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História Pecado Original - Dramione - Sopro divino


Escrita por: ckai

Notas do Autor


Hellous! Finalmente chegamos ao décimo capítulo!!! Nem acredito que consegui escrever até aqui! Um pouco de fluffy para vocês, para acalmar os ânimos, que escrevi ao som de Nuvole Bianche do Ludovico Einaldi. Espero que gostem!!

Capítulo 10 - Sopro divino


Hermione sabia bem até demais que não tardaria até as pessoas descobrirem sobre nós. Eu, em toda minha frieza, também tinha ciência do fato e tentava retardá-lo ao máximo, mesmo sendo vítima de seu olhar arrasador. Não havia muito o que ela pedisse com aqueles olhos... Aqueles olhos castanhos, quase dourados e, ao mesmo tempo, quase negros, que eu não fizesse de prontidão. Bastava que eles se encontrassem aos meus para que perdesse a noção de tudo e simplesmente consentisse com seus atos, porque ela era linda, magnífica. Ela era a personificação de tudo o que eu sempre quisera, e agora, por uma magia que não necessitara de varinha ou feitiço, tinha o prazer de vê-la dormir em meus braços quase todas as noites.

                Durante as primeiras semanas após nosso fatídico encontro no Ministério, realmente fora complicado vê-la naquela situação: frágil, aberta, sorrindo para mim e me olhando como nunca antes fora olhado por ninguém, nem mesmo por Astoria. Eu nunca soube como reagir perto de seus cachos e de sua pele macia, então tentava afastá-la, recusava-me a encarar seus olhos – talvez me antecipando, porque eu sabia que, no momento em que os encarasse, não saberia mais distinguir o que era ou deixava de ser real – e isso nos magoava, como se nossos pequenos caquinhos resolvessem se descolar no peito e nos alfinetar de dentro pra fora. Nesses momentos, quando eu via seu rosto desviar e suas mãos se fecharem em pequenos punhos, sentia meu peito arder por ódio a minha pessoa ridícula, me esquecia de qualquer coisa que não fosse ela e a puxava para dentro de um abraço apertado, sorvendo de seu cheiro e provando de seu gosto, não raramente acabando nu para que ela me visse de novo, observando-a tão bela sem as roupas que estragavam suas curvas maculadas por minhas mãos. Eu adorava beijá-la como se fosse a primeira e última vez que o faria, e adorava ainda mais quando ela gemia meu nome logo em seguida, porque durante muitos meses ela não pôde fazê-lo. Não precisar fingir indiferença era algo novo e rejuvenescedor.

                No entanto, continuávamos nos escondendo dos olhos alheios. Algo dentro de mim poderia tomar aquilo como vergonha de ser visto com uma sangue-ruim, e saber que ela pensava o mesmo me trazia algo horrível no peito, algo que me fazia contorcer, sentir a garganta queimar e os olhos marejarem de ódio. Eu não me envergonhava dela. Não, de forma alguma. Eu não era o mesmo Draco de dez anos atrás que se sentiria nojento por tocá-la, por tê-la, por beijá-la. Eu era o Draco que queria seu corpo e sua alma para sempre, sentir sua pele escorrer pela minha, mas era ridículo o suficiente para sentir as pernas tremerem de medo com aquela ideia. Já havia passado horas, a maioria delas fruto da insônia, nas quais eu encarava o teto do meu quarto, solitário, ou traçava espirais com a ponta dos meus dedos nas costas nuas de Hermione, pensando nas razões do meu medo de dizer para todos que ela era, afinal, minha.

                Durante anos aquilo fora tudo o que eu almejara e mantivera recluso em minha mente, deixando vez ou outra escapar na forma de um suspiro trágico e um orgasmo mal dado. Não, eu não me enganava fingindo que não era nela que eu pensava quando me tocava, mesmo tão jovem. Agora eu não precisava mais daquele tipo de mentira esdrúxula. Se não era o caso, então por quê? Por que eu simplesmente não poderia conceber a ideia de contar tudo para os outros? O que eu temia, afinal? Respirei fundo, remexendo-me na cama e sentindo a morena ao meu lado se remexer junto. Ela balbuciou qualquer coisa e virou-se para mim, de olhos ainda fechados, seus braços circundando minhas pernas cobertas apenas por uma cueca e, pensando estar confortável, ali ficou, adormecida. Um sorriso passou por meus lábios enquanto retirava alguns dos cachos de sua face, acariciando-lhe as bochechas vermelhas. – Meu Deus, você é tão linda, Hermione. – consegui sussurrar, surpreendendo-me com a utilização da expressão trouxa que ela tanto usava, e por dizer seu nome com tamanha naturalidade. Obviamente eu adorava repeti-lo, mas não costumava fazê-lo. Tinha medo que qualquer um, até mesmo os quadros, pudesse me escutar e roubar aquele nome dos meus lábios. O que eu faria se, de repente, chamá-la fosse impossível?

