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História Paris Blues - Capítulo Único- Vapor Barato


Escrita por: staargirl

Capítulo 1 - Capítulo Único- Vapor Barato


Fanfic / Fanfiction Paris Blues - Capítulo Único- Vapor Barato

Dezembro de 1971

Ele era adepto a genialidade naturalmente transcendental, submisso a cultura, o poder da fala sábia fluindo de sua mente distinta, era adorado e odiado na mesma frequência, carregava seus seguidores como Messias, pregava a paz e a liberdade, não queria ser como ninguém, construía sua própria filosofia, odiava a manipulação, o instrumento da alienação, abominava cada pingo de preconceito, só queria que fundássemos nossa própria base intelectual, era tudo o que precisávamos na época, embora fosse um dos vilões para o país, mediante ao que estávamos vivendo, ele era o meu salvador, o meu líder culto, a minha religião, por ele eu me ajoelharia, venderia minha alma ao diabo e beberia seu sangue pecaminoso, mataria e roubaria para ter sua essência em meus braços.

Ele era o verme a dilacerar-me com a pele de vidro, transpondo a cascata proibida que era teu ser, sugou-me a essência afetiva perante o mundo em perfeitas circunstâncias que não me deixaram ir embora.

Tudo não passou de uma ilusão passageira que a brisa da estação tentou levar.

(...)

São Paulo, Brasil 30 de março de 1969

Ele falava, falava e falava, o homem havia acabado de adentrar a sala pela primeira vez, era completamente desconhecido, seus cabelos cacheados pulavam a medida que ele se movimentava lentamente pelo recinto, era o nosso quarto professor de história na faculdade de direito no mesmo ano, dois deles nos largaram sem aviso prévio e os outros dois foram pegos pela censura ao falar o que não deveriam, conforme o novo homem barbado e maduro soltava suas teses, alguns oficiais passavam pelo corredor o fitando pela brecha do vidro da porta, já prontos para dar a ele, mediante a necessidade, o mesmo fim que tomavam aqueles que iam contra a ordem estabelecida pelos militares, era uma figura interessante, completamente diferente do visual aparentemente cético dos velhos barrigudos com gotas de suor e cabelos ralos, óculos oleosos e quadrados, roupas sociais e sapatos que chegavam a brilhar, ele era o oposto, velho e ao mesmo tempo novo, o homem usava calças vermelhas, jaqueta jeans, tinha longas botas negras manchadas de terra, um colar de miçangas vermelhas caindo na blusa branca, os cabelos cacheados e longos em contraste com a barba grossa por fazer, era esguio e bronzeado, parecia viajado, vivido, interessante quase como uma paisagem, um estereótipo perfeito ao carregar uma bolsa de lona na lateral do corpo assim que a aula acabou e ele se retirou, avisando que voltaria para o último período, e com um sinal de paz formulado nos dedos acabou por nos deixar e o murmurinho dos outros alunos o julgando e já arrumando alguma forma de livrarem-se dele, e só aí me dei conta de que não havia prestado atenção em nada que o maldito professor havia dito durante toda a duração mediana da aula, estava tão focada em descobrir os detalhes do novo homem, que ignorei até o timbre de sua voz, que tornou-se minha nova curiosidade, fazendo com que eu remoesse como uma doente de tanta ansiedade para quando entrasse na sala de novo, e após longas duas horas e quinze minutos depois, lá estava, dessa vez sem casaco, soltando o tom grave e melódico de suas cordas vocais em algo sobre a Roma, questionando a sala durante longos minutos com questões que já estávamos carecas de saber e nunca obtendo uma resposta por pura rebeldia falha dos componentes da sala, até que cansei-me  da infantilidade e na quarta questão levantei a mão ainda receosa, recebendo seu olhar curioso direto em meus olhos.

- Tudo bem – veio em minha direção, tomando certa distância de minha cadeira – Pode dizer seu nome para a sala?

- Bom...acho que eles já sabem – sussurrei sem a intenção de causar remorso, mas logo todos começaram a rir, custou o tempo para que conseguisse o silêncio necessário – É Lis.

- Lis? – outra expressão, testa enrugada, dedos na barba – Apelido?

- É Elizabeth, mas é muito velho – mais risos, mais tempo para controle dos jovens eufóricos de dezesseis anos – Rômulo e Remo.

- Como é? – seu tom era confuso e novamente todos gargalharam.

- A resposta, Roma, sua pergunta, mitos.

Ele sorriu e bateu o livro contra os braços causando outro tumulto – Correto – virou-se e passou o resto da aula preenchendo o quadro com diversos textos e a cada palavra mais desconfortável e amedrontado parecia.

(...)                                                         

São Paulo, Brasil 15 de abril de 1969

- Bom dia – passou correndo, o víamos apenas uma vez na semana, hoje parecia mais disposto, sempre com o mesmo cordão no pescoço, a face mais serena, os olhos mais abertos e o cheiro de uma madeira natural misturado com cigarro puro inundava o ambiente desde o primeiro centímetro de sua bota até o último cacho escuro de suas cascatas em forma de cabelo – Vamos realizar um projeto – um sorriso manchado escapou por entre seus lábios finos cobertos pela barba e posicionou-se no fundo da sala de aula da faculdade, ainda fitando a cada segundo a brecha da porta – Um filme – precisou de um tempo para retomar a fala devido a agitação confusa de todos mediante a nova notícia – Ainda não posso passar o tema para vocês, mas quero que conheçam a própria cultura e me digam o que está errado – o silêncio foi geral – Quero convocar alguns de vocês para me ajudar com o roteiro, pois acredito que precisamos nos expor, que precisamos nos mostrar e fugir desse método monótono e não vivo no qual estamos empregados – mais silêncio, mais faces nervosas  - Preciso do sigilo absoluto – outra encarada para a porta e outra pela sala, até parar em minha face que sorria empolgada em sua direção, com a mente nova e não tendo noção no que estava prestes a me envolver, mas tudo o que os dezenove pediam era de uma dose de perigo.

- Esse cara é completamente surtado- foi o primeiro comentário assim que seus passos foram para longe – Já já vai desaparecer misteriosamente.

- Não fala besteira!

- Vocês sabem mais do que eu que o maluco não vai durar mais um mês aqui com essa ideia de revolução barata.

- Ele não se vende.

- Ele é completamente chapado – outro garoto qualquer soltou e todos riram até predominar o silêncio absoluto quando o próximo professor adentrou, esse seguindo as características costumeiras de todos ali: gordura, óculos, cabelos ralos e oleosidade.

(...)

