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História Paredes Finas - De Édith Piaf à Beethoven (Roderich)


Escrita por: xNessan

Notas do Autor


Eu tomei uma decisão de passar todas as minhas fics DAQUELE SITE pra esse :3
Enfim espero que curtam essa fanfic <333

Capítulo 3 - De Édith Piaf à Beethoven (Roderich)


Fanfic / Fanfiction Paredes Finas - De Édith Piaf à Beethoven (Roderich)

Aquela noite foi bem, bem, esquisita. Quando eu poderia se quer imaginar que estaria recebendo Gilbert Beilschmidt de bom grado no meu apartamento e que eu - tenho que admitir - teria apreciado a sua visita de tal forma que até me deixei levar e não perceber a hora passando? A alguns anos atrás pensaria que era loucura, mas agora só consigo visualizar como uma ironia do destino.

Talvez eu não devesse guardar mágoas do passado. Afinal, se eu não tivesse concordado em recebe-lo como eu saberia que Gilbert sabe tocar piano? Sim, foi um choque. E eu realmente devo ter ficado com cara de paspalho, não nego. Mas foi tão inesperado que eu não pude evitar. Bem, ele ter rido da minha cara quebrou o clima, mas eu estava surpreso demais para se quer me incomodar com isso.

Eu admito estar chocado tanto com o meu comportamento quanto com o dele. Digo, era óbvio que a intenção dele era me distrair do meu treino, como ele bem disse que estava a incomodá-lo quando bateu na minha porta. Mas eu nunca iria prever que ele iria escolher logo uma conversa saudosa regada à cerveja e num tom casual para me distrair. E que eu... havia gostado do tom casual da conversa. Gilbert sempre fora uma pessoa tão fácil de se conversar? As únicas recordações que tenho com o albino é ele testando a minha paciência das formas mais irritantes possíveis, e nenhuma conversa que pudesse ser classificada como civilizada. Bem, talvez no dia em que nos conhecemos... Mas aquela é uma lembrança guardada tão no fundo da minha mente...

Me peguei sorrindo sozinho, com bom humor. O alcool havia me pegado de alguma forma. Obviamente, como um austríaco de sangue germânico eu nunca, jamais, sob hipótese alguma admitiria algum dia que algumas simples latas de cerveja me deixaria levemente bêbado. Eu tenho algum orgulho sobrando. Mas era exclusivamente por este motivo que eu me sentia um pouco bobo, pelo álcool e só isso.

Depois que ele se foi e eu tive que tomar um banho quente para tirar o cheiro de cerveja do corpo e meditar um pouco. Sim, era muito estranho que eu estivesse "socializando" com Gilbert Beilschmidt de bom grado, até porque somente a alguns dias atrás eu já havia me desentendido com ele. Gilbert foi, sem sombra de dúvidas, um verdadeiro demônio no meu ensino médio, e o meu eu de alguns anos atrás estaria arrancando os cabelos se me visse hoje. Mas então eu penso... Eu tenho 21 anos agora. Aquilo aconteceu a alguns anos - tudo bem, não foram muitos - mas agora eu era um adulto e poderia muito bem lidar com esse tipo de mágoa. Gilbert, para mal ou para bem agora era meu vizinho e eu deveria ter o mínimo de maturidade e cortesia para lidar com este tipo de relacionamento porta-a-porta. Não necessariamente nos tornaríamos amigos ou mesmo colegas, mas uma conversa amigável de bons vizinhos e uma troca de cumprimentos não me faria mal, certo? Não havia porque eu me sentir mexido de alguma forma. Não havia.

.x.

