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História Paranoid - Válvula de escape.


Escrita por: sympathize

Capítulo 28 - Válvula de escape.


Fanfic / Fanfiction Paranoid - Válvula de escape.

Acordei com o despertador do celular berrando em meu ouvido e me encolhi na cama, resmungando palavras emaranhadas. Em seguida, tapei meus ouvidos numa tentativa de abafar os ruídos e voltar a dormir, mas o alarme não parou de tocar, e eu acabei me rendendo, sentando-me imediatamente na cama e, ainda de olhos fechados, tateando o lençol até encontrar o aparelho, que emitia aquele irritante som estridente, ao lado do travesseiro.  

— Eu já entendi porcaria! — retruquei, apertando o celular em minha mão e entreabrindo um olho para desativar o alarme. 

Bocejei, esticando os abraços e, no instante seguinte, um sorriso automaticamente preencheu meus lábios. Pois, ainda que eu não me sentisse fisicamente disposta para levantar e ter que enfrentar um longo dia de trabalho, eu me encontrava genuinamente abarrotada por uma satisfação infindável – e que somente aumentava na medida em que as lembranças da noite anterior nitidamente chegavam.  

Com os olhos ainda fechados, toquei minha boca com as pontas dos dedos, lembrando-me da maciez dos lábios do Justin sobre a minha, de sua língua vasculhando-me e me entorpecendo. A mera lembrança fazendo meu corpo aquecer. Fazendo-me sorrir grandemente ao me lembrar de quando voltamos para casa e assistimos uma comédia romântica, entre risos, sorrisos, e incontáveis beijos e carícias que me sugaram o pequeno resto de sanidade que ainda restava. 

Não sei precisamente dizer em que momento da noite acabei pegando no sono. Uma vez que eu estava tão intoxicada pelo momento, tão anestesiada pela felicidade, que só cheguei à conclusão que havia adormecido – e o Justin evidentemente havia, mais uma vez, me carregado até o quarto – instantes atrás, no momento em que despertei completamente.  

Alimentada pelo contentamento e o extremo bom-humor matinal, me levantei e caminhei até o banheiro, cantarolando um trecho de Today, da banda Smashing Pumpkins, movendo meu quadril de um lado para o outro sincronicamente.  

Não demorei mais do que o tempo necessário no banho, apesar de ter gastado um tempo extra, cantando e sorrindo para as paredes – lembrando-me subitamente de quando o Justin havia dito que escutava minhas cantorias no chuveiro e, então, esforçando-me ao máximo para manter o tom cauteloso na voz.  

E após uma busca implacável em meu guarda-roupas, vesti uma calça jeans de lavagem clara, um bocado surrada, e uma regata da Nirvana – que, na verdade não era minha, era de Lauren. Optando por fazer um coque alto em meu cabelo que, talvez para testar minha a resistência do meu bom humor, havia amanhecido um bocado rebelde, deixando alguns fios soltos por se recusarem a permanecer presos. Em seguida, sentei-me na cama para calçar meu adorado par de Coturnos preto. Esborrifando perfume em pontos estratégicos, passando um pouco de gloss labial, e organizei o quarto devidamente antes de finalmente descer.  

Apesar de tudo, o nervosismo ao constatar que muito em breve Justin e eu estaríamos frente a frente novamente ainda era o mesmo que me consumia antes do que havia nos acontecido. Minhas mãos suavam violentamente, até mais do que antes, e eu as chequei enquanto descia as escadas, temendo de maneira insensata que o suor estivesse escorrendo por entre meus dedos. Meu coração rebimbando contra o meu peito como se fosse rasgar minha carne e saltar para fora. 

A casa estava em total silêncio e no primeiro momento até duvidei que o Justin já houvesse se levantado, e até mesmo cogitei a possibilidade de que ele não estivesse em casa. Contudo, devido ao delicioso cheiro de café e panquecas que atingiram minhas narinas assim que alcancei os últimos lances da escada,  pensei que o encontraria assim que adentrasse a cozinha, portanto – ainda mais nervosa –, diminuí a velocidade dos passos enquanto ajeitava minhas roupas e expirava profundamente. Numa tentativa de parecer o mais natural possível. 

Sentindo-me parcialmente frustrada ao entrar no local e não o encontrar por lá. Deparando-me somente com um prato vazio na bancada central, um pequeno papel preso sob o mesmo, e rapidamente me aproximei, apanhando o que eu julguei ser um bilhete. 

Precisei sair para resolver algumas coisas. Tem café puro pronto e panquecas no micro-ondas. Espero que tenha um bom dia. JB. 

Encarei o recado, escrito com uma caligrafia bastante desleixada e de maneira irritantemente formal, e não pude conter o suspiro consternado que me escapou involuntariamente. Questionando-me onde, diabos, ele havia ido, afinal de contas, evidentemente, o mesmo havia saído extremamente cedo. E que tipo de problemas ele possuía para precisar sair para resolver quando o dia nem mesmo havia raiado? Que tipo de problemas eram esses que ele não podia ter me contado em uma de nossas diversas conversas na noite anterior?  

Expirei ressabiada e forcei-me a dispersar os pensamentos, infantilmente amassando o papel e jogando-o no lixo sem hesitação. Sentindo-me ligeiramente zangada, comprimindo meus lábios fortemente enquanto tentava enfiar em minha cabeça que eu não deveria me chatear – e muito menos ficar brava – por tão pouco. Afinal, ele provavelmente tinha ido resolver algo que não podia mais esperar e ao qual ele não se sentia à vontade para me contar. Talvez nem fosse assim tão grave e ele apenas não quisesse me preocupar à toa. E eu não deveria estar me sentindo contrariada daquela maneira. Porque, mesmo que fosse decepcionante o fato de minhas idealizações serem outras, e eu estivesse esperando fantasiosamente que ele me recebesse com um entusiástico beijo na boca de bom-dia, ainda assim, eu não tinha motivos para me aborrecer.  

Sendo assim, enfiei em minha cabeça que a única coisa ao meu alcance no momento era torcer para que ele já estivesse em casa quando eu retornasse. E logo as preocupações se esvaíram na medida em que flashes da noite anterior retornaram em minha memória, como se para clarear minha mente e fazer com que eu deixasse aquela imaturidade de lado. 

Além do mais, minha situação com o Justin ainda não estivesse resolvida, já que na noite passada havíamos somente nos entregado aos anseios e aproveitado nosso momento sem inibições. Portanto, ainda precisaríamos conversar a respeito do que se seguiria e aquele havia sido nosso combinado, independente do meu receio e de minha abnegação a qualquer tipo de situação, particularmente, desfavorável. Constatando que, verdade seja dita, eu não temia o fato de não receber um beijo de bom-dia do Justin antes de seguir para o meu trabalho naquela manhã e sim temia, um medo extremo florescendo em meu interior, que não tivéssemos mais nenhum tipo de contato como aquele. Medo de ele ter se arrependido e, por isso, havia fugido. Por não saber como me dizer que tudo não havia passado de um surto de confusão e carência inconsequente. E só de imaginá-lo me dizendo aquelas coisas, meu coração pareceu dolorosamente afundar em meu peito. E logo – como todo pensamento ruim capaz de soterrar milhares de lembranças boas numa velocidade incalculável e cruel – as suposições tomavam cada vez mais força, cobrindo-me naquele emaranhado de dúvidas e inseguranças.  

Mesmo que existisse uma voz, ainda que baixinha, em meu mais, quase oculto, profundo dizendo que eu estava equivocada. E eu queria poder apenas ouvi-la. Queria somente acreditar que estava pirando por um motivo inexistente. Porque àquela altura, desde que eu ainda pudesse tê-lo – mesmo de maneira incompleta –, nada mais importava. Àquela altura eu preferia qualquer ilusão a ter que retornar para minha realidade deprimente.  

°°° 

Focar no trabalho nunca havia sido tão difícil. Nem mesmo quando minha vida estava uma completa bagunçada e eu pensava não existir chance alguma entre mim e Justin, eu havia me encontrado em tamanha aflição. Inadequadamente distraída. 

O fluxo de clientes na biblioteca estava maior se comparado ao da semana passada. Muitas pessoas, o que me surpreendeu, mas não o suficiente para me distrair, estavam mais alugando os livros do que os comprando. E embora eu estivesse demasiadamente ocupada, e aquilo devesse estar me ajudando a abandonar as estúpidas preocupações, os poucos instantes em que eu ficava sozinha eram o suficiente para um amontoado de divagações tripudiarem sobre mim. 

E foi assim que se seguiu as primícias de meu período de trabalho. Entre tentativas de me manter presa na realidade, exercendo minha responsabilidade, e constante submersão maquinal.  

Relaxei apenas quando o horário de almoço chegou. Nancy me mandou uma mensagem de texto avisando que não iria me cobrir enquanto eu estivesse em casa, ninguém iria, assim, a biblioteca ficaria fechada enquanto eu estivesse fora. E, mesmo que meu primeiro pensamento fosse ir para a Starbucks ao lado, acabei decidindo dirigir até a lanchonete de James, porque, mais do que nunca, precisava conversar com a Lauren. 

Mal estacionei e já estava saindo do carro, travando as portas e ativando o alarme enquanto caminhava apressadamente para dentro do estabelecimento. Ignorando tudo e todos, seguindo no corredor até a mesa mais escondida e a Lauren estava atentando uma mesa à frente da qual escolhi para me sentar.  

Ela ainda não havia me notado. Não até o cliente lhe dizer alguma coisa e ela sorrir, depois, por uma razão que eu desconhecia, encarar os redores e então me encontrar.  

Ela sorriu largamente e automaticamente senti meu queixo estremecendo e meus olhos esquentando, ligeiramente sendo preenchidos por estúpidas lágrimas. Lauren olhou-me espantada e preocupada, comprimindo os lábios e dizendo algo para o rapaz, que eu sequer prestei tanta atenção, que ela atendia, e em seguida se afastou. Fez um gesto para mim e caminhou depressa até o balcão, para fixar o pedido, e depois foi ao encontro de uma garçonete, que julguei ser nova por nunca tê-la visto antes. 

Aproveitei que ela ainda não havia se aproximado para abaixar minha cabeça e passar o dorso da mão em meus olhos numa tentativa falha de esconder minha imbecilidade. Xingando-me incansavelmente em pensamentos. E automaticamente meus olhos encontraram a pulseira em meu pulso e as palavras do Justin vieram à tona como se ele estivesse as surrando em meus ouvidos naquele exato momento:  

"Algo relacionado ao que você gosta pra você sempre se lembrar de mim." 

 Lágrimas grossas se acumularem em meus olhos e rapidamente desceram por meu rosto. 

— Sav — Lauren murmurou, colocando a mão em meu ombro e, de rosto ainda baixo, não pude conter outras lágrimas que simplesmente nasceram e desceram incontrolavelmente. 

— Eu sou uma idiota — foi tudo o que consegui dizer, sem encará-la, e, na verdade, aquelas palavras haviam sido direcionadas para mim mesma, para a maneira imbecil que eu estava me sentindo, possivelmente à toa, e não sobre qualquer tipo de arrependimento e consternação. 

Lauren apertou meu ombro, em uma mensagem muda de conforto, e em seguida a notei sentando-se na cadeira ao meu lado. 

— Me diz o que aconteceu — ela pediu, carinhosamente, afagando meus cabelos e eu expirei, mordendo os lábios para prender o choro. — Aconteceu alguma coisa errada no seu encontro com o Justin? Ele te fez alguma coisa? 

O desespero na voz dela fez com que eu negasse veemente, repelindo a ideia que ela teve de que ele me tivesse feito algo ruim.  

