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História Paredes Finas - De Debussy à Ravel (Roderich)


Escrita por: xNessan

Notas do Autor


Nossa gente voces me desculpem, mas eu penso é que ninguém tá lendo isso aqui!
Me perdoem e não desiste de mim.
Eu particularmente gosto muito desse capítulo

Capítulo 8 - De Debussy à Ravel (Roderich)


- Você está indo muito bem, Lily. - eu sorri para a minha aluna, orgulhoso com o seu progresso, que me deu um tímido e encantador sorriso em resposta.

Estranhamente eu andava de bom humor todos os dias, estava acertando as minhas lições e recebendo diversos elogios do meu professor. Ele até mesmo perguntara se havia acontecido algo diferente, se eu havia arranjado uma namorada ou estava apaixonado. Na hora eu fiquei um tanto irritado com a intromissão e neguei, obviamente. Mas depois parei para pensar melhor. Estava assim tão claro a minha mudança de humor? Bem, até Arthur havia comentado que eu parecia diferente mas depois de tanto pensar não consegui encontrar uma resposta para a minha súbita mudança de humor. Eu só estava me sentindo bem e isso era o suficiente por hora, havia algum problema com isso?

A presença de Gilbert no meu apartamento estava se tornando cada vez mais recorrente. Sem exageros, mas o albino havia passado praticamente o final de semana inteiro ali dentro. Ele até mesmo me ajudara na faxina, veja só. Era simplesmente engraçado pelo fato de não sermos colegas de quarto e mesmo assim convivermos como se fôssemos, e a desculpa de Gilbert era que "se ele não trouxesse a sua incrível presença para iluminar o meu final de semana eu acabaria morrendo de tédio", muito engraçado, não é? Mas é fato que eu não me incomodava mais com a presença dele. E aparentemente nem ele com a minha, já que agora passamos tanto tempo juntos e...

Ouvi o barulho da campainha e frisei a testa, irritado por ter sido interrompido no meio da aula.

- Sr. Edelstein? - perguntou Lily que acaba sendo interrompida pelo barulho.

- Com licença, Lily. Preciso atender. - a menina de cabelos curtos assentiu com a cabeça e eu me levantei, indo em direção à porta.

Abri a porta visivelmente irritado, já começando o meu discurso por ter sido interrompido.

- Gilbert, eu já disse que neste horário eu estou...

- Gilbert?

Mas quem estava parado no corredor não era o meu vizinho alemão albino e sim o meu amigo suíço de madeixas loiras e feições de um eterno aborrecimento.

- Vash? - crispei os lábios, sem entender a presença dele - O horário da aula ainda não terminou.

- Eu sei, só queria fazer uma visita. Posso entrar?

Eu anuí e o convidei para entrar. Lily o viu se aproximar e perguntou numa voz baixa e quase inaudível se havia acontecido alguma coisa. Vash a tranquilizou e ela voltou a se sentar no piano.

Normalmente a menina vinha com um motorista pois o seu irmão não a deixava usar o transporte público ou mesmo sair sozinha, e na ida ele a buscava quando estava voltando do trabalho. Vash só surgia mais cedo quando precisava buscá-la com antecedência, por isso a minha estranheza.

- Aconteceu alguma coisa? - eu perguntei com o tom preocupado.

- Não. - ele negou com a cabeça - Pode continuar com sua aula, se incomoda se eu fumar?

Na verdade eu me incomodava, mas Vash só o fazia próximo à janela, por isso eu fiz um sinal educado indicando que não e ele se afastou, procurando a janela mais longe de onde estava o meu piano. Eu dei de ombros e voltei a dar a lição à Lily.

Alguns minutos depois eu comecei a ficar preocupado, sabia que Vash não estava ali à toa. Eu virei-me para a minha aprendiz e coloquei na página da partitura à sua frente para que ela pudesse tocar.

- Aqui, Lily. Tente tocar esse primeiro movimento inteiro. Não tem problema se errar, estamos praticando o tempo.

Ela assentiu e começou a tocar e logo a leveza de Clair de Lune ecoava pelo apartamento. Eu me levantei e fui em direção à Vash, que estava com o cotovelo apoiado no batente da janela e segurando o seu segundo cigarro próximo ao rosto, olhava para o céu da tarde tão perdido em seus pensamentos que a sua figura como um todo soava muito serena e elegante.

