*Narração por Justin*
Ari: Wal-Mart.
Entramos juntos no Wal-Mart e pegamos uma trava de volante daquelas que a gente vê em comerciais na tevê, chamada The Club, que prende o volante do carro. Caminhávamos para a seção infantil quando perguntei a Ariana:
Jus: Por que a gente precisa dessa trava?
Ela deu um jeito de desfiar seu solilóquio enlouquecido de sempre sem me responder:
Ari: Você sabia que na maior parte de toda a história da humanidade a expectativa média de vida foi inferior a trinta anos? Você podia contar com mais ou menos uns dez anos de vida adulta, certo? Não havia planos. Não havia tempo para planejar. Não havia tempo para o futuro. Mas aí a expectativa de vida começou a aumentar, e as pessoas começaram a ter mais e mais futuro e a passar mais tempo pensando nele. No futuro. E agora a vida se tornou o futuro. Todos os momentos da vida são vividos no futuro: você frequenta a escola para entrar na faculdade para arrumar um bom emprego para comprar uma casa legal e mandar os filhos para a faculdade para que eles consigam arrumar um bom emprego para comprar uma casa legal para mandar os filhos para a faculdade.
Era como se ela estivesse só enrolando para não responder à pergunta. Então eu repeti:
Jus: Por que a gente precisa dessa trava?
Ariana me deu um tapinha de leve nas costas.
Ari: É claro que tudo será revelado a você antes que a noite acabe.
E então, na seção de pesca, Ariana pegou uma corneta de ar comprimido e eu disse:
Jus: Não. - E ela disse:
Ari: Não, o que? – E eu disse:
Jus: Não, não toque essa corneta. – Só que no t de toque, ela apertou a corneta com força, produzindo um abrulho tão alto e ensurdecedor que soou dentro de minha cabeça como o equivalente sonoro de um aneurisma, e então ela disse:
Ari: Foi mal, não ouvi o que você falou. O que foi? – E eu disse:
Jus: Não t... – E ela apertou de novo.
Um funcionário não muito mais velho do que a gente veio em nossa direção e disse:
- Ei, você não pode usar isso aqui dentro. – E Ariana disse, com aparente sinceridade:
Ari: Foi mal, eu não sabia. – E o cara disse:
- Tudo bem. Na verdade, eu não ligo. – E então a conversa pareceu terminar, só que o cara não conseguia parar de fitar Ariana e, para falar a verdade, eu não o culpo, porque é difícil parar de olhar para ela. E enfim ele disse:
- O que vocês vão fazer hoje?
Ari: Nada de mais – respondeu Ariana, - E você?
- Eu largo uma da manhã e aí vou para um bar chamado Orange, se estiver a fim de ir. Mas você teria que deixar seu irmão em casa; eles são muito rígidos no lance de checar as identidades.
O quê?!
Jus: Eu não sou irmão dela – protestei, olhando os tênis do cara.
E então Ariana começou a mentir:
Ari: Na verdade, ele é meu primo. – E então se pôs ao meu lado e passou os braços ao redor da minha cintura, de um modo que eu senti seus dedos apertando meu quadril, e acrescentou: - E meu amante.
O cara apenas revirou os olhos e foi embora. A mão de Ariana continuou ali, e eu aproveitei para passar o braço ao redor dela também.
Jus: Você é mesmo minha prima favorita. – falei para ela.
Ela sorriu e me empurrou de leve com o quadril, soltando-se do meu abraço.
Ari: Como se eu não soubesse!
* * *
Estávamos dirigindo pela rodovia I-4, felizmente vazia, e eu seguia as orientações de Ariana. O relógio no painel indicava 1h07.
Ari: Bonito, não é? – disse ela. Estava olhando pela janela, o rosto distante do meu, então eu mal podia vê-la. – Adoro dirigir depressa sob a luz dos postes.
Jus: Luz – declamei –, o lembrete visível da Luz Invisível.
Ari: Que bonito isso – disse ela.
Jus: T.S. Eliot. Você leu também. N aula de inglês, ano passado.