— Ele não fez nada, quer dizer, o nosso encontro foi... — entortei os lábios — Foi incrível. Justin me disse coisas tão bonitas — pausei, umedecendo os lábios e enxugando meu rosto —, me deu essa pulseira — murmurei, mostrando o objeto em meu pulso, um sorriso singelo surgindo em meus lábios. — E nós nos beijamos. 

Lauren me olhou surpresa e no instante seguinte um pequeno sorriso delineava seus lábios. E ela pareceu entorpecida durante um tempo, como se estivesse viajando em outra dimensão. Entretanto, não tardou para a preocupação retornar ao seu rosto. 

— Se foi incrível, então, por que, diabos, você está chorando? — ela questionou, estreitando as sobrancelhas e eu ri sem entusiasmo. 

Sacudi a cabeça, em confusão. 

— Não sei — murmurei, forçando o riso enquanto tentava controlar a vontade de chorar que sufocava em minha garganta. — Eu não sei. 

— Deu certo, não deu? — ela insistiu e, após um tempo hesitante, eu assenti. Afinal de contas, sim. Havia dado certo. Ele havia me dito todas aquelas coisas apaixonantes, havia me dado aquela linda pulseira e depois nos beijamos, e fomos para casa e assistimos um filme, abraçados e nos beijando sem parar. E era aquilo que eu queria, não era? Eu queria uma chance com ele e, finalmente, havia a conseguido. Então o que, diabos, eu ainda queria? Droga! — E você não está feliz? Não está feliz com a chance que teve? 

— Claro que estou, é só que — parei, sem saber como explicar. Sentindo-me uma tola, imatura e paranoica. Quase me levantando e correndo para bem longe, para esconder aquela minha maldita estupidez. Porque era a incerteza do agora o que estava me enlouquecendo e tudo porque eu não havia visto o Justin antes de sair para o trabalho. Porque eu tinha uma mente fértil demais, expert em fazer com que eu sentisse aquela sufocante insuficiência. — Eu estou enlouquecendo, Lauren. Eu não sei qual é o problema comigo. 

— Acho que metade disso se chama estar apaixonada — ela disse e ao fitá-lo, sob minha visão embaçada pelas lágrimas, vi que ela sorria amigavelmente. — E a outra metade, efeito colateral da primeira, se chama insegurança. 

Ri de suas palavras e na mesma medida chorei. Lauren me olhava em um misto de complacência, preocupação e compreensão. E eu quis abraçá-la não somente porque eu sentia uma necessidade absurda de ser abraçada, mas porque ela estava absolutamente certa. Porque, como sempre, ela sabia exatamente como me desvendar. Sabia exatamente o que dizer. 

— Ah, você é a melhor — falei, sorrindo, limpando meu rosto. — E eu sou a pior. 

— Ah, mas você é mesmo! — ela brincou, prendendo a risada. — Um dia você me aparece aqui só sorrisos e depois me aparece chorando dessa maneira — retrucou, franzindo as sobrancelhas. — Desse jeito quem vai acabar enlouquecendo sou eu! 

E eu ri, verdadeiramente, e ela abriu um sorriso largo, satisfeito. 

— Vou fazer seu pedido e já volto, quero detalhes de ontem — ela avisou, cruzando as mãos em cima da mesa, uma expressão comicamente ditatorial e eu assenti veemente. 

Em seguida ela se afastou e não sei dizer por quanto tempo, porque depois que ela saiu aproveitei para pôr as ideias no lugar. E quando ela voltou e, enquanto eu comia, lhe contei tudo. Absolutamente tudo. E ela me parava em alguns momentos para fazer comentários. Quando comecei a falar sobre as palavras dele, e sobre o que ele disse quando me deu a pulseira, um sorriso vidrado ficou preso nos lábios de Lauren, seus olhos fixos em mim com um brilho suspeito, e eu não deixei de tirar sarro dela assim que possível e ela me mostrou o dedo médio. O que nos rendeu estridentes gargalhadas.  

A tensão esvaindo-se gradualmente, trazendo a sensação de calmaria que eu havia sentido assim que acordei, antes de me aprofundar naquele poço de crise de autodepreciação.  

Lauren me falou sobre os preparativos para a social que aconteceria no sábado – James não iria à lanchonete àquele dia e havia deixado a responsabilidade com Lauren, por isso ela estava na boemia – e questionou-me se eu havia chamado o Justin para ir comigo e eu lhe disse superficialmente que não porque não havia encontrado uma brecha. Quando na realidade eu não havia falado sobre o assunto porque estava em dúvida se aquela seria ou não uma boa ideia, afinal de contas, Andrew Owen e os pais dele estariam lá e eu não queria misturar o Justin na bagunça que, por conta de minhas diversas escolhas antigas e erradas, era a minha vida. A vida dele já era complicada demais para que eu quisesse complicar ainda mais. 

— Fale com ele assim que possível, porque preciso deixar avisado ao James que teremos um convidado a mais — ela explicou-se e eu assenti, hesitante. — Vai ser legal, você vai ver, nada pode dar errado. As pessoas vão adorar ele e os Owen vão ficar enlouquecidos, principalmente o Andrew. 

Ela sorriu com maldade e eu tentei lhe corresponder à altura, mas na verdade lhe sorri com certo pânico e culpabilidade, por não abrir o jogo de uma vez com ela, pois quem sabe ela entendia e até respeitava. Mas no fundo eu sabia que Lauren encontraria milhares de maneiras de me contrariar e fazer enxergar que não havia nada demais naquilo, de que era uma ideia brilhante digna de se dizer "eureca" desde o momento em que ela havia a tido. E eu não estava preparada psicologicamente para nenhum tipo de debate, portanto deixaria para lá por enquanto e depois de um tempo, quem sabe, se eu não conseguisse ter coragem de falar com ele, eu dizia para ela que ele havia recusado o pedido. Afinal, ela não saberia se era verdade ou não. 

Senti-me culpada somente com o pensamento, mas em alguns momentos, para fugir da impertinência de Laurence, era preciso um pouco de omissão

Quando o relógio apitou que era hora de retornar ao trabalho, me senti parcialmente triste, pois queria conversar mais com minha amiga, mas, pelo menos, estava me sentindo novamente confiante. Lauren fez beicinho, contudo ressaltou que também deveria trabalhar, aliás, não era somente porque James estava fora que ela podia ter a regalia de passar o dia de pernas-para-o-ar.  

Deixei a lanchonete com a satisfação renova e um sorriso largo – depois de Lauren me impedir de pagar a conta, pois ia ficar como bonificação por eu ter conseguido sair da friendzone com o Justin; eu quis xingá-la tanto, porém eu só fiz rir muito –, recebendo de bom-grado alguns comprimentos de conhecidos dos meus pais que me olhavam um pouco torto por conta de meu extremo bom humor. Pobre coitada perdida, muito deles deveriam pensar, mas mal sabiam que eu nunca estivesse tão encontrada em toda a minha vida. 

O céu estava escurecido, evidenciando a possível tempestade que atingiria a cidade em algum momento. Espero que eu esteja em casa quando começar, pensei, encarando os céus. Estava me aproximando de meu carro, a chave rodeando meu indicador, meus passos desleixados e meio saltitantes, porque eu não estava assim tão apressada para chegar ao trabalho, afinal ninguém estava me aguardando lá e alguns minutos de atraso, se comparado a minha competência e pontualidade desde que comecei a trabalhar na Library of Grayson, não me causaria problemas.  

O resto do expediente passou voando e, por sorte, quando estava me preparando para ir embora, a chuva ainda não havia se iniciado, mas o céu estava ainda mais escuro. Liguei para Nancy para lhe informar algumas coisas e para ter notícias, e ela aproveitou para avisar que eu continuaria com minha folga no dia seguinte, ainda que eu tivesse lhe dito que podia ir trabalhar já que havia tido folga adiantada na segunda, e ela disse que aquela havia sido uma bonificação – eu estava feliz com tantas regalias –em comemoração a melhora da saúde de seu pai. E eu não debati sobre aquilo com ela por muito mais tempo, porque Nancy conseguia ser mais categórica do que duas Laurence.  

Ri de meu último pensamento enquanto caminhava preguiçosamente na direção de meu carro. O dia havia sido bastante cansativo, mas depois do almoço havia melhorado um bocado. 

Meu celular apitou e eu o peguei depressa, vendo uma mensagem de texto de Lauren na tela, só pensar no diabo... 

Lembrete 1: não estrague uma coisa que ainda nem começou com tantas crises de garotinha pré-adolescente. Lembrete 2: Se seu período não chegou, ele há de chegar, então sugiro que certifique-se de que tem absorvente. Xoxo, Laurie. 

Eu gargalhei com sua mensagem, as ruas estavam desertas, ninguém me veria e pensaria que eu era uma doida varrida, e ligeiramente apertei para responder: 

Resposta 1: Digo o mesmo para você à respeito do James ;). Resposta 2: Muito obrigado por ter me alertado sobre isso! Sabia que todo esse sentimentalismo não era normal, você é simplesmente demais! Xx Sav. 

No minuto seguinte ela respondeu: 

Nossos conselhos nunca condizem com nossas situações e eu sei que sou demais e sou uma espécie de calendário menstrual (me desculpe se isso soar estranho, soa natural para mim), sabe como é, eu sei muito das coisas. Sou uma garota cheia de conhecimentos. 

Eu ri alto de sua mensagem novamente, maneando negativamente com a cabeça, parando de andar para digitar lhe outra resposta: 

Haha, sei disso melhor que ninguém! E noventa por cento das coisas que vem de você soam estranhas, então já estou mais do que acostuma. Mas meus parabéns, Laurence, vejo que renovou seu estoque de egocentrismo, estou orgulhosa!  

Daquela vez dei risada de minha própria mensagem. Sabendo que ela odiaria o fato de eu ter escrito seu nome e eu ri ainda mais ao imaginá-la lendo a mensagem e então, como vingança, ela não me responderia mais. Não posso negar o quanto eu gostava de tirá-la do sério, aquilo era como uma cláusula de extrema importância no contrato de nossa amizade. 

Enfiei o celular no bolso outra vez, passando a mão em meus cabelos, jogando os fios rebeldes para trás. Estava há alguns passos de meu carro, prestes a apertar o botão para desativar o alarme e destravar a porta quando um vento chicoteou meu corpo, fazendo com que eu encolhesse meus ombros. 

— Savannah — meu nome fora chamado no instante seguinte e eu senti todos os poros do meu corpo arrepiando-se na medida em que meus ouvidos rapidamente reconheceram aquela voz e, ao me virar, posso jurar ter sentido algum pedaço do meu coração se rompendo.  

O rosto de Jonah estava pálido e as escuras olheiras ao redor de seus olhos causaram um incômodo forte em meu peito, os fios de cabelo desgrenhados por baixo do capaz de seu moletom preto e a melancolia que seu olhar, fixamente em direção aos meus, transmitia só tornava minha angústia ainda mais excruciante. 

Toda a serenidade que a conversa com Lauren me trouxe, deixando-me depressa. E no fundo eu sabia que as coisas não estavam completamente resolvidas, apesar dos acontecimentos recentes terem me feito esquecer aquele maldito fim de semana e cada uma das coisas que haviam acontecido nele. E, sobretudo sabia, que para seguir em frente, sem nenhuma sombra negra deixada para trás, sem nenhum demônio ao qual eu pudesse me esconder atrás em algum momento turbulento, eu teria que trilhar os caminhos certos para não acabar estragando minha nova vida da mesma maneira que havia feito com a velha, porque talvez, no futuro, eu não tivesse outra chance. 

— Será que podemos conversar?  