- Vash, vou servir um chá. - eu disse, me culpando por tirá-lo dos seus pensamentos.

Se ele se assustou com a interrupção não expressou. Os seus olhos verdes caíram em mim e rapidamente ele apagou o cigarro num cinzeiro portátil que estava em seu bolso.

- Agradeço.

Me retirei para a cozinha e pus a água para esquentar para servir o chá. Eu estava me perguntando com o que serviria já que tinha certeza que Gilbert acabara com os meus biscoitos de mel, quando Vash entrou na cozinha. Deixei meus ombros caírem, sabendo que eu deveria perguntar, Vash não era a pessoa mais expressiva que eu conhecia.

- Vash, aconteceu alguma coisa?

- Quem é Gilbert? - a pergunta chegou subitamente e eu pisquei os olhos sem entende-la, muito menos o seu tom de censura.

- Meu vizinho. - levantei uma sobrancelha - Mas por quê a pergunta?

Ele anuiu com a cabeça num gesto dizendo "Deixa pra lá" e eu tive que morder o lábio para me impedir de dizer alguma coisa. O silêncio tornou a pairar e eu só não disse mais nada para terminar de servir o chá. Feito isso, voltei a dizer.

- Vash...?

- Eu queria vê-lo.

Me surpreendi, olhando para o meu amigo com estranheza apesar de não ser nada de mais. Normalmente eu e Vash marcamos de nos encontrar para conversar e tudo mais, mas eu nunca o vira na urgência de me visitar.

- Hum, poderíamos ter marcado um jantar ou algo...

- Você quer sair comigo, Roderich?

- Não vejo problema, onde você está pensando...

- Roderich. - o seu tom sempre sério pareceu ainda mais intenso - Estou chamando-o para um encontro.

Meu queixo caiu antes de qualquer outra reação. O espanto fora tão grande que eu nem mesmo ficara corado, na verdade eu devia era estar pálido. Vash estava me chamando para um encontro ou era imaginação minha? Afinal nós sempre fomos amigos e nunca houve nenhum vestígio, pelo menos de minha percepção, de que havia algo mais. Aliás eu nem via Vash daquela forma, apesar de já ter aceitado a realidade da minha sexualidade. Mas Vash? Era estranho só em pensar.

- Vash... Isso é um pouco... Ahn, inesperado.

- Por favor, Roderich. - o seu tom agora tinha uma nuance suplicante - Só uma vez, se você não gostar ou não se sentir confortável eu não irei insistir, mas por uma vez somente...

Eu vi o seu olhar inseguro desta vez e percebi o quanto estava sendo difícil fazer este pedido, o medo da rejeição transpirando pelos seus poros. E mesmo que para mim aquela ideia ainda soasse absurda, eu simplesmente não consegui fitar o meu amigo daquela forma. Ainda não entendendo como chegamos àquele ponto da nossa amizade, eu acabei assentindo.

- Eu... Tudo bem. - disse com uma voz fraca e incerta.

Eu o ouvi soltar um suspiro de puro alívio e apesar de eu também me senti aliviado por ele, algo parecia tão errado em aceitar esse convite que eu sentia que qualquer passo em falso e eu estaria voltando atrás.

- Eu tenho entradas para a Orquestra Filarmônica de Viena para essa sexta, eles irão apresentar Ravel. Depois podermos ir jantar.

- Oh.

Esta sexta era o mesmo dia que eu prometera ir ao cinema com Gilbert. Quero dizer, eu não prometi nada, havia dito claramente que se eu tivesse livre não havia problema em ir. Mas ao mesmo tempo eu sentia que havia feito sim uma promessa de compromisso com ele mas... Vash disse que já tinha os ingressos, como eu podia adiar algo assim? E também era somente um cinema, poderíamos ir a qualquer hora e...

Por que eu estava me sentindo tão culpado?

- Roderich, por acaso você tem um compromisso neste dia?

Eu voltei a encará-lo e ajeitei o meu óculos, sentindo o nervosismo subir no estômago.

Não era importante. Gilbert não era importante.

- Não, não tenho. - menti, sentindo seu peso cair nos meus ombros - Sexta está ótimo, obrigado pelo convite.

- Eu passo para te buscar então. - ele respondeu com um discreto sorriso no canto dos lábios.