 

Uma das poucas pessoas da minha escola no ensino médio em que mantive contato fora Arthur Kirkland, um inglês que permaneceu em Viena pois também estava estudando no Conservatório. Arthur fazia aulas de violino mas estava sempre reclamando (não que Arthur naturalmente não reclamasse de tudo e todos a qualquer momento), mas dessa vez parecia justificável. O sonho dele era se tornar um compositor e estava planejando mudar para a divisão de condução mas achava que o seu violino ainda não lhe era o suficiente. Uma vez ou outra ele vinha à minha casa para tocarmos um dueto mas eram raras as ocasiões. Não éramos tão próximos mas gostávamos da companhia um do outro para conversar de assuntos mais triviais a mais profundos e filosóficos sobre música ou mesmo política. Mas raro era os momentos em que nos encontrávamos, como agora.

Hoje, por exemplo, eu o havia convidado para jantar na minha casa, já que Arthur tinha um exame a prestar e havia pedido a minha ajuda para tocar um dueto para piano e violino. Marcamos de nos encontrar no pátio do conservatório e decidimos passar o tempo em um café que Arthur disse que conhecia e não ficava muito longe. Apesar da minha hesitação pois não estava lá muito inclinado a pagar ele disse que não tinha problema. Ao chegarmos, notei que a cafeteria Le Sucre Menuet era uma pâtisserie francesa com o ar tão parisiense que tocava Édith Piaf em seus altos falantes. Achei uma doce surpresa, principalmente ao notar que vários alunos do conservatório passavam o tempo lá. Arthur pediu um chá - tão típico - e eu um cappuccino. Disse que ficava por sua conta um pedaço de torta então fiquei mais tranquilo. Esperei o garçom se retirar para pegar os pedidos e lhe contei sobre o meu novo vizinho, comentando sobre como o seu tratamento em relação a mim estava diferente.

- Gilbert!? - ele perguntou surpreso - Não acredito. Bloody Hell, Roderich, você odiava ele.

- Sim - eu concordei, sabendo que ele estava absolutamente certo - Até tivemos alguns atritos quando ele se mudou mas eu não sei o que exatamente me deu ao deixa-lo se convidar para a minha casa e ainda passar um tempo com ele. Acho que... deve ser a maturidade.

- Maturidade? Sei. - Arthur respondeu olhando inquieto para o balcão da loja - É muito esquisito ouvir você falar assim. Todo mundo lembra muito bem o quanto ele te perseguia nos tempos de escola. Não foi por isso que você terminou com a Elizaveta?

Eu me remexi desconfortável na cadeira, não querendo tocar no assunto.

- É... foi. Bem, mas eu não preciso me manter agarrado ao passado, certo? Se a nossa relação agora for somente de bons vizinhos acho que eu posso superar.

- Bons vizinhos? Você disse que ele estava agarrando uma garota no corredor no horário das suas aulas! E além disso ele veio bater na sua porta mais de uma vez para reclamar do barulho.

- Ninguém é perfeito, e certamente Gilbert não é.

Arthur arqueou uma daquelas suas sobrancelhas anormalmente grossas em sinal de desconfiança e eu me retesei não entendendo muito bem o porquê daquela expressão.

- Você tem certeza que se sentia assim tão incomodado com a perseguição de Gilbert durante o ensino médio?

Eu abri a boca me sentindo ofendido mas me impedi de soltar um palavrão.

- Certamente eu não gostava de todas as vezes em que ele me infernizou!

- Hum. - Arthur cruzou os braços, pensativo - Só acho estranho você falar de forma tão leviana sobre ele sem estar carregado de ódio. Bem, eu não tenho nada a ver com isso. A minha relação com Gilbert sempre foi normal.

Eu abaixei o olhar pensando novamente no que havia se passado naquela noite. Nem havia acontecido nada demais para eu já estar pensando positivamente sobre Gilbert. Uma noite de conversa e cervejas com certeza não apaga anos de perseguição física e psicológica, mas eu não me sentia realmente magoado e incomodado com tudo, afinal agora eu era um adulto. Além disso aquela noite foi tão diferente do que eu esperava partilhar com Gilbert e...

- Ele tocou para mim.

Arthur engasgou com um som esquisito e alto que abafou a bela voz da cantora francesa por um momento, embora o inglês não estivesse bebendo nada.

- Ele o QUÊ?

