A ponta de sua sapatilha tocou o chão com delicadeza.
Coluna reta, pernas esticadas, postura perfeita.
Poeira sujava de cinza o seu belo tutu rosa e suas sapatilhas de ponta. Pisava com uma imensa leveza no chão, sua figura delicada projetando uma sombra escura e esguia no piso de mármore. Seus passos eram firmes e decididos, mas ao mesmo tempo lhe conferiam uma elegância quase singela.
Fechou os olhos e respirou fundo. Fizera seu pequeno espetáculo para cada um deles, e recebido seus presentes únicos também. Da mãe, recebera poeira das ruínas que sujou seu rosto e sua roupa. Do irmão mais novo, neve fria que gelou seu coração. Da guerreira, lágrimas que mancharam suas mãos. Do apresentador, uma explosão de rosas cor de carmim, a cor de sua determinação. Agora, seria a hora de mostrar o que havia de mais profundo em si para o comediante.
Sim, o comediante... Ele era violento e despojado, típico do hip-hop. Ela era suave e elegante, uma bailarina precisa e bem-disciplinada. Uma dupla visualmente estranha, mas poderosíssima. Ambos dominadores e nenhum dominado. E pega pensando em sua própria filosofia atípica, a bailarina acabou por concluir que havia uma química curiosa e complementar em ambos os passos.
Desviou de uma rápida investida do comediante, rodando pelo palco e prestando atenção para não se perder na energia do hip-hop. Sim, ela sabia que nunca esteve realmente sozinha naquele tempo. Seu parceiro sempre esteve ali ao seu lado e mesmo que indiretamente, guiava-a em sua dança mortal. Sussurrava comandos em seus ouvidos, erguia-a nos momentos que caía e com uma gentileza quase bruta, a fazia girar igual a um peão pelo palco.
Esquivava-se dos ataques agressivos de seu oponente, percebendo que ele aos poucos se cansava também. Sim, o comediante era forte e tinha uma energia antes completamente inerte, mas ela tinha determinação.
Coluna reta, pernas esticadas e postura perfeita.
Rodou pelo palco, e o comediante deslizou em uma tentativa falha de tentar manter o ritmo. Pouco a pouco, a energia do hip hop era sufocada pela competência do balé, mesmo que seu adversário não quisesse admitir e tentasse com todas as suas forças restantes não se deixar ser dominado. Ao triste final ambos sabiam, tanto a bailarina quanto o comediante, que era tudo questão de ritmo.
Então, tudo ficou em silêncio. Não se ouvia mais passos no mármore, apenas as respirações entrecortadas dos dois dançarinos, o peito subindo e descendo, subindo e descendo. A bailarina olhou para o comediante, e ele a olhou de volta. É claro que ele também teria um último truque na manga, impressionando-a desde o início com o seu jeito exótico de ser. Infelizmente, o comediante tinha ideias diferentes das suas para aquele belo espetáculo que faziam para ninguém mais do que eles próprios. A bailarina desejava que aquilo durasse para sempre. O ritmo, a música, os passos. Mas ela não gostava de deixar as coisas em aberto. Afinal, o show deve continuar.
Com um movimento brusco e preciso, a bailarina finalizou a mais bela e complexa apresentação de toda a sua vida, um suspiro escapando de seus lábios. Não havia nenhum som na plateia ou no palco, apenas o tênue barulho de seus passos delicados e o mais profundo silêncio. Havia recebido um presente de cada um deles. Da mãe, recebera a poeira das ruínas que sujou seu rosto e sua roupa. Do irmão mais novo, neve que congelou seu coração. Da guerreira, lágrimas que mancharam suas mãos. Do apresentador, uma explosão de rosas cor de carmim, a cor de sua determinação. E por fim, do comediante, recebera o silêncio cortante e o mais profundo vazio de seu ser.
Se perguntava, porém, o que o rei e seu melhor amigo teriam a lhe oferecer.
Coluna reta, pernas esticadas e postura perfeita.
A ponta de suas sapatilhas tocou o chão de mármore com delicadeza. Seus passos soaram no corredor agora vazio, deixando para trás uma pilha inútil de poeira e a sensação de uma promessa não cumprida. Olhos vermelhos brilharam em seu rosto escuro, um sorriso macabro surgindo no rosto antes inexpressivo.
Era a hora de seu Grand Finale.
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