que falasse na minha cara!

 

Lágrimas. Dor.

 

Rejeição.

 

Foi assim que ele se sentiu? Não.

 

—Não é isso. Yuri! —Não ouvi o resto, saí correndo.

 

Cheguei em casa. As lágrimas, a dor.

 

Fui rejeitado da pior forma.

 

Então ele estava bem e não quer mesmo saber de mim.

 

Talvez ele realmente só quisesse sexo, talvez realmente nunca gostou de mim.

 

Se foi assim, ele deveria ter feito igual seu irmão fez. Deveria apenas ter me comprado. Iria poupar tanto sofrimento.

 

Se Otabek fosse apenas um cliente corriqueiro, que viesse, me comprasse e voltasse quando quisesse mais, talvez a dor não fosse tão grande. Nem doeria, para ser sincero.

 

Seria apenas mais um.

 

Porém, ele me cativou, e minhas feridas e as deles estavam costuradas e grudadas. O pus que supurava nossa pele percorria de forma nojenta nossas almas, estávamos grudados por meio de pontos fincados firmemente nas camadas mais fundas do corpo. Até as veias se grudaram.

 

E ele foi embora de uma vez.

 

Arrancou as suturas, arrancou os pontos. Deixou-me no chão, sangrando. O sangue foi-se.

 

Agora

 

O cinzeiro ao meu lado está cheio. O livro aberto, meu caderno na mesa. As semanas passavam, estou cansado de pensar, se estudar.

 

Levanto, bebo uma água. Olho pela janela, o céu está azul.

 

Está tudo bem, meu pesadelo está passando. Os buracos em minha pele começam a fechar. Sento novamente na cadeira de madeira velha, o lápis firme nos dedos.

 

Volto a estudar, quando o homem que abre a porta me tira de meus devaneios.

 

—Yuratchka, chegou uma carta da sua mãe.

 

Meus olhos se arregalaram.

 

Não, tudo menos isso, por favor.


Notas Finais


Enois


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