Eu forcei um sorriso educado, tentando me convencer que seria um ótimo programa pois Vash conhecia bons restaurantes e fazia tempo que eu não assistia uma apresentação de orquestra mas...

Aquela sensação de culpa não se esvaia.

.x.

 

Eu tinha que admitir pelo menos para mim mesmo. Eu sou um completo, total e fracassado covarde. Pois eu só falei com Gilbert que não poderia sair com ele na sexta quando fazíamos a nossa refeição na quinta-feira. E mesmo assim eu não lhe contei o real motivo. Não que eu estivesse com medo de sua reação ou que ele ficasse bravo comigo, mas... Eu simplesmente não consegui! Eu acabei simplesmente lhe falando:

- Não poderei sair com você amanhã, Gilbert. Surgiu... um compromisso que não posso adiar no momento.

Ele parou de comer por alguns segundos e me encarou, me indagando com o olhar esperando que eu dissesse mais alguma coisa. Travei, sentindo meu sangue gelar, porém eu não lhe disse mais nada. Sustentei o seu olhar indagador por torturantes segundos até finalmente ele desviar e soltar um suspiro. Um suspiro que pra mim soou um tanto decepcionado, até ele responder.

- De boa. – o seu tom parecia levemente aborrecido mas eu tentei convencer a mim mesmo que era puramente impressão – Você volta pro jantar?

- Creio que não. – respondi desviando o olhar para qualquer lugar da sala que não fosse os seus olhos rubros.

- Ok, então. – ele respondeu simplesmente.

Aquela refeição foi... terrível, visto o clima que se instaurou depois. Não que estivesse achando que Gilbert estivesse chateado, quero dizer, por que ele estaria chateado? Agora ele poderia sair com seus amigos sem que eu atrapalhasse, apesar de ter sido ele quem me convidou mas...  Eu realmente preciso parar de me contradizer ou me dispor a pagar um terapeuta, pois a minha cabeça estava mais confusa do que quando Gilbert tentava me explicar a regra do impedimento no futebol.

Ele não me disse mais nada depois daquilo. Nos despedimos educadamente e Gilbert voltou ao seu apartamento, não dizendo mais nada ou fazendo nenhuma gracinha.

No dia seguinte não voltamos a nos encontrar no corredor ou no caminho para a faculdade. De certa forma eu fiquei mais tranquilo para me concentrar no dia de hoje. Afinal, eu oficialmente tinha um encontro, fato que não acontecia a alguns anos. Eu mal conseguia me lembrar em como era me relacionar com alguém, e este alguém ser ainda meu amigo de anos me deixava ainda mais nervoso. Quero dizer, a alguns dias atrás eu sequer tinha ideia de que era desejado por alguém, a ultima vez fora com Antonio...

Quando eu namorava com Elizaveta acabei percebendo que o seu corpo curvilíneo e voz doce não provocavam o efeito que deveria comigo. Eu a achava linda, a mulher mais linda que já havia posto os olhos, e a amava tanto e me sentia bem quando estava com ela, mas não me sentia satisfeito. O ato sexual me assustava e me deixava desconfortável, por isso depois de algumas vezes decidi parar de tentar. Àquele ponto eu já sabia que não a desejava sexualmente. Mas o nosso relacionamento só chegou ao fim quando meus olhares começaram a se perder em outras formas e meu corpo reagir à certas pessoas. A noite que passei com o espanhol confirmou o que eu sentia, embora eu nunca realmente quis iniciar um relacionamento com ele. Na época eu estava confuso e com raiva, afinal eu havia acabado de terminar com Elizaveta e a vi aos beijos com ele. Me senti tão frustrado e traído que deixei meus desejos falarem mais alto pelo menos uma vez. Mas aquela também fora a última.

O dia passou de forma arrastada. Eu fui para a faculdade de manhã e voltei no horário da tarde. Não tinha fome então abdiquei de cozinhar o almoço para beliscar alguns salgadinhos do armário. Fiquei algumas horas praticando o piano e depois submergi na banheira com espuma até dar o horário de me arrumar.

