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História Paranoid - Recomeço.


Escrita por: sympathize

Notas do Autor


Oi, oi! Boa leitura!

Capítulo 2 - Recomeço.


Fanfic / Fanfiction Paranoid - Recomeço.

Despertei com um barulho ensurdecedor incomodando meus ouvidos e ergui minha cabeça ligeiramente, encarando os arredores e notando o lindo sol que cintilava no céu límpido.

Suspirei, afugentando as sensações do nítido pesadelo estranhamente assustador do qual acabei de despertar, pois como se não bastasse à desordem real em que vivia, eu ainda tinha que ser atormentada em meus breves momentos de descanso, claro!

Está bem, sejam bem-vindos à minha vida.

Uma das leis de Murphy – o potencial inventor do carma – diz que: se algo pode dar errado, dará. E mais, dará errado da pior maneira, no pior momento e de modo que cause o maior dano possível

Quando o assunto foi abordado no colégio, me recordo de ter pensado em algo como: dane-se esse tal de Murphy. Aliás, eu estava em um bom momento da minha vida, portanto, o ciclo deprimente descrito por ele era desconhecido por mim, um subterfúgio para justificar a incapacidade própria de alcançar o sucesso. E, sim, eu costumava erroneamente pensar que as coisas davam erradas porque permitíamos e não por realmente fugirem do total controle humano. Por essa razão, no fim das contas, quem acabou se danando fui eu – um efeito dominó que aparentemente nunca chegaria ao fim –; ao ver o mundo desabando sobre mim e não ser capaz de pará-lo, ao me tornar a prova viva de que o maldito Murphy e sua lei depreciativa haviam vencido minha visão estupidamente ilusória. Porque o que tinha para dar errado, realmente dava. E da pior maneira e no pior momento, mas não apenas do modo que causasse os maiores danos possíveis, pois, em alguns casos, igualmente causavam danos aparentemente impossíveis.

Empertiguei-me, esfregando minhas pálpebras com as pontas dos indicadores, e liberei um grunhido de satisfação ao sentir o encosto macio do banco de meu carro. Ficando assim por um tempo, com os olhos fechados enquanto me acostumava com as sensações massacrantes que não me abandonaram desde que adentrei o carro furiosamente e dirigi até me cansar e decidir parar.

Conforme despertava gradualmente, lembrei-me de ter me escorado no volante do carro para afugentar as preocupações e, então, concluí, acabei caindo no sono. Consequentemente, ao provavelmente me remexer durante o sonho ruim, acidentalmente pressionei a buzina; o que inicialmente deixou-me espantada. No entanto, não tardou para que o cansaço, que me afligia anteriormente ao breve cochilo, me engolisse novamente.

Estática e resignada, permiti que minha consciência retornasse por completo e os pensamentos fugissem de meu controle; trazendo à tona a briga com meus pais, como uma bigorna despencando do céu em alta velocidade e esmagando-me dolorosamente, as ofensas proferidas.

Apesar de tudo, a sentença final era o que mais me atormentava.

Além do mais, o que seria de mim? Eu sinceramente não fazia ideia. Não tinha a menor consciência de como prosseguir a partir dali e tampouco de para onde deveria correr e me esconder, pois muito embora eu já tivesse me encontrado em condições alarmantes, as coisas sempre se resolviam antes de serem necessárias medidas tão drásticas. E, mesmo que eu tivesse plena noção de que, daquela vez, havia terminantemente posto tudo a perder e não tinha como fugir de minha responsabilidade, o reconhecimento não diminuía em nada a minha extrema preocupação a respeito da assustadora e dolorosamente real posição desvantajosa em que me encontrava.

Expirei densamente, esmagando meu rosto contra as palmas de minhas mãos. Sufocada pela gama de ponderações negativas, a vontade de chorar veio de maneira quase incontrolável, mas bravamente fui capaz de contê-la – apesar da intuição de que haveria outras diversas crises que passariam a me atormentar a partir dali, e eu possivelmente não seria forte o bastante para evitá-las.

Levando em conta meu desespero, podia se supor que eu fosse o que denominavam como: "Filhinha da mamãe"; mal acostumada por uma vida considerada boa, com pais considerados bons, e financeiramente bem. Quando, na verdade, a coisa não funcionava completamente assim. Ainda havia quem fosse além e dissesse que eu deveria me considerar rica – em todos os sentidos – e que deveria ser mais grata por isso; alguém que sorri, assente e acena. Alguém contaminado, que não pensa por si e tampouco age por si, escravizada pela boa vida, com bons pais e financeiramente bem. Escravizada por uma existência medíocre e fadada ao infortúnio de um futuro desprezível e insatisfatório.