                Com o coração acelerado, decidi descartar aquela perspectiva e continuar a fazer carinho em seus cabelos, fechando os olhos. Medo. Medo de quem? Medo do quê? Do que adiantava estar com ela de forma tão pura há malditos quatro meses sendo que ninguém sabia? Sendo que achavam que ela havia superado o maldito Weasley por conta própria, sem ninguém para estar ao lado dela? Se pensavam que as marcas em seu corpo, quando apareciam, eram de um caso de uma única noite? Se nunca percebiam que minha cútis estava sempre marcada junto com a dela? Senti meu rosto ficar vermelho, eu odiava tanto quando lhe diziam isso, quando faziam graça das minhas provas de amor por sua pele e não podia simplesmente retrucá-las. Quem eles pensavam que eram para debochar do que eu sentia?

                Respirei o mais fundo que pude, tragando o ar do início da manhã para dentro dos pulmões, sentido o vento suave de maio preencher meu espírito. Era tão bom estar ali, com ela, calmamente repousado em um apartamento que, há pouco tempo, só me trazia luxúria. A primeira vez que fora ali de dia me surpreendi com seu tamanho diminuto e com cada detalhe: as flores no batente, os quadros em pequenos criados, os cômodos pequeninos que se desdobravam em poucos metros quadrados. Ainda não tinha me acostumado com tudo sendo tão pequeno, mas era bom me sentir vivo, tão vivo que até minha pele tinha um tom diferente, que meus olhos brilhavam para mim no espelho e, eu sabia, brilhavam para ela. Era bom não ter que me preocupar com toda a dor que me consumia lentamente, e melhor ainda era sentir seu corpo contra o meu, seguro. Eu a amava mais do que amava a mim. Aparentemente, aquele era meu sopro divino.

                Abri os olhos de repente, sendo surpreendido pelos raios de sol que ousavam entrar pela janela entreaberta. Ela começava a se remexer cada vez mais em meu colo, indicando que acordaria em poucos minutos. Ficava surpreso com a quantidade de coisas que eu sabia sobre ela desde que começamos a nos ver daquela forma, mesmo que em segredo, e com a facilidade com a qual ela me surpreendia a cada dia. Quando Hermione permitiu que eu a amasse, tudo ficou mais simples na minha vida, até mesmo caminhar: eu não sentia mais o peso do mundo nos meus ombros. Mas ainda sentia medo. Um medo desconhecido de que...

                - Draco? – ela murmurou contra meu corpo, seu hálito e respiração diferentes fazendo cócegas na minha coxa. Meu coração acelerou com aquele nome saindo de seus lábios, e não pude deixar de me achar um idiota por ficar feliz apenas com aquele pequeno gesto. Acariciei mais seus cabelos, escutando-a ronronar entre os lençóis, ajeitando-se até ficar melhor posicionada, basicamente escalando meu corpo como um gato. Sua cabeça agora repousava em meu peito, e eu estava devidamente envergonhado por ela escutar o tanto que meu inútil órgão vascular ribombava ao seu toque. Não precisava ver seu rosto para saber que estava sorrindo. Sentia na minha pele a força daqueles lábios em mim. Maldita. – Draco, no que está pensando tanto?

                Certeira. Sempre colocando o dedo na ferida sem perguntar se doía, antes. Aquela era Hermione Granger, que, mesmo sonolenta, não perdia a chance de me provocar com suas palavras e seu corpo suave roçando ao meu. Senti que começava a esquentar, e não era por conta do sol que invadia o quarto pouco a pouco. Aquela mulher me levaria à loucura. Antes que pudesse pesar minhas palavras, me ouvi dizendo, inebriado por aquele rosto tão belo, sem conseguir erguer minha voz a mais do que um sussurro rouco – Eu tenho medo que te tirem de mim.

                Hermione abriu os olhos no mesmo instante, embora não tenha feito outro movimento senão esse e o de erguer o rosto para me encarar, seus lábios um tanto entreabertos. Minha vontade era de levantar daquela cama e sair correndo, eu era um estúpido! Como poderia dizer esse tipo de coisa para uma pessoa que estava comigo há pouco mais de alguns meses? Não importava que eu nutrisse sentimentos há anos, não importava que sim, eu faria qualquer coisa por ela, ainda mais se me pedisse com aqueles olhos maravilhosos nos quais eu me afogava naquele exato instante. Não importava. Nada nunca importou para mim. Desviei meus olhos dos dela assim que me notei fisgado, virando o rosto e encarando um ponto qualquer da cortina branca, parando imediatamente de brincar com seus fios morenos. Como eu era ridículo.

