1. Spirit Fanfics >
  2. Paredes Finas >
  3. De Iron Maiden à Vanessa Carlton (Gilbert)

História Paredes Finas - De Iron Maiden à Vanessa Carlton (Gilbert)


Escrita por: xNessan

Notas do Autor


Gente desculpa!!! Eu esqueci que eu tava postando essa fic nesse site e só deixei no outro site. Mas eu vou postar os capítulos aqui sim, não se preocupem (se é que tem alguém lendo....)

Capítulo 2 - De Iron Maiden à Vanessa Carlton (Gilbert)


Fanfic / Fanfiction Paredes Finas - De Iron Maiden à Vanessa Carlton (Gilbert)

Aquela noite eu deveria me dar bem. Mas assim que eu comecei a ouvir o barulhento Opus 25 no. 11 in A menor, a Winter Wind Etude, soprando mesmo como um vento de inverno insuportavelmente em meus ouvidos foi aí que eu pensei “É... não vai rolar”.

Bem, eu tinha que dizer que eu simplesmente não conseguia manter meus beijos animados com Bella – é, eu sabia o nome dela – com o Chopin furioso saindo do piano do meu vizinho. Não, pior, o meu vizinho era o Roderich. Sim, o mesmo Roderich do ensino médio. Aquele maldito aristocrata arrumadinho com uma inexplicável frescura para qualquer coisa e gosto refinado como um maldito ricaço metido, que namorou por um ano a minha melhor amiga e também quem era dono dos olhos cor de violeta mais incríveis que eu já tinha visto.

Isso mesmo, Roderich Edelstein. O pianista que me dava o grande prazer de arrancar as mais divertidas expressões quando eu o importunava. Kesesese, bons tempos de ensino médio.

Eu estaria mentido se dissesse que esperava encontra-lo aqui depois desses dois anos. Mas devo dizer que me senti um tanto ofendido quando bati à sua porta e ele não me reconheceu de primeira. Qual é! Eu sou o incrível e lendário Gilbert Beilschmidt, um mito da Academia W, as pessoas se lembravam de mim, e não eu delas! Mesmo que o jovem aristocrata, desde que eu me lembre, fosse um tanto... avoado. Ah, sinceramente! Quer que eu diga? Roderich era um desastre! Apesar de toda a frescurite dele de alguma forma o maldito jovem mestre sempre conseguia que as pessoas fizessem as coisas para ele, fosse carregar uma pilha de cadernos, ou limpar o quadro negro, ou mesmo para encobri-lo dos seus falsos mal-estar para fugir das aulas de educação física. Não sabia nem como ele conseguia estar morando sozinho! Apesar daquela obsessão em ter tudo arrumadinho e com aparência cara e luxuosa ele era completamente estabanado e desorganizado. O quatro-olhos conseguia se perder nos corredores da própria escola. Hunf. Eu sabia muito bem o tipo de pessoa que Roderich era, e ele era um sedutor, isso era verdade!

Bem, não o tipo de sedutor como eu afinal eu sou incrível e não há de existir alguém como eu, até porque homens e mulheres caem aos meus pés implorando para sentir os meus maravilhosos cinco metros! KESESESE!

Mas ele era o tipo de sedutor que fazia as pessoas sempre obedecê-lo porque “ohh olha como eu sou um aristocrata fraco e delicado, não consigo fazer as coisas por mim mesmo, tenham pena de mim por favor! Meus olhos são tão lindos e meu palavreado tão educadinho que todos terão pena de mim!”. Faça-me o favor. Como se ninguém nunca tivesse enxergado por detrás das intenções malignas dele. Mas eu vi porque eu sou demais e deveria ganhar um prêmio por isso. Há! Roderich era um demônio encarnado na forma de nobre do século XXI. E mesmo que as meninas – idiotas como a Elizaveta – o achassem um príncipe e os caras o achassem um delicioso pedaço de torta em forma de homem  – prestem atenção, não é o que eu acho! – eu saberia que por detrás daquelas lentes escondia um cara mesquinho, esnobe, mão-de-vaca, inútil e avoado aristocrata que só estava esperando para devorar nossas vidas!