Me vesti com um terno azul marinho e uma gravata slim roxa e estava crente que estava bem adiantado quando recebi uma mensagem de Vash avisando que já estava na porta do prédio. Fiz uma careta, afinal ainda não havia arrumado o cabelo perfeitamente como eu gostava. Respondi com um “Pode esperar um minuto? Já vou descer” e me apressei em terminar de me arrumar e também tentar acalmar meu nervosismo.

Infelizmente demorei mais do que um minuto para terminar, e me senti culpado pois deveria ter convidado Vash para esperar no meu apartamento. Desci apressado e o encontrei parado em frente à sua BMW. Ele estava bem composto com um terno preto e camisa azul marinho. Tinha um cigarro entre os dedos e sua pose soava elegante e distante, como toda as vezes que ele parava para fumar. Mas a sua testa estava franzida de irritação que logo eu atribui ao meu atrasado. Mordi o lábio me sentindo sem graça por já começar arruinando o encontro.

- Vash? Perdão pelo atraso, eu não prestei atenção direito no horário e...

O suíço lançou os olhos verdes para mim e sua expressão se suavizou rapidamente.

- Não se preocupe, Roderich. Não esperei muito, de qualquer forma. – eu sabia que ele estava sendo gentil, Vash odiava atrasos. – Você.. está muito bem.

Senti o meu rosto esquentar um pouco e desviei o olhar por alguns segundos. Mas sorri pelo cumprimento e acrescentei:

- Obrigado, você também está muito bem hoje, Vash.

Seguido o meu exemplo, Vash também pareceu ficar sem graça mas não conseguiu disfarçar. Eu o ouvi murmurar um “obrigado” antes de jogar o cigarro no lixo e se virar para entrar no carro, ainda visivelmente desconcertado.

- Vamos indo?

Anui com a cabeça e entrei no carro, uma sensação de mal estar começando a se formar no meu estomago.

 

.x.

 

Todas as vezes que eu assistia uma orquestra me sentia eufórico. Era o meu espetáculo favorito. E naquela noite a Orquestra Filarmônica de Viena tocava Bolero de Ravel, uma peça longa mas muito divertida de acompanhar, onde cada instrumento da orquestra tinha o minuto para brilhar. Eu já havia assistido aquela peça outra vez mas não podia recusar o convite de maneira nenhuma, afinal as orquestras mais famosas como a Filarmônica de Viena eram mais caras e mais difíceis de se arranjar uma entrada e no momento eu não tinha dinheiro para este tipo de programa.

Mas pela primeira vez em meus vinte e dois anos eu me sentia apático e não conseguia me concentrar direito na música. Nem mesmo o final do apocalíptico do Bolero com toda a sua energia e sons de tiros de canhões me deixou entusiasmado como as pessoas que batiam palmas com energia e gritavam “Bravo!” enquanto elogiavam animadamente o desempenho da orquestra. Me senti culpado mas mesmo assim aplaudi as devidas palmas à orquestra e esbocei meu melhor sorriso.

Ao sairmos do teatro Vash me informou que gostaria de me levar para jantar. Concordei tentando disfarçar a minha falta de entusiasmo. Felizmente Vash era um cavalheiro e não tentou se aproximar ou segurar em minha mão enquanto fazíamos a caminhada de volta para o carro. Tampouco ele tentava puxar algum assunto. Vash sempre fora mais reservado e difícil de conversar mas eu sempre consegui manter um dialogo natural. Porém aquela noite era diferente. Eu podia perceber que ele estava tenso, e já eu não estava me sentindo tão confortável de estar ali. Mas mesmo assim eu prossegui com o roteiro da noite, não queria estragar os planos do suíço. Pois apesar de tenso ele parecia estar se esforçando para me agradar.

Eu queria saber explicar o motivo da minha falta de animação com esse encontro. Quero dizer, um relacionamento sério era o que eu queria, certo? E Vash é um amigo, eu confio e gosto muito dele e ele tem interesse em mim. Além do mais ele satisfaria meus desejos. Mas... Mas esse encontro não parecia certo. Eu olhava para Vash e apesar de acha-lo um homem atraente eu não tinha vontade de beijá-lo ou ter uma intimidade maior. Eu o queria por perto, mas tê-lo somente como eu já o tinha antes, um amigo, já me contentava. Parecia que faltava algo para mim. Algo diferente do que eu tinha com Elizaveta mas mesmo assim alguma coisa para me conquistar plenamente.