*1 semana depois*

Fitava o longo espelho que cobria toda a extensão da parede de uma loja de discos qualquer na tarde de uma avenida movimentada,  repleta de pessoas completamente ignorantes preenchendo a população e minha mente louca e pela metade tentava compreender seus motivos, numa missão falha, enquanto contestava minha própria imagem doente no reflexo que mostrava uma face pálida repleta de olheiras roxas, olhos escuros e fundos, marcas da vermelhidão do frio e do calor que não decidia-se a qual fixar, a magreza quase excessiva do momento, já que minha mente doente não conseguia manter um corpo, emagrecendo e engordando, entregando-me aos distúrbios psicopáticos e loucos da mente jovem, mas agora estava na secura extrema coberta por jeans largos, regata manchada e um longo casaco de lona, enquanto meus cabelos curtos e escuros davam-me uma imagem ainda mais masculina na visão dos meninos da minha idade, que nunca se interessaram e muito menos eu por eles e seus complexos de um machismo reservado e escondido na pose de cavalheiros em obrigação do bem estar da coitada mamãe que tentava viver em sociedade.

Caminhei pela loja como sempre costumava fazer, tocando cada prateleira de forma a sentir a sujeira e a essência da podridão em meus dedos, imaginando o que a censura havia barrado e não havia chego até nós, o que de fato deveria ser o melhor material, encostei em uma grande caixa reconhecendo algumas bandas e desbravando outras, que me pareciam interessantes apenas pela capa, avaliando cada contraste, diferença e bizarrisse, imaginando o que estaria escondido por baixo do encarte, qual mensagem ou simplesmente a essência que aquela melodia queria trazer.

- Gal a todo vapor?

Minhas mãos trêmulas derrubaram o disco ao conhecer o timbre da mais nova razão de minha rebeldia oculta, abaixei com o intuito de recolher o objeto, mas o ser teve a mesma ideia e abaixou-se juntando as mãos quentes na frieza da minha, levantei o olhar ainda escondido por meus cabelos curtos que resolveram cobrir-me e encontrei seu sorriso amarelo e o cigarro cobrindo os lábios, que logo foi ao chão, apagado pela bota escura de sempre.

- Elizabeth...certo.

- Lis – tomei o objeto de suas mãos e ele pareceu desconcertado, mexeu em sua bolsa e acendeu outro cigarro.

– Se importa? – apenas neguei com a cabeça e ele soltou a fumaça para o lado oposto – Posso lhe – Posso lhe contar a história do single desse álbum?

- É meu professor, não é? Fique à vontade – tomei distância o vendo se aproximar com um riso sarcástico acompanhado de sua nicotina mortal e clandestina.

- Não estamos na faculdade– soltou no ar e tornei a procurar por qualquer disco que me distraísse da presença forte do homem ali, que me tirava tanta atenção que nem seu nome ao certo sabia, sempre o via sendo tratado por sr. Morrison, e creio que não seja seu verdadeiro paradeiro – Vapor barato...

- Eu conheço – o interrompi – Na verdade adoro o tom crítico e eró...e bom, o tom...

- Erótico? Pode dizer, Lis, não há problema algum, tom erótico da música, é apenas uma expressão – jogou o cigarro fora e tomou o álbum de minhas mãos de forma delicada, como se ansiasse para não tocar em meus dedos – Vapor barato foi feita há dois anos atrás, é uma metáfora do que ainda estamos vivendo, tomou o tom romântico apenas para passar pela censura e nada mais, relatando os anos de chumbo.

- Sempre a vi como um humano a procura de um lugar no mundo, perdido, exilado, uma música poética elementar, crua, aguda, dolorosa, como se gritasse para os céus esperando que todas as suas preces fossem atendidas.

- Nunca passou pela minha cabeça que meus alunos frequentassem esses lugares – olhou ao redor e quebrou todo o clima mero intelectual que não diferenciava nossa idade e posição, deixando-me desconfortável e de certa forma entristecida.

- Eles não frequentam – segui seus olhos – Nunca os vi por aqui. Alunos de direito, sabe como são...

- Então devemos dizer que você é precocemente não intelectual?

- Estaria ironizando?

- De forma alguma – mais um cigarro e o silêncio predominou, o homem, vulgo, meu professor de história tornou a movimentar seus longos dedos pelos encartes, notei um pequeno anel preto em seus dedos e o fitei por um longo tempo tentando imaginar alguma justificativa para seu paradeiro.

- Senhor Morrison? – sussurrei e ele tornou a me encarar completamente atento – Só queria dizer que gostei bastante da ideia do...filme, arriscada no tema, mas é interessante.

- Me chame de Jim – suspirou, desviando o olhar e alisou a longa barba – Fico feliz, estava cogitando chama-la para me ajudar.

- Cogitando? Não estava certo de que eu aceitaria?

- Pelo contrário.

- Como assim? – tornei a andar na direção da outra estante e ele me seguiu, parando ao meu lado.

- Senti o seu cheiro de rebeldia de longe.

- Então por que não tem certeza?

- Não quero te prejudicar, Lis, já sou um homem parcialmente vivido, não me importo com as consequências que virão daqui para frente, estou completamente desanimado e sem propósito, o meu único é fazer com que vocês mais jovens, a nova geração enxergue o que está acontecendo e criem uma mente própria, mesmo que isso custe a minha.

De tudo que ele falou, arrependi-me de minha única observação errônea – Você não parece ser tão velho, vivido sim, mas velho não.

- 33 anos, a famosa idade de cristo.

- Não acredito nesse cara.

Ele gargalhou – Na sua idade pensava assim.

- Tenho dezenove.

- Eu ainda penso assim – falou e segui seu riso – Preciso ir, Lis.

- Tudo bem, professor.

- Me chame de Jim fora da escola.

- Certo, professor.

- Jim – correu até o outro lado e voltou com um disco nas mãos, entregando-me – Escute “fala” e diga-me depois o que achou, estou certo de que irá gostar.

Jim desapareceu completamente deixando-me com um exemplar de Secos e Molhados.

(...)

- Não apareceu nas últimas semanas – adentrei a sala dos professores receosa o encontrando mexendo nos armários e completamente escondido, o reconheci apenas pelos cabelos – Desculpa invadir.

- O que quer? – seu tom era autoritário e até então desconhecido por mim, só escutava o bater dos livros com brutalidade contra o metal pesado.

- Quando fui pagar o disco, descobri que já havia sido pago – suspirei pesado mal encontrando o equilíbrio- Não achei certo, vim devolver.

- Lis? – bateu a porta encarando-me e assustei-me, dando um passo precipitado para trás, sua face estava marcada por um tom roxo amarelado em um dos olhos, que estava quase completamente fechado de tão inchado, os lábios rachados e com cortes leves e quase cicatrizados, os braços arranhados como se alguma queda o tivesse puxado para beijar a rua violentamente.

- O que aconteceu? – o remorso e a pena me tomaram ao fitar sua face ferida.

- Precisamos lutar por nossos ideais – deu um largo sorriso.

 -Você...você é louco – ele continuava sorrindo e já tinha o material nas mãos, movi o disco em sua direção e ele apenas fez uma careta.

- Tem certeza que não vai querer ficar, é uma obra prima de primeira.