Mas a realidade, caros humanos, sempre foi e sempre será rigorosa, distinta e tão dolorosa quanto bater o dedinho na quina de um móvel; e cada decisão errada não nos traz apenas consequências, mas igualmente arranca parte de um tempo que não retornará mais. Atinge-nos no maior inimigo que nos assombra: o temível e incontrolável tempo. E ainda que a vida, para alguns, seja longa, o curto prazo de validade é individual, e existe para cada um de nós.

E não nos traz quaisquer garantias. Não nos traz a garantia de que faremos as escolhas certas e, assim, morreremos contentes com a existência que tivemos. Não nos beneficia com facilidade, porque é um critério exclusivo fazermos as nossas escolhas e vivermos à base delas; construir nosso futuro, lutar por nossos sonhos e, principalmente, ser quem verdadeiramente somos. Levantar e cair quantas vezes for preciso, mas não desistir do que acreditamos; lá no fundo, a voz que ninguém escuta, às vezes, sequer nós mesmos.

Por muito tempo me deixei cegar pela visão padronizada que cega a maior parte das pessoas, crente de que fosse boa o bastante por vir de uma família afortunada. Até me dar conta de que o essencial não pode ser comprado, e tudo o que se tem, mas não é realmente seu, não lhe fornece qualquer direito à utilização para vangloriar-se.

Norma e Mason, meus pais, nunca foram os melhores exemplos de humildade a se seguir, e isso foi apenas a inicial colisão na ponta do iceberg que acabou por causar um naufrágio de nossa relação familiar. Além disso, ambos sempre fizeram parte do grupo inaceitável de pais acorrentados em responsabilidades e que achavam que o dinheiro supria tudo e presentes compensavam suas ausências; e esse foi o conflito dominante entre nós, porém, com o passar dos anos nossa incompatibilidade de ideais fora cansativamente aumentando.

Trazendo à tona lembranças de alguns bons anos atrás – talvez quando eu ainda estava no útero de mamãe, há exatos dezoito anos –, eles haviam planejado todo o meu futuro e, devido à extrapolação em minha aparentemente interminável revolta-adolescente, eu – simples e unicamente eu, como Mason diariamente berrava aos quatro ventos – coloquei tudo à perder, obrigando-os a fazer o mesmo e, portanto, me expulsarem de casa.

Tudo bem, eu reconhecia que ambos haviam me cedido só mais uma chance para demonstrar que podia ser a filha que eles esperavam ter e, evidentemente, falhei. Não que eu tivesse me esforçado muito, levando em conta o fato de que toda a utopia deles – de filha subordinada e família exemplar – me irritava e, definitivamente, não combinava comigo; que sempre detestei a simples ideia de ter que fazer tudo do jeito que os outros queriam e esperavam.

No entanto, verdade seja dita, a trágica situação na qual eu estava naquele momento parecia imensuravelmente pior. Apesar disso, eu sabia que o objetivo de ambos era ver-me colocando o pé no mundo e, depois que descobrisse o quanto era difícil e o quanto a vida que eles planejaram para mim era mil vezes melhor, retornasse correndo, com o rabinho entre as pernas e lhes implorando por uma nova chance. E eles deveriam me conhecer, mas não conheciam. Ou então saberiam que eu não lhes daria tamanho deleite, nem mesmo se os próximos dias se assemelhassem ao inferno. Tampouco enquanto possuísse o resquício de caráter e vergonha que ainda me restava, enquanto eu sequer pudesse me imaginar encarando mamãe depois dos absurdos que havia dito em sua frente.

Além do mais, já estava mesmo na hora de eu tomar um rumo na vida, ainda que parecesse não me existir rumo algum. Já era momento de decidir o que fazer, por mais que fosse difícil e ainda que no momento eu não possuísse estrutura alguma. Eu daria a volta por cima e faria das tripas coração se fosse preciso, mas jamais compactuaria com a certeza de sentirem-se certos em desacreditarem de mim.

Ergui meu rosto, abri meus olhos e, mais uma vez, encarei o céu. Renai, minha falecida avó materna, costumava dizer que existe um mundo predestinado para cada pessoa e que era dever individual procurá-lo, conquistá-lo e mantê-lo. Ela igualmente dizia que eu entenderia isso melhor quando crescesse, mas eu nunca havia o feito. Não até aquele momento.

Não até começar a desejar encontrar o meu mundo.