Sim, era o que eu achava do Rod, ele não me enfeitiçava.

Encontrá-lo tão casualmente depois de tanto tempo foi um tanto esquisito. Nós não mantemos o mísero de contato após formatura, principalmente depois da comoção que aconteceu quando ele encontrou a Liz e eu num café alguns dias depois. Bem, eu não culpo o cara, eu meio que fui bastante peste no ensino médio. Mas saber que ele não queria me ver – e que ainda não parecia nada contente com a minha presença – me fez me sentir, bem, sei lá, rejeitado.

Mas não é como se eu me importasse, não é mesmo? KESESESE. Aliás quanto mais o aristocratazinho não viesse se meter comigo melhor porque daí eu não teria que obrigatoriamente fazer da vida dele um inferno!

Só que o que parecia estar acontecendo era exatamente o contrário. Pro inferno que o apartamento dele tenha isolamento acústico! Desde que eu consigo me lembrar os meus ouvidos são sensíveis, principalmente para música. Era como se fosse tipo um super poder. Eu escutava a música de forma mais apurada que o normal, e ela saía de meus dedos de forma quase perfeita se eu quisesse reproduzi-la no piano. O meu pai bem que tentou desenvolver esse meu super poder quando eu era criança mas acabou não dando certo e eu não segui com a música. Afinal, é um super poder incrível e somente a minha existência já é uma grande desvantagem para toda a humanidade, logo eu não poderia deixar que um ser humano tão perfeito quanto eu existisse, pois ninguém é perfeito e eu precisava dar o mínimo de chance para os pobres mortais deste mundo!

(Ou também porque as aulas de piano eram super chatas)

E agora, por causa da sua maldita música, aristocrata, eu simplesmente não conseguia prosseguir com a tarefa de agarrar a menina, que inclusive já tinha se levantado do sofá onde estava e começou a mexer distraidamente no celular.

- Ei, Bella! O que que foi?

- Acho que você não tá nem um pouco interessado. – ela comentou de forma distraída sem tirar os olhos da tela de celular. – Não tem problema já que eu também não estou mais muito interessada.

Eu grunhi, não conseguindo contra-argumentar já que ela estava certa, mas tampouco queria admitir que havia perdido interesse em... Bem, em sexo.

- Arg. Foi mal aí, sério. Eu comecei a ouvir a música dele e pá, lá se foi o clima. – reclamei, coçando a minha cabeça. Roderich estava tocando de novo a mesma música. Céus, será que ele não cansava? – Eu posso te levar para casa, pelo menos.

- De quê? De metrô? No carro que você vendeu pra alugar esse apartamento? Não, obrigada. Eu já chamei pelo meu irmão quando você se distraiu com o seu vizinho bonitinho. Não se preocupe, ele já deve estar chegando. – ela disse distraidamente enquanto recompunha os cabelos na frente do espelho.

Bufei, um tanto irritado com Bella. Então ela já sabia que não ia rolar nada. Ah, que legal. Fico imaginando se eu tivesse simplesmente ignorado o Rod e mandado ver. Quando o irmão dela chegasse, aquele armário assustador, e me visse dando uns pegas na preciosa e pura irmãzinha dele eu estaria com a garganta cortada, literalmente. E além do mais, vizinho bonitinho? Desde quando o Rod era bonitinho, além de ser um aristocrata mesquinho, controlador, esnobe, sedutor e...

Ouvi o toque do celular emitindo uma música pop chatinha qualquer, o que obviamente não era o meu. Bella atendeu na mesma hora, e depois de trocar uma par de palavras ela se virou pra mim e voltou se aproximar, dando um beijo estalado na minha bochecha.

- Tchau, Gilbert. Boa sorte com o lindinho da casa ao lado.