- Bom...- percebi que meus pés moviam de um lado para outro quase que como numa dança falsa e desleixada – Até aceitaria, mas não tenho como escutar, então creio que deva ficar com alguém que o aproveite mais.

- Não tem como escutar?

- Meus pais não são muito ligados em música.

- O que estava fazendo numa loja de discos?

- Ahh...gosto de observar e contemplar o que não posso ver, chega a ser um alívio, apenas imaginar em minhas mãos e saber que não posso fugir e correr e agarrar, mas ainda sim ter um prazer específico ao fita-lo fora de meu alcance, como se aumentasse todos os sentimentos num ciclo vicioso.

- Entendo – sussurrou, deu a volta ficando por trás de meu corpo e colocou o disco em minha mochila – Vamos arrumar um jeito de você escutar...te vejo na aula, Elizabeth.

(...)

- Pode virar para o lado – ele falou pela quarta vez  enquanto rodava pela sala com uma filmadora barata e de má qualidade.

- Está seguindo o estilo de Godard?

-Não brinca! – abaixou o aparelho e encarou-me incrédula o encarando sem saber como prosseguir – Conhece o rei dos reis?

- Sabia que o fato de estar segurando a filmadora na mão sem um suporte e rodando por aí a procura de ângulos como um louco não poderia ser em vão.

- Não pode ser em vão você conhecer a cultura europeia.

- Não me aumente, as pessoas apenas não procuram o que gostam.

- Vai me dizer que curte Gainsbourg?

- Birkin também.

- Não – largou a câmera e passei a gargalhar devido a sua expressão incrédula – Creio.

- Devaneios baratos me levam até eles – cessei o riso imediatamente encarando o chão e o encarando novamente, vendo que acendia um cigarro – Já tem alguma ideia concreta?

- Estou aprimorando o roteiro, só quero captar alguns rostos.

- E conseguiu que mais alguém da sala topasse participar desse suicídio?

- Até agora só você está disposta a morrer.

Gargalhei novamente fitando a fumaça, logo descendo o chão e o encarando novamente, estava completamente confusa, ele me olhava, diretamente nos olhos, a filmadora apontada para o chão e o cigarro queimando em seus dedos completamente inertes, enquanto as cinzas iam automaticamente no chão, pingando na madeira e o famoso fogo que lhe aquece o pulmão virando poeira pura, simples, frágil e doentia.

- Professor? – o chamei e ele continuava focando em meus olhos que já haviam desviado dos seus há séculos.

- Perfeito – deu um pulo, amassando cigarro já consumido sem consumo algum e tomou a filmadora nas mãos, aproximando-se quase que violentamente e mirando a lente em minha face, ele passou a circular ao meu redor com um maníaco fedendo a nicotina, permaneci parada, o homem nem me tocava, focava apenas em minha imagem doente em seus olhos, logo parando e guardando a filmadora, puxou outro cigarro, passou a mochila pelo corpo e esperou que eu fizesse o mesmo – Precisamos sair, logo precisarão usar a sala.

O acompanhei por todo o corredor, era um sábado, a manhã estava raiando, tinindo, o sol quente em nossas peles enquanto atravessávamos o quarto da faculdade numa tentativa sucessiva de não sermos vistos, seus passos eram rápidos, deixavam-me para trás ao adentrar a avenida agitada e lotada a essa hora, correndo para cumprir seus objetivos e alguns dando-se ao prazer que de fato só existiam em suas mentes parcialmente tolas, Jim parecia fugir de meus passos o seguindo em um fim de semana massacrado e aliado a derrota, ele deveria estar querendo rumar para um velho bar e se perder embriagado no banheiro, ele tinha o perfil de quem fazia isso, certamente uma pessoa que não sofre em público porque pega mal, mas afoga a cara na privada todos os dias, tinha cheiro de álcool as vezes, ou só a mistura de seu odor natural com o cigarro, mas hoje a vodka pura saía de seu bafo.

- Senhor Morrison?

Ele virou com cara de poucos amigos, protegendo a visão do sol e apenas balançou a cabeça em minha direção.

- Pode me dar um? – apontei para o cigarro que queimava em seus dedos, ele pareceu receoso, mas logo o sorriso despojado saiu de sua face e ele entregou-me um.

- Não vai se sujar por isso?

- Não vou me sujar fumando apenas um cigarro – coloquei o mesmo entre os lábios, lembrando-me das outras muitas vezes que havia feito isso e o fogo o atingiu, acendendo-o, segurei a tosse ao tragar e joguei a fumaça para o outro lado, o mantendo entre meus dedos.

- Posso lhe convidar para tomar um café e escutar isso aí? – apontou para a mochila que estava em minhas costas.

- Não tomo café.

- Eu sei fazer chá.

(...)

O cheiro de nicotina pura e lençóis lavados tomavam todo o ambiente completamente coberto de decoração, não havia sequer uma parede livre, todas preenchidas com os mais diferentes artigos, desde obras de artes, até pôster de filmes e bandas estrangeiras desconhecidas, e uma longa estante repleta de centenas de livros do pé a cabeça, e no outro lado, havia uma da mesma forma com discos e fitas de gravações.

Havia uma enorme janela na qual ele correu para abrir, deixando o sol invadir , projetando a sombra de seus cabelos na parede oposta, e o vento bater nas cortinas brancas que se chocavam contra os pequenos vasos de plantas no parapeito, jogou as chaves e esvaziou um cinzeiro, jogando as minúsculas partículas na imensidão, depositou a bolsa em uma das cadeias de madeiras com uma estampa étnica, fiquei parada avaliando o ambiente extremamente claro, com as poucas paredes a mostra no puro gelo incolor, ele se movimentava tropeçando em todos os lados, fazendo-me desviar da decoração e focar em seus passos em falso ao percorrer o corredor ainda mais lotado de artefatos pendurados por todos os lados, o segui até o que revelou ser uma pequena cozinha com pequenos e coloridos móveis separados por um balcão da sala que continha apenas um enorme puff no chão e mais e mais música espalhada por todos os lados e um gato cinza dormindo perto de mais vasos de plantas, o barulho das panelas despertou-me a atenção, o segui cuidadosamente parando ao lado do balcão e apoiando-me no mesmo tendo a perfeita visão de seu ser desconcertado com um cigarro nos lábios e as mãos fortes sem saber ao mínimo o que estava fazendo.

- Precisa de ajuda?

- Na verdade – acendeu o fogo deixando o bule no tom azul céu exposto e lançou-me um olhar perturbado – Se quiser colocar algo para tocar, irá acalmar o ambiente.

- Está nervoso?

Ele não respondeu.