Perdi mais alguns incontáveis segundos em uma culpa avassaladora que me massacrava por dentro antes de assentir maquinalmente, completamente pega pela surpresa de sua presença e em desespero por todo aquele seu visível e atormentador abalo.  

— Quer ir a algum lugar específico? — a pergunta escapou por meus lábios quando o silêncio se estendeu mais longo, nossos olhares perturbadoramente conectados e tempo depois ele negou com um breve aceno de cabeça. 

Em seguida, seu olhar contemplou o chão. Um suspiro rompendo de seus lábios e o franzir de sua testa me fizera ficar ainda mais inquieta. Jonah não era o tipo que pensava muito para falar e eu nunca havia o visto no estado em que estava, nem mesmo quando vivíamos naquela vida de festas e drogas ele havia alçado aquele estado deplorável, e, ainda que Lauren uma vez tivesse dito que não era culpa minha a incapacidade de compreensão dele, mesmo assim eu me sentia muito culpada.  

— Jonah, eu... 

— Eu queria entender qual é o problema comigo — me interrompeu, o tom agudo de sua voz pegando-me de surpresa outra vez. — É engraçado, sabe — riu sem humor, erguendo seu olhar lacrimoso em direção ao meu e o aperto em meu peito somente se intensificou. — Toda vez que você vai embora eu coloco a culpa inteiramente em mim. 

Respirou profundamente, em uma nítida tentativa de manter o controle.  

— Como se em mim existisse tudo de mais ruim que você menospreza e por mais que eu esteja te odiando agora — rosnou apertando seus punhos e automaticamente encolhi meus ombros. — Por mais que eu esteja me odiando agora, por estar mais uma vez massacrando o meu ego de maneira tão vergonhosa, não pude evitar a vontade de te encontrar. Não posso evitar ainda estar aqui, olhando para você quando, na verdade, boa parte de mim queria não precisar te olhar nunca mais.  

Seus olhos lacrimejaram mais e não tardou para que eu sentisse lágrimas brotando em meus olhos também, pois, por mais que eu ainda estivesse chateada por todas as coisas que ele havia me dito e entorpecida pelos acontecimentos desde então, a última coisa que eu queria em toda a minha vida era vê-lo daquela maneira. 

Sentindo-me desequilibrada diante das lágrimas em seus olhos, e da decepção em seu semblante, tentei encontrar palavras ou qualquer mera explicação que pudesse ser dita, porém não pude formular absolutamente nada que parecesse bom. Nada que fosse diminuir a agonia que o dominava, e que me esmagava. Nenhuma declaração capaz de magicamente corrigir tudo e que não fosse o machucar mais do que eu claramente já havia o machucado. Porque a última coisa que eu queria era magoar tanto alguém que já tanto havia me ajudado tanto, mesmo que ele houvesse igualmente me magoado, mesmo que não fosse de sua conta nenhuma das minhas atitudes e que, principalmente, eu não lhe devesse explicação e, muito menos, fidelidade alguma. Mas Jonah era, e continuaria sendo, uma pessoa de extrema importância em minha vida e por tudo o que o mesmo havia feito por mim, nos momentos em que mais precisei – nos momentos em que ninguém era capaz de me entender –, eu tinha um débito com ele e acreditava que, ao menos, sendo sempre honesta já era uma maneira de saudá-lo.  

— Me deixa ver se adivinho — começou, com irônica, e eu enfiei as mãos nos bolsos frontais de minha calça, encolhendo meus ombros como uma garotinha amedrontada —, você não sabe o que dizer? 

Permaneci calada, olhando-o e ele riu sarcasticamente. Seus olhos sendo automaticamente preenchidos por mais lágrimas. 

— Eu sou um imbecil — resmungou prestes a dar as costas para mim, mas antes que pudesse dar qualquer passo, e igualmente para o meu total espanto, seu nome escapou desesperadamente por entre meus lábios.  

O olhar dele tornando-se sombrio e levemente esperançoso, as lágrimas ainda presas nos mesmos. E eu senti meu peito sendo esmagado. 

— Eu sinto muito — admiti, com a voz esganiçada, e suas sobrancelhas se arquearam lentamente. — Você era a última pessoa que eu queria magoar nessa vida... 

— Eu era a última pessoa que você queria magoar? — exasperou-se, aproximando-se alguns passos e eu os recuei, esbarrando em algo atrás de mim, ficando assustadoramente presa entre seu corpo e meu carro, completamente sem saída. — Se sou a última pessoa que você queria magoar, então, por que, diabos, você desapareceu com aquele maldito lunático? Por que você fica rastejando atrás dele? 

— Não fale assim dele! — bradei, tirando uma de minhas mãos de dentro do bolso para apontar meu indicador em seu rosto. A raiva começando a se apoderar de mim e de meu vulnerável semblante intimidado. — Não tente o ofender porque você não tem o direito de julgar alguém! E não que seja da sua conta, mas o Justin me tirou de Seattle por causa de todas aquelas brigas idiotas. Aquele fim de semana não estavam sendo bom para ninguém! E eu não fico me rastejando atrás dele, eu o conheço a mais tempo do que você provavelmente imagina. Ele é meu —  fiquei um tempo incerta, sem saber como descrevê-lo — amigo. Eu fui morar na casa dele quando a Lauren perdeu a casa e nós ajudamos um ao outro e era isso o que ele estava fazendo quando me tirou daquela viagem. Eu já o conhecia antes dele estar com a Melanie, antes de você reaparecer. 

Para minha total revolta e perturbação, sua resposta fora uma gargalhada. Escandalosa e irritantemente sarcástica. Sua cabeça pendendo levemente para trás e seus dentes perfeitamente brancos, que eu tanto costumava admirar, completamente exposto em um riso tão maldoso e, até então, desconhecido por mim, que só tornou minha fúria ainda maior. Completamente incontrolável. 

— Isso é demais para mim, você mora com aquele —  ele deixou a frase no ar e riu novamente, forçado e irritante. — Você é mais insana do que eu imaginava! — berrou, estreitando as sobrancelhas em fúria. 

— Quer saber de uma coisa, Jonah?! — protestei, erguendo o queixo. — Se você veio aqui para brigar, é melhor que vá embora mesmo! Vá cuidar da porra da sua vidinha perfeita, fingindo que seu passado não foi um imenso amontoado de bosta pra agora ficar se achando no direito de apontar alguém! 

— Por que será que ele só se demonstrou interessado em te tirar daquele fim de semana de merda depois que a namoradinha dele descobriu o insano que ele é e terminou tudo? — questionou, ignorando completamente minhas palavras anteriores, aumentando o tom de voz, aproximando-se ainda mais de mim. 

— Eu já mandei você parar de ofendê-lo! — minha voz saíra mais alta que a dele e ele riu outra vez, ainda mais sarcástico e a vontade de socar seu rosto corroeu meu punho fortemente cerrado. 

As ruas estavam vazias, apenas alguns carros passando de vez em quando. E minha única vontade era de ir embora o mais depressa possível. 

— Você quer saber, Savannah — iniciou, arqueando as sobrancelhas em visível ato de irritação. — Aquele... cara deve ter sacado que você é a fim dele e está querendo tirar proveito disso agora que levou um pé na bunda. E eu imaginando que ele era maluco. Quer dizer, maluco ele realmente é. Mas é esperto. Um maluco bem esperto. 

— Cala. A. Merda. Da. Sua. Boca! — rosnei, empurrando-o rudemente pelo peito. O que apenas o fez rir irônico outra vez. — Não abre sua boca imunda para falar o que você não sabe, porque ele não é assim! E o único maluco aqui é você, Jonah. Invejoso e contrariado. Então não confunda o Justin com o cafajeste que você é! 

— E como você tem tanta certeza?  

O sorriso cáustico se mantinha preso no canto de seus lábios, mas a tristeza em seu olhar desmentia toda a frieza que ele tentava demonstrar. E mesmo assim eu pouco estava me importando. Porque não o deixaria me atingir sem sair atingido também, não daquela vez. A angústia por estar novamente fazendo o que eu não queria me atingiu, mas eu não o deixaria pôr a culpa de sua incapacidade de compreensão em mim. Eu não o permitiria tripudiar em cima de mim somente por que não queria que nossa amizade acabasse de maneira tão trágica e aparentemente imperdoável. 

Toda a estúpida culpa que eu havia sentido por pensar ter sido, de alguma maneira, injusta com ele, transformando-se em raiva e mágoa. 

— Porque eu o conheço — cuspi, aproximando-me um passo em sua direção e fora a vez dele de recuar. — E ele não é nem um pouco ruim do jeito que você imagina, muito pelo contrário.  

— Eu sei as histórias sobre ele, todo mundo sabe o que aquele problemático fez e você ainda tem a pachorra de se apaixonar e defender um cara assim! 

— Nem existem provas de que ele fez aquelas coisas — protestei, exasperada. —  Como você é capaz de julgar alguém dessa maneira? Como pode estar acreditando nas coisas absurdas que essas pessoas dizem quando antes você vivia criticando a maneira de pensar delas? O que, diabos, aconteceu com você, Jonah?  

—  O que, diabos, aconteceu com você? — ele rebateu inexpressivo. 

— Conheci um cara legal, que tem lá os seus problemas da mesma maneira que você tinha os seus e que Andrew tinha os dele — respondi, com sinceridade e ternura. — Eu olho para o Justin e enxergo mais compaixão do que posso ver em você e em qualquer outra pessoa que se julgue melhor do que ele, e é isso que torna ele tão especial pra mim. Porque eu não o vejo pelos erros dele, Jonah, não o vejo por erros que podem muito bem nem serem dele. Eu o vejo por quem ele realmente é e por quem eu acredito que ele seja. E eu definitivamente não tenho culpa se você agora está se achando superior o suficiente para conseguir enxergá-lo assim também. 

— Você não sabe quem ele é, você acha que conhece as pessoas, mas você não as conhece! Você nunca as conhece —  ele contestou, o rosto em tom vermelho por conta da fúria. — Você não conhece nem a si mesma, Savannah! 

— Jonah, pelo amor Deus — coloquei a mão em meu rosto, em sinal de desespero —, enfia na sua cabeça de uma vez por todas que você não tem nada a ver com a minha vida! — exclamei, gesticulando nervosamente com as minhas mãos. 

Não lhe daria o gostinho de me ver enlouquecida, tentando lhe provar o adverso das asneiras que saíam de sua boca, não lhe explicaria detalhadamente os motivos das minhas escolhas e tampouco quais eram elas. Portanto, ele que se sobrecarregasse com seu ego ferido sem jogá-lo em minhas costas, pois eu não estava mais disposta a carregar a culpa apenas em mim.  

— Ouça, eu estou cansada, se a conversa for continuar seguindo esse rumo, acho melhor pararmos por aqui.  

— Droga, por que você não percebe? — clamou, bruscamente aproximando-se e eu me mantive no mesmo lugar. — Não percebe que estou tentando abrir seus olhos? Porque é apenas isso o que estou tentando fazer! Eu estou aqui, como sempre, feito um otário tentando te ajudar a não acabar como quando eu te conheci! Ou até mesmo pior! 

— Você não o conhece, Jonah! Você não pode me dizer essas coisas — arqueei as sobrancelhas, a impulsão dominando-me completamente e movida por ela prossegui, sem medir qualquer palavra: — Não pode bagunçar minha cabeça desse jeito só porque eu não correspondo os seus sentimentos e não quero e nunca quis absolutamente nada com você.  

Seu olhar incrédulo fora a razão por um aperto atingir meu peito e então repensei o que havia dito, sentindo uma ponta de culpa perfurando-me. 

 — Jon... 

Ele estendeu a mão, em sinal para que eu me calasse e eu o fiz. 