                Sentia meu coração dar voltas dentro de mim, correndo uma maratona inteira, seu som vibrando até a ponta dos meus dedos frios, que agora estavam fechados em um punho. Ótimo. De todos os medos do mundo, eu tinha aquele mais fácil de se concretizar: perdê-la. Claramente eu ficava cada dia mais apaixonado e mais louco, beirando a idiotice. Sentia o ódio descer, amargo, por minha garganta, sem saber se achava bom ou ruim o fato dela não ter me dado resposta alguma. Eu não sabia se queria escutá-la dizer que iria embora em alguns dias, ou até mesmo que iria embora naquele instante. Ou melhor, que me mandaria embora, visto que estávamos na casa dela, e não na minha. Deixei que o ar saísse do meu corpo pesado e ácido, ainda sem coragem de olhar para seu corpo estendido sobre o meu.

                - Draco, quero que conheça meus pais. Hoje. Cinco horas. – as palavras dela saíram tão rápidas e tão precisas que eu fiquei em choque, sendo obrigado a olhá-la. No que infernos aquela mulher estava pensando? Seu semblante era sério e determinado e eu sabia que, mesmo que se me fingisse de morto, seria arrastado até a casa dos Granger, que ela me dissera há pouco tempo que moravam na França desde o final da Guerra. Senti minha boca inexplicavelmente seca, e o coração, ainda acelerado, não pifou por pura teimosia. Em meu colo, Hermione depositou um beijo cálido que esparramou arrepios por toda minha pele, logo se levantando da cama, rumando seminua para a cozinha, e deixando-me estático em baixo dos lençóis.

                O sol raiava do lado de fora daquele pequeno apartamento, e eu não sabia muito bem o que dizer para ele. Há poucos segundos atrás meu maior medo era perdê-la para outra pessoa, e, naquele instante, quando os feixes de luz tocaram meu rosto e eu começava a sentir o cheiro de café expresso vindo do outro lado do pequeno apartamento, eu tremia ao pensar em conhecer o Sr. e a Sra. Granger. Gemi qualquer coisa incompreensível, e deixei meu corpo deslizar até que estivesse completamente deitado no colchão branco. Enfiando o rosto no travesseiro, que ainda possuía o maravilhoso cheiro daquela mulher, soltei um grunhido qualquer, pensando em morrer de vergonha naquele exato instante em que meu coração sucumbia aos batimentos acelerados, e respirar não parecia suficiente. Eu estava perdido.

***

                - Granger, nós precisamos mesmo ir?... – eu pestanejei mais uma vez, sentindo meus dedos cada vez mais frios. Mal conseguia colocar a blusa azul, que ela escolhera para mim dentro da seleção de roupas masculinas que em algum momento acabaram parando em seu guarda-roupa, tamanho era meu tremor. A escutei bufar dentro do quarto, e soube que não me daria a mesma resposta outra vez. Desde que a conhecia, e isso fazia muito tempo, ela era irredutível. Grunhi qualquer coisa enquanto finalmente terminava de colocar a blusa polo, ajeitando seus dois botões e a gola branca. Não fazia ideia de quando ou como adquiria aquela blusa, afinal não tinha nem um pouco o meu estilo, mas ali estava eu, encarando-me no espelho com aquele feio pedaço de tecido e as bochechas coradas de vergonha. Morrer provavelmente seria mais rápido e me daria menos receio.

                Saí do banheiro após ajeitar meu cabelo e passar o perfume que também acabara ali por acaso, e eu me surpreendia com cada coisa ali: escova de dentes, roupas, adereços, gravatas. Nossos objetos se misturavam aos poucos, e eu começava até a saber onde estavam as coisas dela, quando me pedia pela manhã após as noites de semana que ousávamos compartilhar. Balancei a cabeça levemente, retirando qualquer pensamento esquisito dela, e fui até a cama, sentando-me sobre o colchão macio e cruzando os braços defronte o tronco para esperá-la.