Na verdade, eu não conhecia o poema inteiro, mas os poucos versos que li haviam ficado em minha cabeça.
Ari: Ah, é uma citação – disse ela, um tanto decepcionada. Vi a mão dela no espaço entre os bancos. Eu poderia ter colocado minha mão ali, e então nossas mãos estariam no mesmo lugar ao mesmo tempo. Mas eu não coloquei. – Recite de novo – pediu ela.
Jus: Luz, o lembrete visível da Luz Invisível.
Ari: É. Caraca, a frase é boa. Deve ajuda-lo com sua amiguinha.
Jus: Minha ex-amiguinha – corrigi,
Ari: Suzie largou você? – perguntou Ariana.
Jus: Como você sabe que foi ela quem me largou?
Ari: Ah, foi mal.
Jus: Mas foi – admiti, e Ariana riu.
O término já tinha acontecido alguns meses antes, mas eu não culpava Ariana por não prestar atenção ao mundo romântico da simples plebe. O que acontece na sala de ensaios fica na sala de ensaios.
Ariana colocou os pés no painel e ficou balançando os dedos no ritmo da própria fala. Ela sempre falava daquele jeito, com aquela cadência perceptível, como se estivesse recitando poesia.
Ari: Certo, bem, que pena! Mas eu entendo você. Meu querido namorado há muuuitos meses está comendo minha melhor ‘’amiga.’’
Voltei o olhar para ela, mas o cabelo lhe cobria todo o rosto, então não dava para saber se ela estava brincando.
É mesmo, eu tinha esquecido que a Ariana estava ‘’namorando’’ Jason Worthington.’’
Jus: Sério? – Ela não respondeu. – Mas você estava rindo com ele e as meninas hoje de manhã. Eu vi vocês.
Ari: Não sei do que você está falando. Fiquei sabendo antes do primeiro tempo, e aí vi os dois conversando e comecei a gritar feito uma louca, e aí Becca correu para os braços de Clint Bauer, e Jase ficou lá de pé como um retardado, a saliva pingando daquela boca fedida.
Obviamente eu tinha interpretado mal a cena no pátio.
Jus: Estranho, pois Chuck Parson me perguntou hoje de manhã o que eu sabia a respeito de você e do Jase.
Ari: É, bem, Chuck só faz o que mandam, acho. Provavelmente estava tentando descobri para o Jase quem ficou sabendo.
Jus: Meu Deus, por que ele iria querer ficar com Becca?
Ari: Bem, ela não é conhecida por sua personalidade ou generosidade de espírito, então deve ser porque é gostosa.
Jus: Não tanto quanto você – soltei sem pensar.
Ari: Isso sempre me pareceu tão ridículo, que as pessoas pudessem querer ficar com alguém só por causa de beleza. É como escolher o cereal de manhã pela cor, e não pelo sabor. A propósito, a gente vai pegar a próxima saída. Mas eu não sou bonita, não de perto, pelo menos. Normalmente, quanto mais as pessoas se aproximam de mim, menos me acham atraente.
Jus: Isso... – comecei.
Ari: Tanto faz – respondeu ela.
Acho um tanto injusto que um babaca feito Jason Worthington consiga transar com Ariana e Becca, enquanto sujeitos perfeitamente agradáveis como eu não conseguem transar com nenhuma das duas - nem com ninguém, aliás. Dito isso, gosto de pensar que não sou do tipo de pessoa que sairia com Becca Arrington. Ela pode ser gostosa, mas também é 1)’ Agressivamente insípida, e 2)’ uma absoluta e completa filha da mãe. Há muito tempo que o grupo que frequenta a sala de ensaios suspeita que ela mantém a boa forma se alimentando somente da alma de gatinhos e dos sonhos de crianças carentes.
Jus: Becca é meio mala – falei, tentando puxar Ariana de volta para a conversa.
Ari: É – respondeu ela, encarando a janela do carona, o cabelo refletindo as luzes da rua. Pensei por um segundo que ela pudesse estar chorando, mas ela se aprumou depressa, subiu o capuz e tirou a trava The Club da sacola do supermercado. – Bem, vai ser divertido de qualquer forma – disse, abrindo a embalagem da trava.