E dizendo isso ela se foi, me deixando bem estarrecido e com um mal humor crescente. Desistindo de ficar irritado com o sonzinho do piano na casa ao lado, liguei numa playlist no meu ipod e pus Iron Maiden para tocar e me distrair da casa ao lado.

 

.x.

 

Nada desse mundo conseguia me distrair da música do aristocrata no apartamento ao lado. Estava me enlouquecendo.  Quero dizer, como alguém conseguia tocar tanto Chopin sem sem cansar? Já fazia três dias. Credo. E aparentemente os nossos horários de estar em casa batiam perfeitamente. Eu sempre o encontrava de manhã cedo indo para faculdade e na hora de voltar. Poderia ser uma incrível coincidência do destino mas nesse momento estava sendo era bem inconveniente.

Hoje ouvia uma canção diferente. La Campanella, de Liszt, um Etude da composição para violino de Paganini, onde os sons que deveriam soar como sinos martelavam na minha cabeça o que tornava absolutamente impossível de se fazer um cálculo de integral. Era óbvio que ele estava treinando, pela repetição infinita de alguns trechos. O que era, bem, normal para um estudante de piano mas o que eu tinha a ver com isso? Por que eu tinha que ficar ouvindo aquilo o tempo inteiro? E a cada maldita repetição eu me lembrava de quando eu era obrigado a fazer aulas de piano e tinha que repetir até acertar cada tecla. Arg, era um pesadelo. E o meu adorado Roderich estava me ajudando a lembrar desses tempos. Puff.

Até eu não aguentar mais e decidir que eu não estava afim de ouvi-lo mais treinando. Peguei a minha incrível pessoa e me dirigi até a porta do vizinho. Bati três vezes. Pouco tempo depois fui recebido por um Roderich furioso.

- O que é que você quer?

- Boa noite, vizinho! Boa pergunta, na verdade eu queria uma xícara de farinha.

Ele fez uma cara impagável estreitando as sobrancelhas por de trás das lentes dos óculos, tentando entender se aquilo era uma piada ou não.

- Você realmente quer...?

- Claro que não. - revirei os olhos - Pelo amor de Deus, aristocrata! Não já chega de tocar por hoje?

Ele abriu a boca várias vezes, estupefato.

- Você veio ao meu apartamento, no meio do meio treino, para me pedir para que eu pare de treinar?

Olha, agora que ele punha em palavras parecia realmente um pouco absurdo. Quero dizer, eu poderia simplesmente ter saído do meu apartamento e ido pra rua pra sei lá, zoar, beber, infernizar os parceiros, tomar um rumo, mas nãoooo, eu quis ir bater na casa do jovem mestre para interrompê-lo. Mesmo que tenha me infernizado por muito tempo, que culpa ele tinha que meus ouvidos eram sensíveis? Digo, as paredes do prédio não eram finas e ele mesmo havia dito que usava isolantes acústicos para não incomodar os vizinhos, o caso era que eu era o mutante com super poderes pra música. Do que eu poderia reclamar?

Mas é claro que eu não ia dar o braço a torcer.

- ... É.

- Beilschmidt... - ele começou, com os dedos massageando o meio da testa, sinal de impaciência.

- Gilbert. - corrigi.

- Gilbert. - ele falou, me dando um arrepio estranho ouvi-lo tão raramente pronunciar o meu primeiro nome. - Eu gostaria de lhe dizer o quanto você soa incoerente no exato momento, e o quanto eu estou me controlando para não perder a compostura tamanho é a minha impaciência. E - ele acrescentou, estreitando os olhos e fazendo um bico e que se ele não fosse Roderich Edelstein teria sido bem beijável - Acho que nós dois concordamos que você não está sendo muito razoável.

Ele cruzou os braços, e eu quase fiquei constrangido. Mas é claro que o grande e benevolente Gilbert Beilschmidt não fica constrangido ou arrependido do seu comportamento! Eu sorri de lado, tentando pensar numa forma de contornar a situação. Porque de alguma forma parecia que eu só vim aqui realmente para importuná-lo, apesar do piano realmente já ter me enchido o saco. Eu só queria um descanso, mas por outro lado eu não estava sendo muito justo também e...