                Enquanto eu usava o banheiro, a mulher a minha frente colocara uma calça jeans e uma blusa cor de rosa que era quase completamente coberta por seus cabelos longos. Mesmo de costas, ela era maravilhosa. Mordi o lábio inferior quando meus olhos desviaram para o relógio que marcava três e meia da tarde (o que significava que já tínhamos de ir embora, pois, em Paris, os relógios já marcavam uma hora à frente), sentindo meu coração dar um solavanco no peito. Tudo o que eu mais queria na vida, naquele momento, era ser um trouxa e dizer que era totalmente impossível ir para a França em menos de dez horas. Poderia alegar que não tínhamos como comprar passagens de... Como era o nome daquela coisa, mesmo? Não sei como, mas ela talvez tenha notado minhas sobrancelhas franzidas ao colocar seus brincos de prata, e riu quando eu perguntei, imerso em meus pensamentos – Qual é o nome daquela coisa de metal que voa?

                - Avião é aquela que tem asas, helicóptero é o que tem hélices, e zepelim é o que parece um balão, mas é fechado. – respondeu de prontidão, e eu assenti, sem reparar o tanto que aquela pergunta fora ridícula, afinal até um bebê trouxa saberia o que era a merda da coisa que voa. Tudo o que me importava era não ter como negar uma ida até a França para ver seus pais, porque não tínhamos como comprar passagens de avião. Ser um bruxo e poder aparatar nunca fora um problema tão grande na minha vida. Minhas mãos suavam quando ela, enfim, virou-se para encarar meus olhos, e provavelmente vislumbrou o medo neles. Lógico que eu não admitiria que estava me contorcendo por dentro, temendo que eles não gostassem de mim, que me tratassem mal, que preferissem o babaca do Weasley, que soubessem o que era aquela marca exposta em meu antebraço e tudo o que ela significava, ou o pior: que tivessem ideia de tudo de mal que já havia feito à filha deles. Se eles soubessem quem eu já fora, faria alguma diferença em quem eu era agora? Talvez não permitissem que ela ficasse comigo nunca mais, e eu não sabia mais viver sem ela, eu não sabia, não sabia...

                Não entendi quando o ar começou a faltar nos meus pulmões, apenas que ele voltou subitamente quando senti suas mãos em meus ombros tensos. Havia um abismo inteiro dentro dos meus olhos arregalados, no qual eu quase me atirara. Seus dedos, que coloquei entre os meus – gélidos –, me trouxeram de volta. Eu não precisei falar nada para que ela suspirasse contra minha testa, deixando ali um beijo suave, que logo escorreu até minha boca. Tirei minhas mãos das suas e coloquei-as na cintura fina que ela possuía, puxando-a habilmente para meu colo, e ela veio sem qualquer resistência. Nossos lábios se encontravam com calma e uma delicadeza infinita, embora meu toque sobre ela fosse forte, e nossos corações estivessem acelerados. Suas pernas enroscaram-se em minha cintura, e não fosse nossa necessidade de sair dali – me dissera de antemão que seus pais odiavam atrasos, traço que compartilhávamos –, teria de bom grado retirado aquela blusa esquisita do meu corpo e toda outra roupa que tivéssemos, mas, naquele momento em específico, eu não podia.

                Respirei fundo, beijando-a uma outra vez para sentir o calor de seus lábios até que ela me puxasse para que ficássemos de pé, um ao lado do outro, e partíssemos para o lugar que assolava meus pesadelos desde aquela manhã.  

***

                As ruas parisienses não me eram estranhas, já estivera ali algumas vezes durante a vida, mas a sensação de ter alguém ao meu lado, alguém que deliberadamente estava segurando minha mão fria e suada, era totalmente nova. Era a primeira vez que ela segurava minha mão em público, e não podia me dar ao luxo de dizer que estávamos com poucas pessoas para nos observar: a avenida em questão estava abarrotada, em especial de casais, que se encantavam com a primavera em Paris, ninguém que pudesse nos julgar ou que fosse nos reconhecer, por isso não fiz questão de me desvencilhar de seu toque, mesmo que me fosse estranho. Éramos apenas um casal comum em uma visita comum à cidade das luzes, isso fez com que meu coração acalmasse no peito, e com que eu tivesse uma vontade quase incontrolável de beijá-la ali mesmo, no meio do asfalto, sob os olhos atento da torre Eiffel, da qual eu tinha apenas um vislumbre ao horizonte. Eu ainda detestava a primavera, mas estar ao lado de Hermione deixava tudo mais aprazível. Tudo naquela cidade era rosa e branco, até mesmo nós dois: sua blusa era como as flores, e minha pele, alva como as construções românticas daquela cidade histórica. Deixei um suspiro suave escapar dos meus lábios, que não passou despercebido pela menina ao meu lado. Vi que ela sorriu, e ergueu nossas mãos entrelaçadas para deixar um beijo em meus nódulos. Inevitavelmente corei, martirizando-me por me desestabilizar com gestos tão breves.

