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História Paredes Finas - De Franz Liszt à Nicole Kidman (Roderich)


Escrita por: xNessan

Notas do Autor


Mil perdões pela demora! Eu sou avoadíssima D;
Mas enfim, eu gosto muito desse capítulo! Espero que vocês também gostem ;)

Capítulo 6 - De Franz Liszt à Nicole Kidman (Roderich)


Fanfic / Fanfiction Paredes Finas - De Franz Liszt à Nicole Kidman (Roderich)

A política de boa vizinhança andava funcionando bastante bem nos últimos dias, nem parecia que eu e Gilbert éramos os dois adolescentes que se atracavam em brigas a cinco anos atrás. Tudo estava muito diferente mas incrivelmente adequado. Eu não vou mentir, estava apreciando muito mais o novo ritmo leve entre nós dois do que os momentos de ódio mútuo da nossa conturbada adolescência. E eu sentia que Gilbert pensava igual.

Mas não éramos exatamente amigos. Nós nos cumprimentávamos de manhã, às vezes até fazíamos o mesmo caminho conversando sobre qualquer futilidade até separarmos os nossos rumos, eu ao Conservatório e ele à Universidade. Claro que não deixava de existir uma provocação ou outra por parte dele, mas ao contrário do que ocorria nos tempos de escola eu aceitava o tom de brincadeira e ele não parecia se esforçar em me deixar muito bravo com os seus comentários maliciosos. Fora isso, nós não andávamos muito juntos e nem saíamos. Mas estava perfeito assim, pelo menos por minha parte.

Nós fechamos um acordo de horário. Afinal, Gilbert disse que não se importava tanto com o barulho desde que não passasse do horário das 22h, e nas manhãs de sábado que era o horário da Bundesliga. Gilbert era torcedor do Hertha Berlin, ele estava feliz por estar em terceiro no campeonato mas com raiva pelos “malditos bávaros” estarem na frente de novo; ele também não perdoava o seu irmão por ser torcedor do Borussia Dortmund e eu realmente não sei porque raios eu havia guardado aquela informação.

Ele também respeitava os meus horários e “regras de convivência”. Nunca mais o encontrei fazendo gracinhas no corredor no horário das minhas aulas e nem havia surgido mais latas de cerveja perdidas no corredor. Aliás, eu nunca mais vira Gilbert acompanhado desde aquela vez.

Isso até eu abrir a porta do meu apartamento num sábado de manhã, me deparando com um Gilbert Beilschmidt descamisado e bagunçado acompanhado do maior sorriso presunçoso do mundo. Eu inevitavelmente corei ao encarar a sua falta de roupas.

- Ahn... por que exatamente você está sem camisa, Beilschmidt? E aliás, o que faz aqui a essa hora? – perguntei surgindo uma ruga em minha testa, me condenando por corar pelo fato dele estar sem camisa. Mas céus! Aquilo fora inesperado. Digo, quando que eu iria imaginar Gilbert batendo na porta da minha casa num sábado de manhã, vestindo só uma calça de pijama e principalmente exibindo um abdômen nada mais do que sarado.

Eu quis me estapear.

- Estou sem camisa porque eu simplesmente não poderia aparecer pelado, não é mesmo? Kesesese. – ele riu e eu apertei ainda mais a ruga na minha testa, tentando transparecer desaprovação.  Algo me dizia que se ele pudesse aparecia sim pelado, se não corresse o risco de eu nunca mais olhar na cara dele novamente. - E eu estou lhe dando o prazer da minha incrível presença agora de manhã pois preciso de um favor seu.

- Que seria...?

- Será que posso usar o seu fogão?

O meu cérebro travou por alguns segundos pelo rumo repentino da situação.

- ... Quê? – só consegui dizer isto em resposta.

- Veja bem... – Gilbert começou a gesticular, não me ajudando em nada a desviar o foco de seus braços fortes – Eu estou com um probleminha com o gás na minha casa, e eu queria muito fazer um café da manhã hoje. Será que teria a gentileza de me deixar usar um pouco de seu fogo mágico de fazer comida?

Fiquei estarrecido, finalmente desfazendo a minha expressão para colocar uma surpresa em seu lugar. Fiquei curioso com o seu pedido, mas ao mesmo tempo dei de ombros, como se mostrando que eu não me importava com o seu motivo, apesar de me importar. Por quê raios Gilbert me pediria para usar a minha cozinha, afinal? Ele não tinha a própria? Eu abri a porta da minha casa e permiti que ele entrasse dentro do apartamento, afinal já havíamos passado da fase de estranhamento e já não era nenhuma novidade tê-lo como visita.

- Isso é um pouco... inesperado. – suspirei – Tudo bem, eu me sentiria culpado se não deixasse.