Decidida a sair em busca de uma solução para meu problema, liguei o carro e me permiti explorar a cidade. Esforçando-me para dispersar o emaranhando de distrações que me escravizavam, apesar da preocupação não me abandonar um só segundo enquanto eu tentava me focar o suficiente na direção para não acabar sofrendo um acidente que agravasse ainda mais as coisas. Questionando-me incansavelmente o que faria e refletindo sobre quem poderia me ajudar e guiada por esses pensamentos, quase que automaticamente, estacionei em frente à lanchonete de James. A princípio, somente pensando em me livrar da fome excessiva que parecia começar a arrancar pedaços do meu estômago; agradecendo aos céus por ter conseguido pegar uma quantidade de dinheiro que me ajudaria ao menos a me alimentar por um tempo, mas e depois? O que eu faria depois?

Expirei revoltada com meus pensamentos pessimistas, aliás, eu sabia que, mesmo que levasse tempo para conseguir enxergar a luz no fim do túnel, eu devia persistir de todas as formas, e focar nos pontos positivos. Trabalhar minha autoconfiança para não acabar desistindo facilmente, além do mais, depois da tempestade vem à bonança, não é o que dizem?

Ri sozinha, sem nenhum pingo de entusiasmo. Sentindo-me miseravelmente deprimida e ainda muito abalada, embora ilusoriamente tentasse acreditar que não.

Livrei-me das divagações e desci do carro, determinada a acabar com a sessão de autodepreciação, mal colocando os pés para fora e já sendo recebida por olhares indesejados, das poucas pessoas presentes que certamente já sabiam o ocorrido, visto que as notícias – principalmente as ruins – corriam extraordinariamente rápidas pelo subúrbio de Nob Hill – localizado no noroeste de Portland –, e eu podia apostar como também já estavam especulando razões, uma mais absurda que a outra.

Bem, que se fodam!, pensei, ativando o alarme do carro e caminhando a passos decididos, cumprimentando com um sorriso forçado os que achavam-se no direito de sussurrar um "oi" penoso para mim e procurando ignorar os que me olhavam com repreensão; contando mentalmente até dez para não sucumbir à necessidade de verbalizar os pensamentos ofensivos.

Apesar disso, tornou-se ainda mais difícil quando adentrei a lanchonete e tive que suportar mais olhares indecorosos, o que me trouxe uma sensação nauseante e me fez sentir momentaneamente sufocada. E atormentada por aquela pressão aflitiva, hesitei por alguns instantes, e estava prestes a me virar e fugir para bem longe, porém, ao avistar Lauren atendendo os clientes de uma mesa mais à frente, pela primeira vez naquele terrível dia esbocei um sorriso autêntico.

Em seguida, me aproximei para saudá-la e a mesma imediatamente lançou-me um olhar e um sorriso complacente. Nada daquela maldita penalização e nenhum tipo de censura. Apenas o mesmo tipo de reação que esboçava quando se preocupava comigo, e então eu constatei que nem tudo estava perdido.

— Procura uma mesa mais reservada e senta, já falo com você — ela pediu, após depositar um beijo em minha bochecha, e eu assenti.

Sem olhar para os lados, me direcionei para a mesa mais afastada e peguei o cardápio, mantendo meus olhos fixos no mesmo somente para ignorar todas as observações imbecis depositadas sobre mim.

— E aí, Sav. — Sobressaltei-me com o som de uma voz familiar e senti meu estômago embrulhando.

Por favor, não. Por favor, não. Por favor, não.

Ergui os olhos lentamente, me deparando com a última pessoa que eu desejava ver, parado em minha frente e me olhando de sua peculiar maneira superior.

— Posso sentar?

Sem esperar pela resposta, ele se sentou. Estalei a língua teatralmente no céu da boca 

— Eu ia dizer não, mas sua inconveniência não é mais tão surpreendente.

Ele simplesmente liberou uma gargalhada que atiçou o ódio enraizado em mim.

— O que você quer aqui, Owen?

Ergui meus olhos em sua direção apenas para ver, e apreciar, a expressão de desgosto que ele fez quando utilizei seu sobrenome com tanta informalidade. Satisfeita, esbocei um sorriso recheado de deboche, antes de retornar à minha análise ao cardápio, que, sem sombras de dúvidas, era mil vezes mais interessante do que a presença infame do sujeito em minha frente.

— Soube que seus pais te colocaram para fora de casa. — Ele foi direto ao assunto e eu ri falsamente. Apostava um braço que aquele idiota deveria estar comemorando internamente. — É verdade?

— Não que seja da sua conta — comecei, nem um pouco educada, erguendo meus olhos até os dele outra vez —, mas sim, é verdade. Agora que o coletor de fofocas já conseguiu o que queria, pode dar o fora daqui.

Apontei para a saída, forçando um sorriso terno, e para o meu desespero, ele riu baixo, maneando negativamente com a cabeça e pouco se importando com minha tentativa de ofendê-lo. Cruzou os braços sobre a mesa e deu uma breve avaliada aos arredores antes de voltar a olhar para mim e dar uma longa, e indiscreta, escaneada nas partes visíveis de meu corpo.