                Nossa caminhada foi sucinta, mas suficiente para me acalmar. Não falamos absolutamente nada durante todo o percurso rodeado por flores, e aquele silêncio era nada mais do que um respeito à nossa primeira vez juntos em público, como se nos adaptássemos à forma como nossas mãos enquadravam-se uma na outra, sentindo cada toque como um pedaço do paraíso. Às vezes nossos braços roçavam, trazendo-me um arrepio incontrolável, e outras, uma flor caía em seus cachos. Não fiz questão de retirar nenhuma, apenas ajeitei-as dentro daqueles fios até que formassem uma trilha de botões em sua cabeça. Pequenos gestos, como seus olhos deslumbrados me encarando enquanto eu acomodava as pequeninas flores, valiam mais do que todas as palavras do mundo.

                Paramos defronte uma casa de tijolos marrons que não era pequena, mas não somaria mais de três quartos da minha residência nos arredores Londrinos. Calei a voz dentro da minha cabeça que começava a esnobar as janelas e o caminho de pedras escuras que nos levavam até a porta, apertando a mão de Hermione a cada passo. Mal sentia meu coração dentro do peito, embora soubesse que ele estava acelerado o suficiente para gerar leves espasmos de dor. Eu não conseguia ler muito bem as reações da morena ao meu lado, mas tinha certeza de que ela também estava apreensiva. Assim que chegamos defronte a porta branca, nos entreolhamos, e ela me lançou um sorriso suave, apertando minha palma enquanto erguia o outro braço para apertar um botão ao lado do batente.

                Um som estridente ecoou dentro da casa, o que me fez ter um sobressalto, arrancando uma risada da garota ao meu lado. Por que os trouxas faziam coisas tão barulhentas e tão inúteis como aquele botãozinho e... Escutei o clique vindo do interior, engolindo em seco tudo o que eu pensava, meu estômago revirando junto com meu coração, as pernas perdendo toda a força. Era agora. Agora. Tudo que eu sentia era o frio e o suor que descia por minhas palmas e pela minha coluna, tão gelado quanto possível. Era extremamente vergonhoso estar assim, corado como um adolescente, mas o medo que eu sentia não parecia querer me largar tão fácil. Hermione ainda segurava a minha mão, mesmo que eu tenha feito menção de soltá-la: apenas fui segurado com mais força. Por favor, me segure. A porta se abriu com um estalo e um pequeno rangido que me incomodou, mas não o suficiente para que meu rosto se contorcesse. O momento entre o abrir da porta e a recepção de duas pessoas desconfortavelmente parecidas com ela durou uma eternidade na qual eu mal conseguia respirar.

                Então eram eles. Eram eles os pais dela. Vê-los em fotos era diferente de vê-los ali, me olhando com espanto. A filha deles tinha dito que levaria uma companhia, talvez não tivesse especificado o homem de vinte e seis anos e quase dois metros de altura, razão da surpresa naquelas faces. Eles haviam criado a mulher que eu amava tão incondicionalmente. Dois trouxas. Foram dois trouxas que providenciaram a maior felicidade da minha vida, quanta ironia. Abri e fechei a boca algumas vezes, sem saber o que falar, incomodado com o silêncio que ninguém ousava quebrar, sentindo os dois pares de olhos me avaliando silenciosamente. Era da altura do Sr. Granger, talvez apenas alguns centímetros mais baixo, e bem mais alto do que a mãe de Hermione. Fiquei parado com o maxilar travado e os olhos fixos em um ponto entre aqueles dois, apertando a mão da menina ao meu lado com força o suficiente para doer, até que vi o semblante da senhora se apaziguar em um sorriso, seus olhos quase sumindo entre as rugas de expressão: sinal de uma pessoa que sorria muito na vida. Eu não tinha rugas ao lado dos olhos. – Ora, não fiquem aí parados, vamos entrar logo. Estávamos esperando por vocês dois.

                Deixei o ar sair dos meus pulmões no instante em que eles se viraram para abraçar Hermione, que por fim largou minha mão, começando uma conversa animada com os dois, deixando-me um pouco para trás. Aproveitei do momento para passar os olhos pela casa simplória. Assim como no apartamento de Hermione, os móveis estavam regados de fotos de família, a única diferença era que as do casal não se moviam, e eu demorei alguns instantes avaliando as faces desconhecidas nas imagens até me tocar de que era isso que me incomodava nelas. Havia dezenas de capturas de Hermione em todas as idades possíveis, e em quase todas elas a menina apresentava um sorriso radiante, mesmo quando era pequena e tinha os dentes da frente avantajados. Antigamente, acharia aquele detalhe deplorável, hoje, era nada menos do que fofo. Senti uma pontada no peito, que ainda batia forte, ao me lembrar de que eu não deveria possuir mais de dez ou onze fotos sorrindo.