- Opa, obrigado, Rod! – disse o albino entrando na minha cozinha, parando antes para pegar na bancada que havia no corredor alguns itens, e eu reparei uma frigideira em uma mão e na outra uma tigela com alguns ingredientes tais como ovos e linguiça, além de um pano pendurado em seu braço, que logo eu reconheci como um avental quando ele começou a se vestir.

E eu quis desviar os olhos dele quando um arrepio diferente se espalhou no meu corpo ao ver Gilbert com o torço nu vestido com o avental, eu realmente quis desviar os olhos mas eu não consegui. Céus, o sono daquela manhã realmente estava me deixando grogue. E por quê eu ainda estava ruborizado?

Gilbert começou a se movimentar na cozinha, fritando os ovos e linguiça e deixando um cheiro bem apetitoso se espalhar.

- Então... isso é muita vontade de comer ovos no café ou há algum motivo específico? – eu perguntei, desistindo de tentar entender o que estava se passando comigo e sentando-me numa cadeira da copa americana para observá-lo na cozinha.

- Eu tenho um convidado hoje.

Uma outra pulsação diferente passou-se pelo meu corpo ao ouvir a resposta. Uma veia de irritação saltou na minha testa e eu me remexi incomodado no banco, finalmente virando o rosto da figura dele. Fazia tempos que eu não via Gilbert com outra pessoa, mas claro que isso não significava que ele eventualmente iria retornar à sua vida libertina. Típico dele.

- Oh, mas é claro. – disse tentando não soltar um resmungo.

- Ciúmes, jovem mestre? Kesesese. – ele me provocou e eu somente estreitei os olhos me sentindo ofendido.

- Lhe pergunto de quê.

Ele riu, bem humorado. Como se fosse ainda muito engraçado. Eu ainda mantinha a minha testa enrugada até ouvi-lo dizer casualmente, em meio ao barulho da frigideira.

- Devo dizer que após passar tanto tempo com o francês e o espanhol eu me tornei um romântico. – ele cantarolou, ao que eu soltei uma breve risada achando graça da situação. Afinal, romantismo? Gilbert? Jamais conseguiria ter essa visão.

- E onde está o romance em casos de uma noite? – comentei um tanto maldoso.

- Como sabe que é um caso de uma noite, jovem mestre?

Eu corei novamente com a sua resposta rápida, com a mesma sensação de ter sido flagrado. Virei o rosto sentindo-me um tanto irritado.

- Mas é óbvio. Você não parece do tipo que se engaja em relacionamentos duradouros. – comentei com o mesmo tom maldoso do comentário anterior, me recusando a dar o braço à torcer.

- Mas isso não quer dizer que eu não queira um relacionamento duradouro. – ele respondeu, finalizando o café da manhã e de repente eu me senti arrependido de deixa-lo entrar. Aquele assunto não estava me deixando muito confortável. - E você é um romântico, aristocrata.

Arregalei as sobrancelhas, surpreso pelos rumos do assunto. Rapidamente desfiz a minha expressão, não deixando transparecer que o rumo da conversa me afetara.

- É uma dedução? – perguntei.

- Totalmente. Vejo pela forma que toca Chopin, estou ficando enlouquecido com tanto de lirismo polonês!

Eu ri, um tanto aliviado de voltar à um assunto seguro.

- É o meu compositor favorito. – deixei escapar enquanto desviava rapidamente os olhos para o meu piano. Então Gilbert era mesmo perceptivo com relação à música. Para alguém que dizia odiar tanto ele estava até bem informado.

- Bem, e eu até gosto de Bethoveen e Liszt, não vê como eu sou um romântico? – ele comentou e desta vez eu não pude disfarçar a minha expressão de surpresa. Afinal, Gilbert já havia dito claramente que ele não gostava de peças clássicas e ali estava ele confessando seus segredos. Eu jamais adivinharia que ele teria tais gostos, principalmente estivéssemos a dois anos atrás. Talvez de fato não fosse tão surpreendente assim, considerando que o albino já havia feito aulas de piano e até tivera pretensão em se tornar profissional. Mas para mim tudo sobre ele era muito novo, afinal era como se nos conhecêssemos novamente. Liszt, realmente uma surpresa.

-... Isso é surpreendente. – respondi, desta vez não me preocupando em deixar aparente o meu espanto.

- Há, jovem mestre! Agora eu lhe deixei de queixo caído com a minha incrível conjectura e gosto musical, não é mesmo? Aposto que não esperava que eu pudesse entender minimamente a sua língua erudita e aristocrática!

- Gilbert! – eu o repreendi, porém com um sorriso no rosto achando graça do seu elevadíssimo ego.

- Sim, grite o meu nome!