Jus: Já posso saber para onde estamos indo?
Ari: Para a casa de Becca – respondeu.
Jus: Ah, não.
Parei em um sinal. Coloquei a marcha do carro em ponto morto e comecei a dizer a Ariana que ia levá-la de volta para casa.
Ari: Nada de delitos graves. Eu juro. A gente precisa achar o carro de Jase. A rua de Becca é a próxima à direita, mas ele não iria estacionar na rua dela, porque os pais dela estão em casa. Tente a próxima. Isso é a primeira coisa.
Jus: Tudo bem – falei. – Mas depois a gente vai para casa.
Ari: Não, aí a gente vai para a parte dois das onze.
Jus: Ariana, essa é uma péssima ideia.
Ari: Apenas dirija – ordenou, e foi o que eu fiz.
Encontramos o Lexus de Jase a duas quadras da rua de Becca, parado em uma rua sem saída. Antes mesmo que eu parasse o carro, Ariana saltou, com a trava na mão. Ela abriu a porta do motorista do Lexux e pôs a trava no volante. Em seguida bateu a porta de leve.
Ari: Babaca burro que nunca tranca o carro – balbuciou enquanto entrava de volta na minivan, guardando as chaves da trava no bolso. E então se aproximou e acariciou meu cabelo. – Parte um: resolvida. Agora, para a casa de Becca.
Enquanto eu dirigia, Ariana me explicou a parte dois e três.
Jus: É genial – comentei, embora, lá no fundo, estivesse tremendo de nervosismo.
Entrei na rua de Becca e parei duas casas antes da Mansão Arrigton. Ariana pulou para a parte de trás do carro e voltou com um binóculo e uma câmera digital. Primeiro, ela olhou pelo binóculo, depois o passou para mim. Dava para ver uma luz no porão da casa, mas não havia movimento. Eu estava impressionado com o simples fato de a casa ter um porão – não dá para cavar muito fundo em Orlando sem atingir o lençol freático.
Enfiei a mão no bolso, peguei meu celular e liguei para o número que Ariana havia ditado para mim. O telefone tocou uma, duas vezes, e então uma voz masculina sonolenta atendeu:
- Alô?
Jus: Sr. Arrington? – perguntei.
Ariana quis que eu ligasse porque ninguém jamais reconheceria minha voz.
- Quem é? Meu Deus, que horas são?
Jus: Acho que o senhor deveria saber que, neste momento, sua filha está transando com Jason Worthington no porão de sua casa.
E então desliguei. Parte dois: concluída.
Ariana e eu abrimos as portas do carro e corremos rua abaixo, e nos deitamos de bruços atrás da cerca viva ao redor do jardim de Becca. Ela me passou a câmera, e eu fiquei observando enquanto uma luz foi acena em um quarto do segundo andar, depois na escada, e então na cozinha, até que, finalmente, na escada do porão.
Ari: Lá vem ele – sussurrou Ariana.
Eu não entendi muito bem o que ela queria dizer até que, pelo canto do olho, notei Jason Worthington sem camisa pendurado na janela do porão. Ele correu, atravessando o gramado só de cueca, e, quando se aproximou, levantei e bati uma foto dele, completando a parte três. Acho que o flash surpreendeu a nós dois, e ele piscou na escuridão por um instante antes de sair correndo pela noite.
Ariana me puxou pela calça; olhei para baixo, e ela estava sorrindo de maneira tola. Estiquei a mão, a ajudei a se levantar e nós corremos de volta para o carro. Eu estava enfiando a chave na ignição quando ela disse:
Ari: Quero ver a foto.
Passei a câmera para ela e, juntos, vimos a foto surgir na tela, nossa cabeça quase se tocando. Ao ver a cara assustada e pálida de Jason Worthington, não consegui segurar o riso.
Ari: Ai, meu Deus – disse Ariana, apontando.
Na pressa, parece que Jason não conseguira enfiar o Pequeno Jason dentro da cueca. E lá estaca ele, pendurado, capturado digitalmente para a posteridade.
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