Mediante a seu silêncio, o desconforto tomou minhas células, fazendo minha composição tremer a cada passo que dava que pelo corredor completamente sozinha da casa do meu até então desconhecido e a rebeldia falha esvaiu-se de minha mente jovem, o cheiro de cigarro foi ficando cada vez mais distante e me encontrei novamente no cômodo inicial, joguei-me no enorme puff espantando o gato que abriu os olhos claros e logo tornou a dormir, encarei todo o cômodo colorido e mórbido ao mesmo tempo, apanhadores de sonhos e lustres naturais tomavam todo o teto, assim como artefatos naturais que tomavam tudo, levantei ainda confusa passando o dedo por todos os discos empoeirados, eram tantos que em minha cabeça ele não teve todo o tempo disponível do universo para escutar todos, a maioria dividido entre artistas franceses e blues de raiz, joguei a mochila nas pernas retirando o disco com cuidado de seu encarte e aproximando-me de sua vitrola, levantando a agulha e posicionando o mesmo ali, esperando que os primeiros acordes soassem em meus ouvidos.

“Jurei mentiras e sigo sozinho, assumo os pecados

Os ventos do norte não movem moinhos

E o que me resta é só um gemido

Minha vida, meus mortos, meus caminhos tortos,

Meu sangue latino, minha alma cativa”

- Gostei da voz – sussurrei ao ver que ele se aproximava com uma porcelana fumaçante, me entregou com um meio sorriso no rosto e sentou no chão com as mãos apoiadas no joelho enquanto fitava-me parada ao lado da música, tentando identificar algo e levava o líquido doce até os lábios, desviei de seus olhos completamente não a vontade e receosa com as atitudes do homem provavelmente inconstante e deprimido ao meu lado, seguindo a música e indo para a estante dos livros, absorvendo a poeira dos livros, até meus olhos pararem em um deles e um grito animado escapou de meus lábios, chamando sua atenção  - Não brinca! – peguei o exemplar empoeirado o fitando como se toda a riqueza do mundo estivesse exposta gratuitamente em minhas mãos – Beat Poetry!

- Poesia suja...beatniks...quer dizer que curte Kerouac?

- Li um dele e fiquei louca, mas você tem...wow, dezenas.

- Deveria ler Allen Ginsberg – levantou em um impulso rápido e percorreu o lado oposto da estante, pegando um livro e entregando-me –Leia e me conte suas percepções depois.

- Não serão interessantes.

- Você é interessante.

- Se as pessoas tivessem mais acesso e se entregassem as coisas boas, isso não me faria interessante.

- Não se trata dos gostos adquiridos com o tempo e sim com a essência, as pessoas estão sempre em constante mudança, do que adiantaria cair nesse quesito de literatura e jogar-se em outro depois.

- Constrói uma personalidade.

- Já tens a tua.

- Talvez seja só a essência clamando por loucura e rebeldia – o último gole deixou-me desconcertada e fui ao chão, sentando da mesma forma que ele estava minutos atrás, até por fim parar ao meu lado, virando a face diretamente para mim.

- As pessoas precisam ler ligeiramente loucas e inconsequentes, necessitam se expressar de alguma forma.

- Uma pena que esse tipo de atitude é quase suicídio.

- Você parece querer morrer por alguma causa.

- Talvez eu tenha aprendido isso com você, professor.

Permaneceu pensativo, desviando os olhos e sussurrou um baixo – Jim.

- O que é isso? – levantei em um impulso vendo um único quadro em destaque numa parede escondida.

- Ahh – ele sorriu e senti seus passos atrás de mim junto com seu aroma da nicotina mentolada – É um Monet.

- Um Monet?

- Se algum Deus existisse, certamente seria Monet.

- Monet, Monet, Monet, francês?

- Não creio que não conheço Monet.

- Lhe disse que não sou interessante.

- ISSO É FANTÁSTICO! – Jim gritou e sorriu, logo percebendo o atraso de sua reação e passou os dedos longos pela barba, deixando-me agoniada pelo barulho fino, baixo e repetitivo de sua pele chocando-se com os pequenos e grossos cabelos – Tem algo a qual posso lhe ensinar, finalmente!

- Já me ensina história.

- Não da forma gostaria, o básico você já sabe.

- E o que gostaria de me ensinar?

- Monet – sua risada rouca preencheu o ambiente e segui o mesmo tom – Essa é uma réplica barata da impressão, nascer do sol.

- Conseguiu no mercado negro?

- Ahh, consegui quando fui a Paris.

- Você, você já foi a Paris? Não brinca! Paris é minha grande oportunidade vida, a maldita terra das luzes, quero falar francês, viver em cafés e em feiras literárias e...

- Irá se dar bem lá, mas não fique presa a mentira europeia, conheça o mundo real

- Não precisa ser caridoso – o empurrei cuidadosamente em tom de brincadeira, não sabendo o quão bom seria tocá-lo a jaqueta grossa imaginando as experiências que sua pele sabia, e ah como eu necessitava conhecer cada canto fundamentado de sua personalidade, cada vestígio de aprendizado da essência captada na natureza humana.

- Minha cara – estava perto, minha face batia na altura de seu ombro, estávamos posicionados lateralmente, a poucos centímetros de uma distância maçante - É um óleo sobre tela, feito em 1872, ele representa o nascer da manhã, o nascer da vida, do dia, o despertar de todas as criaturas com uma névoa cerrada sobre o estaleiros e os barcos, todas as chaminés ao fundo dando uma composição que é o puro contraste da civilização com o que nos foi deixado, apenas para que cuidássemos e estamos no oposto caminho, nos destruindo cada dia um pouco mais. É a pura liberdade, queria ser livre e suave como esse pincel, transcendental e distinto como as cores dando vida a essa cena marinha. Monet só está interessado pela luz e nada mais, ele só quer captar os primeiros raios solares e os efeitos que causa na natureza, dando drama, soltando todo o peso de seus ombros em uma paisagem, em um pedaço do mundo, um pedaço que o conforta, algo que ele possa chamar de próprio, algo que o faço egoísta os seus efeitos na natureza, pinta as coisas como as vê, e não como as imagina ou pressente, e privilegia a rapidez e espontaneidade do traço, em detrimento da precisão do contorno.  Os reflexos mostram o movimento das águas, que estão crispadas e nada mais importa, só ele e o quadro.

Ele se calou após toda a sua empolgação repentina na qual eu não tirei os olhos do quadro um segundo sequer, estava encantada e obcecada em excesso com todas as suas palavras em contraste com toda as informações captadas naquele quadro, que de tão real chegava a dor em meu interior, queria poder viver dentro dele e de toda a calmaria que o impressionismo de sua arte me trouxe em uma pequena percepção e todas as palavras de Jim, passando por sua expressão maravilhada a cada pequena sílaba que escapava de seus lábios ao compartilhar sua opinião secreta, particular e em especial...própria e comigo, um grande nada no mundo, até que percebi que algo escorria por minha face, passei a mão descobrindo ser uma lágrima quente e salgada e só aí percebi o quão submersa havia ficado por aquela pequena interpretação do que seria a mente de meu louco professor.

- É lindo - foi tudo que consegui falar em meio a uma voz engasgada.

Seu riso frouxo, completamente solto e suave tomou meus ouvidos fazendo-me acompanha-lo, era completamente impossível não reagir a suas feições.