— Aposto que não tem um lugar para ficar, então — fez uma pausa para lamber os lábios — pode ficar lá em casa, se quiser.

Movida pela impulsividade, fui incapaz de segurar a gargalhada embebida pelo corrosivo sarcasmo e desdém que explodiu por minha garganta após forçadamente digerir as palavras dele, consequentemente conquistando mais atenção em nossa direção. No entanto, pouco me importando, afinal, rir era o mais perto do admissível que parte de mim alcançou para o absurdo que ele dissera, enquanto a outra parte queria apenas socá-lo em cheio no nariz – o que espalharia mais difamações ao meu respeito e eu já havia alcançado o limite suportável.

Além disso, no fim das contas, Andrew Owen não valia o esforço. Era somente um idiota, mas não um simples idiota. Um grande idiota, o maior e o mais idiota de todos os idiotas! E eu estava profundamente fadigada de expeli-lo cada vez mais impiedosamente e, ainda assim, lamentavelmente ter que suportá-lo, porque, diferente de qualquer ser humano que se preze, ele vergonhosamente nunca se cansava de ser a pessoa mais manipulada e bajuladora que eu conhecia, igualmente encabeçando a lista dos ex-namorados mais cretinos do Planeta.

Para o meu infortúnio, nos conhecíamos há anos – mais especificamente, doze anos. Nossos pais eram amigos de longa data que voltaram a se reencontrar quando os Owens retornaram para Portland, após terem passado uma temporada em Vancouver. E, com a influência deles, a nossa, até então inocente, amizade fora progredindo. Contudo, como não havia nada tão ruim que não pudesse piorar, passamos a inexplicavelmente nos enxergar com outros olhos nas premissas de nosso primeiro ano no colegial; cegos pela suposição de que era entre melhores amigos que se surgia as relações mais agradáveis, instáveis e duradouras.

Droga. Mil vezes droga!

Éramos tão jovens e imaturos. Não sabíamos absolutamente nada, não fazíamos ideia do que queríamos e, mesmo assim, nos achávamos os donos da razão. E eu gostaria de poder dizer que não dei ouvidos a isso, quando, na verdade, ainda não tinha me livrado completamente da maldita inércia. E, depois que as pessoas começaram a dizer que faríamos um belo casal – e até mesmo nossos pais passaram a nos jogar para cima um do outro –, foi como se tudo o que Andrew fizesse houvesse se transformado em tentativas de flertar comigo e, o pior, eu passei a gostar disso. De certa forma, a correspondê-lo. Assim, consequentemente, as coisas foram mudando e acontecendo assustadoramente veloz e aparentemente natural entre nós.

Ao total, ficamos juntos por quatro anos e eu era completamente influenciada por ele. Pouco autoconfiante e sociável, já que não gostava da ideia de estar cercada de muitas pessoas quando no máximo três delas seriam verdadeiras comigo, enquanto o Andrew vivia rodeado de amizades e se tornou facilmente popular ao entrar para o time de futebol. O que pareceu colaborar para que, no decorrer de dois anos, ele se modificasse tanto, em tantas questões, que eu me envergonhasse em admitir que nem mesmo havia notado; o que me fez concluir que se tivesse me focado menos no clichê e enxergado que ele estava virando outra pessoa, eu teria evitado o dispensável melodrama.

Suspirei, dispersando as lembranças incisivas e prestes a rebater a cínica proposta dele da maneira mais malcriada. Todavia, antes que pudesse expelir um pouco do veneno que o mesmo havia colaborado para se instalar em mim, alguém surgiu feito um furacão ao meu lado e bateu a mão agressivamente contra a mesa.

— Você não cansa de bancar o babaca? — Lauren inquiriu saber, conquistando atenções.

A princípio, me assustei com sua fúria repentina. Além do mais, ela não fazia muito o estilo que apreciava discussões. Dizia não gostar de perder tempo com futilidades, mesmo quando as pessoas faziam por merecer.

— A última coisa que a Sav precisaria é pagar a penitência de ficar na sua casa, aturando sua companhia repulsiva e vendo essa sua cara nojenta diariamente — ela prosseguiu ferozmente. — Acabou, Owen! Vê se entende. Ela não te quer mais e — debruçou-se sobre a mesa — não que seja da sua conta, mas ela já tem um lugar para ficar e vai ser na minha casa! Bem longe de você e onde você nunca vai ter acesso para infernizá-la ainda mais! Agora — o tom de voz de Lauren tornou-se sinistramente baixo e sombrio — dá o fora daqui antes que eu chame o James para chutar o seu traseiro e, vai por mim, nem seu papaizinho vai salvar a sua pele dessa vez!