— Isso foi o suficiente para mim, porque — pausou, forçando um riso que pareceu socar meu estômago — pode parecer que eu estou sempre disposto a estar sob os seus pés, mas eu ainda tenho um pingo de amor próprio a zelar, Savannah —  ele riu sem nenhum pingo de humor. — Uma vez bastou para que eu me cansasse de juntar os seus pedaços, porque se lhe dou tudo de mim e o seu resto é o que eu mereço em troca, talvez seja hora de parar de tentar encontrar o erro em mim quando, quem sabe, a maior parte dele provavelmente possa estar em você.  

E foi a minha vez de respondê-lo com um sorriso, irônico e maquinal. Jonah olhou-me sem expressão, um pouco descrente. 

— Seria tão cômica se não fosse trágica — repeti as palavras que ele utilizou comigo em Seattle — a maneira como você enche tanto a boca para se vitimizar que dissimuladamente não percebe o quanto você anda tentando me atingir pra ver se diminuí a sua dor de cotovelo e é você mesmo que vive se menosprezando, porque ao contrário de você eu nunca fiquei discriminando suas escolhas incompreensíveis — disparei, sentindo lágrimas empoçadas em meus olhos. E a expressão de surpresa e ultraje no rosto dele não me causou comoção alguma, uma vez que a ira havia se apoderado de cada célula do meu corpo. — E eu não preciso dos seus conselhos se eles não servirem para nem ao menos um tipo de incentivo, não preciso que queira me ajudar se para isso precisar ferir meus sentimentos! E dessa vez, se você realmente quer me ajudar, Jonah, só me deixe em paz!  

Após finalizar, engolindo a culpa que quase quis me dominar ao ver as lágrimas cobrindo suas íris esverdeadas, me afastei e adentrei meu carro sem olhar na direção dele nem mesmo de soslaio. Rapidamente iniciando partida e no meio do percurso, quando a primeira lágrima caiu, foi difícil controlar as outras. E eu tentei não pensar na culpa, por mais que houvesse uma pontinha dela tentando saltar e se alastrar por mim. Porém eu não permitiria. Porque se Jonah não era capaz de me compreender, tampouco merecia minha preocupação.  

No entanto, mesmo que eu quisesse ignorar todas as coisas que haviam saído de sua boca, algo sombrio dentro de mim fazia questão de ressaltar todas suas declarações em neon diante dos meus olhos. "E se o Justin só estiver me usando como válvula de escape?", pensei, sentindo mais lágrimas escorrendo por meus olhos.  

E em contraste com meu estado de espírito, pingos grossos começaram a despencar do céu. Minha visão turva impedindo-me de ter uma boa visão da estrada e o início da chuva dificultando ainda mais minha situação. Liguei o pára-brisa e tirei momentaneamente um mão do volante para secar meu rosto, temendo por meu bem-estar tanto físico quanto mental, afinal de contas questionamentos dolorosos pairavam em minha cabeça e eu não conseguia afastá-los. E eu precisava chegar inteira até a casa do Justin se quisesse ter as respostas para eles. 

Se os beijos da noite anterior haviam anestesiado a preocupação e necessidade de dúvidas sanadas que eu necessitava, daquela noite as explicações não passariam. Porque eu estava deliberada a fazê-lo falar e estava determinada a lhe dizer tudo o que estava preso em minha garganta. 

Seguindo naquele ritmo, assim que estacionei em frente a sua casa, desci não me preocupando com a torrente de água que naquele momento caía do céu, apressando os passos e pouco me preocupando em dar um jeito de me secar ao menos um pouco antes de entrar na casa.  

Eu não estava mais chorando, mas meus olhos, eu havia me olhado no espelho antes de sair do carro, estavam bastante vermelhos e estavam queimando. 

Ouvi um barulho vindo da cozinha e marchei até lá, movida por aquela fúria mecânica. 

— O que você quer de mim? — indaguei, rudemente, assim que adentrei o local e o silêncio permaneceu por um tempo. 

Justin estava de costas para mim, segurava uma tampa de panela na mão e havia paralisado os movimentos ao me ouvir. Os ombros subindo e descendo de maneira lenta, o cheiro de comida fazendo meu estômago roncar e por alguns instantes, uma parte minha, bem profunda, e que lutava com unhas e dentes para se livrar, tentou me fazer amolecer novamente. Mas as perturbações não davam espaço, os questionamentos, aquela aflição enlouquecedora que me fazia querer arrancar meus cabelos, arrancar minha própria cabeça. 

— O que — ele murmurou, mas parou, ainda de costas para mim. 

—  O que você quer de mim? —  repeti a pergunta, em tom mais alto e grosseiro. 

Ele finalmente virou em minha direção, como se anteriormente estivesse em dúvida se realmente havia me ouvido bem, a confusão presente em seus olhos, mas logo fora dando vazão a preocupação e receio quando seu olhar encontrou o meu.  

— O que aconteceu? Você está toda molhada... Por que esteve chorando? 

— Há três dias você e a Melanie estavam juntos e você nem ao menos conversava direito comigo — disparei, ignorando as palavras dele, ainda imbecilmente dominada pela revolta. — E então do nada você se demonstrada interessado em mim e — o soluço escapou por entre meus lábios involuntariamente, as lágrimas renascendo como se durante aquele período em que parei de chorar, elas houvessem se reabastecido. — Por Deus, Justin, o que você quer de mim? 

— Droga, Savannah —  ele arfou, mas eu senti a irritação em sua voz. — Qual é o problema com você? Nós estávamos tão bem e eu estava cheio de planos —  ele apontou para as panelas no fogão —  e então você chega assim, completamente descontrolada e agressiva. O que diabos aconteceu com você? 

— Por que você não para de fazer rodeios e responde logo à porra da minha pergunta! Todo mundo está tentando me enlouquecer, VOCÊ ESTÁ TENTANDO ME ENLOUQUECER!  

— O QUE EU FIZ DE ERRADO? —  ele bradou, atirando a tampa de panela que estava em sua mão no chão. — Que caralho eu fiz de errado pra você estar me tratando assim? — prosseguiu, pegando um prato sobre a bancada e atirando-o contra  a parede ao seu lado, e instantaneamente encolhi meus ombros, afastando-me alguns passos.  

— Eles estão dizendo... — solucei de forma esganiçada. — Todos estão... Todos estão dizendo que... — sentia o nó querendo rasgar minha garganta enquanto balançava a cabeça negativamente. — Eu não quero ser a porcaria da sua válvula de escape! 

Só percebi que meu rosto estava baixo quando o Justin se aproximou e colocou a mão em meu queixo, levantando-o com certa brutalidade, afastando sua mão de mim no instante seguinte, como se o contato o machucasse. 

— Minha válvula de escape? — ele olhou bem em meus olhos e eu quis desviar o olhar. — Que história absurda é essa? 

Afastei-me um passo e olhei para o chão novamente, comprimindo meus lábios, tentando conter o choro, porque naquele momento eu só queria correr para o quarto e me trancar, chorar todas as lágrimas do meu corpo. Por ser estúpida, por ser mil vezes estúpida. Por criticar Jonah por acreditar nos absurdos das pessoas quando eu igualmente havia acredito nos absurdos que ele havia me dito. 

—  Justin, eu... —  pensei em uma maneira de remediar aquela situação, mas minha cabeça estava uma bagunça sem fim, e eu não conseguia pensar em nada coerente e pacífico para dizer. 

—  Olhe para mim —  ele ordenou, segurando meu queixo novamente, com firmeza, erguendo meu rosto e daquela vez eu que quis desfazer o contato. — Ao menos tenha a dignidade de olhar em meus olhos. 

Eu funguei, sentindo meu queixo estremecer conforme tentava prender o choro e o Justin hesitou por um tempo, seus olhos, tristonhos, encarando-me naquele estado deprimente e eu senti uma vergonha colossal. 

— Mas que droga, Savannah! —  ele disse em tom mais ameno. — Minha válvula de escape? —  repetiu, com ressentimento. — Você é muito mais do que isso pra mim! Quantas vezes quer que eu diga que você é a melhor parte de mim? Quantas vezes eu preciso dizer para você entender e acreditar em mim? 

Embora houvesse uma infinidade de razões para eu acreditar nele, igualmente parecia existir a mesma infinidade de razões para que eu não me permitisse ceder facilmente. E se tratando de nós e da prematuridade de sua provável correspondência aos meus sentimentos, se tudo passasse de engano e confusão, no final era somente eu que sairia despedaçada. Por isso, eu precisava de mais credibilidade do que provavelmente tinha para arriscar todas as minhas cartas e não acabar miseravelmente perdendo tudo; por mais que em minha mais profunda insensatez eu estivesse louca apaixonada e apenas desejasse estar em seus braços, provando cada um de seus beijos sem pensar no amanhã. Na realidade, sendo de minha plena vontade ou não, eu precisava de mais credibilidade para não acabar me perdendo, de maneira extremamente irreversível, outra vez. 

— Justin...  

— Eu não te obriguei a fazer nada! — vociferou, interrompendo-me e o ultraje em seu tom de voz atingiu-me em cheio. — Eu disse que se não estivesse tudo bem para você, você deveria me deixar saber e agora você está acabado com tudo... Está acabando comigo. 

Apunhalada por suas palavras e por todos aqueles perturbadores conflitos, me afastei, deliberada a sair correndo e realmente me trancar no quarto para chorar o quanto quisesse. Longe de seus olhos penetrantes e seus toques que facilmente me persuadiam. Longe de pensamentos conturbados e aflitivos, de todos os sentimentos imensamente bons e terrivelmente ruins que qualquer aproximação dele, após ser dominada por todas aquelas cruéis dúvidas, me atribuísse. 

Até mesmo a ideia de juntar minhas coisas e ir embora surgiu em minha mente, mas eu era fraca demais para aquilo, era fraca demais para virar as costas completamente para ele e os sentimentos que eu possuía. 

Mesmo que seu olhar consternado, sugando cada traço sereno que seu rosto dominava na noite anterior, me causasse um desespero tremendo e me fizesse presumir que talvez eu estivesse sendo injusto demais com ele, que eu estava fazendo exatamente o que Lauren me alertou a não fazer na mensagem em que me mandou quando eu estava saindo do trabalho; estragando algo que eu sequer havia começado por conta de uma crise. 

— Savannah —  Justin tirou-me dos enleios, seu desapontamento nítido —, você não pode me apedrejar desta maneira sem antes conversar civilizadamente comigo, afinal de contas, eu acreditava que entre nós não havia necessidade alguma de imaturidade, porque, antes de qualquer coisa, somos amigos! —  cada uma de suas palavras atingindo-me como tapas na face. — O que eu sinto por você é incontestável e vai muito além de te desejar só porque fui desprezado pela Melanie, vai muito além do que qualquer coisa que as pessoas que manipularam sua cabeça sabem e até mesmo além do que eu sei! Cabia a você sanar suas dúvidas comigo ao invés de permitir que abarrotassem sua cabeça com asneiras para depois querê-las enfiar em minha cabeça também. 

Ele maneou a cabeça negativamente, rindo forçadamente. 

— Eu posso ser o maluco que for, eu sei que sou cheio de problemas, mas eu jamais teria mergulhado de cabeça de modo tão inusitado se não tivesse certeza do que eu quero, se você não significasse para mim algo muito além do que a porra de uma simples válvula de escape! 

Senti lágrimas rolando involuntariamente de meus olhos devido ao seu tom ríspido, ao notar que eu havia, como sempre, estragado tudo e, ao invés de tentar consertar minha burrada, tudo o que eu sabia fazer era me manter calada, chorando feito uma idiota. 