E ainda havia a sombra do convite de Gilbert. Quero dizer, Gilbert não havia feito nada demais além de me chamar para sair com ele como um amigo mas mesmo assim o pedido havia me deixado estranhamente feliz e eufórico. Foi duro ter que declinar, e até agora eu me sentia culpado em ter dispensado Gilbert para sair com Vash, apesar do pedido do suíço ter um tom mais urgente e também porque eu o conhecia e considerava a mais tempo. Mas de alguma forma eu não me sentia bem com isso, Gilbert pareceu chateado por eu ter desmarcado e por algum motivo oculto me deixava mal vê-lo chateado.

E agora eu havia chateado Gilbert e parecia estar preocupando Vash.

- Roderich, você está bem? Parece meio... distraído?

Estávamos em um restaurante muito bom da cidade. Eu bem sabia que Vash não era fã de frequentar restaurantes finos ou gastar dinheiro a toa, na verdade o meu querido amigo podia ser bem mão de vaca quando queria, assim como eu, na verdade. Mas eu não podia negar que luxo me impressionava, e se houve alguma parte daquela noite que eu parecia mais entusiasmado fora quando eu entrei no restaurante e Vash me disse que eu podia escolher o que quisesse. Mas quando a comida finalmente fora servida eu caí novamente numa melancolia silenciosa até a sobremesa. Eu não poderia me enganar achando que ele não iria perceber. Mesmo assim forcei um sorriso, tentando me por em espirito naquele encontro.

- Perdão. – me desculpei – Eu estou bem. O que dizia?

- Eu perguntei sobre a aulas particulares, está conseguindo se manter só com isso?

- Ah. Sim mas... devo entrar em uma competição neste semestre. Tem um prêmio para as primeiras colocações, se eu conseguir vencer é claro.

- Você... Vai conseguir. Você é bom, Roderich. – o suíço pôs a mão em cima da minha enquanto me fitava com o seus olhos verdes. Eu abaixei os olhos e me encolhi um pouco. Concentre-se, Roderich, isso é um encontro. Eu dizia para mim mesmo enquanto ficava cada vez mais sem graça e desconfortável.

- O-Obrigado, Vash.

Ele suspirou alto, ainda sem retirar a sua mão de cima da minha.

- Roderich, eu...

Senti meu celular vibrar no bolso, o que me assustou e me fez tirar a mão debaixo da dele com pressa, num reflexo de atender. Eu sabia plenamente o quanto era falta de educação atender o celular na mesa de jantar, mas no nervosismo foi o que eu fiz. Peguei o aparelho e percebi que era somente uma mensagem de Gilbert. Bom, eu podia responder depois. Mas passando um rápido olhar na tela eu acabei visualizando o inicio da mensagem.

 

Será que poderia passar na farmácia quando voltar? Não to...

 

Franzi o cenho em preocupação e acabei retomando o celular para visualizar a conversa inteira:

 

Gilbert [9:58pm]
 hey, roddy! vc pode fazer um pequeno favor a esta magnânima pessoa?

Gilbert [9:56pm]
 será que poderia passar na farmácia quando voltar? num to legal não...

 

Não consegui esconder o meu cenho de preocupação desta vez. Gilbert estava passando mal? O que será que tinha acontecido? Mordi levemente o lábio e me virei novamente para Vash que me fitava também parecendo preocupado com a minha reação.

- Desculpe-me, Vash. Será que eu posso responder essa mensagem um instante?

Ele anuiu.

- Claro, sem problemas.

Meus dedos logo começaram a digitar rapidamente.

 

Roderich [10:00pm]
 Tudo bem, mas o que aconteceu?
 Está passando mal? O que você vai querer?
 
Gilbert [10:00pm]
 pode me trazer um remédio para o estômago e um energético? E umas balas de também. só isso, sério
 nada há para se preocupar, jovem mestre! eu só acho que comi alguma coisa estragada e meu estômago dói...

 

E mandou um meme de um cãozinho amarelo com cara de triste. Eu abri e fechei minha boca varias vezes, me sentindo subitamente mais preocupado. Digitei furiosamente:

 

Roderich [10:01pm]
 Por que você comeu comida estragada, Gilbert?

 

Ele demorou a responder e eu podia sentir o peso dos olhos de Vash em mim, mas mesmo assim não larguei o celular.
 