A tensão que se propagou ao nosso redor tornou-se pesada, praticamente palpável, enquanto Andrew olhava para Lauren com uma expressão desafiante e ela o encarava de modo semelhante. Até que, subitamente, sem dizer nem sequer uma palavra e com um sorriso sarcástico nos lábios, ele se levantou e caminhou silenciosamente em direção à saída da lanchonete. Antes de sair, no entanto, virou em minha direção e lançou-me um beijo no ar, fazendo-me endurecer minhas feições e instintivamente lhe mostrar o dedo médio. E, para minha revolta, ele esboçou o sorriso mais estupidamente lindo e absolutamente cafajeste possível.

Francamente, pensei irritadiça, isso deveria ser repulsivo.

— O que aquele desgraçado queria? — Lauren indagou, puxando-me dos devaneios e arrastando-me de volta para a, agora parcialmente triste, realidade.

— Me infernizar? — rebati e a ela riu, sua expressão doce retornando e a tensão ficando de lado.

Sorri, aliviada.

— Deve estar comemorando a sua desgraça.

Não tive como segurar uma gargalhada momentânea, aliás, Lauren era tão parecida comigo que às vezes me assustava. Por aquele motivo, e muitos outros, éramos tão amigas há maravilhosos nove anos.

— Eu não tenho dúvidas.

Nos encaramos por um tempo, em silêncio.

— Vamos falar sobre você, como está se sentindo? — ela perguntou, depositando um rápido cafuné em meus cabelos e eu expirei.

— Uma pena que as notícias corram tão depressa nessa droga de lugar — retruquei, franzindo o nariz. — Sabe, eu preferia ter compartilhado esse grande acontecimento com você pessoalmente e então poderíamos estourar uma champanhe e nos embriagarmos ao som do Drake.

Ri sem humor, entrelaçando minhas mãos sobre a mesa e, em seguida, automaticamente suspirei. Porque apesar da minha tentativa de parecer despreocupada, eu sabia que não poderia enganar a Lauren, ela era a única pessoa à qual eu dificilmente conseguia enganar.

— Como se sente, Sav? — insistiu e eu expirei, consternada.

— Ah — pausei, umedecendo os lábios —, acho que posso dizer que estou bem agora, porque eu ainda poderia estar na pior. — Inclinei os lábios. — Pelo menos, tenho onde ficar e posso deixar de lado a única opção que eu tinha, de me tornar uma moradora de rua.

Lauren riu em tom baixo e eu balancei os ombros, olhando para a mesa e depois voltando meu olhar para ela. E não precisava dramatizar para que a mesma soubesse o quanto estava sendo difícil sair da casa dos meus pais daquela maneira, sendo cruelmente obrigada a enfrentar o mundo, estando pronta ou não.

— Você sabe que pode contar comigo — ela ressaltou, sentando-se na cadeira ao meu lado. — Pode contar comigo sempre!

Eu deveria saber que minha melhor amiga, ainda mais sendo uma pessoa fiel como Laurence Edwards, seria a luz no fim de meu asqueroso túnel. Logo, concluí que, no fundo, eu pressentia, mas não queria me tornar um estorvo na vida de mais ninguém, porque foi enquanto zapeava perdida pela cidade que acabei parando ali e, por mais que não achasse certo envolvê-la em meu caos, eu sabia que Lauren não me deixaria na mão e que me levaria para sua casa até mesmo contra minha vontade. Portanto, eu tinha apenas de ser grata.

E eu era, e muito. Mais do que poderia descrever.

— Obrigado, Laurie — murmurei, sentindo um nó na garganta. — E obrigado por ter me ajudado com o Owen.

Ela sorriu largo, maneando a cabeça.

— Disponha. — Deu-me uma piscadela. — Agora preciso voltar ao trabalho antes que o James comece a reclamar feito um velho ranzinza. Meu expediente acaba em uma hora, mas se não quiser ficar me esperando, você pode...

— Prefiro esperar — a interrompi e ela assentiu com um aceno de cabeça antes de se afastar, confortando-me com um último sorriso amigável.

No primeiro momento, permaneci absorta. Apreciando a calmaria em saber que não estava sozinha e completamente perdida, até sentir meu celular vibrar e logo The Fox (What does the fox say) começou a tocar alto, atraindo olhares em minha direção e eu sorri forçado, tateando meus bolsos à procura do aparelho de celular que continuava berrando alto; e mentalmente amaldiçoei Lauren por ter pego meu celular e colocado aquele ringtone, vingando-se pela vez em que coloquei Shake It Off como o toque do seu – e ela detestava a música tanto quanto detestava a Taylor Swift.