Ouvi o som da campainha pela segunda vez naquela manhã, o que achei uma pena considerando que estávamos começando a nos divertir. Ainda com o ar leve e um vestígio de risada no rosto, me levantei para atender a porta. Ao fazê-lo e fiquei uns segundos olhando para o corredor, tentando encontrar onde raios estava o visitante que tocou a campainha.

- Com licença?

Olhei para baixo e então finalmente reparei no garoto baixinho e loirinho, de olhos profundamente azuis e aparência frágil, de expressões tímidas mas ao mesmo tempo com tão pouca presença que se eu desviasse os olhos por um breve segundo eu me esqueceria completamente da sua existência. Estreitei as sobrancelhas já perdendo o bom humor que eu havia conseguido reunir por aquela manhã. Mesmo assim eu me esforcei para ser educado.

- Sim? – perguntei tentando manter-me focado em não perde-lo de vista. Mas que sensação mais absurdamente estranha.

- Gilbert está aí?

Senti uma pontada de raiva ao perceber para quem era aquela visita. Oh, então aquele era o tal acompanhante de Gilbert. Francamente, que tipo de lugar o idiota frequentava para conseguir companhia, um jardim de infância? Porque aquele garoto não parecia de forma algum um maior de idade, e aliás se aquele era o tipo de Gilbert então quer dizer que ele também era...

Pisquei meus olhos várias vezes tentando manter o foco na conversa, pois estava quase começando a perde-lo de vista novamente.

- Sim, ele está. – abri a porta do apartamento para que ele pudesse entrar.

Da cozinha eu ouvi Gilbert exclamar ao vê-lo se aproximar. O seu sorriso se abriu no mesmo ritmo em que as minhas sobrancelhas se estreitaram em irritação.

- Ah, Mattew! Já acordou? Eu já estava terminando aqui para levar o café da manhã e...

- N-não precisa! – ele se adiantou, ficando inteiramente vermelho – Eu tenho que ir agora. Se Alfred descobrir ele vai ficar uma fera e... Gilbert? – antes de ir o garoto, o tal de Mattew, se virou para o albino que parecia não está entendendo nada – Não fale nada pro Francis, por favor! – ele disse visivelmente desconfortável com a situação. Aliás, ele parecia era bem arrependido visto a sua expressão, o que deixava tudo ainda pior.

Mas antes que Gilbert pudesse dizer algo em resposta, o garoto saiu do meu apartamento praticamente correndo, batendo a porta atrás de si sem deixar mais nenhuma explicação.

Fiquei embasbacado, lutando contra a sensação estranha de me sentir constrangido ou mesmo mal por Gilbert pelo tal de Mattew tê-lo deixado daquela forma. Quero dizer, não que ele seja digno de pena ou que haja algo romântico em casos de uma noite, mas por favor Gilbert havia até feito café para ele e não houve nenhum agradecimento? Nem mesmo eu era tão insensível.

- O que você usou para embebedar ou drogar esse menino para ir pra cama com você? – eu disse tentando descontrair o ambiente após alguns segundos de silêncio.

- Ele foi porque quis, ué. Afinal, ninguém resiste ao meu charme. Kesesese!

Ele deu de ombros mas eu pude reparar como Gilbert parecia chateado por ser dispensado dessa forma. Bem, eu não o culpo afinal se fosse eu teria me sentindo profundamente ofendido. Este era um dos motivos pelo qual eu não procura companhia em casos de uma noite.

- Certo. – revirei os olhos, me sentindo realmente incomodado agora de tê-lo ali.

- E então... – ele também parecia bastante desconfortável, até abrir o seu habitual sorriso presunçoso - toma café comigo, Rod?

Voltei a encará-lo sem saber muito bem o que dizer. Eu não queria muito tomar café com ele mas após o fora tomado eu estava com... digamos, pena dele. Porque sinceramente nem mesmo a peste do Gilbert merecia tal tratamento e eu ainda estava me sentindo bem mal com aquilo tudo. Eu ajeitei o óculos na ponte do nariz não sabendo muito bem que direção tomar.

- Ahn... eu...

- Vai dizer que já tomou café? – ele se adiantou com uma pontada de ansiedade na voz. Eu o encarei o estranhando um pouco.

- Na verdade, não. – respondi fracamente -  Eu só costumo a tomar só uma xícara de chá pela manhã.

- Então prove do meu incrível café, jovem aristocrata! Lhe garanto que após comê-lo nunca mais ficará uma manhã sem sentir o gosto da minha incrível comida! – ele parecia realmente confiante e quase me convenceu, mas eu continuei a negar.

- Na verdade, eu não gosto muito de proteína pela manhã e...

- Rod... sério? – me lançou um olhar de censura.