Gilbert [10:05pm]:
 Porque... não tinha nada melhor para comer.
 é só um mal estar, pode acreditar em mim. eu só preciso de um remédio e uma boa cerveja! kesesese

Gilbert [10:06pm]:
 A hora que vc chegar tá bom, pode abrir a porta e entrar eu vou estar no quarto
 
Gilbert [10:08pm]:
 Olha... quer saber... deixa pra lá, jovem mestre. Eu não quero atrapalhar seu encontro nem nada. Esquece que eu pedi, vou tentar encomendar pela farmácia

Pisquei varias vezes novamente encarando o meu celular. COMO Gilbert sabia que eu estava em um encontro? Eu era tão transparente assim? Eu lembro de não ter dito nada a ele. Eu era tão transparente assim e ele adivinhou? Não fazia o mínimo sentido.

Aliás, não fazia o mínimo sentido eu continuar enganando o Vash daquele jeito, principalmente agora que eu estava preocupado com o meu não querido vizinho. Eu dei um suspiro alto e digitei, antes de guardar o celular

Roderich [10:10pm]
 Eu estou indo pra casa agora.

Me virei novamente para o meu acompanhante e tentei manter a postura firme enquanto ele me lançava um olhar indagador.

- Vash... Sinto muito mas... eu gostaria de ir embora agora.

Ele não pareceu muito surpreso, o que me deixou consternado. O máximo que ele fez foi questionar:

- Alguma coisa aconteceu?

Eu anui com a cabeça.

- Um amigo meu está com problema. Não se preocupe, eu só gostaria de voltar agora.

Vash assentiu sem perguntar mais. Embora parecesse levemente irritado ou frustrado, o suíço não me falou mais nada, pois sabia que eu teria dito se eu quisesse que ele soubesse de mais alguma coisa. Vash pagou a conta do restaurante sem ao menos me deixar ver quanto fora, embora eu tenha pedido para pagar a minha parte. Se eu tivesse visto o preço me sentiria ainda pior por estar ali. Saímos do restaurante e no caminho para o meu apartamento pedi para passarmos numa farmácia, onde comprei aleatoriamente diversos anti-ácidos para o estômago, remédios para dor e garrafas de isotônico ao invés de energético que Gilbert pedira. Vash ainda me levou o caminho da loja para a casa, me deixando com um buraco ainda pior de culpa me corroer por dentro. Por isso, quando chegamos ao meu prédio após uma viagem silenciosa, eu desci do carro com pressa e só consegui dizer para o meu amigo:

- Vash, eu sinto muito. Boa noite.

E me apressei para entrar, sem esperar a sua despedida.

 

.x.

 

Eu havia acabado de perceber que esta era a primeira vez que eu entrava no apartamento de Gilbert. Como ele disse eu entrei sem cerimônias. Acabei me surpreendendo com a limpeza e organização do lugar, muito diferente do completo caos que eu esperava de uma pessoa como Gilbert. O que chamava mais atenção na sala de estar era um enorme sofá vermelho berrante. Tirando isso nada parecia incomum ou fora do lugar. Havia uma televisão com um vídeo game e vários dvds em ordem alfabética empilhados. Não havia muita decoração, mas tudo parecia ordenadamente e estranhamente Gilbert.

Segui o corredor até o quarto, a planta do apartamento era o mesmo do meu. Bati na porta três vezes mas ninguém atendeu. Franzi o cenho. Será que ele estava dormindo? Se Gilbert estava passando mal eu entraria assim mesmo, quer ele achasse ruim ou não. Eu estava para entrar quando ouvi o barulho da porta sendo aberta. Me virei para ver o albino saindo da porta que era obviamente o banheiro. Ele vestia um conjunto de camisa e calça cinza e tinha uma careta enjoada no rosto. A mão apoiada na barriga na altura do estômago. Era óbvio que ele havia acabado do vomitar. Meu cenho se franziu em preocupação.

- Gilbert!

Gilbert levantou o olhos e uma rápida expressão de surpresa passou pelos seus olhos quando me viu. Mas não parou por aí. Me senti escaneado pelas orbes vermelhas O que deu nele, parecia que nunca tinha me visto! Um sorriso presunçoso muito conhecido cruzou os seus lábios quando ele disse.