Quando finalmente achei o celular, completamente desesperada, aceitei a chamada sem nem olhar o visor, apenas para que aquela droga parasse de tocar e aquelas pessoas importunas parassem de me olhar.

— Alô — falei ofegante e baixo, para que ninguém me ouvisse, e uma respiração aliviada partiu do outro lado da linha.

— Savannah, onde você está?

Foi inevitável não expirar profundamente após reconhecer a voz e o seu tom de preocupação quase fez com que, por meros segundos, eu sentisse vontade de me render e voltar atrás. Mas eu sabia que era só um jogo para me fazer desistir, voltar para casa e me submeter à suas vontades. Afinal de contas, eu conhecia Mason Curtis perfeitamente bem e se havia alguém que ele não enganaria mais, essa pessoa era eu.

— Você me colocou para fora de casa — relembrei ironicamente, não o poupando nem um pouco de minha arrogância e pude ouvi-lo respirar aborrecido. — Aonde acha que estou?

— Vamos esquecer tudo isso, querida — propôs após um tempo e eu contraí meu maxilar, engolindo o ódio. — Volta para casa, sua mãe e eu estamos preocupados. Não queremos que fique na rua, somos seus pais e, apesar dos seus erros, é o nosso dever apoiar você.

Fechei meus olhos pesadamente e apertei o aparelho de celular, idealizando-me transformando-o em cinzas entre meus dedos. A raiva controlando cada sentido do meu corpo, porque eu detestava que sentissem pena de mim e me tratassem como uma pobre coitada que não tinha tantas opções na vida, uma ninguém, quando, na verdade, eu era muito mais do que meus pais pensavam e eu tinha muito mais do que eles imaginavam; podia não estar estabelecida, mas encontraria o meu caminho; podia não ter uma grande quantidade de amigos, mas o pouco que tinha era necessário e me ajudava quando preciso. E, diferente do que meus pais potencialmente pensavam, mesmo sabendo que passaria por momentos difíceis e não teria mais a vida boa que eles me submetiam, eu não ficaria desamparada.

— Guardem a falsa preocupação — eu o respondi, forçando o ar de casualidade —, porque eu estou bem. Não vou ficar na rua, se é o que estão imaginando.

Ele ficou em silêncio, um silêncio que demorou um longo período antes de ser finalmente quebrado; e eu particularmente preferia que não tivesse sido:

— Vai ficar na casa de um de seus amigos delinquentes?

Senti a fúria correr com força por cada artéria do meu corpo, pois eu abominava a maneira como ele se referia aos outros com seu tom superior, só por imbecilmente ter uma porcaria de condição de vida melhor do que as pessoas com as quais eu mais me associava. Abominava a forma como ele se achava digno de julgar alguém por tão pouco, sendo que não tinha moral alguma para isso. E esse era um dos grandes fatores, entre diversos outros, por nossa relação de pai e filha ter sido uma droga; por ele sempre ter a horrenda necessidade de querer diminuir as pessoas para se sentir melhor, da maneira mais cruel e desprezível. Constantemente abrindo sua maldita boca para falar mal das pessoas com quem eu convivia, uma vez que tudo o que ele mais queria era que me tornasse como ele, que me tornasse um poço de estupidez e, portanto, um reflexo de sua imbecilidade.

No entanto, o fato de eu nunca sucumbir aos seus insanos desejos era o que o fazia se revoltar tanto comigo e, ao contrário de suas expectativas, eu procurava sempre mostrar totalmente o oposto de tudo o que ele esperava de mim. Eu sempre lhe dava a outra face, pois já havia desistido dele.

Durante um tempo até mesmo tentei fazer as coisas melhorarem entre nós, mas, após insistentes e inúteis tentativas, simplesmente abri mão. Dolorosamente constatando que a desumanidade dele era pior do que eu julgava e, tão cedo, não haveria solução – não enquanto o mesmo não soubesse respeitar os limites –, assim como não conseguiríamos ter uma boa relação familiar enquanto ele não tivesse uma real noção de família, benevolência e compreensão.

— A partir do momento em que me expulsou de sua casa, minha vida já não lhe diz mais respeito — cuspi com desprezo, em tom controlado. — Você me deu a chance de viver livre de passar o resto da vida aturando suas exigências e ordens, e eu lhe agradeço por isso. Agora se, por favor, puder me deixar para sempre em paz, eu serei verdadeira e eternamente grata. Passar bem!