— Eu não esperava isso de você, não de você — ressaltou descrente e insultado.  

Maneou a cabeça negativamente e, por trás de minha visão embaçada, vi um brilho repentinamente surgir em seus olhos, como se lágrimas estivessem se acumulando e a sensação sufocante em meu peito fez com que parecesse que meu coração estivesse sendo rasgado ao meio. A vontade de chorar triplicando. Ele avançou o passo que eu havia recuado e fitou-me friamente no fundo dos olhos. 

— Se não tem nenhum pingo de sentimento por mim que nos leve a agir como agimos antes — murmurou, suas palavras e sua proximidade, em conjunto com a vontade de tocá-lo, golpeando-me dolorosamente —, por favor, vá em frente e me diga. Seja sincera, não tente me culpar por isso. Não tente achar desculpas para isso. 

Quando ele ficou em silêncio, provavelmente esperando que eu lhe dissesse algo, e eu me odiei ainda mais por ter o sustentado. E ele desviou o olhar do meu, lambendo os lábios, um sorriso céptico aparecendo em seus lábios avermelhados. 

 — Quer saber de uma coisa? Você pode ter se afastado da sociedade de Portland, mas os malditos costumes deles permanecem grudados em você, Savannah Curtis

Meu nome soando como uma ofensa em sua boca me causou náuseas. E aquelas foram suas últimas palavras antes de se retirar e não tardou para que eu estivesse chorando copiosamente. Passando a mão em meus cabelos e apertando meu próprio rosto com força, tentando tirar o foco da dor que parecia afundar meu peito, repensando os absurdos que eu havia lhe dito e tudo por, assim como no dia em que estávamos voltando de Beaverton, não saber me controlar. Me sentindo a maior estúpida de todos os tempos, por ter, em apenas um dia, feito tantas besteiras. E talvez Jonah estivesse certo, talvez o problema realmente estivesse em mim e não nas pessoas ao meu redor. Talvez meus pais não fossem assim tão culpados como eu costumava julgá-los e toda perversidade, na realidade, estivesse em mim, cercando-me como se viesse das pessoas ao meu redor, mas que, na verdade, saía de mim mesma. E devastava tudo. Eu devastava tudo.  

Tais pensamentos apenas me fizeram chorar ainda mais, fazendo com que eu sentisse nojo de mim mesma como não sentia há tempos. Fazendo-me detestar a mim mesma com todas as minhas forças e uma vontade de gritar tornou-se incontrolável, no entanto, tudo o que fiz fora correr cegamente até estar dentro do quarto, batendo a porta sem me importar com qualquer coisa e trancando-a com chave. Jogando-me na cama e enfiando minha cabeça entre os travesseiros, deixando os soluços abafados soarem. Desejando chorar todas as lágrimas do meu corpo desde que nelas saíssem toda a obscuridade e perversidade que me dominassem. Sentindo-me como a garotinha traída do último ano do colegial, excluída em um canto qualquer enquanto todos os outros riam e apontavam em minha direção. Minha mente sendo engolida por uma mórbida nuvem negra, prendendo-me em correntes imaginárias em uma sensação anestésica e desesperadora. Em algum lugar completamente devastado pelo irreal. 

Não muito tempo depois, como se eu somente tivesse piscado e em seguida reaberto os olhos, acordei, completamente assustada e suada. Minha respiração desregulada e ao abruptamente me levantar, senti minha cabeça girar em trezentos e sessenta graus e me deitei novamente. Minhas pálpebras pareciam pesar toneladas e minha visão estava um pouco embaçada, o pesadelo ainda vívido correndo em minha cabeça e o desespero que havia me dominado no mesmo, perturbando-me novamente. Ainda mais desesperador.  

Eu estava em algum lugar escuro e diversas pessoas me cercavam, rindo sem parar. Pessoas da escola, meus pais, o Andrew e no final Lauren, Jonah, Justin, James e Nolan eram os únicos ao meu redor, rindo sem parar enquanto apontavam em minha direção e eu me encontrava encolhida entre eles. No instante seguinte, eu corria por uma rua deserta e ouvia barulhos assustadores, passos pesados vindos detrás de mim, como se algum tipo de monstro estivesse me perseguindo. 

O cenário ficava se modificando sem parar. A escola, a rua de minha casa, a rua em que fiquei quando fui expulsa de casa, a rua onde Lauren morava e a rua da lanchonete de James.  

Em seguida, como em um rompente, eu estava em uma avenida nunca vista por mim e assistia o atropelamento de alguém, e gritava estarrecida, correndo na direção da pessoa ao chão e sobressaltando-me ao ver que ela ficava mudando sua aparência para todas as pessoas que eu conhecia. Meus pais, Lauren, os pais dela, Harry, os Owen, James, Nolan e seu avô... Justin e os pais dele, o tio dele. Na sequência eu olhava para o carro, parado um pouco distante de mim e do corpo metamórfico, e via a mim mesma atrás do volante. Em uma visão muito mais sombrio. Um sorriso diabólico, as íris enormes, quase cobrindo toda a parte branca de meus olhos, e o olhar homicida. 

Tempo depois a outra eu, completamente insana e de aparência demoníaca, ligava o carro novamente e a última coisa que me lembro fora meu grito estridente e o baque doloroso do carro contra o meu corpo. 

Um trovão estourando no céu fez com que eu me encolhesse na cama e, ao apertar minhas pernas, senti um incômodo úmido entre elas e sentei-me depressa, tateando no escuro do quarto à procura do interruptor do abajur. O mundo, definitivamente, desabando do lado de fora. As paredes tremendo com cada trovão e a luz dos relâmpagos ultrapassavam as frestas da janela, iluminando parcialmente o quarto, e meu coração batia cada vez mais rápido.  

Sempre tive pavor às tempestades, desde pequena, e quando era criança acabava tendo que dormir com meus pais. E mesmo após crescer, ainda tinha medo, ainda me encolhia na cama e me cobria inteira, contando carneirinhos até conseguir pegar no sono – muitas vezes ficava acordada até que parasse.  

Encontrei o interruptor e suspirei aliviada quando o quarto ficou quase completamente iluminado, me movi na cama e um suspiro de insatisfação escapou por meus lábios ao ver a coisa pegajosa e molhada entre minhas pernas, apesar de eu ter desconfiado desde o princípio. Meu ciclo, como Lauren havia previsto, havia chegado, e a vontade de chorar que senti ao ver aquele sangue sujando minhas roupas e o lençol, e me lembrar de minha discussão com o Justin, quase foi incontrolável. Entretanto, antes de dormir eu havia chorado tanto que era como se houvesse se esvaído todas as lágrimas do meu corpo, mas ainda assim eu sentia como se estivesse chorando mentalmente. Minha alma tem uma reserva sem fim de lágrimas, pensei, de maneira deprimente. Levantando-me da cama depressa e indo até o banheiro, me livrando de minhas roupas sujas e jogando-as no cesto – que por sinal estava cheio e eu precisava lavá-las –, ligando o chuveiro e deixando a água cair por um tempo, amarrando meu cabelo desgrenhado com um elástico que encontrei em cima da pia.  

Os trovões pareciam ter dado uma amenizada e não dava para ouvir a chuva com o barulho forte da ducha. Lavei minha peça íntima, de maneira alguma a enfiaria na máquina de lavar do Justin, e depois cuidei da higienização do meu corpo. Meus pensamentos se acalmando com a água quente escorrendo por meus ombros, aquecendo meu corpo. 

Eu estava me sentindo tão culpada, mas se a merda já estava feita eu não poderia viver o resto do dia chorando pelo leite derramada, aliás, chorar não resolveria nada, e, depois, quando o Justin esfriasse a cabeça e eu estivesse com os pensamentos no lugar, poderíamos conversar novamente e quem sabe nos resolveríamos. 

Eu estava me sentindo tão mal, ainda mais após o pesadelo, que, na realidade, nem mesmo me sentia merecedora do perdão do Justin após todas as coisas que lhe disse. Nem sabia se merecia meu próprio perdão depois de ter deixado Jonah bagunçar minha cabeça e, principalmente, por eu ter tentado bagunçar a cabeça do Justin.  

Eu estava com tanta vergonha. 

E me senti aliviada ao me lembrar que no dia seguinte não iria trabalhar, agradecendo por Nancy não ter aceitado minha proposta de ir, porque, enquanto aquilo não se resolvesse, eu não saberia como focar em qualquer outra coisa. 

Depois que saí do banho; sequei-me, coloquei um absorvente interno e vesti uma calcinha limpa, retornei para o quarto, sem toalha, e peguei uma blusa preto – de mangas compridas – com uma estampa grande do Frajola e um short curtíssimo, cujo camiseta cobria. Tirei o lençol sujo da cama e procurei por outro limpo, mas no quarto não tinha. Maravilha, pensei, pouco entusiasmada, vou ter que pedir para o Justin. 

Embolei o lençol em meu braço e, depois de pegar a cesta de roupas-sujas no banheiro, saí do quarto. A casa estava silenciosa a não ser pelo barulho forte da chuva que voltara a predominar, os raios iluminando meu caminho de instante a instante e, por sorte, os relâmpagos não berravam mais.  

Quando cheguei à cozinha, liguei a luz e em seguida fui até a lavanderia, tratei de colocar as roupas dentro da máquina, as deixaria de molho para lavar no dia seguinte pela manhã, e depois retornei para cozinha. Minha barriga roncando, a sensação de desconforto exprimindo minhas estranhas. Cólica menstrual misturada com fome excessiva era a sensação mais insuportável.  

Procurei por algo para comer e, um pouco depois de abrir a geladeira, ouvi um barulho suspeito e me virei na direção da porta da cozinha, me deparando com o nada. Em seguida, voltei a me enfiar dentro da geladeira, à procura de algo que ao menos amenizasse a fome e então eu conseguisse pelo menos tentar dormir. 

O relógio na cozinha marcando 02h46am e eu estava tão sem sono que duvidava muito que conseguisse dormir antes que o dia clareasse.  

Um trovão retumbou, a sensação de que meu corpo havia estremecido junto, e eu engoli o grito. Tapando minha boca e fechando a porta da geladeira depressa, dando alguns passos para trás. 

— Deixei comida para você no micro-ondas — uma voz soou atrás de mim e eu berrei daquela vez, dando um pulo para trás e virando-me na direção de onde ela vinha. Deparando-me com o Justin parado do outro lado da bancada, os cabelos bagunçados e ele estava sem camisa, às tatuagens... O peitoral... O abdômen... — Me desculpe, não quis assustar. 

Outro trovão se alastrou e eu me tremi, encolhendo meu corpo, querendo me esconder em baixo daquela bancada como uma garotinha de cinco anos.  

Ouvi o Justin rir e o encarei, ele estava rindo, rindo pra valer e aquilo fez com que eu estreitasse as sobrancelhas.  

— Você tem medo de trovão? — ele indagou, divertido e eu permaneci com a expressão fechado. — Savannah, isso é tão fofo. 

Ele estava rindo e ele ficava tão bonito daquela maneira... Será que aquilo significava que... Será que significava que estava tudo bem entre nós? Será que significava que ele não estava magoado comigo?  

Eu senti como se um haltere tivesse sido arrancado de meu estômago, a sensação de peso deixando-me gradualmente, não completamente, mas o pouco que se foi já me trouxe certa calma. 

Outro trovão explodiu e um grunhido de desaprovação escapou por entre os meus lábios. Ele riu ainda mais. 

— Pare de rir — pedi encabulada e contrariada.  

Ele enxugou os cantos dos olhos e esforçou-se para parar, rindo um pouco ainda, até parar completamente, mas ainda me olhava com divertimento. E eu tentei ignorá-lo, tentei ignorar seu corpo seminu.  

