História Partituras - Uma péssima primeira impressão

Era uma noite chuvosa, e relampeava como se Aryong Jong[1] estivesse furiosa. Cada luminoso raio iluminava cada quarto da mansão da família Jang.

Yi Jeong acabara de chegar da aula de esgrima e já estava esgotado de todas as aulas que havia feito antes, sem contar que depois de voltar para casa, ainda teria aula de música e dever de casa do colégio, afinal, ainda era um adolescente no último ano do ensino médio.

Sim, seu pai o sobrecarregava de mais o colocando em tantas aulas, talvez até muitas fúteis, mas o Sr. Jang queria que seu filho – único filho – fosse um prodígio, tivesse muito prestígio e que o desse muito orgulho, porém, nunca pensou sobre os sentimentos de Yi Jeong e se isso era o que ele realmente queria para a sua própria vida.

Depois que a mãe do pequeno Yi Jeong veio a óbito numa cama de hospital, o moreno se esqueceu dos próprios motivos que tinha para continuar vivendo.

O moreno deixou que seu corpo caísse sobre o grande colchão da sua cama e suspirou pesado lembrando de que ainda faltava a aula de piano e ainda teria que aturar a professora que o mesmo denominava em segredo como “bruxa de meia idade”, que sempre gritava consigo quando errava alguma partitura ou a postura da coluna enquanto tocava piano.

Teve seus devaneios interrompidos assim que ouviu alguém bater na porta do seu quarto.

­­– Entra! – Gritou entre o som dos trovões e uma silhueta feminina pode ser vista sob as sombras do quarto.

– Do-ryeon-nim[2], está pronto para a aula de música? Seu novo professor está o esperando – Disse a jovem empregada que sustentava sempre em seu rosto uma feição meiga e serena.

– Novo professor...? – Resmungou o moreno para si mesmo estranhando o fato de ter um novo professor de música e seu pai não ter dito nada. Não gostava muito da agora antiga professora de música, entretanto, preferia ela a ter que se apresentar e se acostumar com um professor estranho.

Rapidamente Yi Jeong trocou suas roupas e logo em seguida desceu as escadas até a sala de música.

– Boa noite, do-ryeon-nim. Sou Song Kyung-ll, seu novo professor de música. – Se apresentou formalmente o professor, se curvando para o rapaz, sustentando em seus lábios um pequeno sorriso, que mal poderia ser considerado um sorriso.

Kyung-ll não aparentava ter mais de 20 anos, a natureza o presenteou com uma beleza que poderia ser invejável para muitos. Ele estava quase que exatamente nos padrões de beleza coreano.

Yi Jeong se mostrou indiferente, apenas se curvando rapidamente e soltando um longo suspiro.

– O que aconteceu com a Sra. Kim? – Questionou Yi Jeong que estava com as mãos dentro do bolso da calça de camurça.

– Infelizmente ela teve alguns problemas de saúde e teve que desistir do emprego. Seu pai entrou em contato comigo e eu aceitei a oferta.

O mais novo resmungou qualquer coisa e se virou para sentar ao piano no centro da grande sala iluminada com um grande lustre de cristais e prata.

– Vamos começar? – Propôs Kyung-ll colocando as partituras sobre o piano.

Yi Jeong já era ótimo com o instrumento, errava raras vezes, mas quase não precisava de um professor.

Kyung-ll reparava como eram finos, longos e delicados os dedos do moreno, como suas unhas eram grandes e impecavelmente limpas. Possuía dedos de pianista, não por terem esse padrão, mas simplesmente por tocarem como os dedos de um.

Os pequenos erros eram quase que imperceptíveis. Errava uma tecla ou outra, mas Yi Jeong conseguia transmitir seus sentimentos através do som tão melódico do piano: Frustração, tristeza, alegria, euforia...

Um Kyung-ll sorridente e bem humorado virou seu rosto para o moreno e abriu sua boca para falar.

– Acho que nem precisa mais de um professor.

– Não preciso? Eu ainda sou um fracasso!

Apesar de gostar muito de tocar, e piano ser seu instrumento favorito, Yi Jeong não acreditava ser tão bom assim, ele estava em buscada perfeição absoluta.

Kyung-ll ficou um tanto chocado com a resposta de Yi Jeong. Pensava que assim como ele, Yi Jeong soubesse o quanto ele vai bem no piano.

– Como uma pessoa formada em música, posso te dizer que está longe de ser um fracasso. Fico surpreso de achar isso.

Yi Jeong suspirou forte com as narinas e se levantou. Estava pronto para rebater aquela fala.

– Sabe o que é realmente surpreendente? – O professor levantou as sobrancelhas esperando a resposta. – Surpreendente mesmo é o fato de que não tenha reparado nos erros que eu cometi. Realmente, você estava prestando atenção ou estava tão entediado em me ouvir errando?

Yi Jeong tinha um problema: Ele nunca acreditava em seu potencial. Na verdade, aquele baixinho tinha vários problemas, um deles também era se irritar com coisas triviais, Yi Jeong tinha o pavio curto, e nunca perdia a oportunidade de se irritar com algo por mais simples que fosse.

Kyung-ll percebeu isso, como percebeu...

Mas o professor já foi avisado e já estava pronto para o que, ou no caso quem ele teria que lidar, por mais desaforado que o mais velho também fosse.

Não era como aquele ditado que diz “Os opostos se atraem”, os dois eram exatamente iguais no quesito mau gênio e “Não levo desaforo pra casa”. Muitas alfinetadas ainda estariam por vir, a atmosfera ali dentro daquele enorme cômodo já demonstrava isso.

– Me desculpe, do-ryeon-nim, mas... Eu costumo fazer bem o meu trabalho como professor. Não é de meu âmago elogiar alguém só pelo fato dessa pessoa ser o filhinho do papai rico.

Yi Jeong franziu o cenho, com tanta força que a região começou a doer, no mesmo instante um raio atingiu algum ponto do jardim, e o som estrondoso do trovão pode ser ouvido segundos depois.

Yi Jeong ficou muito, muito irritado.

Mas o que Kyung-ll poderia fazer? Aquela fala foi mais forte do que ele. O jovem não era o tipo de pessoa que se deixava ser pisoteado por pessoas que se achavam superiores simplesmente por terem dinheiro, poder, sangue azul.

Aquilo era para ser uma simples e pacífica aula de piano, mas estava se tornando um ringue de luta de quem dava a melhor resposta.

Yi Jeong estava irritado, mas no fundo, bem lá no fundo, animado por ter finalmente encontrado alguém que teve a ousadia de o desafiar. Aquilo de certa forma seria interessante.

– Não sei se reparou, mas o empregado aqui é você, e o seu papel é somente me servir, não ficar retrucando minhas falas como se tivesse o direito

– Claro, isso é verdade, mas talvez só em sua cabeça, onde fica seu mundo de mimado – Kyung-ll sorriu ironicamente e olhou para seu relógio de pulso – Bom... Já está na hora de ir, até logo, do-ryeon-nim.

O professor deixou a sala, deixando um Yi Jeong muito furioso, rangendo os dentes.

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[1] Na mitologia coreana Aryong Jong é a deusa da chuva.

[2] do-ryeon-nim(도련님): jovem mestre (ou bocchan. Quem já assistiu Kuroshitsuji pegou a referência xD)