Encerrei a chamada antes mesmo que ele pudesse dizer qualquer coisa, batendo o celular com certa força contra a mesa. Profundamente enfurecida e certa de que não queria vê-lo nunca mais, da mesma maneira que não queria ouvir mais aquela maldita voz que costumava me contar histórias de ninar, mas que agora só sabiam dizer coisas que me feriam. Não queria mais ouvir suas psicologias, nas quais ele era ótimo por ser um psiquiatra renomado e um grande número de pessoas – colegas de trabalho, pacientes e familiares de pacientes – o considerarem muito bom no que fazia. E eu mal podia acreditar, porque, de todas as coisas que já ouvi dizerem sobre ele, era até mesmo como se não estivessem descrevendo a mesma pessoa. Porque, quando se tratava de mim, era como se ele liberasse o seu pior lado, assim como eu liberava o meu. Por essa razão, vivíamos em guerra.

No entanto, ao mesmo tempo em que revidava minhas investidas, ele igualmente tentava amenizar as coisas. Claramente odiando o fato de sua psicologia, principalmente a paterna, nunca funcionar comigo, ainda mais por eu ter me tornado retraída quando se tratava dele.

Meu celular voltou a tocar e, sem me preocupar em colocá-lo no silencioso, eu o deixei tocando, até que parasse. Ignorando completamente as pessoas ao redor, fitando o visor até que Mason se cansasse e, após mais três tentativas, finalmente desistisse.

— Imaginei que estivesse com fome.

Arrastei meu olhar na direção de Lauren e permaneci a encarando enquanto colocava um prato com x-burguer, acompanhado por uma satisfatória porção de batatas-fritas, na mesa, e um copo de refrigerante ao lado.

— James disse que é por conta da casa.

Ela me olhou e sorriu cordialmente, tentei lhe sorrir da melhor maneira possível.

— Valeu. Estou morrendo de fome mesmo.

Ela abafou a risada e eu simplesmente sorri de lado. Em seguida, olhei na direção do balcão de atendimento, me deparando com James olhando em nossa direção e lhe lancei um sorriso agradecido. Ele apenas piscou para mim, mantendo um sorriso sacana no canto de seus lábios e eu revirei os olhos, prendendo a risada.

James, no auge de seus 25 anos, era um grande empreendedor, mas seus cabelos negros e cacheados faziam um sucesso sem igual; assim como seus os olhos verdes e a barba por fazer, que somente completavam o pacote que, a maioria das clientes que frequentavam a lanchonete só para vê-lo, consideravam-no uma total perdição. Nem de longe eu poderia negar o quanto ele era bonito e atraente, e algumas vezes o mesmo fingia dar em cima de mim descaradamente, porém, eu procurava ignorá-lo; não apenas por Lauren suprir uma paixão, não tão, secreta – há longos dois anos – por ele, mas porque eu tinha conhecimento de que nem todas as tentativas de sedução dele deveriam ser levadas a sério.

— Se precisar de mais alguma coisa, só chamar — Lauren puxou minha atenção de volta para si e eu a fitei brevemente.

— Imagina! Para algo por conta da casa, está de bom tamanho.

Ela liberou uma gargalha, sacudindo a cabeça em sinal negativo enquanto se afastava para atender um grupo de clientes recém-chegados. E eu logo me ocupei em devorar meu lanche e, depois, dominada pelo tédio, peguei o celular – aproveitando para trocar o som de chamada –, e comecei a jogar incansavelmente enquanto esperava os vinte minutos que ainda restavam do expediente da Lauren; distraindo-me tanto que só notei a presença dela, sentada na cadeira em minha frente, quando perdi a partida e ergui meus olhos para ver como estava o movimento na lanchonete.

— Faz tempo que você está aí? — perguntei, saindo do jogo.

Ela negou.

— Não muito. Vamos?

Assenti e sorrimos ao mesmo tempo. Ela levantou-se sem demora e eu fiz o mesmo, passamos a caminhar lado a lado até a saída da lanchonete.

— Até amanhã, Jimmy — Lauren despediu-se e ele piscou para a mesma com um sorriso sinuoso nos lábios, lhe lançando um beijo no ar que a fez corar violentamente num tom carmim.

Momentos assim, mesmo que muitas vezes James parecesse alheio ao interesse – que eu achava bastante explanado, diga-se de passagem – da mesma, me fazia crer que, sem dúvida alguma, ela teria uma boa e verdadeira chance se, de fato, tentasse. 

Ri comigo mesma, ao ponderar que, mais cedo ou mais tarde, algo acabaria acontecendo entre eles.

— Tchau, Sav — James conquistou minha atenção e lhe dei um tchauzinho enquanto forçava um sorriso meigo, fazendo-o gargalhar.

Lauren sempre dizia o quanto ele ficava mais bonito e jovial de tal modo. E, bem, não havia como discordar.