- A sanidade mental é uma imperfeição.

- Vou anotar isso.

- Não anote, viva.

O silêncio dominou e ele tornou a permanecer mais desconfortável que eu – Quer mais chá? – perguntou novamente.

- Não, obrigada.

- Eu insisto – tomou a porcelana de minhas mãos, reaparecendo poucos minutos depois, guiou-me até a varanda que dava uma vista enorme para uma avenida pouco movimentada, na qual passamos a tarde escorados na sacada falando sobre todas as suas inúmeras viagens, o antigo casamento, o período conturbado da separação com a esposa, que a propósito era francesa e seu atual estado de não ligar para muita coisa, não ligando para o futuro de seu corpo e sim da mente da geração atual, passando do drama familiar, falamos sobre todo o tipo de música enquanto o álbum continuava repetindo, parando em artes e encerrando em livros, quando o sol caiu e tive de ir embora com o coração na mão e desejando passar o resto de meus dias conhecendo com a única pessoa que compartilhava os mesmos gostos malucos que eu.

                                                                

São Paulo, Brasil 7 de julho de 1969

Era o fim da primeira semana de férias, na qual passei toda a tarde omitindo fatos para meus pais, afirmando estar na biblioteca ou em casa de amigas não existentes e por um período de tempo eles até ficaram felizes, ao realmente acharem que eu tinha alguma companhia e de fato tinha, Jim era minha única companhia, passei todas as poucas horas do meio do dia deitada em seu puff enquanto ele falava sem parar, deitado ao meu lado, acariciando a barba sobre toda a arte que conhecia, recitando poemas alheios e os próprios, discutindo música e muitas vezes, incontáveis vezes pedia para que eu falasse sobre mim, sobre qualquer coisa, e seu olhar interessado deixava-me cada vez mais pasma.

São Paulo, Brasil, 18 de julho de 1969

Suas costas magras, bronzeada e completamente suada era a única coisa que preenchia minha visão, levantei apressada a, catei minhas roupas que estavam espalhadas pelo chão, vestindo-me sentindo o rubor tomar minha face, estava trêmula, ofegante e molhada pelo líquido do homem ao meu lado, pela composição de James derramada em minhas pernas, ele virou, encarando-me já quase toda vestida, e apenas acendeu um cigarro, sentado em seu lençol branco manchado por meu sangue e completamente nu, usava apenas seu pequeno colar, tragou o último cigarro vendo-me passar pela porta e desaparecer de sua vista e ele não fez nada, absolutamente nada além de colocar sua nicotina para dentro.

Meus passos eram tortos mediante a dor que ainda tomava meu ventre, a cada centímetro que andava pela rua o incomodo doloroso ao ponto de querer guarda-lo em meu próprio quarto, o estava odiando tanto por ama-lo nesse exato momento, mas não queria esquece-lo, deixei meu corpo pesar e ir contra a calçada completamente inebriada pelo cheiro do homem, de Jim, de Morrison, de meu professor que tomava cada partícula minha e as lágrimas passaram a cair em, escorrendo por meus braços, passando por minhas pernas e pousando contra o concreto enquanto as imagens não paravam de se repetir em minha mente. Eu o queria de novo.

*2 horas antes*

“I wish I was a girl of sixteen

Be the queen of the magazine

I'll drive around in a great big car

I'll have a chauffeur like a movie star”

- A primeira vez que isso passou por meus ouvidos, lembrei-me imediatamente de você, Lis.

- Fiz algo para você – virei em sua direção completamente absorta pelo seu olhar que parecia matar-me de tanta intensidade, estávamos deitados no longo colchão que tomava seu quarto, as janelas estavam fechadas e pequenos abajures estavam ligados, dando a iluminação necessária que segundo ele, ajudaria na compreensão da música que tocava ao fundo.

- Leia.

- Promete não rir?

Ele gargalhou alto durante longos segundos e depois seus dedos finos alcançaram meus cabelos fazendo-me tremer imediatamente e precisar de fôlego para arrancar o pequeno pedaço de papel no bolso de meu casaco, o abri manchando tudo com meu suor frio e o encarei por segundos antes de saber se deveria ou não prosseguir – Leia.

- Se as trilhas boêmias se esgotassem, o acidente da cidade luz a sepultaria com sua nostalgia efêmera. A chance pervertida de seguir-te a alma pela temporada das tentativas altas. Enferma pelos caminhos incertos de tua filosofia venturosa pela tua alma. Aura repleta com as raízes do Blues, a corrupção da infantilidade e meu perigo, vomito a escuridão para que tua luz brilhe em mim. Teus olhos engolindo os poemas grifados de uma geração regada a bebidas baratas para afogar as mágoas não canceladas nas privadas frias sustentadas por dedos magros e sofridos. Má sorte designada de atos não pensados, negativamente realizado por mãos ágeis doentias como a pele do útero no deslize afetivo de teu corpo.

Ele apenas sorriu na escuridão e moveu-se o suficiente para o lado, voltando com um papel nas mãos – Também tenho um especialmente seu.

Sentei-me tentando digerir suas últimas palavras e o observei queimar mais um cigarro enquanto falava com seu sotaque meramente forçado.

- “Encontrando-te no portão dos teus pais

Dir-te-emos o que fazer

O que terás de fazer

para sobreviveres

 

Abandona as cidades corrompidas

do teu pai

Abandona os poços de veneno

e as ruas manchadas de sangue

Entra agora nesta doce floresta “

 

- Jim?

 

- Yeah?

 

- Isso é para mim?

 

- O que leu era para mim?

 

O encarei receosa- Sim.

 

- Lis – levantou, ficando de joelhos no colchão e se aproximando cada vez mais – Sabe o que significa?

 

- Não.

 

- O que te assusta menina? – cada vez mais perto.

 

- O que está fazendo?

 

- Estou sentindo, Lis.

 

- O quê?

 

- Você.

Seus dedos finos, longos e gélidos passaram por meus cabelos curtos, descendo e tocando meu pescoço apenas com a ponta marcada de sua mão como se folheasse um jornal, estava próximo, muito próximo, sua respiração estava completamente rente a minha que de tão agitada fazia-me não corresponder aos movimentos como uma pessoa normal, estava completamente imersa em outro planeta, no planeta de suas mãos puxando-me em sua direção, colando meu rosto no seu, esfreguei-me em sua barba, roçando minhas bochechas nas suas, pinicando-me, deixando-me vermelha enquanto o sentia sussurrar em meu ouvido coisas que eu não fazia ideia do que era, já que não estava preocupada em ouvir, senti seus dedos voltarem para minha clavícula e me aproximarem mais ainda de sua face, chegando ao impossível de seus lábios que tocaram os meus de leve, fui nocauteada ao sentir o gosto de sua língua esmagando a minha com força e brutalidade, forçando-me contra ele, joguei-me em seu corpo quando suas mãos firmes agarraram minha cintura e pousaram-me em seu colo, fazendo com que eu sentisse cada um de seus membros, que sentisse a textura de seu braço, de suas pernas, ter o apoio total de suas mãos, ele me apertava contra o próprio tórax, tocando cada parte minha livre a seu alcance, amassando minhas roupas com a ponta dos longos dedos, enquanto nossas línguas ásperas se encontravam com agonia e  temor, passando pela gengiva, contornando os dentes, tamanho desespero, agarrou meu corpo colando-me por completo em cima dele enquanto agarrava minha cintura e passou a movimentar meu corpo sob suas pernas, de modo a sentir o volume coberto por seu jeans, que envergonhou-me o suficiente para que eu saltasse para o colchão e tomasse a distância que não queria de seus lábios.