Caminhei na direção do micro-ondas e liguei-o para esquentar a comida que já estava lá dentro, o silêncio permaneceu intacto a não ser pelo barulho do aparelho em funcionamento. Eu ainda podia sentir a presença de Justin atrás de mim, seu cheiro de colônia masculina exalando por todo o ambiente e eu senti vontade de cheirar seu pescoço, de tocá-lo, de beijá-lo. De pedir desculpas por mais que eu soubesse que talvez aquilo não resolvesse nada, porque pedido de desculpa não conserta as coisas e devemos nos desculpar quando machucamos uma pessoa fisicamente e não quando ferimos os sentimentos dela. 

Despertei com a sequência de bips do micro-ondas e afastei os pensamentos, abrindo-o e pegando o prato com comida. Coloquei-o sobre a bancada, Justin ainda estava parado do outro lado, avaliando meus movimentos, e depois abri a geladeira para pegar uma garrafa de suco de laranja, e depois um copo, colocando-os em cima da bancada também. Toda aquela atenção do Justin começando a me encabular. 

— Obrigado — murmurei, apontando para o prato e ele apenas maneou a cabeça uma vez, numa mensagem de que eu não precisava agradecer. — Você quer? — indaguei enquanto enchia meu copo com suco, olhando-o de soslaio e ele negou com a cabeça. 

Aquele silêncio incômodo, com o olhar dele cravado em mim, durou mais tempo do que eu poderia suportar. Bebi o suco todo, intercalando meus olhos entre ele e o prato de comida em minha frente, com vergonha de começar a comer com ele me olhando daquele jeito. 

E então subitamente me lembrei que precisava de lençol. 

— Ahn — comecei, meio sem graça. — Você poderia me dizer onde posso encontrar lençóis limpos? Lá no quarto não tem nenhum... 

Ele arqueou levemente as sobrancelhas. 

—  O que aconteceu com o seu? — questionou e eu senti minhas bochechas esquentando, abaixei o rosto, tentando esconder o acanhamento. 

— É... Foi que... — enrolei-me toda e ele continuava me olhando. — Eu derrubei maquiagem — inventei uma desculpa impulsiva, ridícula, xingando-me mentalmente pois só se ele fosse bem idiota para acreditar naquilo. — Fui pegar uma coisa na minha bolsa de maquiagem e... E eu acabei derrubando um pouco de  — ao olhá-lo, ele me encarava atentamente — blush

Franzi minhas sobrancelhas levemente, segurando-me para não rir da imbecilidade de minha mentira. E o Justin analisou-me por um longo tempo, em seguida maneou a cabeça, como se tivesse acreditado e eu discretamente suspirei aliviada, tempo depois ele saiu da cozinha. 

Aproveitei-me de sua saída para colocar mais suco em meu copo, devolvendo a garrafa para a geladeira, e depois analisei a comida em meu prato; arroz refogado, frango empanado e salada de vagem. O cheiro tão delicioso que não pude resistir e peguei a cadeira do outro lado da bancada, sentando-me e começando a comer.  

Parecia que eu não comia há séculos, mas tinha plena certeza que a comida não estava tão gostosa só porque eu estava com tanta fome, mas sim porque Justin tinha mãos de fada quando se tratava de cozinha. Tão bonito e tão talentoso, pensei, admirada. Se as pessoas soubessem metade das coisas que ele sabia fazer, o quanto ele era bom em tudo, ficariam surpresas e talvez, se a hipocrisia deles não lhes fossem costuradas na carne, até mesmo deixariam de implicar tanto. Porque o Justin era um cara incrível, muito melhor do que muitos caras normais que haviam lá fora. E mesmo tendo provas concretas daquilo, eu nunca deixaria de me surpreender e venerá-lo. 

Eu estava quase terminando de comer quando ele voltou com um lençol azul-bebê limpinho, o cheiro do sabão em pó vindo longe, e bem dobrado. E ele colocou-o sobre a bancada, os olhos encarando-me no instante seguinte. Por estar com a boca cheia, lhe sorri minimamente em agradecimento. Em seguida, ele fez menção de que sairia da cozinha, mas retornou o único passo que deu e bateu três vezes com o dedo indicador no mármore, os olhos distantes, mas logo se arrastaram em minha direção. 

— Você é uma péssima mentirosa — ele disse e eu estreitei as sobrancelhas, sobressaltada. — Saiba que não me falar o que aconteceu com seu lençol apenas colabora para que minhas suspeitas atinjam níveis extremos —  ele prosseguiu, baixo, e eu engoli a comida de uma vez só, sem mastigar direito, sentindo-a quase rasgando minha garganta, depois ele saiu, deixando-me naquele estado. 

Peguei o copo de suco ao lado do prato e entornei-o todo em minha boca, tentando tirar a sensação de que havia alguma espécie de cola pegajosa em minha goela. Meu coração batendo forte contra o meu peito e tão rápido que me causava tontura. O que ele quis dizer com níveis extremosNão, pensei quando uma ideia surgiu em minha cabeça, sentindo-me enrubescendo, ele não pode ter pensado isso. 

Afastando as abstrações, voltei a comer o resto de comida que ainda restava e depois me levantei para lavar o que havia sujado. Dando um pulo quando uma sequência de trovão rugiu, enquanto eu secava minhas mãos no pano de prato, e eu o joguei sobre a bancada – pegando o lençol –, apressando meus passos para ir me trancar no quarto e me esconder em baixo do cobertor o mais rápido possível.  

Quando cheguei à sala, no entanto, o Justin estava lá, deitado no sofá assistindo tevê; os braços atrás da cabeça, os olhos fixos na tela diante dele. Passei por trás dele, tentando não chamar sua atenção e dei uma breve analisada na televisão; o filme estava em uma cena quente, o casal trocando beijos e carícias, as mãos do homem descendo pelos seios da mulher, e ao olhar para o Justin novamente, ele parecia hipnotizado com a cena. E eu teria prosseguido minha fuga com êxito se não tivesse tropeçado no primeiro degrau da escada e, quando outro trovão ressoou, caído de bunda no chão. 

Levantei-me tão depressa que até mesmo me surpreendi com minha agilidade e quando olhei na direção do Justin, ele estava terminando de se erguer, as sobrancelhas arqueadas. 

— Tudo bem? — questionou e era visível que não havia me visto estabanada no chão. 

— Não, erm... Sim — ri nervosa, sacudindo a mão. — ‘Tô legal, é só que... 

 — Você já vai dormir? — ele perguntou, me interrompendo, e eu não soube o que responder. — Estou sem sono — ele prosseguiu, passando a mão nos cabelos, bagunçando-os ainda mais. 

— Eu também — respondi automaticamente e ficamos nos encarando por um tempo.  

Ele levantou e caminhou em minha direção, a sala não estava tão iluminada, mas eu podia vê-lo, eu podia me perder nos detalhes dele. E era como se ele estivesse andando em câmera lenta, sua barriga e aquelas malditas ondulações que minha língua estremeciam só de imaginar arrastando-se por elas. Pare com isso, Savannah, ordenei estarrecida. 

— Então fica aqui comigo — sugeriu e sua voz saiu tão baixa que nem sei como consegui escutá-lo devido ao som da chuva batendo forte contra o telhado. — Podemos assistir filme. 

Eu pensei em mil desculpas para dar para ele, mas sabia que não conseguiria subir para o quarto, sem resquício de sono algum, e suportar saber que ele estava ali, acordado. Uma hora eu acabaria cedendo, então era melhor que fosse aceitando a proposta dele do que a negando para depois vergonhosamente voltar atrás. 

— Claro, ahn — ele pareceu contente com minha aceitação. — Só vou colocar o lençol — apontei para as escadas e ele assentiu. 

Dei alguns passos para trás ainda encarando ele, sorrindo envergonhada por ele estar encarando-me também, e me sobressaltei ao sentir o degrau tocando minha panturrilha. Abafei a risada e ele sorriu, parecíamos duas criancinhas, em parte duas crianças desconhecidas que na verdade queriam uma brincar uma com a outra, mas estavam envergonhadas. 

Depois de subir as escadas; colocar o lençol em minha cama, aproveitando para escovar os dentes e ajeitar meu cabelo. E antes mesmo de descer, eu já estava decidida a me desculpar pela besteira que havia feito, ainda que não consertasse nada. Porque ao menos aquela seria uma forma de demonstrar meu arrependimento, pelo menos eu estaria fazendo a minha parte, e o Justin aceitaria meu pedido se quisesse; eu esperava profundamente que ele aceitasse. 

A luz da sala estava ligada quando retornei e ele sentado no sofá, completamente largado. Quando pisei no primeiro degrau, seu olhar veio em minha direção e perdurou, enquanto eu descia; e só então me lembrei de meu short curto e sutilmente puxei a camisa um pouco para baixo. 

— E então — quebrei o silêncio, parando ao lado do sofá. — O que vamos assistir? 

— Pode escolher — ele respondeu, sacudindo os ombros, apontando na direção de uma pilha de DVDs que havia na parte de baixo de sua estante. 

Após revirar os olhos, por ele sequer ter se levantado, eu fui até lá e abaixei-me sem me agachar para dar uma analisada nos primeiros da pilha.  

— Você tem terror? — questionei, passeando por uma quase inacabável sequência de comédia romântica.  

— São quase os últimos — ele respondeu após um tempo e eu abaixei meu tronco ainda mais. 

— Justin, você podia me ajudar, né? — indaguei, soprando um fio de cabelo que se soltava em meu rosto e ele não disse nada, o silêncio total fazendo com que eu me inclinasse na direção dele e meus olhos arregalaram-se subitamente, minha bochecha ardendo violentamente, quando me deparei com o olhar dele na direção da minha bunda, completamente vidrados. — Justin! 

Ajeitei minha postura, virando-me na direção dele e ele sobressaltou-se, como um garotinho pego no ato, e sua expressão estava tão engraçada que eu quase gargalhei, mas me contive. As bochechas dele ficando adoravelmente vermelhas, uma risada encabulada sendo abafada por ele. 

— Encontrou alguma coisa? — questionou, forçando o ar de normalidade e eu revirei os olhos, maneando a cabeça negativamente. 

Em seguida, me virei na direção dos DVDs novamente, daquela vez sentando-me comportadamente no chão para procurar, puxando um dos últimos aleatoriamente. Encarando a capa e sorrindo animada. 

— Doce Vingança — mostrei para ele, com um sorriso de ponta a ponta e ele encarou-me surpreso. 

Levantei-me e caminhei em sua direção. 

— Acho que esse filme é pesado demais para uma garotinha como você — alfinetou provocante, e eu rolei os olhos novamente. 

— Você coloca — ordenei, sentando ao lado dele no sofá e jogando o DVD em seu colo. 

Ele grunhiu algo ininteligível antes de se levantar, preguiçosamente, e praticamente se arrastar até a estante.  

— Faz pipoca — sugeriu. 

— Estou com a barriga cheia.  

Eu estava analisando minhas unhas para não me perder em veneração ao corpo dele, as costas largas e as tatuagens, a bermuda tão baixa que mostrava quase toda sua cueca boxer preta. 

A bunda dele é maior que a minha, pensei e abafei uma risadinha. 

— Mas eu quero pipoca. 

— Então faça você — rebatei, arqueando uma sobrancelha quando ele virou para me encarar. 

— Quem diria com essa carinha de anjinho, mas no fundo é uma capetinha — ele disse, fingindo-se decepcionado e eu não pude evitar uma gargalhada. 

— Tudo bem — me rendi no instante seguinte, erguendo as mãos e batendo-as contra minhas coxas. — Não precisa ficar fazendo essa carinha do Gato de Botas. 