Eu suspirei, derrotado. Bem, afinal que mal faria se eu tomasse um mísero café da manhã com ele, mesmo que aquele café não fosse originalmente para mim?

- Tudo bem então.

Incrivelmente, o café estava bom, o que me deixou bem impressionado, mas eu não elogiei mais do que o necessário. Ele havia feito ovos mexidos com linguiça, e uma panqueca que estava impecável. Gilbert também havia rapidamente feito uma xícara de chá pra mim, o que eu agradeci bastante pois não costumava a tomar café pela manhã. Ele tomou o mesmo, numa refeição que se mostrou novamente – considerando a presença de Gilbert e tudo mais – bem agradável.

- Você é sempre tão mal humorado assim pela manhã? – ele brincou enquanto se empanturrava com as suas linguiças.

- Só quando os vizinhos vestidos inapropriadamente batem à minha porta quando acabei de me levantar. – respondi fazendo uma careta.

- Credo, jovem mestre. Até parece que não gostou de ter a visão da minha incrível pessoa vestida inapropriadamente logo pela manhã, kesesese...

Eu corei e desviei os olhos novamente constrangido, decidindo que era melhor mudar de assunto.

- E onde você o encontrou, numa creche? – perguntei, o provocando.

O albino deu de ombros, apesar de parecer novamente desconfortável.

- Eu já o conhecia antes, ele é o ex de um amigo meu. – voltou a se empanturrar embora eu tivesse notado que ele não mais me encarava, apesar de não parecer muito constrangido.

- Ir atrás de problema parece o seu tipo. – eu comentei num tom de brincadeira, e ainda sem me encarar ele disse:

- Hum, ele usa óculos, eu gosto. Gosto de problemas também.

Aquilo me deixou bem estarrecido mas eu achei melhor não responder nada. Eu não sabia muito bem como interpretar a sua resposta, afinal eu também usava óculos. Não que eu estivesse associando o tipo de Gilbert à mim, claro, longe disso! Eu só estava um pouco espantado. Inconscientemente eu desviei os meus olhos dos de Gilbert pelo resto do café da manhã, pois a nossa conversa de alguma forma levara a um clima meio esquisito.

Ao terminar o café, Gilbert garantiu que iria lavar os pratos. Fui para o meu piano e comecei a tamborilar com os dedos qualquer coisa, até as notas começarem a tomar forma e então eu estava tocando a Liebestraum no.3 "O Sonho de Amor", de Liszt, uma de suas mais famosas peças. Era uma música suave e delicada, boa de ouvir mas um tanto complicada de tocar. Porém, fora uma das primeiras que eu havia aprendido a tocar e sempre me acalmava. Não sei porque escolhi logo esta música, talvez inconscientemente eu esperava que Gilbert gostasse, já que ele tinha um certo trauma com música clássica e havia confessado que gostava deste compositor. Não que eu me importasse com este fato, mas meus dedos agora se moviam por conta própria. E então eu me perdi num sonho, num profundo transe o qual a música me levava quando eu estava tocando com o meu coração. Esqueci-me completamente da presença de Gilbert, dos meus preconceitos e todos os afazeres que eu tinha planejado aquele dia. Os meus dedos só me levavam para onde eu queria que a minha música me levasse, sem me importar em errar ou em soar perfeito. O que me importava naquele momento era somente a sua sonoridade.

Fui me aprofundando tanto na música que por um minuto me esqueci que Gilbert ainda estava ali. E da porta da cozinha, com os braços fechados, ele me observava. E mesmo com o pesar daquele olhar, algo me dizia que eu não deveria parar. E assim prossegui, até terminar a música.

- Vou indo, não quero atrapalhar seu treino. – ele disse finalmente, após uns breves segundos após o final.

- Não estava treinando, eu só estava...

- Tocando. – ele concluiu.

Sorri suavemente.

- Tocando. – disse simplesmente voltando a encarar as teclas do piano com um sorriso confuso no rosto.

Fez-se silêncio por alguns segundos, eu ainda estava no estado de sonho que a Liebestraume me colocara após tocá-la. Eu voltei a encará-lo, Gilbert ainda estava de braços cruzados mas nada falava, somente a me observar. Ele me encarava com tamanha intensidade que somente após longos segundos eu reparei que também fazia o mesmo. Não que eu o censurasse, mas naquele momento eu havia tomado consciência que ele havia se tornado a minha plateia e que a minha música havia lhe tomado algum tipo de emoção. Eu não sabia como reagir à sua profunda concentração em mim. Como se Gilbert realmente estivesse apreciando eu tocando uma peça clássica... Por isso, para quebrar o clima, eu pigarreei e em seguida perguntei descontraidamente:

- A quanto tempo está com este problema com o gás?