Assim que saímos da lanchonete e o vento chicoteou contra o meu rosto, o ar puro pareceu me renovar internamente, ligeiramente afastando o peso que eu andava carregando desde que havia brigado com meus pais; e por conta daquela carga que os olhares recriminatórios me infligiam, mesmo fingindo não me importar.

E, mais do que nunca, eu desejei que as coisas realmente melhorassem, pois não estava acostumada a sofrer com tanta pressão, apesar de saber que uma hora ou outra isso acabaria acontecendo, porque, no fim das contas, todo mundo enfrenta dificuldades, em qualquer decisão e situação, e não seria diferente comigo. Não havia nada de diferente em mim que qualquer outra pessoa – de qualquer lugar do mundo – já não tivesse enfrentado ou futuramente enfrentaria. E, evidentemente, eu precisaria me acostumar com o mundo desmoronando em cima de mim, porque aquela não seria a primeira vez, tampouco a última.

Crescer trazia uma carga muito maior do que eu havia imaginado quando era somente uma criança – sonhadora e maleável –, que queria atingir a maior idade e fazer tudo o que desejava. Crescer incluía criar responsabilidade e gerar força o suficiente para resistir às provações que a vida iria me impor, e eu precisava de resistência e onisciência para enfrentar os desafios, uma vez que seria assim até que conseguisse me estabilizar completamente; e continuaria sendo assim enquanto eu estivesse vivendo e, sobretudo, aprendendo a viver.

Porque, como minha Nonna¹ igualmente costumava dizer: a vida não para até que o seu coração pare. E completamente diferente do que muitos acreditam, não existe essa coisa de vida perfeita. As pessoas costumam idealizar paradigmas que, na verdade, não existem; porque totalmente diferente do que muitos costumam dizer, a vida geralmente é uma completa droga. Sim, uma completa droga mesmo! Então, quando achar que tudo está bem, não se iluda, pois logo virá uma terrível onda enorme de problemas para lhe afogar e cruelmente lhe ensinar, na dor, que viver, de fato, é a maior fonte de complicações. Mas que, ainda assim, enquanto o coração em nosso peito estiver retumbando vigorosamente, não podemos desistir. Não devemos desistir.

Por isso, eu precisava me tornar responsável e guiar a minha própria história. Decidir por mim o que fazer dali para frente. Além do mais, havia passado anos almejando pela liberdade, mas naquele momento, quando finalmente me deparava com a alforria em minhas mãos, estava deixando-a escapar lentamente por entre meus dedos, pelo simples medo de tentar.

Apesar disso, eu estava deliberada em persistir. Porque, assim como fui guiada até a Lauren em um momento de incerteza; na esperança impensada de que ela seria minha salvação, eu acreditava firmemente que, mais cedo ou mais tarde, encontraria a minha direção. Descobriria um jeito de reverter as coisas e finalmente conquistar algo que eu considerasse digno para mim. O meu próprio mundo. Sem a opressão dos meus pais, nem de ninguém. Sem precisar me submeter a padrões e idealizações alheias.

Com a confiança revigorada, desativei o alarme do carro e entrei, esperando a Lauren dar a volta e se sentar ao meu lado. Virei à chave na ignição, colocando o motor para funcionar, e dei partida até a minha mais nova casa; minha mais nova vida. Sentindo como se eu estivesse renascendo e pela primeira vez era como se estivesse realmente viva. Livre das cordas que pareciam amarradas ao meu corpo, às quais meus pais utilizavam na miserável tentativa de me controlar como uma marionete. Finalmente sentindo a assustadora, mas, acima de tudo, magnífica sensação de independência. E, com o súbito sentimento, veio também à necessidade de fazer aquilo valer à pena.

Pois eu estava, enfim, marchando para um destino guiado por mim, de novas escolhas e anseios próprios. Determinada a aproveitar minha oportunidade de recomeço e, assim, provar, para todos que duvidavam, o quanto eu era suficientemente capaz.
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¹Palavra italiana para se referir à avó.


Notas Finais


Quero agradecer muito, de coração, por todos os comentários e por todo o apoio! 68 favoritos em 4 dias e 27 comentários somente no prólogo foi algo muito surpreendente para mim, sério, nem dá para acreditar!!! Anyway, serei eternamente grata pelo carinho com que vocês receberam Paranoid e pelos comentários lindíssimos que me fizeram sorrir feito idiota. Estou felicíssima que o começo tenha agradado vocês, que algo que eu faça agrade pessoas além da minha mãe hahah, e estou torcendo mesmo para que o resto da história continue vos agradando. Até a próxima, espero ver vocês colorindo os capítulos (e a minha vida) sempre! xX


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