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História Para Sempre - OITO


Escrita por: BearPS

Capítulo 9 - OITO



Vejo pessoas mortas. O tempo todo. Na rua, na praia, nos shoppings, nos restaurantes, nos corredores da escola, nas filas do correio, na sala de espera dos consultórios... mas nunca no do dentista. Porém, ao contrário dos fantasmas que a gente vê na televisão e no cinema, elas jamais me perturbam, pedem minha ajuda ou vêm conversar comigo. De modo geral, não fazem mais que sorrir e acenar quando notam que estão sendo vistas. Como a maioria dos vivos, elas adoram ser vistas.Mas a voz em meu quarto, definitivamente, não era de um fantasma. Também não era de Riley. A voz em meu quarto era de Damen.

E por isso sei que foi um sonho.

— E aí? — Ele sorri e se senta segundos depois de o sinal tocar, mas, como a aula é do Sr. Robins, isso é o mesmo que chegar cedo.

Cumprimento-o apenas com um aceno de cabeça, de um jeito displicente, neutro, como se não estivesse nem aí para ele. Esperando esconder o fato de que, a essa altura, estou tão a fim que até ando sonhando com ele.

— Sua tia parece ser uma pessoa legal — ele diz, olhando para mim e batendo com a caneta na carteira, num irritante tec tec tec.

— É, ela é muito legal — resmungo, furiosa com o Sr. Robins, que não sai daquele banheiro, desejando que ele largue o maldito cantil de uísque e venha logo dar sua aula.

— Também não moro com minha família — diz Damen, a voz silenciando a sala, aquietando meus pensamentos, enquanto ele gira a caneta na ponta dos dedos, para lá e para cá, sem deixá-la cair.

Não digo nada. Apenas ajusto o iPod no compartimento secreto do capuz, cogitando ligar a música para bloquear Damen também. Não, isso seria grosseiro demais.

— Fui emancipado — ele acrescenta.

— Sério? — pergunto, apesar de ter prometido a mim mesma limitar nossas conversas ao mínimo necessário. Só que, bem, nunca conheci um outro emancipado e sempre achei que todos fossem pessoas tristes e solitárias. Mas, a julgar pelo carro que dirige, as roupas que usa e os lugares que frequenta nas noites de sexta, Damen não parece nem um pouco infeliz com sua condição.

— Sério — ele diz. E assim que para de falar ouço os cochichos febrilmente trocados entre Stacia e Honor, que me chamam de esquisitona e outros qualificativos bem menos simpáticos que esse. Depois me espanto ao vê-lo arremessar a caneta para o alto, sorrindo enquanto ela desenha uma série de oitos preguiçosos no ar, antes de aterrissar perfeitamente na ponta do dedo dele. — E sua família, onde está? — ele pergunta.

Como é estranha essa alternância entre barulho e silêncio, barulho e silêncio, barulho e silêncio... Parece até uma versão nova para a dança das cadeiras, uma versão em que sempre acabo sobrando de pé.

— O quê? — digo, distraída pela caneta que agora paira entre a gente, bem como pelos comentários de Honor a respeito de minhas roupas. Quanto ao namorado dela, bem, o garoto concorda com tudo, feito um cordeirinho, mas ao mesmo tempo se pergunta por que ela, Honor, nunca se veste como eu. Minha vontade é pôr o capuz, ligar o iPod no volume máximo e dar um fim a essa história toda. Em tudo. Inclusive em Damen.

Principalmente em Damen.

— Onde sua família mora? — ele pergunta.

Fecho os olhos enquanto ele fala, saboreando a delícia que são esses poucos segundos de silêncio. Depois volto a abri-los e, encarando-o digo:

— Estão todos mortos.

Finalmente o Sr. Robins entra na sala.

— Sinto muito.

Damen se senta à minha frente na mesa do almoço, e eu corro os olhos pelo pátio, ansiosa para que Haven e Miles não demorem a chegar. E quando abro a bolsa com o lanche, vejo o quê? Uma tulipa! Igualzinha à do outro dia, espetada entre o sanduíche e o saco de batatas fritas. Não sei como ele fez isso, mas tenho certeza de que foi Damen quem a colocou ali. Na verdade, não são os truques de mágica que me incomodam, mas o jeito como ele olha para mim, fala comigo, aquilo que me faz sentir...

— Sua família. Eu não sabia que...

Olhando para baixo, fico rodando a tampinha da garrafa de suco para lá e para cá, para cá e para lá, preferindo mil vezes que ele tivesse esquecido o assunto.

— Não gosto de falar nisso — digo.

— Sei como é perder as pessoas que a gente ama — ele sussurra, estendendo o braço por cima da mesa e colocando a mão sobre a minha.

Sinto uma onda tão boa de calma, aconchego e segurança... que fecho os olhos e baixo a guarda, entregando-me totalmente a esse momento de paz, feliz por ouvir o que ele diz, e não o que ele pensa. Feito uma garota normal. Mas com um garoto bem mais lindo que o normal.

— Hmm, licença — diz alguém. Abro os olhos novamente e dou de cara com Haven, as mãos plantadas na mesa, os olhos amarelos apertados e fixos em nossas mãos. — Eu não queria interromper.

Imediatamente coloco a mão no bolso, como se estivesse fazendo algo errado, algo que ninguém deveria ter visto. Minha vontade é explicar que aquilo não havia sido nada, que não significava nada, mas conheço minha amiga o bastante para saber que seria inútil.

— Cadê o Miles? — falo afinal, sem saber mais o que dizer.

Haven revira os olhos e senta ao lado de Damen, a aura passando de um amarelo forte a um vermelho muito escuro em razão dos maus pensamentos.