Jim parou, cuidadosamente deitando-se ao meu lado, seus dedos tocaram minha face, tinha o olhar perturbado e os lábios avermelhados, seus dedos contornavam cada parte de meu rosto, e era humanamente impossível apenas olhá-lo e nada fazer, aproximei-me com os olhos fechados tentando levar-me por seu cheiro e pelo desejo constante que sua pessoa me causava, agi como se estivesse num sonho, como se minhas inseguranças não existissem em meu subconsciente, subi em seu quadril, passando o dedo por seus cabelos e o puxando em minha direção, Jim permaneceu sentado com as mãos em minhas pernas e os olhos fixos nos meus, o belo sinal dionisíaco em sua face era como uma bomba atômica prestes a explodir assim como o que crescia dentro de mim e tornava-se incontrolável a cada segundo longe de seu gosto, puxei-o pelos fios finos e logo  senti o toque de seus lábios nos meus, a textura de sua saliva misturando-se com a minha e largando-me quando o ar faltou, descendo e marcando meu pescoço em meio a suspiros pesados enquanto ainda prensava-me contra seu corpo, de modo que fossemos um só, de modo que sua língua grudou tanto em minha pele que parecia fundir-se uma na outra.

Senti minhas costas no macio do colchão, completamente livre para presenciar a cena do Deus à minha frente arrancada a camisa com rapidez contra a luz, projetando a sombra de seu corpo magro e levemente definido em minha direção, os cabelos caindo pelos ombros e o contraste do pequeno colar em seu peito ficando cada vez mais perto de mim a cada vez que seu corpo descia mais em minha direção, até por fim as miçangas tocaram meu pescoço, derramando-se nele, suas mãos desceram na altura de meu quadril, desabotoando meu jeans cuidadosamente e não desviando os olhos dos meus um mísero segundo sequer, o tecido percorreu cada centímetro de minha perna, até alcançar meus pés e entregarem-se ao chão, seus lábios passaram por minha panturrilha, chegando em minha coxa, passando por minha barriga e em um movimento brusco livrou-me do casaco e da blusa que trajava em um único instante, deixando-me completamente exposta para ele, cobri meus seios com o braço, completamente desnorteada ao lembrar-me que nunca fui adepta ao sutiã, nem mesmo nos anos que a puberdade havia se agravado, e aqui estava eu, apenas com as intimidades cobertas sendo observada por um homem parcialmente nu, semelhante a um maldito deus grego, regados a cigarro e a luz fraca de um abajur vindo em nossa direção e projetando a sombra de nosso pecado na parede, guiou meus braços até sua face, deixando-me livre a tocar sua barba e preencher meus dedos com seus cabelos, seu corpo caiu em cima de mim, separando minhas pernas e a cada toque seu uma explosão me torturava, sempre ansiando por mais, queria guarda-lo só para mim, que fosse inteiramente meu, Jim beijou-me a alma e o corpo por inteiro, partindo de minha testa, contornando meus lábios como um inseto percorre uma flor, desceu por meus seios, causando-me a galáxia inexplorada de uma sensação nova, beijou minha barriga, descendo a umidade de seus lábios até meu quadril, caindo em minhas pernas, lambendo meus joelhos, passando os cabelos em minha única lingerie, deitou no meio de minhas pernas e o único barulho audível era o de nossas respirações sem um pingo de ritmo e no meu caso, repleta de ansiedade e da agulha que insistia em rodar no disco pedindo para ser reiniciado, seu polegar levantou o pano fino de minha calcinha, arrancando-a com paciência, passando por cada extensão de minha perna até chegar ao piso de madeira completamente gasto, fechei-as de imediato, fitando seu corpo de joelhos ainda de jeans e seus braços finos logo trataram de abri-las, ele deitou-se no meio de minhas pernas com seus cabelos pendendo em minha barriga e sua barba roçando em minha virilha, com agilidade agarrou a parte interna de minha coxa e um grito escapou de meus lábios antes que eu pudesse entender o que estava acontecendo e apenas deixei-me levar pela sensação quente de preenchimento de sua língua úmida em meu interior, contornando-me a buceta enquanto seus dedos esmagavam minhas pernas forçando meu quadril contra seus lábios, levei minhas mãos e tampei minha boca, mordi meu próprio braço envergonhada com os gritos que escapavam de minha boca, ele não parou os movimentos circulares, mas largou minha perna e puxou meus braços encaminhando-os para seus cabelos, os puxei com força, deixando meus lábios livres para gemer, até o momento que meu corpo resolveu contorcer-se por inteiro e minhas cordas vocais surpreenderam-me com o ruído que propagaram contra o quarto, caí completamente ofegante e extasiada, provando de meu próprio gozo quando seus lábios alcançaram os meus novamente, meus dedos desceram para o botão de seu jeans que foi aberto, deixando- o exposto e tocando minha barriga, Jim puxou minhas pernas encaixando-se superficialmente entre elas, jogou a única peça que o cobria para longe e quando ia avançar, fiz um sinal de negativo com a cabeça, não queria falar, lhe explicar que não conhecia desse prazer, não poderia estragar o momento com minhas palavras tolas e infantis, ele era bom demais para mim, ele era bom demais para qualquer um, estava sendo privilegiada ao toca-lo e não poderia foder com tudo.

- Nunca? – sussurrou deitando o rosto em meu pescoço e ao contrário do que minha mente fraca e perturbada pensou, ele deduziu exatamente do que se tratava, até por fim seus dedos traçarem um caminho por meus seios, os tocando delicadamente, passando por minha barriga, chegando a virilha, abrindo minhas pernas e ele enfiou um de seus dedos em mim, mordi os lábios ignorando o incômodo que se projetava e ele logo enfiou o segundo, o gosto de sangue tomou meus lábios e o empurrei – Dói? – seu tom era arrastado, quase como se estivesse completamente drogada, apenas fiz um sinal positivo com a cabeça, querendo fugir e ao mesmo tempo esconder-me no meio de seus cabelos, ele prensou o quadril contra o meu ainda com os dedos parados em meu interior e beijou meu pescoço, minha bochecha e minha testa – Tentaremos outro dia.

- NÃO! – o empurrei – Digo, não, por favor, eu posso, eu aguento.