- Hum... acho que já faz umas quatro semanas. – ele disse dando de ombros.

A resposta realmente me pegou de surpresa e eu pisquei várias vezes em incompreensão, novamente me vendo fazendo uma expressão estarrecida. Bem, a resposta dele foi um tanto inesperada considerando que eu pensara que ele fosse dizer a uns dias. Mas quatro semanas? Minha nossa! E ele não me dissera absolutamente nada sobre este fato. Um pesar de preocupação pesou em meus ombros. Quero dizer, como alguém conseguia sobreviver sem cozinhar por tanto tempo e não parecer um completo anêmico?

- O que? – eu perguntei me levantando do piano - Mas... mas como você tem conseguido preparar a comida?

Ele abriu o seu famoso sorriso presunçoso enquanto me encarava da porta da cozinha.

- Você se surpreenderia com a minha resposta, jovem mestre. Eu deveria lhe dizer?

Fiquei curioso por alguns segundos, levantando a sobrancelha com o suspense. O sorriso dele pareceu aumentar ainda mais, isso se fosse fisicamente possível. E então os seus braços cruzados foram parar na cintura e ele finalmente disse:

- Simples: eu não tenho! Por essa não esperava, não é?

Eu tenho que dizer que isto fora bastante anti-climático e fez novamente a minha ruga na testa aparecer. Fiz um bico numa careta para a sua resposta, não sabendo se eu ficava decepcionado ou preocupado. Afinal ele acaba de dizer que não vinha comendo a quatro semanas!

- E como você tem se alimentado? – perguntei um tanto preocupado.

- Bem, quando eu não como algo na rua, eu simplesmente descongelo comida numa máquina incrível chamada micro-ondas. – ele respondeu, parecendo, ao contrário de mim, bem despreocupado - Bem, teve vezes que eu pedi pizza também, mas normalmente um engradado de cerveja dá pra gasto e...

- Isso não é vida. – balancei a minha cabeça em sinal de reprovação. Ninguém pode sobreviver de só pizza e cerveja por tanto tempo! – Assim vai acabar ficando doente!

Ele me lançou o sorriso que eu mais odiava e na hora eu nem mesmo consegui ficar com raiva, ainda bastante preocupado com o estado de saúde do albino.

- Preocupado, jovem mestre? – ele perguntou, se aproximando, parecendo muito presunçoso.

- Não. – neguei – mas não quero um defunto no apartamento ao lado. – bem, não deixava de ser verdade, não é?

- Não se preocupe – ele deu de ombros - eu não vou morrer assim.

Eu mordi a parte interna da minha bochecha e mexi no meu óculos, pensativo. Até quando Gilbert pretendia permanecer assim? Quero dizer, não era nada saudável que uma pessoa se alimentasse daquela forma e eu nem podia brigar pelo seu desleixo visto que ele estava com um problema na sua casa. E eu sabia que não era de minha responsabilidade ajudar, que tanto fazia se Gilbert morria de fome ou tendo um ataque do coração de tanto comer porcaria. Havia pessoas que sobreviviam com menos, oras! Mas... mas... eu, de certa forma, não queria Gilbert passando mal por comer daquela forma, principalmente agora que eu sabia. Não era para eu me sentir minimamente culpado por não me importar com algo relacionado a ele mas... Mesmo assim, quando eu me vi, eu já estava dizendo:

- Você... você poderia jantar comigo, algumas vezes, se quiser. – ofereci, sentindo o meu rosto corar.

Gilbert ficou em silêncio por um momento e eu no exato instante me arrependi das minhas palavras.

- Em compensação você faz o café da manhã. – me apressei a dizer, não querendo que soasse como um convite de alguém de bom coração que se importava com o bem-estar dele, afinal eu não me importava - E terá que colaborar com as compras.

Ele sorriu, mas não daquela maneira presunçosa de sempre. Desta vez ele parecia... feliz? Satisfeito? Eu não sabia dizer, só sabia que o sorriso se sustentava em seu rosto e nos seus olhos haviam um brilho diferenciado.

- Claro, e por que não? – ele respondeu, com o mesmo tom empolgado que a sua linguagem corporal parecia dizer. Me senti levemente constrangido.

Eu tornei a corar, não sabendo muito bem como reagir a isso.

- Ah, e Gilbert...?

- Sim, este é meu nome.

Revirei os olhos.

- Nada de convidados, ouviu? – acrescentei, tentando parecer descontraído apesar de querer profundamente que ele respeitasse esta regra, já que agora eu oficialmente estaria cozinhando para ele.

Seu sorriso aumentou.

- Combinado.

 

.x.