- Jovem mestre... Wow. – senti o meu rosto esquentar um pouco. Isto lá era hora dele flertar? Antes que eu pudesse reclamar ele acrescentou = trouxe as balas de menta?

- Sim. – decidi por ignorar - E remédios... Gilbert, você está bem?

- Eu vou ficar. Preciso de água.

Me apressei para buscar, mesmo que ele não tivesse dito nada. Peguei o copo na cozinha, enchi e retornei ao corredor, onde Gilbert já havia aberto a porta do quarto. Sem me convidar eu entrei e logo de cara eu senti o cheiro do lugar como pertencente a ele. O mesmo aroma que eu sentia quando Gilbert sentava perto de mais de mim no sofá. Fora isso, tudo no quarto gritava Gilbert. Havia pôsteres de bandas de rock, CD’s em cima de prateleiras também perfeitamente organizados. E uma enorme águia do brasão de armas da Alemanha na cabeceira da sua cama. A única coisa desorganizada no quarto era a própria cama, em que ele estava jogado. O quarto tinha as luzes apagadas mas eu podia vê-o sob o brilho prateado da lua que entrava pelas frestas abertas da cortina.

- Parece impressionado com o meu ninho, jovem mestre? – me perguntou, rindo.

Revirei os olhos, ignorando. Ao entregar o copo d’água as nossas peles fizeram contato e eu voltei a franzir o cenho. Sem aviso, voltei a me aproximar, pondo a mão em sua testa e bochecha, percebendo que Gilbert estava anormalmente quente.

- Você está ardendo em febre! – exclamei alarmado.

- Nah, eu estou bem... – ele respondeu sorrindo, mas eu pude perceber a falta de vigor em seu sorriso - Só comi algo estragado...

- O que você comeu? – perguntei sem esconder minha preocupação.

- Sei lá... qualquer que estava na geladeira.

- Por que você fez isso?

- Porque... Não tinha a sua comida hoje, Roddy. – ele respondeu, pude ver o seu sorriso branco na luz da noite que invadia o quarto, os olhos carmim brilhando como infra-vermelho no meio da sombra.

Dessa vez o meu rosto ficou realmente vermelho e eu tive que desviar do seu olhar por alguns segundos. Mais do que culpa por ter desmarcado com ele naquela noite para ir num encontro que eu não queria, o meu coração palpitava com as palavras em um sentimento que eu não conseguia distinguir. Mordi o lábio num ato inconsciente de nervosismo. Gilbert gostava assim tanto da minha comida? Ou ele fez isso por que era um estúpido? E mesmo que toda a situação soasse extremamente idiota o meu coração não parava de bater forte de nervoso.

- T-Tome isso, Gilbert. – eu tentei ignorar a sensação. Ofereci os remédios, para o estômago e para febre, os quais ele engoliu todos com uma careta. Ele pegou as balas de menta e também meteu na boca, parecendo um pouco mais aliviado. Eu suspirei. Como um homem deste tamanho conseguia fazer isso consigo mesmo? E mesmo que não fosse de minha obrigação e nem nada eu me sentia como um enfermeiro de uma criança. Ele se aninhou novamente no cobertor da cama, parecendo querer voltar a dormir. Mais uma vez pus a mão em sua testa para senti-la febril. Eu não tinha um termômetro no momento, mas presumia que ele ficaria bem. Me levantei para sair, quando a sua mão tomou o meu pulso. Para uma pessoa doente ele até que tinha bastante coisa. Mesmo assim não me movi.

- Roderich... – eu o ouvi suspirar o meu nome. Sem deboches, sem brincadeiras e sem apelidos. Só o meu nome. Suspirei e me sentei no canto da cama, acariciando os cabelos tão claros e ouvindo um suspiro de satisfação em resposta. O sorriso que surgiu meus lábios foi involuntário.

O que raios eu estava fazendo?

A alguns anos atrás eu mal conseguia suportar a existência dele, na verdade a alguns poucos meses atrás. E agora eu me preocupava desta forma, meu coração batia acelerado quando ele soltava um gracejo e eu simplesmente não conseguia ir embora com um simples chamado do meu nome. Eu não sabia que tipo de feitiço Gilbert Beilschmidt havia lançado sobre mim, mas – de alguma forma – estava fazendo efeito. E por mais que fosse estranho... Eu não queria escapar.