- O piano, ele tocou na minha frente. Eu não sabia que ele podia tocar.

Arthur fez uma expressão embasbacada. Talvez essa tenha sido a cara que eu fiz quando eu o ouvi tocar A Thousand Miles distraidamente, por isso ele achou tão engraçada. Eu ia lhe dizer que também havia ficado chocado mas Arthur se adiantou.

- Ele tocou mesmo na sua frente...? Espera - Arthur se aproximou de mim, como se fosse falar algo mais confidente - Você não disse que seu apartamento tinha isolantes acústicos?

- Sim - eu respondi com o ar desconfiado - Não é curioso que ele se sinta incomodado com o som? Aliás, você sabia que Gilbert tocava?

- Bem... Sabia. Na verdade, todo mundo sabia. Menos, ahn... você.

Eu devo ter feito uma cara espantada antes da minha expressão se fechar totalmente. Não, eu não sabia que Gilbert sabia tocar piano. Em todos os anos que dividimos a mesma escola eu nunca ouvira sequer menção a este fato, e eu participava de um clube de música e praticava no piano da escola quase todos os dias. Os momentos em que eu via Gilbert na sala de música era quando o albino me encontrava para me infernizar. Agora que era Gilbert era letrado na linguagem musical era uma completa novidade para mim.

Ora, não era como se fosse lá grande coisa de qualquer forma. Muitas pessoas sabiam tocar, e daí? Muitas pessoas também conheciam Chopin, não era nada para se espantar. Talvez o fato de que fosse Gilbert a pessoa em questão que me deixasse tão abismado. Era estranho pensar que ele tivesse algo minimamente a ver comigo além de compartilharmos o mesmo genoma humano. Bem, não era como se eu esperasse que Gilbert viria contando direto para mim que ele partilhava dos mesmos gostos que eu. Quero dizer, Gilbert mal conseguia ter uma conversa civilizada comigo antes da dita noite! O porque eu me sentia minimamente decepcionado com este fato era um mistério. Afinal, Gilbert e eu...

Subitamente me senti um tanto desanimado com a nossa nova relação. Foi como se toda a relação de bons vizinhos construída naquela noite das cervejas tivesse sido destruída e então um buraco houve se aberto novamente entre nós dois. Nunca houve uma aproximação na verdade. O que existia entre eu e Gilbert era um abismo que sempre existiria. Sim, ele me odiava, eu o odiava e sempre seria assim. Intimidade e saber mais um do outro não era algo que parecia se quer um dia existir entre nós dois. Eu nunca soube que ele sabia tocar e ele parecia relutante em me confirmar isso. Era mais do que óbvio que ele não queria uma aproximação, e eu me senti o maior idiota por acreditar mesmo numa trégua. 

- Ah, mon Arthur! Eu sabia que você viria! - eu ouvi uma voz conhecida com o sotaque carregadíssimo pronunciar.

- Vim cobrar o que me deve, sapo. Você prometeu. - Arthur respondeu, com o seu humor parecer virar de repente.

- Oui, oui! É claro que- Ohh! Olha quem eu estou vendo!

Me virei para finalmente me deparar com a voz conhecida. Cabelos louros na altura do queixo e olhos azuis, e um sorriso que sempre – em qualquer situação, por pior que fosse – emitia malícia. Eu tive que me controlar quando me deparei com o francês que também fizera parte da minha turma no ensino médio e que coincidentemente ou não era um dos melhores amigos do tópico da conversa, Gilbert.

- Olá, Bonnefoy. Quanto tempo. – eu disse com cortesia por pura educação, não estava lá muito contente em vê-lo.

- Que bom que se lembra de mim, mas não precisa de formalidades, mon chér. Para lindezas como você é só Francis. – ele deu uma piscada que me fez me sentir muito, muito, constrangido.

Arthur pigarreou, levando a atenção de volta para ele.

- Francis, chega. Já sabe porque eu vim aqui, se eu nem teria me incomodado. – Arthur disse, ríspido.