— Sempre funciona — respondeu, sorrindo enviesado, balançando os ombros e reprimi a vontade que me deu de lhe apertar as bochechas. 

Revirei os olhos pela milésima vez e depois corri até a cozinha, pegando um saco de pipoca no armário – que estava na parte de cima, porque o Justin adorava dificultar minha vida – e, depois de rasgar a embalagem, a coloquei dentro do micro-ondas e apertei o botão referente à pipoca. Fiquei esperando enquanto estourava, o cheirinho de manteiga exalando, e depois que terminou, levei-a no saco mesmo até a sala – ainda tive que retornar para pegar uma latinha de cerveja para o Justin, após ouvi-lo reclamar que eu sequer havia colocado a pipoca em um pote decente; ele conseguia ser extremamente abusado quando queria! 

Me sentei no sofá, o menu estava aparecendo na tela da tevê, e o Justin entregou-me o controle enquanto enchia a boca com pipoca, apertei o play bem depressa.  

Os primeiros minutos de filme se seguiram em completo silêncio, a chuva fraca permitindo que escutássemos as falas, e o Justin estava tão ocupado com sua pipoca e cerveja que na verdade pouco estava assistindo. Mas, assim que terminou, ele largou-se no sofá e começou a aparentemente prestar mais atenção – estava na cena em que aqueles homens nojentos invadiam a casa dela. 

No entanto, por mais que eu tentava assistir com total atenção, era difícil estar cem por cento focada com o Justin se mexendo sem parar ao meu lado. E então ele se levantou para pegar outra cerveja e demorou na cozinha e eu me deitei no sofá. Quando ele voltou, pediu para que eu lhe desse espaço e deitou-se do lado contrário ao meu; ignorando completamente a existência do outro sofá, nossas pernas se tocando e a sensação de estar o tocando tornando extremamente difícil a tarefa de me concentrar no filme. Até que, como se estivesse mesmo empenhado em me provocar, ele colocou a perna em cima de mim, entre as minhas e seu pé ficou em minha barriga. Não pude deixar de erguer a cabeça encará-lo e ele estava com o rosto inclinado, os olhos fixos na tevê como se não estivesse sacando o que estava fazendo e eu tentei ignorar também, movendo-me numa tentativa de lhe passar alguma mensagem, mas ele permaneceu do mesmo jeito.  

O início da vingança estava se iniciando quando me sentei e o Justin continuou deitado, com as pernas em cima de mim!, e naquele momento eu já estava pouco interessada em assistir o filme. De uma hora para outra um calor infernal se expandindo e discretamente puxei a gola de minha camisa, soprando dentro. 

— É muita sacanagem o que fizeram com ela — Justin disse, sem mais nem menos, e eu perdi certo tempo antes de respondê-lo: 

— Depois eles tiveram o que mereciam. 

Sorri cruelmente e o Justin olhou-me de soslaio, depois voltou a olhar para a tevê. Estava na parte em que ela joga passarinhos mortos na porta da casa – na verdade, um trailer – de um dos caras que a violentou, assim como ele havia feito com ela. 

— Não sei o que passa na cabeça de um cara desse — Justin disse, ele parecia um pouco distante. — Pegar uma garota a força — ele maneou a cabeça em sinal negativo. — É tão melhor com consentimento. 

Mantive meu olhar fixo na tevê apesar de sentir o olhar dele em minha direção e, por alguma razão, minhas bochechas esquentaram como se eu fosse uma menininha que nunca havia ouvido falar sobre – e principalmente feito  – sexo. 

A verdade é que alguma coisa na maneira como ele disse, ou talvez apenas por ter sido dito por ele, havia mexido comigo. E eu tentei ignorar aquilo ao extremo. 

Ficamos mais um tempo em silêncio e o Justin se levantou outra vez, indo até a cozinha e eu soltei o ar numa lufada. Calor dos infernos, pensei, inquieta. A chuva aparentemente já havia cessado e não havia mais raios e, graças a Deus, muito menos trovões. 

 Passei a mão em minha testa, que estava um pouco suada, e me abracei contra as minhas pernas no sofá, permanecendo de frente para tevê. Tempo depois Justin retornou com uma garrafa de cerveja e daquela vez trouxe uma de água para mim. 

— Obrigado — agradeci, quando ele a estendeu em minha direção e a abri assim que peguei, dando umas boas goladas. 

Pelo menos ajudou a me refrescar um pouco. 

Apesar do espaço no sofá, Justin sentou-se ao meu lado daquela vez, largando-se completamente na almofada – sua perna grudada na minha. E eu não estava mais aguentando o tédio e a inquietação quando senti o Justin deitando a cabeça em meu ombro, ele já havia secado sua terceira garrafa de cerveja, e meu corpo inteiro correspondeu à súbita aproximação dele. O filme rolava e eu sequer o assistia apesar de fitar a televisão.  

— Sav — meu apelido soou rouco e baixo em sua voz, da maneira mais sensual que eu me recordava de já tê-lo ouvido. — Estou me sentindo tão péssimo por ter brigado com você.  

— Eu também, Justin — murmurei de volta, mordendo meu lábio inferior em seguida e ele ergueu o rosto, apoiando o queixo em meu ombro, sua respiração batendo em minha orelha. O cheiro de cerveja misturado com o de sua colônia masculina estranhamente se tornando uma boa mistura. 

Em silêncio, ele afastou um fio de cabelo que grudava em meu pescoço e em seguida expirou próximo de minha pele, seu nariz tocando-me sorrateiramente e todos os poros de meu corpo se elevaram. 

— Eu sinto muito — titubeei após engolir seco. — Eu sinto muito, de verdade. Eu sei que pedir desculpa não é o suficiente, mas — limpei a garganta — me desculpe. 

— Para mim é o suficiente — ele respondeu contra a minha pele. — E eu aceito suas desculpas. 

Inconscientemente eu neguei com a cabeça. Pois, por mais que eu quisesse que ele me desculpasse, no fundo eu não me sentia digna. 

— Você tem que me desculpar de verdade, Justin — rebati, virando meu rosto um pouco para encará-lo e meu nariz raspou no dedo, ele afastou seu rosto o suficiente para poder me encarar nos olhos. 

— Estou desculpando — ele contestou, seriamente. — Estou sendo sincero, acredite em mim. 

— Eu acredito, me desculpe. 

— Me desculpe — ele disse, me surpreendendo. 

— Não se desculpe — pedi, torcendo minha expressão em desaprovação, voltando a olhar para frente. 

— Eu também errei — ele insistiu e eu neguei. — Se eu tivesse mantido a calma, talvez não tivéssemos chegado tão longe. 

— A culpa é só minha — acentuei e ele afastou ainda mais seu rosto do meu corpo. 

— Savannah — segurou meu queixo com ternura, virando meu rosto em sua direção. — Não importa — assegurou, fitando-me no fundo dos olhos. — Agora não importa mais. Eu só não quero que as coisas fiquem estranhas entre nós. 

— Também não quero. 

— Então — ele soprou em meu rosto —, me desculpa também. 

— Eu desculpo, mas... Mas talvez eu devesse ir embora — falei, sem mais e nem menos, sem pensar. — Eu já ocupei você demais e estou indo bem na biblioteca, acho que já posso procurar alguma casa de aluguel e... 

Ele se aproximou outra vez e eu automaticamente me calei, sua cabeça balançando freneticamente em sinal negativo. 

— Não vai embora — pediu, praticamente implorou. — Eu estou tão acostumado com você aqui, Savannah, antes eu... eu me sentia tão sozinho... e eu... eu não quero mais me sentir sozinho. 

Senti meus olhos arderem após digerir suas palavras, a tristeza e o medo nítidos em suas feições e ele parecia um garotinho em pânico, atormentado por seus piores pesadelos e com extremo medo de ser abandonado. Todo aquele conjunto machucando-me como se um punho apertado estivesse engolindo meu coração, massacrando-o. 

— Eu só trago dores de cabeça para você, eu trago dores de cabeça para todas as pessoas — retruquei, sentindo as lágrimas escorrerem por meu rosto.  

— Você não traz dores de cabeça para mim — discordou, franzindo a testa —, você é a melhor coisa que eu tenho. 

A vontade de chorar triplicou e eu abaixei meu rosto, mexendo em meus dedos numa tentativa de extravasar aquela tensão. Eu acreditava nele, acreditava tanto que aquilo me dava medo e eu sabia que aquelas palavras eram sinceras, sabia que cada palavra que saía da boca dele era... Mas, ao mesmo tempo em que aquilo me enchia de contentamento, igualmente me enchia de dúvidas. 

— As coisas que eu disse — choraminguei, sacudindo a cabeça. — Por que você não está bravo comigo? Você deveria estar. 

— Não, Savannah, por Deus, por que eu deveria? — ele disse sem hesitação. — Para ser honesto, nem mesmo consigo sentir raiva de você, nem se eu quisesse mais do que tudo eu conseguiria. E isso é tão louco, Savannah. Isso é louco até mesmo para mim — ele riu e eu quis lhe dizer que não gostava quando ele fazia aquele tipo de referência a si mesmo.  

— Eu não mereço que você seja assim comigo — resmunguei, enxugando uma lágrima que desceu e o Justin ergueu meu rosto novamente, nossos olhares se conectando. 

— Se lhe serve de estranho consolo eu ainda estar chateado, saiba que estou, mas eu entendo você. Afinal de contas, eu pedi sua ajuda com a Melanie e eu — pausou, a expressão em seu rosto expondo que ele procurava as palavras certas. — Eu sinto muito se baguncei sua cabeça. As conclusões que as pessoas tiraram foram erradas, mas eram só as que elas podiam ter alcançado devido às minhas atitudes, mas a realidade é que desde o início — ele puxou uma de minhas mãos, fazendo-me parar de mexê-las freneticamente e entrelaçou seus dedos aos meus, cada membro do meu corpo se aquecendo. — Desde o início eu senti uma coisa inexplicável em relação a você, Savannah. No entanto, achei que estava querendo mais do que eu merecia, entende? E eu não compreendia, eu me cegava demais movido por crenças que eu carregava há três anos só pra no final descobrir que eu estava completamente errado, por puro medo — sacudiu a cabeça em negação. — Me desculpe.  

Com a mão livre toquei seu rosto e ele suspirou, aproximei-me mais e ele fez um gesto para que eu esperasse. 

 — Com a Melanie — voltou a dizer — foi uma questão de narcisismo, eu havia a visto em um momento em que era privado de tudo e por mais que eu tentasse negar isso, na verdade eu queria fazer parte do mundo lá fora. E quando a vi pela primeira vez era como se eu tivesse encontrado a chave que abriria a porta para que eu fizesse parte da sociedade que hoje tanto renego — as sobrancelhas dele estavam estreitas, um riso reprovador escapando, nervoso. — Steve havia me dito que ela era demais para mim, que não fazia parte do meu mundo, e isso me deixou revoltado, me fez querer mostrar que eu podia fazer parte daquele mundo também. Mas com você... Com você foi completamente diferente. Porque ninguém precisou me dizer que você era boa demais para mim, porque eu já sabia. Não precisaram me dizer que eu não fazia parte do seu mundo, porque você sempre esteve no topo do seu próprio mundo e por isso me parecia tão inalcançável. E com o tempo eu fui apreciando isso — instintivamente apertei a mão dele, meus batimentos tornando-se impossivelmente mais acelerados. — Porque sua determinação torna você ainda mais atraente do que toda essa sua beleza — ele tocou meu rosto com a mão livre e eu me senti enrubescendo — e você começou a me fazer querer ter meu próprio mundo também. Desde o início você se demonstrou empenhada em me fazer acreditar em mim mesmo e aceitar quem eu era ao invés de querer simplesmente me misturar e ocultar meu passado. Você faz com que eu queira me destacar por ser diferente e não por ser igual a todo mundo. E então ter a Melanie no contexto já não fazia mais sentido algum, porque eu não queria mais o mundo lá de fora, eu não queria mais o mundo dela, eu queria um mundo semelhante ao seu. Eu queria poder estar no topo do mundo para poder me igualar a você, para ficarmos no mesmo nível e assim você estaria mais ao meu alcance. 

