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História Pecado Original - Dramione - A tentação da cobra


Escrita por: ckai

Notas do Autor


Escrevi esse capítulo ao som de O (Fly On) do Coldplay, no remix orquestral. Espero que gostem <3

Capítulo 11 - A tentação da cobra


Namorar Draco Malfoy era uma tarefa tão complicada quanto eu imaginava que seria, desde o momento em que a aceitei. As primeiras semanas foram regadas de uma desconfiança mútua, não da pessoa ao meu lado, mas do que, exatamente, tínhamos em mente. Era quase como se relutássemos em aceitar o mais óbvio: estávamos juntos, e queríamos isso. No entanto, o que mais me incomodava naquelas primeiras horas de reconhecimento, e fazia com que meu estômago revirasse, era algo que eu nunca imaginaria. Quando eu olhava para ele, sabia que me amava há anos. Eu via em seus olhos repletos de esperança, podia sentir quando suas mãos me tocavam, sem a brutalidade de sempre. E eu? Eu estava apenas aprendendo a amá-lo, ainda. Draco me amava há quase dez anos, enquanto eu não era capaz de retribuir esse sentimento de forma tão divina quanto ele, ao menos não no início.

                Por essa e outras, como nossas discussões estúpidas por conta de trabalho fora e dentro do expediente no Ministério, algumas vezes era difícil estar ao seu lado. Não podíamos nos tocar, não era do nosso feitio entregarmo-nos a um sentimento tão bruto tão de repente, colocá-lo em uma bandeja e expô-lo para toda a sociedade bruxa. Não, não, aquilo seria irracional. Continuamos, então, com nossos encontros escondidos, embora fossem mais leves, regados de conversa mansa e carícias discretas que deixavam dúvidas nas cabeças de quem estava por perto. Passado um mês que estávamos juntos, eu já me perguntava como não fora capaz de amá-lo por tanto tempo.

                Não que a imagem de Ronald não me assombrasse vez ou outra, o que nunca passou despercebido pelo enciumado Draco, mas os dois eram tão diferentes e singulares que eu não me culpava por já ter amado um, e estar aprendendo a amar o outro. Eu me encontrei observando o loiro dormir mansamente, escutando-o falar sobre sua infância, sobre como aprendera a andar numa vassoura, sobre como não gostava de doces, mas provava-os mesmo assim quando eu oferecia. Me encontrei quando o vi sorrindo dentro do meu escritório, e quando, sem aviso, me lançava um sorriso brilhante nos corredores para que apenas eu visse, disparando meu coração. Agora ele sabia que podia ser amado, e deixava que eu o fizesse. De noite, quando nos encontrávamos em meu pequeno apartamento, o xingava por ter feito com que eu cambaleasse na frente de alguém importante como o Ministro, o que o fazia cair na gargalhada e me colocar entre seus braços. Eu poderia dormir embalada naquele riso e naquele corpo – Granger... – ele sussurrava contra meu ouvido, arrepiando toda minha pele e me impedindo de pensar com clareza. Mesmo se eu pensasse, ainda gostaria de estar tão perto – Você ainda não entendeu que eu adoro te fazer passar vergonha?

                Aos poucos, porém, as pessoas percebiam que não estávamos normais. Me perguntavam de onde vinham as marcas em meu corpo, porque algumas eu não fazia questão de esconder, e corar não era o suficiente para calar as más línguas. Quem seria? Quem era o meu amante? Não duvidaria se corressem apostas pelo Ministério, sabia que até mesmo Harry e Gina não sairiam impunes. Ele dizia ser um grande estudioso. Ela apostava em um funcionário de Gringotes que sempre me dava bola. Se os dois parassem de fofocar e prestassem atenção na carranca que Draco fazia quando escutava aquele tipo de coisa, não teriam dúvidas sobre a quem era direcionado o meu afeto.

E, mencionando-o, também não escapava dos comentários e da dúvida cruel: quem tinha, em sã consciência, tirado o Malfoy da austeridade que o compunha desde o falecimento de Astoria? Sobre ele, as línguas eram mais afiadas. Não só uma vez escutei boatos sobre prostitutas e bruxas de má reputação que fariam tudo para colocar as mãos em sua fortuna regada a sangue. Quando tinha o desprazer de escutar aquele tipo de coisa, cortava o assunto rapidamente, dizendo que aquele tipo de infâmia não deveria sequer ser pensado e tentando esconder as marcas de seus dentes em meu pescoço, minhas mãos suadas e meu coração inquieto. Ninguém percebia que ele estava mais feliz? Que conversava com mais tranquilidade? Que seus ombros estavam relaxados? Como as pessoas eram tão idiotas para não perceberem que eu, depois de meses aprendendo, o amava?