Eu tive uma ideia.

- Jovem mestre?

Ele soltou um profundo suspiro antes de me responder.

- Eu estou lhe ouvindo.

- Fique aí! –eu disse num tom de urgência que pareceu assustá-lo.

-... Como?

- Fique parado aí na porta! Eu já volto. Não se mexa!

Corri para o meu apartamento, olhando para trás para me certificar que o jovem mestre não sairia do lugar. Corri até a geladeira e apanhei um engradado inteiro de cerveja, deixando a geladeira praticamente vazia, já que não tinha mais nada lá além de um pedaço de pizza, linguiças congeladas e uma garrafa de vodca para ocasiões especiais. Kesesese, eu sou genial! O mundo deveria se jogar aos meus pés pelo simples fato da minha gloriosa existência! Se eu não conseguia fazer Roderich parar de tocar por vontade própria, por que não distraí-lo? Voltei para o corredor, sorrindo comigo mesmo por toda a minha genialidade e Rod ainda estava lá me esperando. Acabei soltando uma risada.

- Eu sabia que me esperaria, jovem mestre.

- Afinal, o que é que você quer? – ele perguntou já mostrando o quanto estava impaciente.

- Na minha casa ou na sua? – perguntei, me regozijando da sua expressão confusa e constrangida antes de eu mostrar as cervejas – Acho que você tá precisando dar um tempo.

- Obrigado, mas eu recuso.

- Ahh, qual é, aristocrata? Não somos antigos colegas de classe e ainda não tivemos um tempo de bater um papo. Sabe como é, relembrar o passado, nos atualizar sobre a vida... - eu insisti, abrindo o melhor sorriso que eu podia.

- Eu, se puder, prefiro não relembrar o passado.

- Então simplesmente podemos jogar conversa fora! – eu continuei, com um medo subindo pela garganta de ser rejeitado - Qual foi, Rod? Que seja uma horinha só!

Ele suspirou pela milésima vez em dez minutos de conversa comigo. O seu corpo parecia tenso. E eu pude ver pela forma que suas costas estavam arqueados e os seus olhos vermelhos que ele precisava mesmo de uma pausa. Sorri, me adiantando, já sabendo que ele iria ceder.

- Tudo bem. Pode entrar, se quiser. – ele disse de forma cansada, abrindo a porta do seu apartamento para a minha passagem.

Ah, eu sou mesmo incrível.

Eu entrei novamente no apartamento do Rod. E devo dizer que fiquei impressionado de novo? Era tudo tão perfeitamente arrumado, limpo, e organizado, com uma aparência clássica e um tanto antiga pra uma pessoa da nossa idade (o meu sofá vermelho era muito mais legal que o apartamento dele inteiro). O piano de cauda ficava num canto bem planejado. Apesar de tudo não havia muitos móveis (talvez para propagar melhor o som do instrumento), mas havia TV e rádio e até uma pilha de cds e dvds numa pequena estante da asla.

Cheguei sentando no sofá sem pedir permissão, afinal eu já havia sido convidado de qualquer forma mesmo. O jovem mestre se retirou por alguns instante na cozinha, e voltou com uma tigela de batatas chips e a deixou em cima da mesa – provavelmente para agradar a “visita", no caso a minha incrível pessoa. Aquilo devia ser o único junk food da casa inteira, considerando o quanto ele era magro. Fala sério, o aristocrata tinha cara de que só comia peixes caros ou até mesmo devia ser vegetariano, seguindo a nova moda da galera metida a rica a certinha.

Se bem que havia alguma coisa relacionado a comida que eu sabia que sabia sobre o Rod mas não conseguia me lembrar...

Deixei pra lá e meti um punhado de batatas na boca.

- E então...? – ele começou.