                - Draco? – escutei meu nome ser chamado, despertando do transe momentâneo. Três pares de olhos quase idênticos me encaravam no final do corredor, e um deles sorria para mim. Senti minhas bochechas ficarem vermelhas, e passei uma das mãos pelo meu cabelo solto – será que eles gostavam do meu cabelo? –, aproximando-me devagar. Cada passo mais perto dos pais dela fazia com que uma parte diferente do meu corpo se arrepiasse, e eu implorava para que eles não tirassem a filha deles de mim com cada pequeno gesto inconsciente. Assim que me posicionei ao lado dela, senti que suas mãos encontraram com meu antebraço e meus dedos, segurando-os com uma delicadeza incomum. Arregalei os olhos para ela, virando-me subitamente e me esquecendo de que estávamos na presença de outras pessoas. O que ela estava fazendo? Como não recebi um olhar em resposta, não pude saber – Mamãe, papai, esse é Draco Malfoy, ele é um bruxo. Estudamos em Hogwarts juntos, e ele também trabalha no Ministério. – um silêncio de reconhecimento passou pelos olhos dos pais da menina, que logo voltaram sua atenção para mim. Meu Merlin, eu queria morrer e levar Hermione junto comigo. – Nós estamos juntos, agora.

                Um olhar de surpresa geral foi dado para a menina que me segurava com tanta firmeza, e eu engasguei com meus próprios sentimentos. Não encontrava palavra alguma senão “juntos”, ressoando interminavelmente em minha cabeça. Juntos. Nós estávamos juntos. Ela tinha dito, não tinha? Tinha assumido para os pais dela que estávamos juntos, então eu não poderia ficar louco, ao menos não mais louco do que já estava. Não percebi que tinha um sorriso tolo nos lábios e que a encarava de forma ridiculamente apaixonada até que minha atenção foi chamada por uma tosse do Sr. Granger. Voltei meus olhos azuis para ele, que me estendia uma mão rugosa. Apressadamente retribuí o cumprimento, apertando-a. – Sr. Malfoy... Já ouvi falar muito de você aqui em casa. – voltei meu olhar para Hermione, que ruborizou, encarando o pai dela como uma adolescente. Não pude deixar de me divertir com a situação, sentindo o peso sair do meu peito, ao menos uma parte dele – Tanto coisas boas quanto coisas ruins. – o alívio que eu senti foi momentâneo, logo uma massa disforme caindo sobre meu coração outra vez.

Eu olhava para o pai dela e sabia que ele estava encarando minha marca negra, parcialmente coberta pelos dedos de sua filha, que se apertaram contra meu antebraço. Ele sabia o que aquela marca significava, sabia de toda a dor, talvez soubesse bem até demais, e o ar começava a sumir dos meus pulmões de novo. Era naquele instante que eu deveria sair correndo porta a fora ou seria mais tarde? Se eu fugisse agora... Mas no que infernos estava pensando? Demorara anos para conquistá-la e agora daria o braço a torcer daquela forma? Não. Definitivamente, eu não seria um covarde como sempre fora. Ergui um pouco meu rosto, voltando a encarar os olhos do Sr. Granger com uma expressão séria. Eu não iria a lugar algum se Hermione não me pedisse. O mais velho pareceu notar a mudança de atitude, e um sorriso de canto surgiu em seus lábios, como pude perceber, apesar do meu nervosismo. Aquele ar de quem sabe de tudo seria genético? – Mas sei que, para minha filha te trazer até aqui, as coisas boas devem ter prevalecido.