Percebiam. As pessoas começavam a perceber que algo estava muito errado, e era questão de tempo até juntarem dois mais dois e nos descobrirem. Apenas de pensar nisso o ar já me faltava, mas era tão necessário que soubessem... Portanto, quando, naquela manhã de Maio Draco assumiu que temia me perder, eu não tive dúvidas: estava na hora de arrancar aqueles véus e admitir para o mundo que não estávamos errados em sentir o que sentíamos. Nunca, em todos os meus sonhos, eu imaginaria apresentar Draco Malfoy para meus pais, mas foi o que fiz, e não me arrependi em nenhum instante. Eu precisava começar a admitir em voz alta que o amava.

Após nosso encontro, muito mais bem sucedido do que eu imaginava que seria, tive de receber uma ligação de quase duas horas dos meus pais, que se revezavam no telefone para falar comigo, me perguntando se eu estava louca ou algo do tipo por querer ficar com um Malfoy. Eles não sabiam exatamente no que isso implicava, mas tinham ciência de sobra para notarem que era esquisito, e eu me lastimava por ter dado com a língua nos dentes alguns anos antes, após a Guerra, ainda mais por ter sido levada por alguns pensamentos de Ronald, quem meus pais tinham com muito carinho, mesmo após nosso término. Passei a mão pelo rosto, tentando ignorar as vozes estridentes do outro lado da linha, até que uma única frase me veio à mente: meu pai falava com apreensão, e eu sabia que estava revirando os dedos enquanto tentava compartilhar o aparelho com minha mãe “Hermione, minha filha, você o ama? O a ama mesmo depois de tudo o que ele te fez?”. Eu suspirei, sorrindo, sentindo meu coração leve no peito – Papai, o garoto que me fez mal anos atrás não é o homem que eu amo agora. Naquela época eu obviamente não me via com ele, mas agora... As coisas mudaram, nós mudamos. – Após aquela declaração cansada, escutei um suspiro de alívio e consternação. Eles teriam de lidar com o fato cedo ou tarde, e pareciam começar a entender que eu não mudaria de ideia quanto aos meus sentimentos. Desligamos pouco depois, e a vida continuou como deveria ser.

Cada minuto daquele mês de maio, no entanto, parecia demorar uma eternidade. Eu me via cada vez mais próxima do dia cinco de junho, marcado com uma caneta vermelha em meu calendário pessoal – não podia deixar a data evidente dentro do Ministério, ou as pessoas compreenderiam cedo demais o que estava acontecendo –, e, quando ele chegou, trazendo uma brisa fria e primaveril, mal conseguia me colocar de pé, tamanho era meu tremor. Era o aniversário dele, eu sabia no que aquela data implicava, mesmo que nenhum de nós gostasse. Estávamos juntos, ao menos metaforicamente, há exatamente um ano. Estava na hora de tomar alguma atitude sobre isso.

Acordei cedo, sem sono, e tomei café em silêncio, sem de fato sentir o gosto de qualquer coisa na minha boca. Tínhamos decidido que não nos veríamos até às cinco da tarde, quando ele me buscaria para o jantar. Durante todas as horas daquele dia, que pareciam se recusar a passar depressa, meu coração não desacelerou, e o suor frio não deixou de correr por minhas palmas. Eu era Hermione Granger, ora essa, tinha enfrentado o próprio Lorde das Trevas e não conseguia ficar calma para um jantar na casa dos Malfoy? Não, não conseguia, e isso era patético. Nem mesmo quando eu me arrumava, colocando meu melhor vestido e trançando meu cabelo lentamente, consegui me ver calma. Meu estômago revirava tanto que eu sequer sabia se seria capaz de comer algo naquele jantar: ou pior, se duraria tanto tempo assim para conseguir comer algo. Não fazia ideia de como os donos daquela mansão me acolheriam, se é que olhariam na minha cara. Um arrepio passou pelo meu corpo enquanto eu terminava de colocar um brinco prateado, e eu tive de fazer força para que minha mente não me levasse até aquela mansão gigantesca, com seus corredores em forma de labirintos, suas salas escuras, seu porão abafado, minhas lágrimas caindo sobre o tapete... O som do interfone me despertou, e eu balancei a cabeça com determinação, umedecendo os lábios para tirar aquele gosto ruim da boca. Draco não permitiria que nada acontecesse comigo, e eu também não faria questão de ser complacente com qualquer desfeita. Dito isso, rumei ao aparelho e disse para o porteiro que deixasse subir o “distinto senhor” que me chamava no hall.