Peguei uma das garrafas e dei para ele, abrindo logo uma para mim e tomando um gole refrescante. Naquele momento, Roderich fez uma cara tão engraçada que eu saquei no mesmo momento qual era o problema. Sem pedir permissão, voltei a me aproximar dele e abri a tampinha da garrafa na maior facilidade. Na mesma hora ele aliviou a expressão descontente e murmurou um agradecimento antes de leva-la a boca. É claro que o aristocrata não ia querer usar as suas habilidosas e macias mãos para uma coisa tão vil quanto abrir uma garrafa de cerveja.

(Habilidosas e macias, é?)

Pigarreei.

- E então? Como anda a vida? – perguntei tentando quebrar o silêncio que se formou.

- Jura que é assim que você pretende iniciar um diálogo? – eu o vi revirar o olhos – Achei que fosse mais criativo.

Ugh, essa doeu no meu ego.

- Tudo bem, então eu começo! Bem, quando eu me formei na Academia W ao invés de ir direto para a faculdade eu peguei o dinheiro que meu velho avô me deu de presente e comprei um carro, chamei Antonio e Francis e resolvemos rodar um pouco pela Europa. Foi divertido, visitamos de Portugal até Bulgária e passamos um ano nessa vida de estrada e mochileiro. Mas em breve o dever começou a chamar: Francis recebeu uma proposta para trabalhar em uma confeitaria aqui mesmo em Viena antes que ele pudesse voltar para a França cursar gastronomia, e Antonio decidiu que por algum motivo ele iria continuar por aqui mesmo e decidiu estudar artes cênicas por aqui.

- Carriedo então ainda mora aqui? – eu vi uma vermelhidão se formar no rosto dele e arqueei uma sobrancelha, curioso por vê-lo subitamente desconfortável.

- É, afinal nós três ficamos por aqui mesmo. – eu olhei ainda desconfiado, já indo lhe perguntar o que parecia o incomodar.

- E então como você veio parar aqui? – ele se adiantou e meu peito inflou ao voltar falar de mim.

- Então! Eu finalmente decidi que engenharia seria a coisa mais legal a se fazer, desde que eu me dava bem com números. Keseseses. Acabamos voltando e ingressamos na Universidade de Viena. O plano inicial era dividir um apartamento com eles no alojamento estudantil, mas daí o meu irmão teve a ideia de irmos para juntos e...

- O quê? – ele perguntou, quase cuspindo o gole que tinha acabado de dar. – Você mora com o seu irmão? Mas eu nunca o vi!

- Então, meu amigo aristocrata, eu já ia lhe dizer que o plano era eu e meu adorado irmão Ludwig irmos morar juntos, porém surgiu a oportunidade para ele fazer um intercâmbio na Itália. E aí ele me trocou! Trocou pelo país dos macarrões! – eu suspirei teatralmente, no que ele revirou os olhos mesmo sabendo se tratar de uma brincadeira – Enfim, o Lud prometeu continuar ajudando com o aluguel então por enquanto eu tenho o espaço toooodo para mim e pela metade do preço! KESESESESE.

- Você soa como um mercenário. – Rod respondeu, com um fino sorriso estampado no rosto demonstrando um raro momento de bom humor, o que me deixou de alguma forma lisonjeado. A cerveja estava mesmo funcionando, heh. Ponto pra mim!

- Pode até ser, mas Ludwig arranjou um trabalho num restaurante do amigo dele na Itália, não tenho muito com o que me preocupar. – dei de ombros, distraído.

- Só o fato que você também precisa de um emprego.

- Hey! – respondi, levemente ofendido – Eu vou arranjar um, tá legal? Por enquanto o dinheiro da venda do meu carro dá pro gasto. – eu suspirei, saudoso – A minha querida Rose, que saudade...

Ele balançou a cabeça no que parecia desaprovação, mas com um sorriso bem humorado nos lábios.