Jim deitou ao meu lado, esticando-se para fora e acendeu um cigarro – Você consegue ou você quer?

- E-eu quero, quero muito, a não ser que não queira.

- Sabe que é um erro mortal.

- Já estamos destinados a morte – puxei seu braço ainda completamente extasiada com o poder de sua pele, ele jogou-se por cima de mim, completamente despido e passou as mãos por minha face, permanecendo ali por um longo tempo, encaixou o próprio cigarro entre meus lábios e segurou meu quadril, suspendendo minhas pernas na altura de sua cintura, nada fez, nem se mexeu, apenas as abriu e ficou encarando, soltava a fumaça em sua direção completamente calma e descobri não se tratar de um simples cigarro de nicotina, encontrei seu olhar já avermelhado e suas mãos desceram por meu corpo suspenso, o tocando pela centésima vez, forcei-me contra ele já ansiando passar por todo o processo desconfortável para sentir de uma vez todo o poder que fluía dele, puxei suas mãos, o fazendo deitar em meu corpo, esmagando-me a alma, nossos ossos se chocavam, encaminhei suas mãos até minhas pernas e ele as abriu, passando os dedos pelo meu interior e os retirando mostrando o quão encharcada e sedenta estava, puxou-me com mais força ainda roçando seu membro ereto em minha entrada, mordi os lábios com força os machucando mais uma vez, fechei os olhos pronta para perder a virtude, mas nada aconteceu, ele apenas o movimentava, indo para trás e para frente fazendo-me contorcer de tanta vontade e confusão.

- Você é a doença psíquica que atormenta meus dias –sussurrou em contraste com o grito que soltei quando me preencheu com força, agarrei os lençóis incapaz de urrar mais, meu interior se contorcia de tanta dor, era fina e aguda, completamente desconfortável, algo escorria por minhas pernas, apavorei-me ao ver que se tratava de sangue, pingando no colchão e pousando nos dedos do homem que tinha o rosto jogado para trás e os lábios abertos, os dedos firmes me apertando, suspirei pesado ainda querendo explodir de dor, mas movimentei-me contra ele, tentando controlar o incômodo que me preenchia, seus olhos encontraram os meus, ele saiu e entrou com força, virei, gritei, esperneei, pedi por mais, de novo, bruto, forte, duro e ágil, entrando e saindo, preenchendo e se livrando, gritei mais, quero você, vamos continue, ele caiu por cima de mim com seu suor misturando-se com o meu, com o líquido gosmento vermelho rodando nossas pernas, ele agarrou minha coxa a afastando para o lado oposto, fixou o olhar no meu, sua testa colava na minha, seus cabelos batiam em meus olhos, sua barba roçava em meu nariz, ele me penetrava cada vez mais rápido, como se colocasse os demônios para fora, como se estravasse toda a culpa que possivelmente tinha de estar sentindo e que parecia estar cada vez mais longe, pegando um caminho completamente diferente a cada investida violenta que dava em minha buceta , a dor era tamanha que forcei-me a fechar os olhos e focar em outra coisa, como as sensações de ter seu corpo por cima do meu, dentro do meu, completando o meu, fodendo o meu de todas as formas possíveis, a movimentação de seu quadril desacelerou, ele nada fazia, apenas estava parado dentro de mim, retirou-se por completo, pousando-o em minha perna ainda duro, mordeu meu ombro, alcançou meus lábios, minha orelha, sussurrou poesias, cantou, esfregou os cabelos em mim, as mãos, o suor, a barba, puxou meus cabelos, puxei os seus, o mordi, me mordeu, me arranhou, o arranhei, entrou em mim novamente dessa vez mais devagar, agarrei seu ombro ficando as unhas o mais forte que consegui ao sentir que o desconfortável ia embora, sendo tomado por uma sensação quase agradável, ele percebeu minha expressão e fixou o olhar no meu, indo devagar, fodendo-me devagar, sem um pingo de força, deslizando sua glande por meu interior molhado, saindo por inteiro e a metendo de novo, indo até o fundo, precisaria de uma camisa de força para suportar o espasmo que chegou na quarta de suas estocadas repletas da calmaria, conforme se movimentava os gritos que escapavam de minha boca eram de puro êxtase, como se confetes estivessem prestes a beijar meu rosto, e então ele aumentou a velocidade, sussurrando bruto com os dentes presos, causando-me algo, uma sensação que nem freud saberia explicar.

Saiu apressado jorrando apressado nos lençóis já sujos e caiu para o lado de costas para mim.

(...)
 4 de agosto de 1969

Suas palavras cortavam minha pele em feridas tão profundas que a morte real seria de fato melhor que a dor de espirito, matando-me a alma que acabava de me proporcionar, completamente diferente da reação de todos naquele cubículo escolar, que beirava a alegria ao escutar o que estava saindo da boca.

Jim tinha o olhar soberano repleto de ódio reprimido, voltando no tempo que nunca existiu, mostrou-se tão frio quanto netuno, tão cruel quanto o mundo, não houve sentido com profundeza ou noção de uma hora preciosa, ele era meu Van Gogh, repleto da natureza transcendental e agora virou meu Munch, melancólico e parcialmente odioso.

- Passei um bom tempo com vocês – ele andava por entre as carteiras, passando por todas as fileiras, menos na minha, estava sufocando-me saber que aquela tinha sido a última vez que o vira, e todos os outros dias que fui procurar por Jim, ele não estava em casa ou em lugar algum, e agora dava a notícia que arrancava minha pele e esmagava meus ossos -  Mas as divergências dos meus pensamentos com os da instituição não me deixaram continuar aqui, afirmo que esse será meu último dia como professor de vocês.

Sr. Morrison deu uma aula apagada e sem sal, e sem despedidas, deixou a sala pela última vez.

Duas horas depois de tanto sentir o fim da vida carnal estava sentada em sua sala, esperando uma explicação plausível, rezando para as crenças que não me tomam para que ele não tivesse ido embora de vez, e seu armário ainda enfeitado aliviou-me, até seu corpo adentrar a sala, ele certamente percebeu minha presença, soltou um olhar vago em minha direção e começou a colocar todos os seus pertences dentro de uma caixa.

- Você é um verme- sussurrei e não obtive resposta alguma –Sempre soube que me deixaria, mas não dessa forma - uma gargalhada fina escapou de seus lábios e o silêncio vibrou em sua mente, o impedindo de revidar – Não foi minha culpa. Você desapareceu. Te procurei como uma doente por semanas e depois de tudo o que aconteceu o seu rastro era poeira pura, e agora aparece apenas para dar o veredito da fuga final. Você é nojento.

- Nunca tivemos nada, deves ter criado algo em sua cabeçam

- Queria poder te machucar de alguma forma, queria poder te fazer sentir na pele o que estou sentindo agora, queria te ferir com palavras gélidas, queria jogar na sua face todos os termos afetivos que entregou-me há um mês atrás e agora foge com medo de arcar com as consequências, não sou capaz de te machucar, veria em meus olhos que tudo não passa de uma mentira.