- Arthur, eu já disse como você fica trés beau quando está com ciúmes? – Arthur já ia abrir a boca para falar algo mas Francis se aproximou, numa incrivelmente indiscreta invasão de espaço pessoal, e lhe pousou dois dedos em cima de seus lábios para impedi-lo de falar – Ne pas besoin. Eu já sei. Vou trazer os pedidos, huhuhuh.

Eu olhei para Arthur questionador. Afinal, eu me lembrava muito bem que a relação entre Arthur e Francis não era lá das melhores. Obviamente que não era como eu e Gilbert mas lembro-me de ver Arthur sempre furioso com Francis, os dois estavam sempre discutindo e pareciam discordar de tudo, mas Francis estava sempre flertando com ele de alguma forma. No final da confusão os dois pareciam sempre se apaziguar, e apesar das discussões eles acabavam se entendendo de forma estranha. Pelo que eu saiba os dois nunca chegaram a ter nada, apesar de eu particularmente não entender o cunho do relacionamento deles. Arthur me lançou um revirar de olhos como se dissesse “Não pergunte” e eu meio que dei de ombros.

- O francês pervertido está me devendo alguns favores. Ele está trabalhando nessa confeitaria e de vez em quando consigo alguns doces de graça. – ele justificou e eu só soltei um “ah” em compreensão. Lembrava-me vagamente de Gilbert dizendo algo assim sobre Francis.

Logo Francis retornou com o chá, meu cappuccino e dois pedaços de torta de ótima aparência. Eu lhe lancei um olhar impressionado e ele sorriu de forma maliciosa – pois era a única forma que ele sabia sorrir.

- Fui eu mesmo que a fiz hoje. Tem frutas vermelhas e chocolate branco, bon apetit.

Logo me empolguei pois era conhecido o fato de que eu amava doces, e se era de graça então se tornava ainda mais delicioso. Provei e realmente não me decepcionei, sentindo um sorriso involuntário surgir do meu rosto. Já me apressei a pegar outro pedaço quando ouvi Arthur dizer:

- É, bem, está bem ok, pra um sapo como você.

- Vindo de você é quase como uma declaração de amor, Arthur! – o francês disse com um ar sonhador e ameaçando abraçar o inglês, se ele não o tivesse afastado com os braços, irritado.

Francis acabou se sentando na cadeira ao lado de Arthur, se aproximando mais que o devido e fazendo o inglês se irritar ainda mais e soltar “Get away from me!” ou “Your bloody frog!” entre palavrões mais regionais e provavelmente mais chulos. Eu somente arqueei a sobrancelha, notando que Francis olhava para mim mesmo que estivesse se jogando em cima de Arthur.

- E então? O que achou? – perguntou se dirigindo a mim.

- Hum, está deliciosa. Na verdade, eu gosto bastante de chocolate branco.

- Oh, que bom! – ele sorriu e gesticulou de forma um pouco afetada – E como vai a vida, mon cher Roderich? Eu me lembro muito bem em como você era alvo da atenção do meu querido amigo Gil.

- Sai pra lá, seu francês pervertido. O Roderich não quer conversar com você. – tentou dizer Arthur enquanto inutilmente tentava tirar o braço do francês de seus ombros.

Eu dei de ombros.

- Não está nada muito diferente, na verdade. - admiti.

Francis abaixou o olhar e o seu sorriso, se possível, se tornou ainda mais malicioso e pervertido, era como se houvesse uma sombra em seu rosto e seus olhos azuis pareciam demonstrar muito mais do que ele deveria fazer, me fazendo ficar um pouco inquieto.

- Ohhh, eu entendo perfeitamente.

- O que você entende, goddamn french? Você já pode ir agora e- ah! – Arthur se interrompeu – pague a conta do Roderich.