                Eu respirei fundo, e notei tardiamente que a morena ao meu lado fez o mesmo, apoiando sua cabeça em meu braço. Inconscientemente rocei meu nariz em seus fios escuros, e, se prestasse muita atenção, conseguiria escutar seu coração batendo em harmonia com o meu. Não percebera que ela também estava nervosa até aquele momento, quando fomos chamados até a varanda para tomar café. A mãe de Hermione me serviu um chá, dizendo que a filha havia lhe dito da minha preferência, e eu agradeci, um pouco sem jeito. Normalmente estava acostumado a tomar o que me entregavam e elogiar, mesmo que fosse horrível. Eu não esperava que fossem me tratar daquela forma, ainda mais sabendo quem eu era. Talvez... Talvez os trouxas fossem esquisitos de outras maneiras, maneiras boas. Não podia deixar de me sentir desconfortável, no entanto, com aqueles móveis simplórios e aparatos tão medíocres. O luxo ainda estava incrustado em minhas maneiras, mas eu precisava me livrar dele o quanto antes, se quisesse sobreviver e ser aceito por aquela família. Dessa forma, aceitei a xícara de porcelana barata e com um dos cantinhos rachados, tomando meu chá nela enquanto ouvia a família conversar sobre assuntos triviais, engolindo meu ego junto com o líquido quente. Tinha certeza de que ligariam para a filha assim que eu fosse embora, pedindo por mais detalhes de nossa relação, e eu esperava que ela soubesse responder, porque eu não sabia, apenas... Apenas gostava.

                Passei o resto da tarde sentado ao lado de Hermione e defronte seus pais, que me faziam perguntas e mais perguntas: com o que eu trabalhava, exatamente? Qual fora minha casa quando estudava? Onde eu morava? Algumas foram incômodas, como quando perguntaram sobre meus pais, e não pude deixar de franzir o nariz e desviar o olhar, estragando toda e qualquer forma de etiqueta. Nessa hora, a menina pródigo me salvou, mudando de assunto rapidamente, e seus pais logo entenderam que não deviam me perguntar sobre isso, o que eu agradeci mentalmente. Um dia, talvez, eu seria capaz de falar para eles que meu pai era um criminoso arrependido, e minha mãe, uma vítima de tudo o que a sede por sangue puro fora capaz de fazer. Eu diria, também, que era diferente dos dois. Aprendi sobre aquelas duas figuras de sorriso fácil e mente aberta a minha frente, e logo me vi rindo com eles, mesmo que de forma discreta, sempre com os dedos entrelaçados aos de Hermione, que os pressionava a cada vez que eu era capaz de sorrir. Não tivesse o relógio batido nove horas da noite, eu nunca teria percebido que as horas tinham passado tão depressa.

                Levantamos-nos do sofá horroroso, porém confortável, com a desculpa de que já estava tarde, e me despedi do Sr. Granger com a garganta seca e um aperto de mão. Seus olhos me diziam que, se minha parte ruim voltasse à tona, não teria feitiço algum que seria capaz de me manter perto de sua menina. Me perguntei se ele teria olhado para o ignóbil do ex-noivo da filha daquela mesma maneira, mas não quis me torturar com esse tipo de pensamento, e nem foi possível, pois logo senti um par de braços envolvendo meu tronco. Arfei em surpresa, encontrando os fios lisos e regados por uma alvura recente da Sra. Granger abaixo de mim. Não soube como reagir àquela demonstração esquisita de afeto, olhando para Hermione ao meu lado, que lutava para não rir da minha falta de habilidade com carícias. A mulher pareceu se contentar com minha surpresa e meus olhos em súplica para que entendesse que quase ninguém me tocava daquela forma, e apenas assentiu, ainda sorrindo.

Antes de irmos embora, após a família se despedir com beijos, abraços e a promessa de que voltariam a se ver em breve, tudo muito esquisito, na minha opinião, a mãe de Hermione tocou meu braço com leveza, talvez propositalmente bem em cima da caveira esmaecida em minha pele. – Eu confio em você, Draco. – o meu nome saindo de lábios tão parecidos com os da minha amada trouxe calafrios até a ponta dos meus dedos, e eu só pude assentir, inapto a pronunciar qualquer palavra. Parecia ridículo querer chorar simplesmente por causa daqueles gestos leves, mas deveria ser algo de família ser capaz de me deixar tão sensível. Com últimos sorrisos, aparatamos de volta para o apartamento de Hermione, a mão dela ainda junto à minha.

                Assim que me vi no tão habitual quarto, atirei-me na cama de casal, sentindo o estrado ranger e dobrar com meu peso. Colocara o rosto virado para o travesseiro, e sentia meus cabelos longos espalhados ao meu redor. Aquele fora um dos dias mais exaustivos da minha vida, e, mesmo assim, sentia meu coração leve. Pensava em como agradecê-la por tudo, em como fazer com que ela entendesse meu medo e em qual material usaria para lhe fazer um pedestal por ser tão maravilhosa. Escutava Hermione se movimentar pelo apartamento, provavelmente se trocando e ajeitando tudo para que fosse dormir. O próximo dia era domingo, e eu estava pensando se ficaria ali por mais uma noite – desde sexta eu desaparecera de casa, e isso estava se tornando tão normal que minha mãe nem perguntava mais para onde eu ia, sabendo que eu não responderia ou arrumaria uma desculpa esfarrapada – ou se voltaria para minha residência, que ficava a algumas horas dali. Suspirei contra o colchão, virando-me de lado simplesmente para dar de cara com a visão da minha vida, sentindo uma fisgada tanto no peito quanto no meu baixo ventre. Não pude deixar de gemer baixinho, passando uma das mãos pelos meus olhos cansados para retirar algumas mechas da minha visão.