 

Eu queria dizer que detestava as vezes em que eu jantava com o meu não-tão-querido- vizinho mas eu simplesmente não podia. Gilbert tinha uma presença, digamos, hipnotizadora. Era praticamente impossível dizer que eu não apreciava as suas conversas sempre tão aleatórias e descontraídas. Eu me perguntava se aquela ali era a mesma pessoa que eu conhecera no ensino médio. Pois era muito improvável que eu pudesse me dar tão bem com a mesma pessoa que eu costumava a discutir todo santo dia durante três anos da minha vida. Não que ainda não discutíssemos, é claro. Mas o tom era mais sobre a falta de maneiras dele à mesa do que quando Gilbert zombava do meu cabelo e do meu modo de falar. Quem nos conhecesse daquela época, tal como Arthur, acharia completamente insano a ideia de eu e o alemão vivendo em harmonia, mas estranhamente era isto o que vinha acontecendo com a nossa convivência.

Afinal a ideia não havia sido tão bizarra quanto havia soado primeiramente. Gilbert me ajudava com as compras e ele não era uma companhia assim tão ruim nos jantares. Ele sempre me ajudava quando eu pedia ou saía para o mercado mais próximo quando surgia uma emergência e faltava algum ingrediente, o que acontecia sempre visto que eu não era a pessoa mais organizada do mundo e nunca fazia uma lista de compras.

Não era todos os dias que Gilbert aparecia de manhã para fazer o café - isso normalmente acontecia nos finais de semana - mas quando ele vinha se mostrava uma experiência gastronômica fantástica. Gilbert sabia fazer uma panqueca doce como ninguém, não que eu dissesse isso a ele, obviamente. Não é como dele também se derretesse em elogios à minha comida, apesar dele visivelmente ficar satisfeito com ela.

Hoje eu havia preparado um fetuccini à parisiense e ele parecia estar gostando bastante. Era uma sexta-feira, um pouco raro que ele estivesse em casa ao invés de alguma festa na rua ou arrastando alguém para a sua cama. Ao invés disso ele estava jantando em meu apartamento e até havia levado um vinho tinto de boa qualidade para acompanhar o jantar. Aquilo tudo soava incrivelmente suspeito para quem olhasse de fora, mas para mim não era nada mais do que um refeição entre amig... Bons vizinhos.

O interessante também era que nossas refeições nunca - jamais - eram feitas em silêncio. Até porque era praticamente impossível que Gilbert ficasse calado por meia hora se quer. Os assuntos sempre eram das coisas mais aleatórias, de Gilbert explicando a mecânica de uma máquina caça-níqueis à crise de refugiados sírios na Hungria.

Mas hoje o assunto era, digamos, mais leve porém ao mesmo tempo um pouco difícil de se falar.

- Então... Você não entra em um relacionamento por que não quer? - eu prossegui com o assunto polêmico daquela noite: relacionamentos.

- Não, não é que eu não queira. É porque eu não consigo, entende? – ele disse ainda mastigando o macarrão, o que me fez fazer uma careta.

- Você não consegue se manter dentro de um relacionamento? – eu prossegui, tentando ignorar os seus modos à mesa.

- Eu não consigo começar, jovem mestre. – ele gesticulou com o garfo, num gesto bastante rude que novamente foi ignorado por mim. - Bem, primeiro que, por mais que eu diga isso eu gosto da vida de solteiro e da ideia de ter vários parceiros e fazer o que eu quiser.

- Típico. - dei de ombros, dando mais um gole no meu vinho.

- E segundo porque relacionamento implica em eu estar com alguém que eu goste. Não, melhor, que eu ame. Porque se for para ser um namorado idiota, eu quero ser um namorado idiota por uma pessoa realmente preciosa pra mim.

Eu ri ao pensar na ideia. Bem, primeiro, para começar Gilbert já era um idiota. E segundo que era difícil imaginar alguém libertino como Gilbert num relacionamento realmente sério, regado à todos os clichês do romantismo.

- Namorado idiota? – eu perguntei com a curva de um sorriso no canto da boca, ainda achando graça em somente imaginar a ideia.

- Sim, do tipo que compra flores por nenhum motivo, que divide o guarda-chuva mesmo que me deixe ensopado, que saia comigo de mãos dadas para ver pontos turísticos bregas e que me inspire a querer ser enterrado ao lado daquela pessoa. – ele terminou abrindo um sorriso sujo de molho, porém com um estranho brilho no olhar que por alguns segundos me intimidou.

- Nossa. Então você é mesmo um romântico. - eu concluí, impressionado -– Só não tem, digamos, alguém para direcionar o romance.

- É, digamos assim. - ele riu, transformando o seu olhar em malicioso ao se virar para mim - E você, jovem mestre, está solteiro por quê? Acho que interessados é o que não lhe falta.