- Não se preocupe, para ele é por conta da casa. – e me deu uma piscada antes de se levantar – Ah, Arthur. Acho que você deveria aparecer e me dar mais uma ­ajuda, prometo retribuir os favores. – e deu uma piscada dessa vez para o inglês para enfim se despedir com um aceno espalhafatoso e algumas palavras em francês. Eu nem me dei o trabalho de ficar constrangido e somente suspirei, olhando cansado para Arthur que parecia tão impaciente quanto eu.

- Desculpe por isso. Na hora me parecia uma boa ideia extorquir um pouco esse maldito francês.

- Não tem problema, a torta está mesmo boa. – eu disse de forma educada e o agradeci novamente. Apesar da visita inesperada de Francis me deixar um tanto desconfortável, eu não podia negar que a torta estava mesmo boa, eu não iria pagar, e ainda tive uma conversa bem esclarecedora com Arthur. – Eu não sabia que ainda mantinha contato com Bonnefoy.

- É... bem... não é exatamente assim. Enfim, deixa pra lá.

Decidi não perguntar, pois Arthur ficava bem irritado quando pressionado ou constrangido. Além disso não era desse tipo de coisa que se sustentava a minha amizade com o inglês. Enquanto comíamos conversamos sobre outros assuntos, principalmente sobre as aulas de música. Arthur reclamava que não gostava muito de praticar o violino e que sentia estar perdendo tempo e eu tentei animá-lo novamente para partir logo para as aulas de condução, mas Arthur ainda não estava muito convencido de que estava preparado.

Fomos para o meu apartamento, onde hoje felizmente não havia encontrado com Gilbert. Fomos praticar pelo resto da tarde. Não era uma composição muito complicada, apesar de ter o tempo rápido eu já havia praticado algumas vezes. Opus 24, Sonata no. 5 para violino e piano: Allegro, de Beethoven, também conhecida como Primavera. Requeria um tanto de sincronização com o seu parceiro para a sonata sair perfeita. Não seria um problema para mim e o meu parceiro, que apesar de estar sempre se diminuindo era um ótimo violinista. O nosso tempo era exato e nossa sincronização perfeita, era quase como se eu pudesse ver a primavera traduzida em um campo de flores na minha frente. Mesmo com algumas interrupções para fazer mudanças ou repetições, o treino acabou fluindo em perfeita harmonia.

Quando julgamos o treino como suficiente por hoje e fome começou a surgir novamente, me aprontei para preparar o jantar. Arthur sentou-se na copa para me observar e eu agradeci internamente, pois era incrível a habilidade do loiro de estragar qualquer tipo de comida se se intrometesse o mínimo que fosse em sua preparação. Enquanto eu preparava o molho da carne para uma boa bolonhesa, Arthur comentou distraidamente:

- Sabe, Roderich... Sobre o Gilbert, sei lá. A impressão que eu sempre tive dele é que ele age diferente da forma que realmente pensa, talvez por não querer desmonstrar ou por não saber. Principalmente em relação à você.

Eu arqueei a sobrancelha, nitidamente curioso com as suas palavras já que eu não havia compreendido o significado intrínseco nelas, principalmente no que dizia respeito à mim. Eu não era a pessoa mais sensível ao sentimento dos outros outros, ou mesmo conseguia captar este tipo de nuance com facilidade. Por isso não entendia o que Arthur realmente queria dizer e o como analisar Gilbert por isso.

- Creio que não compreendi, Arthur. – respondi, expondo o meu desentendimento.

- Ahn... – ele se remexeu desconfortável – Como eu posso dizer? Eu sei que vocês viviam em pé de guerra, e na minha opinião você não deveria dar confiança assim tão rápido mas ao mesmo tempo... eu tinha a leve impressão que nos tempos da escola Gilbert queria... Como eu poderia dizer?

- Me infernizar. – eu completei, não me sentindo nem um pouco surpreso com o seu comentário.

- Não, não é isso. Seria mais... chamar atenção, eu acho.