                Hermione estava completamente nua na minha frente, seu corpo delineado pelas luzes fracas do lado de fora do aposento. Se ela não era a prova de que deus existia, eu não sabia de mais nada. Um sorriso travesso balançava em seus lábios quando ela aproximou-se de mim, permitindo que minhas mãos encontrassem sua pele e que minha boca provasse da sua. Suspirei, deixando todas as emoções daquele dia culminarem em um beijo apaixonado e febril, meus dedos procurando espaço entre seus cachos ao mesmo tempo em que suas pernas circundavam meu quadril. Era aquilo a prova de que eu estava vivo. Beijá-la, senti-la, saber que ela correspondia aos meus toques e que eu era dela, e ela, minha. Apenas minha, sem dor ou perdas. Seus pais não a tirariam de mim. Ela era tão minha que doía, meu corpo inteiro queimando de amor e paixão por aquela mulher que me agarrava com firmeza, já tirando aquela blusa horrenda do meu torso, permitindo-me sentir nossas peles juntas, o que me trouxe um calafrio. Seus seios firmes roçaram meu peito e eu sabia que o coração não era o único que pulsava de desejo. – Hermione?... – eu sussurrei, sentindo-a estremecer, um leve sorriso escapando dos meus lábios um tanto inchados pelo fervor que nossos beijos começavam a ter. Poucas vezes a chamava pelo nome quando ela podia ouvir. Normalmente era quando realmente necessitava de sua atenção, ou quando, como naquele caso, saía espontaneamente de mim, leve como a brisa primaveril – Obrigado.

                Ousei olhá-la diretamente nos olhos quando pronunciei aquela única palavra, e pude ver o exato momento em que eles marejaram e ela se agarrou ao meu corpo com mais força, enterrando o rosto na curvatura do meu pescoço. Eu não precisava dizer mais nada, porque ela sabia que ser capaz de pronunciar aquelas simples oito letras já era muito para mim. Era tão bom sentir seu calor, seu cabelo fazendo cócegas nas minhas bochechas, sua respiração descompassada sobre minha pele. Era tão bom. Movi meus braços de suas pernas para sua cintura, apertando-a como podia, nossos corpos juntos, nossos corações doloridos, a promessa silenciosa de que ninguém poderia nos separar, jamais. Ninguém além de... – Você sabe que... – eu comecei, um tanto rouco, e tive de pigarrear para continuar, ainda com o queixo apoiado em seu ombro, meus braços ao redor de seu corpo diminuto – Meu aniversário está chegando.

                Ela se remexeu sobre mim, colocando as mãos no início dos meus ombros e se afastando para encarar meus olhos. Eu estava sério, irredutível, embora tudo em mim demonstrasse nervosismo: tinha tirado o dia para sentir pânico e medo, aparentemente, e não sabia de onde tinha vindo aquela ideia, mas seguiria com ela até o fim, mesmo que estivesse mordendo meu lábio inferior com certa força, tentando escapar das palavras que me fariam voltar atrás. Eu não queria mais ser um covarde. Eu não queria ter medo dos outros. Ela sabia o que aquilo queria dizer, e eu sabia o que aquilo poderia significar para ela, quanta dor poderia trazer, mas estava disposto a compartilhá-la com ela. Pasma, abriu a boca uma, duas, três vezes até que simplesmente assentisse e se encontrasse em meu paladar outra vez, apaixonada e certa de que eu a seguraria, se caísse, entregando-se aos meus toques por mais uma noite, até que adormecesse em meus braços horas depois, meus dedos brincando de fazer espirais em sua pele nua.

                Meu aniversário estava chegando. Eu odiava meu aniversário. Talvez, no entanto, ela pudesse fazê-lo melhor. Ela fazia tudo ao meu redor ficar melhor, de qualquer maneira. 


Notas Finais


Esse capítulo foi especial para as meninas do QG Dramione, que me puxam para cima mesmo quando estou no fundo do poço, e para a ~AnyGranger, que queria saber um pouco dos dois juntos, após os acontecimentos do ministério. Obrigada por tudo, minha linda! <3


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