— Miles está trocando torpedos com sua nova paixão da internet, bilau_ no_cio_307 — ela diz, evitando meu olhar enquanto desembrulha seu cupcake. Em seguida, virando-se para Damen, acrescenta: — Então, como foi o fim de semana de todo mundo?

Mesmo sabendo que a pergunta não foi dirigida a mim, dou de ombros e fico olhando para minha amiga. Como faz todo santo dia, Haven prova o cupcake com a ponta da língua. (Nem sei por que faz isso; nunca a vi recusar um único cupcake desde que a conheço!) Mas quando volto o olhar para Damen, fico chocada ao vê-lo sacudindo os ombros também: pelo que vi na sexta-feira, imaginei que o fim de semana dele havia sido infinitamente melhor que o meu.

— Bem, como vocês podem imaginar — continua Haven —, minha noite de sexta foi um fracasso. Ótimo — diz ironicamente. — Passei a maior parte do tempo limpando o vômito do Austin, já que a empregada tinha ido pra Las Vegas e meus pais não se deram o trabalho de voltar de sei lá onde eles estavam. O sábado, em compensação, foi sen-sa-ci-o-nal! Tipo, o melhor da minha vida! Teria chamado vocês, claro, mas foi tudo de última hora. — Só então ela me dirige o olhar.

— Aonde você foi, afinal? — pergunto como quem não quer nada, embora tenha acabado de ver um lugar escuro, de péssima energia.

— Uma boate muito irada a que uma garota do meu grupo me levou.

— Qual grupo? — Tomo um gole de água.

— Sábado é dia dos codependentes — ela responde sorrindo. — Bem essa tal garota, a Evangeline... Ela é hardcore total! Do tipo que eles chamam de doadora.

— Quem chama o que de doadora? — pergunta Miles, deixando seu Sidekick sobre a mesa e sentando-se a meu lado.

— Os codependentes — respondo, colocando-o a par. Haven revira os olhos e diz:

— Eles, não, garota. Os vampiros. Doador é qualquer um que deixe outros vampiros se alimentarem dele. Chupar o sangue, sabe, essas coisas. Mas eu sou o que eles chamam de “cachorrinho”, porque só fico por perto deles. Não deixo ninguém se alimentar de mim. Pelo menos, ainda não. — Ela ri.

— Por perto de quem? — pergunta Miles, levantando o Sidekick e conferindo as mensagens.

— Dos vampiros! Poxa, cara, se liga! Então. Essa codependente doadora, a tal da Evangeline... Aliás, este é só o nome de vampiro dela, não o nome real...

— As pessoas têm um nome de vampiro? — intervém Miles outra vez, deixando o telefone na mesa, agora num lugar onde possa vigiá-lo.

— Pode crer. — Haven faz que sim com a cabeça, empurrando o glacê do cupcake e lambendo a ponta do dedo.

— É como um nome de stripper? Tipo, o nome de seu primeiro animalzinho de estimação mais o nome de solteira de sua mãe? Porque aí meu nome seria Princesa Slavin. Uau, abalei. — Ele desanda a rir.

Haven suspira em busca de paciência.

— Ai, não é nada disso, garoto. Nome de vampiro é assunto sério pra caramba. Aliás, ao contrário da maioria, nem preciso trocar o meu, porque Haven já é nome de vampiro, orgânico, cem por cento natural, sem aditivos ou conservantes. — Ela ri. — Falei pra vocês que eu era uma princesa das trevas, não falei? Bem, voltando, a gente foi pra essa boate ultradescolada em algum lugar de Los Angeles, chamada Nocturnal ou qualquer nome parecido.

— Nocturne — corrige Damen, encarando Haven e dando um gole em sua bebida.

Ela larga o cupcake e começa a aplaudir.

— Muito bem! — exclama. — Finalmente alguém que sabe das paradas nesta mesa!

— E por acaso você encontrou algum “imortal” por lá? — ele pergunta, ainda com os olhos fixos nela.

— Milhares! O lugar estava lotado. Tinha até uma área VIP reservada só pra bruxos. Claro que dei um jeito de entrar, né? Tomei todas no bar de sangue.

— Ninguém pediu sua carteira de identidade? — pergunta Miles, digitando algo no telefone, participando de duas conversas ao mesmo tempo.

— Pode rir quanto quiser, porque me diverti muito! Mesmo depois de a Evangeline ter me dispensado para se embolar com um cara lá. Porque acabei conhecendo outra garota, mais irada ainda. Que, aliás, acabou de se mudar pra cá também. É bem provável que a gente comece a andar juntas.

— Mentira! — exclama Miles, fingindo espanto. — Você está dispensando a gente?

Haven revira os olhos.

— Não amole, garoto. Só sei de uma coisa: meu sábado foi muito melhor que o de vocês. Talvez não o seu, Damen, porque você é um cara antenado, sabe das tendências, ao contrário desses dois manés aí — ela diz, apontando para mim e Miles.

— Então, como foi o jogo? — Dou uma cotovelada em Miles para que ele deixe de lado o cibernamorado e preste atenção exclusivamente em nós.

— Sei lá. Só sei que tinha muita gente torcendo, um time que ganhou e um outro que perdeu. Quanto a mim, passei a maior parte do tempo no banheiro teclando com esse carinha aqui, que aparentemente é um mentiroso de marca maior — Balançando a cabeça, ele nos mostra o visor do telefone. — Olhem só pra isto! — ele diz, fincando o indicador no aparelho. — Passei o fim de semana inteiro pedindo uma foto dele, porque jamais vou me encontrar com ninguém sem ter visto antes, né? E é isto o que o desgraçado manda! Estúpido exibido!

Dou uma olhada rápida na tal foto e não entendo o porquê de tanta revolta.

— Como você sabe que este aí não é ele? — pergunto. Mas é Damen quem responde:

— Porque este aí sou eu.



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