 

.x.

 

Abri o meus olhos por causa da claridade. Pisquei algumas vezes tentando clarear a mente, demorando vários segundos até eu entender onde estava. O aroma daquele travesseiro era completamente diferente do meu. Algo como amaciante de maçã verde e o almíscarado de algum perfume ou desodorante que não era meu. Ao abrir plenamente os olhos e vê a figura serena de Gilbert em seu sono eu compreendi. Havia caído no sono ao lado dele na cama quando velava a sua febre. Eu só não percebi quando eu também havia me deitado e retirado o óculos.

O sol frio da manhã entrava pelas frestas da janela. Gilbert devia ter se esquecido de fechar. Aquela era uma manhã de sábado e normalmente eu dormiria por mais uma hora antes de levantar. Mas visto que aquele não era o meu quarto e sim o de Gilbert, eu me arrumei para levantar, tentando fazer o possível para não acordá-lo...

O que não aconteceu, pois antes mesmo que eu pudesse levantar ele abriu os olhos. Suspirei.

- Gilbert? – sussurrei – Está tudo bem?

Ele piscou algumas vezes me encarando com estranheza. Parecia não me enxergar direito. Eu podia ver que ele ainda estava desorientado pela febre.

- Isso... é um sonho? – ele perguntou, alcançando o meu rosto com sua mão e acariciando delicadamente. Aquele pequeno gesto despertou um arrepio no meu corpo.

= Hum? – perguntei debilmente, sem entender o que ele queria dizer. Gilbert voltou a se aproximar, desta vez com o seu rosto numa distância tornando-se cada vez mais perigosa.

- Algo tão bonito... Só pode ser um sonho.

Meu rosto novamente esquentou em vermelhidão pelo gracejo, mas eu não tive tempo de responder qualquer coisa, pois Gilbert havia encurtado de vez a nossa distância.

Os lábios dele sobre os meus eram quentes e macios, e sua mão era áspera, mas me acariciava com tanta delicadeza era fazia impossível para eu me afastar daquilo, por mais estranho que aquilo tudo fosse. Gilbert me beijava com tanta ternura que após alguns segundos paralisado e sem saber como reagir, eu finalmente fechei os olhos e correspondi timidamente o beijo. Meu coração batia acelerado e minha mente ainda tentava buscar qualquer explicação para aquilo, mas o meu corpo queria corresponder aquele beijo tão doce e carinhoso. Era certo. A textura dos lábios, a temperatura e a forma como a minha pele se arrepiava em satisfação. Era como notas musicais que encaixando perfeitamente para finalizar uma bela canção.

E então terminou com um suspiro leve contra meus lábios. Ele acariciava o meu rosto e eu não pude deixar de corresponder, também acariciando o seu cabelo com meus dedos. Roçava o seu rosto satisfeito contra o meu, e um sorriso insiste cismava em querer brotar de mim.

- Eu não quero acordar. – ele murmurou contra o meu rosto e eu senti o hálito quente fazer cócegas na minha pele.

Eu abri o olhos para responde-lo, mas então percebi... Gilbert só estava semi acordado, e como as suas caricias pararam ele voltou a ressonar, mergulhando novamente no sono. Eu suspirei, percebendo o que se passara. Mesmo assim ainda não podia deixar de sentir a temperatura dele contra os meus lábios. Toquei os meus com as pontas do dedo e depois os dele. Esse alemão, esse albino talentoso que tanto me importunava ainda ia me levar a loucura.

Me levantei de cama e desta vez ele não acordou. Fechei as cortinas do quarto e antes de sair, acariciei novamente os seus cabelos brancos e tão macios.

- Eu acho que eu... também estou sonhando.

E me retirei do seu quarto.

O fim da noite havia sido realmente diferente do que eu imaginava.


Notas Finais


UM BEIJO ACONTECEU!!!!!!!!!!!!!1
E agora, será que o Gil vai lembrar?
Inclusive uma errata do último capítulo: o nome está errado mas eu consertei, ok?
Enfim, o que vocês acharam de SwisAus? Heheheh também não sou muito fã, ainda bem que o Gil atrapalhou tudo ;)
Até a próxima galera!

Músicas:
Clair de Lune - Claude Debussy
Bolero - Maurice Ravel


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