- Eu nunca venderia o meu piano nem que não tivesse lugar para morar. É a coisa mais preciosa da minha vida. – ele disse de forma intensa, desviando o olhar para o seu piano de cauda no canto da sala, o brilho no seu olhar violeta me cegando por alguns momentos. Por mais que eu adorasse o meu carro, nada chegaria perto do amor por um objeto inanimado quanto do jovem mestre por aquele instrumento. Me remexi no sofá, um tanto incomodado com aquele olhar tão intenso por um negócio que nem ao menos tinha vida! Por isso eu me levantei do sofá, quebrando o estranho clima que havia ficado no ar com suas palavras.

- Credo, aristocrata! É por isso que tá solteiro! – eu disse lhe lançando um sorriso malicioso, o que não foi bem aceito por ele tendo em vista o ar de ofendido que ele assumiu com a minha brincadeira. Me dirigi até o piano, que estava com as teclas descobertas pelo fato dele estar tocando antes de eu chegar. Encarei o instrumento um tanto apreensivo, tendo memórias de alguns anos atrás e porque hoje eu não suportava ouvir um mísero som que fosse tocado ali. Era um sentimento intenso como ódio. A vontade que me subiu pela garganta foi esmurrar as suas teclas com os meus próprios punhos até que ele se despedaçasse por completo. Mas esse sentimento de destruição havia sido superado anos atrás. Hoje eu lhe sentia antipatia. Nada tão forte que não me permitisse brincar com algumas teclas. Lancei o olhar para ele que pareceu ficar tenso com a minha aproximação do seu amado piano.

- Beilschmidt...

Me sentei ao banco e só pude ouvir os passos atrás de mim. Limpei as mãos sujas na minha calça jeans – bem eu tinha plena certeza que seria expulso do apartamento na hora em que sujasse aquelas teclas – e sem mais cerimônias toquei os meus dedos nas teclas.

Os primeiros acordes de Twinkle, Twinkle, Little Star.

Ouvi uma risada.

- Muito bonitinho, Beilschmidt. Mas o meu piano não é para brincar, agora se me der licença...

Estiquei novamente os meus braços e meus dedos procuraram outras teclas, começando uma nova música, dessa vez bem mais do que uma introdução. Comecei a tocar com um sorriso de escárnio no rosto. Meu Deus, como eu odiava essa música! Mas pra quê eu fui escolher logo essa para brincar no piano do aristocrata? Bem, com certeza eu esperava tirar alguma reação do Rod mas sei lá, eu poderia ter escolhido algo mais a cara dele como Debussy? Me virei para ele ainda com o mesmo sorriso e eu quase parei a música para cair na gargalhada quando eu vi a cara dele.

- Você... – ele começou – Está tocando A Thousand Miles?

Bem, eu tive que parar dessa vez e finalmente comecei a gargalhar. Eu ri tanto que tive que segurar o meu estômago e quase caí do banco, deixando as lágrimas caírem do canto dos meus olhos. A cara do Rod era a coisa mais impagável que eu já o vira dar em todos os anos de ensino médio! Se eu soubesse que ele poderia fazer uma expressão tão engraçada eu deveria ter concentrado menos os meus esforços em tirá-lo do sério e mais em tentar surpreendê-lo, porque era ótimo olhar para a cara dele de surpresa! Quando eu finalmente comecei a me acalmar e voltar para o normal, eu disse:

- KESESESE. Desculpe por isso, mas a sua cara! Meu Deus eu nunca devo ter visto coisa mais engraçada na minha vida! – eu disse tentando controlar o fluxo de riso que queria subir pela minha garganta. Roderich, no entanto, ao invés de ficar mais uma vez ofendido e empinar o nariz por eu estar tirando sarro dele continuou com a sua expressão de incredulidade.

Eu me levantei do piano para voltar a pegar a minha garrafa de cerveja e tomei um gole antes de continuar.

- Bem, na verdade tinha um garota que eu gostava... – um mal estar se afundou no meu estômago por alguns segundos quando eu me lembrei – E que gostava dessa música, daí eu fui lá e...