- Não crie uma fantasia, viva no real, menina rebelde – bateu a porta do armário, acariciou a barba olhando-me pela última vez e desapareceu de minha vista.

 

 

(...)

Fevereiro de 1970 - Recife

POV JIM

Muitas das coisas que aconteceram naquele mês de julho foram poupadas, muitas coisas e palavras que não gosto de me lembrar, de como a tomei em meus braços e lhe passei o pouco conhecimento guardado em minha mente doente pela garota com mania de bondade, com a garra para mudar o mundo, mas ela não iria a lugar algum com meu pessimismo, não iria mover-se para frente se ficasse ao meu lado. Tive de deixa-la antes que tudo se agravasse. E de fato já havia me tomado, e preferia sofrer por sua falta do que vivenciar a dor do erro de a ter.

As luzes avermelhadas de mais um cabaré regado a toda música sofrida estavam enlouquecendo-me mais do que a bebida e meu senso de morte passageiro, algumas prostitutas inteiramente nuas dançavam a minha frente enquanto o carnaval rolava solto e perigoso no lado de fora, sendo reprimido e liberto na mesma frequência, estava sozinho.

O gosto da vodka era o único capaz de livrar minha língua do gosto de seu sexo que mesmo depois de tantos meses era a única coisa que gostaria de provar e provar e provar, mas hoje quero esquecê-la.

Estava entregue ao medo e ao delírio, andando completamente desligado, sem dinheiro e brigando com a morte, produzindo um maldito filme que afrontaria todo o governo atual, estava pedindo pela morte, querendo a tortura para fixar-me em outra coisa, não sentia meus pés no chão ao pensar em Lis, e sem ela e os poucos momentos de sua companhia que me custaram boa parte da vida, eu não via nada, olhava para tudo e nada encontrava, só pensava se ela ainda me queria.

Garota rebelde de olhos brilhantes, me perdoe, mas nunca pedi por isso.

Ela chorou em frente a um exemplar de Monet e agora choro as lágrimas de um homem ferido, bêbado e sem perspectiva, gostaria de ter arrancado meu casaco e ter secado cada uma de suas lágrimas, a entendia, sempre soube o que era ser tocada pela arte, ela foi tocada por Monet. E ela, bom, Lis, Elizabeth, a menina rebelde foi a arte que me tocou.

Dezembro de 1971

POV Lis

Ele estava bêbado, correndo pela escada, gritando como um louco, não via Jim há anos e agora adentrou minha casa como um rebelde, estav acabado, fedendo a bebida e nicotina pura, havia livrado-me do efeito e de tudo que tinha causado a mim, e agora ele volta, desmoronando meu mundo que sempre soube que seria de fato melhor ao seu lado, que seria de fato melhor tendo experiências, que seria de fato melhor se aquele julho tivesse se prolongado, mas Jim não era mais Jim, não era o célebre Deus grego que deu-me aula e mostrou-me seu mundo, Jim era um bêbado, desesperado quebrando toda a casa que não lhe pertencia enquanto eu tentava falhamente segurar sua fúria tentando compreender o que estava acontecendo.

- ELES ESTÃO CHEGANDO.

-Quem está chegando, Jim?

- É o meu fim, doce querida, acabou tudo, acabou pra mim.

- Jim – o segurei, focando seus olhos perdidos nos meus -  Me diga o que está acontecendo.

- O filme – ele falava com dificuldade – A censura, ameaça, sem heterônimos, foi no meu nome, é o meu fim, eles estão atrás de mim, Lis, estão, não tem por onde ir.

- Por que fez isso?

- Precisava lutar, precisava sentir, precisava de um mundo real, você merece um mundo bom, lutei por você , precisava acabar com você dentro de mim.

- Isso foi estupidez, Jim.

- POR QUE ESTÁ SENDO FRIA?

- Estou retribuindo.

- Eu amo você, Lis, tudo o que fiz foi por não suportar viver sem ti.

- Por que fugiu, Jim?

- Não seria capaz, sou um covarde.

- Você precisa sair daqui.

- Foge comigo, Lis.

- Pare de ser um maldito bêbado lunático, você nem ao menos conseguirá sair do país.

Jim aproximou-se causando-me a falta de foco e equilíbrio que seu maldito cheiro, que seu corpo e sua mente traziam-me, Jim jogou-me em suas costas e quando vi estávamos no colchão chorando, gritando e fodendo, até melar-me em seu líquido e adormecer em seu peito maldito.

“Acorda, amor

Eu tive um pesadelo agora

Sonhei que tinha gente lá fora

Batendo no portão, que aflição

Era a dura, numa muito escura viatura

Minha nossa santa criatura

Chame, chame, chame lá

Chame, chame o ladrão, chame o ladrão

 

Acorda, amor

Não é mais pesadelo nada

Tem gente já no vão de escada

Fazendo confusão, que aflição

São os homens

E eu aqui parado de pijama

Eu não gosto de passar vexame

Chame, chame, chame

Chame o ladrão, chame o ladrão

 

Se eu demorar uns meses

Convém, às vezes, você sofrer

Mas depois de um ano eu não vindo

Ponha a roupa de domingo

E pode me esquecer

 

Acorda, amor

Que o bicho é brabo e não sossega

Se você corre, o bicho pega

Se fica não sei não

Atenção!

 

Não demora

Dia desses chega a sua hora

Não discuta à toa, não reclame

Clame, chame lá, chame, chame

Chame o ladrão, chame o ladrão, chame o ladrão”

- Irei com você, não o deixarei de novo, Jim, não deixarei – o puxei pela camisa o guiando pela janela, as lanternas dos policiais e seus passos ecoando por toda a escada com rapidez fazia-me chorar de nervosa, seu corpo foi ao chão, ele esperou por mim, olhei para a porta do quarto, correndo para trancá-la e logo senti a dor ser aparada pela grama, corremos até o carro, dando a partida com a roupa do corpo e tremendo de nervosismo, adormeci ao tomar uma de suas drogas, quando despertei o sol já tomava o céu, estávamos numa estrada deserta fugindo, correndo do mundo que queríamos mudar, éramos fracos e errados.

Agarrei uma de suas mãos que estava completamente trêmula, Jim virou-se em minha direção dando um de seus sorrisos simples com lábios finos escondidos pela barba e esse foi o seu último, fomos jogados para fora da estrada, subíamos para o teto conforme o veículo capotava, e em meio a morte, e em meio ao jogo do fim da vida, nossas mãos estavam grudadas e nossos olhos juntos até o momento da pausa, e o fim por inteiro, o grande impacto ao beijar o lado transcendental, onde nossos líquidos já se encontravam fundidos e nossas almas deixavam nossos corpos inertes, gélidos, mortos e juntos. Não conseguimos a revolução.


Notas Finais


O poema citado no fim é do Chico Buarque e faz uma menção a ditadura.
Espero que gostem dessa viagem toda misturada e louca.


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