Eu abaixei o olhar, sentindo-me constrangido ao assunto direcionar-se para mim. Não que eu ficasse exatamente nervoso com o assunto, mas desde que as coisas com Elizaveta não deram certo eu não gostava muito de pensar nisto. Eu sei que já fazia dois anos e eu já deveria ter superado aquele término, mas as vezes me martelava à cabeça como eu jogara fora algo que me fazia tão bem por um motivo tão pífio.

Que eu não deveria pensar agora.

- Eu gosto de estar em um relacionamento, mas ultimamente ninguém me apetece. – eu respondi finalmente, encarando o líquido vermelho dançar dentro da minha taça. Desconfiava que o efeito de álcool estava começando a bater em mim, por ter tomado coragem para prosseguir com a conversa. - Até hoje eu tento analisar se a experiência com Elizaveta fora boa o suficiente para eu tentar de novo.

Ele pareceu incomodado, visto o modo que mordeu o canto da sua bochecha e se remexeu na cadeira. O que era um tanto estranho, já que eu era o foco da conversa naquele momento.

- Você não gostava dela? – ele perguntou com a voz mais séria e baixa que o habitual, que me forçou a levantar o olhar para encará-lo e algo na intensidade com que ele devolvia o meu olhar me obrigou a responder.

- Eu gostava, mas eu não sei se estava... Digamos, satisfeito com ela. Elizaveta é uma pessoa preciosa a qual eu estimava muito, mas um relacionamento tem várias facetas como físico e sentimental.

A forma com que ele me fitava agora me deixou desconfortável, e me vi obrigado a desviar novamente, já me arrependendo do que havia dito. Aquela não estava sendo uma conversa normal. Gilbert deveria ser a ultima pessoa com quem eu deveria discutir o meu relacionamento com Elizaveta, e principalmente os motivos no meu término. Apesar de nós dois hoje em dia não termos mais uma relação com a húngara, ainda pesava o fato de Gilbert ter sido um grande fator para a minha separação. Não que eu estivesse acusando ele de alguma coisa agora, claro. Eu só sentia que podia confiar neste tipo de exposição pois ele acabara de fazer o mesmo comigo, nada mais justo.

- Acho que entendi. - ele de fez uma pausa, interrompendo meus pensamentos - Bem, agora que terminamos que tal um filme? Tenho nada para fazer mesmo. - e deu de ombros, cortando completamente o clima da conversa, o que me fez ficar agradecido.

Também mal liguei em como isso soava esquisito para antigos colegas de classe que se odiavam e que agora eram somente bons vizinhos. Segui para o sofá e começamos a discutir qual filme veríamos. Gilbert queria algum de ação, que de preferência tivesse monstros e muita pancada. Eu não gostava daquele tipo de filme e não tinha nenhum DVD assim em casa, Gilbert até sugeriu pegar algum em sua casa mas eu insisti para que não. Combinamos que na próxima – risos para a situação, se já não estava estranha o suficiente nós ainda estávamos marcando uma próxima vez – veríamos o filme que ele queria. Começamos a vasculhar a minha pilha de filmes, a qual ele fez careta para praticamente todos.

- Credo, jovem mestre. Sério que esses são os filmes que você tem? Não quer a minha senha na Netflix?

Acabamos decidindo por ver Moulin Rouge. Eu tinha muitos filmes de época e documentários sobre música, além de uma pequena coleção dos filmes da Audrey Hepburn, o qual Gilbert rejeitou veementemente. Sentamos no sofá e começamos a assistir ao filme. Como eu já tinha visto este diversas vezes eu me controlei para não cantarolar junto com as músicas, afinal era um dos meus favoritos. Peguei o vinho que Gilbert trouxera e a pus perto de mim na mesinha – a mesma que Gilbert preguiçosamente apoiava os seus pés - e de tempos em tempos enchia a minha taça, bebericando a bebida enquanto assistia.

O tempo passou de forma estranhamente rápida e no final do filme Gilbert estava em lágrimas e eu ligeiramente tonto.

- Por que ela tinha que morrer, Rod? Eles se amavam tanto!

Eu também sempre chorava no final desse filme, mas naquele dia eu só conseguia rir ao ver a sua expressão. Eu sabia muito bem que este era um dos motivos pelo qual Elizaveta e algumas outras pessoas me chamavam de insensível, mas eu simplesmente não consegui evitar.

- Rod?

- Hahaha desculpa, eu nunca imaginaria que você é do tipo que chora por filmes. – eu disse descontraído, com o corpo virado para ele observando as suas reações enquanto os créditos do filme subiam.

- Bem, foi bem triste. - ele disse limpando as lagrimas no canto do olho, tentando inutilmente disfarçar o seu choro - Eu não estou chorando, isto é suor e é muito masculino, ouviu?