- Você sabe tocar?

Eu me virei pra ele, dessa vez era eu o surpreso.

A cara de pura incredulidade do Rod não era porque eu estava tocando A Thousand Miles e sim pelo simples fato de eu estar tocando. Foi então que eu me dei conta. Caramba, eu tinha completamente esquecido que ele não sabia que eu sabia tocar e do meus ouvidos super poderosos! Quer dizer, era algo tão comum e de conhecimento geral que eu... Bem, deixei pra lá.

E agora era eu que estava me sentindo um completo imbecil, apesar de continuar incrível, por ter escolhido logo essa música para tocar pela primeira vez para o jovem mestre. Quero dizer, eu poderia ter escolhido qualquer coisa para impressionar ele mas nãoo, eu tive que ser um completo idiota e fazer uma piadinha que na verdade só teve graça pra mim e agora ele me olhava embasbacado e eu devia ser o humano mais ridículo de toda a face da terra.

- Erh... Sim, eu toco um pouco.

Ele piscou os olhos várias vezes, ainda parecendo não acreditar.

- Eu não sabia disso.

- Na verdade... – eu comecei, tentando não parecer encabulado – Não é nada de mais, kesesese. Hoje em dia qualquer um consegue...

- Mesmo A Thousand Miles da forma que você tocou tem um certo grau de complexidade que somente praticando poderia adquirir a habilidade necessária. Você tem um piano ou teclado?

- Não. – me adiantei, falando até rápido demais – Nah, foi só isso. Eu toquei pra uma menina.

- Mas você conhece música clássica. – ele insistiu, o que eu me vi cada vez vulnerável – Não conhece?

Eu dei um sorriso de lado me sentindo... constrangido? Encurralado? Bem, certamente da forma que eu não deveria me sentir diante do jovem mestre! Quer dizer, eu não sentia nada por ele além do puro desejo em atormentá-lo e para isso se concretizar ele não deveria saber do que eu conhecia, ou gostava, ou até mesmo algo mais íntimo do que isso mas...

Mas sei lá porque isso era tão desimportante agora e eu só queria poder conversar um pouco mais.

- É... eu gosto, um pouco. – eu admiti – Mas estamos em Viena também, não é muito difícil ter esse tipo de conhecimento, não é...? Ah! Você lembra-se do Gilbird?

Mudei de assunto e abri outra garrafa de cerveja. Acabamos de beber o resto das garrafas e comer as batatas chips, conversando de coisas mais amenas como sobre como estavam os nossos antigos colegas de classe e com quem nós mantínhamos contato no Facebook. Descobri que o Rod só mantinha contato com Arthur e mesmo assim pouco se falavam. Evitei o tempo todo falar qualquer coisa sobre Elizaveta, e aparentemente ele também estava evitando este assunto. Quando dei por mim, havia passado um pouco mais do tempinho que eu havia planejado passar para me distrair. De alguma forma, aquele tempo com o jovem mestre acabou passando de forma rápida, fluindo tão naturalmente que nenhum de nós dois havia percebido o quanto tempo ficamos daquela forma.

Quando ele anunciou que estava ficando tarde, eu decidi me retirar e catar as garrafas de cerveja antes que ele me expulsasse dali ou reclamasse pela sujeira. De alguma forma, eu não queria ouvir bronca hoje. Ele me acompanhou até a porta da sala e me desejou boa noite, mas antes de ir eu não pude deixar de comentar.

- Vamos fazer isso mais vezes. – é, não era uma pergunta.

Eu vi um leve rubor adorável surgir em suas bochechas antes dele finalmente entrar no apartamento. Roderich não voltou a tocar por hoje e eu me senti duplamente vitorioso.

Só uma coisa ainda me incomodava: ele não havia ficado bêbado só com umas garrafas de cerveja, então da próxima vez eu deveria me certificar em levar uma garrafa de vinho tinto.



Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...