Senti uma lágrima escorrendo por meu rosto e então outra e outra e outra. E o Justin as enxugou, aproximando seu rosto do meu, tocando os nossos narizes, em seguida seus lábios passearam pelas trilhas que as lágrimas faziam, limpando-as e ele beijou meus olhos. 

— Me desculpe se fiz parecer que não confio em você — sussurrei e ele selou meus lábios aos seus, rapidamente, mas minha boca continuou quente depois que a dele se afastou 

— Me desculpe ter comparado você com os idiotas da cidade, eu... — coloquei meu indicador em seus lábios quando ele encostou sua testa na minha. Porque, naquele momento, nada daquilo realmente importava. — Sav, você não é minha válvula de escape — eu sorri em meio a mais lágrimas, pois naquele momento tinha plena certeza daquilo e nada mais me faria acreditar no contrário. — E eu não sabia o que era viver até você aparecer. Você é a minha vida agora. 

E eu senti o iceberg que havia se formado ao redor do meu coração derretendo-se completamente, a declaração de Justin aquecendo-o como ele nunca havia sido aquecido antes. Afinal de contas, significar a vida para alguém era infinitamente maior do que qualquer outro sentimento, era algo extremamente abrangente e sublime. E eu me senti tão feliz, com aquela descoberta que era como se fogos de artifícios estivessem prestes a rasgar minha carne e explodirem.  

E eu não lhe disse nada não porque não houvesse um amontoado de coisas que eu quisesse poder lhe dizer, mas porque naquele instante apenas uma coisa pairava em minha cabeça e, deixando-me vencer pela ausência de palavras, me inclinei em sua direção e juntei nossas bocas. Todas as típicas sensações soterrando-me de uma só vez. Perdendo-me no que eu tanto ansiava desde o princípio, deixando para trás todas as coisas ruins e todas as perturbações, todos os pensamentos e opiniões contraproducentes. Porque tudo o que eu mais queria estava diante de mim e eu lhe beijava da maneira mais apaixonada que já havia me concedido a alguém, tentando marcá-lo de alguma maneira – tentando me marcar –, tentando fazê-lo enxergar o que infelizmente eu não tinha estruturas para lhe dizer em palavras naquele momento. Pois eu apenas queria que ele percebesse que eu era mais dele do que ele poderia imaginar – mais do que eu mesma pudesse imaginar pertencer a alguém –, e que desde o início eu fui e que, não importa o acontecesse, eu sempre seria. 

Cedi quando ele puxou-me, em um pedido mudo para que eu me sentasse em seu colo, e assim o fiz, encaixando-me com uma perna de cada lado do corpo dele e ele espalmou as mãos em minhas coxas; nossas bocas se devorando, nossas línguas se acariciando. Deslizei minhas mãos pelos ombros dele, passeando-as por todas as partes alcançáveis de seu corpo; dando total devoção ao peitoral e abdômen. Rebolando maquinalmente no colo dele, os braços dele enlaçando-me pela cintura e puxando-me para mais perto, sentando-me em sua ereção e gememos em uníssono. Em seguida, segurei a nuca dele, beijando-o com mais avidez, escorregando meus dedos por entre seus fios de cabelo, puxando-os. Nossas cabeças girando sincronicamente de um lado para o outro, devagar, nossos lábios se encaixando, daquela maneira que me fazia crer que eram feitos exclusivamente para se unirem, e minha reação tornando-se cada vez mais selvagem conforme ele sugava minha língua com pressão sempre que eu a introduzia dentro de sua boca.  

Prendi o lábio inferior dele entre meus dentes e deslizei-o, aproveitando do espaço para puxar um pouco de oxigênio, antes sugá-lo e depois voltar a beijá-lo com euforia. Meu corpo oscilando quando senti a mão dele invadindo minha camisa – dedilhando minha barriga que automaticamente se contraiu e em seguida as minhas costelas – e ele estava prestes a tocar meus seios, que estavam desnudos – e aos quais eu queria, e muito, que ele tocasse –, quando uma luz vermelha pareceu piscar diante dos meus olhos e então subitamente me lembrei que estava em meu meus dias.  

Puta merda, praticamente gritei mentalmente, em desespero. Repentinamente tirando a mão do Justin de dentro da minha blusa e impulsionando meu corpo para trás, mas ele puxou-me ainda mais para frente – meu corpo ficando completamente grudado no dele, a ereção dele tocando uma de minhas nádegas e eu senti meu rosto ardendo, a excitação aumentando.  

Nossos lábios se afastaram. Nossas respirações fortes repercutindo no ambiente. Abaixei meu rosto para apoiar minha testa na dele. 

— Podemos ir com calma, não podemos? — perguntei aquilo porque não fazia à mínima ideia de como poderia lhe dizer o real motivo por eu tê-lo parado naquele momento, caso contrário, por Deus, teríamos ido longe ali mesmo. E eu pouco me incomodaria.

— Se você não me beijar assim de novo, acho que sim — ele brincou e eu ri, em seguida grudei nossos lábios momentaneamente. 

— Obrigado por entender — falei, meio sem graça após me afastar, passando o indicador na tatuagem de cruz que ele tinha no meio do peito.  

Justin segurou minha mão e levou-a até sua boca, beijando meus dedos. 

— Eu nunca forçaria você a nada — assegurou, tocando meu rosto carinhosamente.  

Depositei uma sequência de beijos nos lábios dele e depois rimos ao mesmo tempo. E ele me beijou. 

— Isso parece sonho — murmurei, segurando os lados do rosto dele, meu polegar acariciando a bochecha dele. Os olhos dele ainda fechados e os meus abertos, perdidos na beleza de cada detalhe em seu rosto. — Há tanto tempo eu esperei por isso. 

As sobrancelhas dele se estreitaram. 

— Quanto tempo? — perguntou, abrindo os olhos, suas íris cor de mel, naquela proximidade, ainda mais fascinantes e hipnotizantes.  

— Quando eu invadi sua casa — comecei, contornando o nariz dele com a ponta do dedo e depois as sobrancelhas, acompanhando os movimentos com os olhos, sentindo-me nervosa e inquieta — e vi você dormindo — mirei os olhos dele que me encaravam atentamente — eu fiquei fascinada por voce e eu não conseguia parar de pensar nisso. Eu — umedeci meus lábios, a verdade era que sempre fui péssima em descrever a maneira como eu me sentia. — Eu só conseguia pensar em você. Depois, quando nos encontramos de novo, me ofereci para te ajudar com a Melanie, porque eu queria ficar mais perto. E eu não admitia para mim mesma, por medo. Preferia continuar pensando que eu só queria ajudar você, mas na verdade eu estava tão atraída... E eu temia que você não se sentisse assim também, mas em alguns momentos eu ficava tão confusa com algumas atitudes suas e... eu sabia que existia alguma coisa... que ainda existe — franzi meus lábios, confusa com as minhas próprias palavras. — Isso está fazendo algum sentido para você? 

Encarei-o e ele assentiu com a cabeça lentamente. 

— Você não precisa mais tentar explicar — murmurou, tocando o meu rosto, um sorriso delineando seus lábios. — Eu posso entender agora. Eu posso ver. 

— Eu quis você desde o primeiro momento — toquei o lábio inferior dele com o polegar. — Justin — arfei, comprimindo minha boca —, era tão terrível ver você com ela... 

Ele colocou o indicador contra os meus lábios, grunhindo um "shhh" bem baixinho. 

— Você me tem agora — ele ofegou e eu ergui meus olhos até encontrar os dele. — E enquanto você me quiser, eu serei apenas seu. 

Ele acariciou meus lábios e depois o meu queixo. Eu sorri, sentindo meus olhos esquentando, meu rosto queimando. 

— Também serei apenas sua — murmurei de volta e ele sorriu lindamente, afastando os fios de cabelo do meu rosto e beijando-me no instante seguinte, lenta e intensamente, até todo o nosso ar se esvair outra vez. 

Ficamos em silêncio depois de afastarmos nossos lábios, nossos rostos próximos e nossos olhares conectados. O contentamento era tão grande que nem precisávamos nos comunicar para sabermos o que estávamos sentido, porque compartilhávamos um sentimento semelhante. Estávamos pela primeira vez realmente no mesmo nível, os dois no topo do próprio mundo, e ao alcance um do outro. 

— Perdemos grande parte do filme — ele deu fim ao silêncio, abafando a risada e automaticamente repeti seu gesto. — O final é a melhor, ainda quer assistir? 

Assenti inconscientemente e o Justin me tirou de seu colo, me deitou no sofá, deitando-se em cima de mim e me beijou outra vez, sua mão acariciando a lateral de minha perna. Depois se ajeitou e deitou em meu peito, seu braço transpassado em minha barriga, segurando minha cintura, e meu braço atrás de sua cabeça. Um sorriso de ponta a ponta preso em meus lábios.  

Voltamos a assistir ao filme daquela maneira; enquanto eu mexia no cabelo dele e vez ou outra ele fazia círculos com seu polegar no osso saliente do meu quadril. E estava na última vingança, e última cena do filme, quando o sono atingiu-me com força – Justin estava tão quieto que presumi que já estivesse dormindo. Logo, igualmente me entreguei ao cansaço, apagando sem ao menos conseguir lutar contra o sono por mais tempo. 


Notas Finais


Oi paranoicas, vocês ainda estão aqui? Quanto tempo, né? 8 meses depois da última atualização de Paranoid e dois meses depois do aviso que deixei, eu finalmente consegui voltar a escrever. Estava eu lendo Carrie A Estranha hoje à tarde e então do nada Paranoid me veio à cabeça e decidi tentar escrever, depois que consegui um parágrafo os outros foram fichinhas, graças a Deus (na verdade, as ideias já estavam na cabeça, eu só estava com extrema dificuldade para descrevê-las). Sei que levou muito tempo e lhes digo que sinto muitíssimo por isso, já era para eu ter terminado a fanfic se não tivesse uma cabeça, e uma vida, tão cheia de problemas. Mas enfim, agora a criatividade parece ter voltado com tudo, porém estou postando esse capítulo gigante porque eu não sei quando vou estar postando novamente (e também para recompensar toda a demora), mas fiquem calmas porque voltei mesmo, e espero que seja de vez! Me desculpo com vocês outra vez e peço para que tenham paciência com essa pobre criaturinha aqui, eu mesma!, porque de uma maneira ou de outra Paranoid vai ser finalizada! E tenho planos para que seja o mais breve possível! Então rezem para minha criatividade colaborar e para o bloqueio literário parar de me fazer de vítima HAHAHA. Enfim, é isso aí. Não tenho muito o que dizer, as desculpas e as explicações deixei no aviso, então só espero que gostem desse capítulo (eu particularmente adorei, principalmente o finalzinho) e nos vemos nos próximos. Juro de dedinho que vou tentar não demorar, vou aproveitar a bênção e já começar a escrever. Então, é isso paranoicas, mil beijinhos pra vocês e inté! ;* ♥
(ps: agradeço a todos que comentou no aviso, porque o apoio de vocês me ajudou bastante, obrigado pela compreensão.)


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