Novamente arqueei a sobrancelha, confuso. Bem, que Gilbert tentava chamar a minha atenção eu já sabia, afinal ele parecia ficar ainda mais atentado quando eu tendia a ignorá-lo. Mas eu interpretava isso como pura birra infantil, afinal os seus esforços em me perturbar não teriam nenhum efeito se eu minimamente não prestasse atenção para eles. Até Elizaveta havia me dito isso, para ignorá-lo assim ele iria parar de me perseguir. E eu tentei, oh céus, eu tentei mas era muitíssimo complicado com aquela personalidade tão expansiva e irritante de Gilbert. Eu acabava por ceder, e me irritava e ele se divertia e ficava por assim mesmo. Suspirei.

- Ah, Arthur, eu sei... Até tentei ignorá-lo para ele parar de me perseguir mas não deu certo...

- Humm, não era isso que eu quis dizer... – ele coçava a nuca um tanto encabulado e eu percebi que ele simplesmente não sabia como dizer. – Ah, esquece.

Mesmo que fosse a segunda vez no dia que Arthur ficava reticente, decidi deixar para lá novamente e servi o jantar. Ele não voltou mais a tocar no assunto e eu fiquei satisfeito, pois ainda não queria pensar nisso. Voltamos a falar sobre o dueto e entre outros assuntos do conservatório.

O meu humor, a partir dali, se fechou. Eu não sei porque eu ainda me dava ao trabalho de me sentir chateado com alguma coisa em relação a Gilbert. Sempre fora assim, desde o ensino médio. Eu sabia que não havia motivo para ficar minimamente chateado com alguma provocação maldosa de Gilbert mas mesmo assim, mesmo assim, o meu humor desabava de maneira tão infernal que eu me sentia ainda pior por se quer me sentir assim, daí caindo num ciclo infinito de irritação e culpa. E eu não sabia por quê. Céus, era só Gilbert sendo Gilbert! Não era como se fossemos amigos, apesar de nos conhecermos a um tempo, para que eu sentisse aquela irritação toda por ele nunca ter me contado esse aspecto tão delicado de sua vida. Quero dizer, quando eu iria sequer adivinhar que eu e ele partilhávamos de um talento em comum? Bem, não é como se fosse nada de mais que ele soubesse tocar piano - o próprio Arthur também sabia - mas de certa forma não soava como se fosse só isso. Ele sabia a linguagem da música, seus compositores, respeitava o instrumento. Eu pude notar por aquele breve momento que eu compartilhei com ele. Então por quê eu nunca soube disso? E principalmente, por que eu estava chateado com isso?

Arthur não ficou por mais tempo depois do jantar, alegando já estar tarde. Encerramos o assunto enquanto lavávamos a louça rapidamente, aparentemente o meu humor sendo bem vísivel aos olhos do inglês. Nos despedimos então e fiz menção de leva-lo até a porta do prédio em sinal de cortesia, tentando me esquecer da irritação com Gilbert e focar a mente em outras coisas.

Voltei para casa com a cabeça um tanto avoada. Foi somente quando eu cheguei ao corredor e ouvi o meu nome sendo chamado pelo morador do apartamento ao lado que me lembrei de tudo que fiquei sabendo aquela tarde. Meu sangue gelou e eu paralisei o andar. Eu não queria ver Gilbert. Não queria olhar para o seu rosto e me lembrar novamente de tudo o que nós éramos e que eu quase me esqueci. Eu me senti constrangido. Constrangido ao lembrar que eu fui simpático e até recebi como visita uma pessoa que merecia minimamente a minha atenção por tudo o que já tinha feito comigo. E constrangido por pensar que eu poderia ser amigável com ele e ele comigo. Não, as coisas não seriam assim. Eu não me deixaria enganar por algumas garrafas de cerveja, uma canção tola no piano e um sorriso agradável. Nós éramos desafetos declarados e assim deveria permanecer.

Quando ele surgiu no corredor para me cumprimentar eu virei o rosto.


Notas Finais


Gente eu juro que vou colocar os links de todas as músicas na descrição!!!
Ou pelo menos vou tentar <33


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