- Claro. - eu não consegui me recuperar do acesso de riso. - Bem, se me der licença eu vou lavar a louça... Opa.

Me desequilibrei assim que me levantei, o vinho tinto finalmente fazendo o seu efeito. Eu não costumava a ser um fraco para bebidas, mas considerando que eu havia tomado quase toda a garrafa eu tinha que admitir que estava ligeiramente tonto. Me preparei para o impacto, mas ao invés do acolchoado do sofá e senti músculos firmes. Oh não.  A superfície a qual eu caí começou a se remexer e então eu abri os olhos. Oh não! Eu havia caído justamente em cima de Gilbert e agora estávamos numa posição muito esquisita no sofá. E pior, eu estava tonto demais para ter o reflexo rápido para me levantar. Meu rosto inteiro se tingiu de vermelho.

- Wow, jovem mestre! Você tá meio bêbado hein?

Gilbert esboçou um sorriso malicioso que não podia ter me deixado mais constrangido.

- Calado, eu só estou tonto.

- Tonto, é?

Tentei me remexer para sair de cima dele o mais rápido possível. Mas parecia que quanto mais eu agitava as minhas pernas, mas difícil se tornava de sair. O meu tronco se esfregava de maneira constrangedora contra o de Gilbert naquela confusão, o que me apressava mais e ao mesmo tempo atrasava.

- Roderich... Será que você poderia parar de... Ahn...

- Eu já estou me levam... Ah!

Pensei que eu fosse cair do sofá novamente, mas dessa vez Gilbert me apanhou e eu o segurei pelos braços. Nossas pernas se desembolaram e finalmente ele me ajudou a ficar de pé. Suspirei, aliviado. Até ver o rosto dele, que também estava vermelho. Gilbert vermelho? Eu lembro de já ter visto essa imagem antes, no distante passado do ensino médio, e como a vermelhidão se destacava no seu rosto branco. Mas... Por quê?

- Ahn, obrigada Gilbert...

- Rod, você estava...

- Você malha?

Por que mente de bêbado funcionava daquele jeito? Quando eu vi já havia soltado a pergunta estúpida e agora me sentia um idiota. Fora uma curiosidade genuína porque eu ainda segurava nos braços dele com firmeza e podia sentir os bíceps fortes. Oh, meu Deus, eu não estava pensando nisso! Afinal, a minha mente de bêbado não estava mesmo pensando que Gilbert tinha os braços fortes o suficiente para apertar o meu tronco contra o dele caso ele e eu...

Cale a boca, mente bêbada!

- Ahn, sim. Eu corro e faço aula de luta nos domingos de manhã. Por que a pergunta? - ele respondeu, apesar de parecer um tanto constrangido. Eu me senti ainda pior.

- Curiosidade. - eu respondi simplesmente, tentando amenizar o clima esquisito. - Obrigada. Eu vou lavar a louça agora. - disse me soltando dele finalmente e conseguindo me manter em pé. Ajeitei o óculos na ponte do nariz tentando inutilmente disfarçar a vermelhidão em meu rosto. A única coisa que me acalmava naquela situação comprometedora era ver que Gilbert estava tão vermelho quanto eu, ou talvez mais, considerando o quanto o vermelho de seu rosto se destacava na pele branca.

- Acho melhor eu fazer isso. - ele disse, se levantando e então tomando a minha frente em direção à cozinha - Ei, eu também comprei um pudim e está na geladeira porque sou um convidado incrível e quis fazer uma surpresa! É melhor você comer alguma coisa doce, viu? Agora eu devo enfrentar a louça com todas as minhas armas.

Quando eu vi ele já estava se movimentando para lavar a louça do jantar e eu só me vi respondendo de maneira fraca:

- Eu... Ok.

Dei um sorriso concordando, olhando para as costas de Gilbert. Tomando cuidado para não esbarrar em nada, fui até a geladeira e encontrei a sobremesa que Gilbert trouxera. O pudim era uma sobremesa de supermercado, mas estava incrivelmente bom. Eu ainda tinha o gosto do vinho na boca, mas logo a tontura começou a se dissipar. Mas estranhamente, o sorriso bobo do meu resto se recusava a ir embora.


Notas Finais


Eu não sei porque eu gosto tanto desse cap mas é isso aí x3
Pra quem ficou na dúvida, o Mattew é mesmo o Canadá ;) (desculpa gostadores de PruCan)
E para entender melhor o título do capítulo: Nicole Kidman é a atriz que faz a personagem Santine de Moulin Rouge, é um musical (um dos meus favoritos e do Rod também!)

Espero que vocês ainda estejam acompanhando e gostando dessa singela fic :3
bEIJos


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