Em menos de dois minutos escutei a porta, que eu deixara propositalmente aberta, ranger, e logo em seguida os passos sobre o assoalho gasto tornaram-se audíveis. Meu corpo inteiro estava arrepiado e eu sequer conseguia controlar minha respiração, sentindo meu peito subir e descer rapidamente como fruto dos meus pulmões trabalhando a pleno vapor. Sentia cada parte do meu corpo ribombar junto com meu coração. Ele apareceu na porta. Ele apareceu na porta do quarto e tudo sumiu. Era ele, seus olhos azuis se arregalando e a boca entreabrindo levemente. Eu pude ver o momento em que se encontrou nas dobras do meu vestido, seu olhar subindo lentamente até que... Nossos olhos se encontraram com uma faísca, e eu o vi sorrindo. Inevitavelmente sorri de volta, corando com a força daquele olhar, sem conseguir me desviar daquele magnetismo – Hermione... – meu corpo inteiro respondeu ao seu chamado, adorava quando ele, distraidamente, deixava meu nome escapar de seus lábios, e eu fui impelida a andar para frente, sem escutar que meus saltos tilintavam no chão. Só tinha forças para escutar meu coração sedento e sua respiração pesada. Eu queimava sob o peso de seus olhos de aço, e o sol pousou em minha pele quando sua mão roçou a lateral do meu rosto. Fechei os olhos para apreciar o toque, inclinando a cabeça minimamente para recebê-lo melhor. Naquele momento, eu soube que estava fazendo a coisa mais certa do mundo – Se eu te beijar agora, você não vai me dar um tapa outra vez, vai?

Escutei seu sussurro e não pude deixar de rir baixinho, negando tanto de incredulidade quanto por ter me pego de surpresa com aquele tipo de brincadeira incomum. Mesmo estando juntos, eram raros os momentos em que ele se permitia fazer algum tipo de comentário como aquele, e eu não precisava abrir os olhos para saber que estava com aquele sorriso de canto que desestabilizava todas as minhas emoções. Com os saltos, mal precisei erguer o corpo para sentir sua respiração contra minha face, todos os pelos do meu corpo se arrepiando quando a mão que lhe sobrava segurava minha cintura com delicadeza, puxando-me um pouco para frente até que nossos quadris se encostassem. Eu devia estar sonhando, era a única explicação para aquele toque tão divino, que culminou em nossos lábios unidos.

Não havia fervor naquele beijo, muito menos uma paixão avassaladora. Enquanto deslizava minha boca pela sua, tudo o que eu sentia era entrega, como se ele me desse tudo de si sem pedir nada em troca. Felizmente, eu estava disposta a dar o que ele quisesse por aquele beijo, passando meus braços por seu pescoço, sentindo o calor da pele exposta ao encontrar-se com a minha, flutuando sem sair do chão. Por que mesmo eu estava com medo de amá-lo até alguns meses atrás? Quando que o garoto arrogante e dissimulado dera lugar àquele homem sério e dedicado? Se fora no breve momento em que levei para tê-lo, eu estava feliz.

Suspirei, voltando ao chão e deixando que um sorriso saísse dos meus lábios. Ousei abrir os olhos, temendo acordar de um sonho, apenas para vê-lo ainda com as pálpebras cerradas, nossas testas se encontrando. – Feliz aniversário, Draco. – eu murmurei, deixando outro beijo na ponta de seu nariz, o que o fez rir. Sabia que aquele era um ponto no qual sentia cócegas, e adorava irritá-lo com isso. – É o primeiro em muito tempo que é feliz. – ele respondeu, e, como não estava preparada para aquele tipo de resposta, lágrimas me vieram aos olhos, junto com um grande sorriso. Terminei de jogar-me em seus braços, enterrando o rosto em seu ombro e deixando que ele me segurasse sem que eu precisasse tocar o chão. Escutei sua respiração pesar nas minhas costas, apertando-o com força e sendo retribuída com a mesma intensidade. Seus dedos brincavam com as flores de renda escura em meu vestido. – Não importa o que aconteça hoje, eu não vou deixar ninguém te tirar de mim. – o escutei pronunciar, e como eu não sabia se ele falara para mim ou se estava conversando sozinho, apenas deixei que meu corpo relaxasse de encontro ao seu antes que me colocasse de volta no chão. Entrelacei meus dedos aos dele, e deixei que fosse meu companheiro a guiar a rota até nosso destino. Fosse ele o que deus quisesse.

***

Aparatamos em um aposento claro e bem mobiliado, além de enorme: apenas aquele quarto deveria ter a metragem do meu apartamento. A luz do fim da tarde deixava tudo com tons alaranjados, mesmo que, por dentro, a cor predominante fosse o verde. Deixei que meus olhos se acostumassem com a paisagem, analisando a cama de casal, a parede com um intrincado padrão de losangos, a mesa de trabalho limpa e repleta de livros que se estendiam para uma pequena estante abarrotada. Ao lado dela, a janela entreaberta deixava entrar luz, enquanto sua cortina, também esverdeada, flutuava como mágica. Não era preciso muito para saber que aquele era seu quarto. Sorri, virando-me para o homem que simplesmente esperara em silêncio atrás de mim, as mãos dentro dos bolsos. Apenas naquele momento fui reparar em suas vestes clássicas e acinzentadas. A blusa que usava por baixo de todas as camadas de roupas necessárias para compor uma vestimenta formal era do mesmo tom de seus olhos. Ele me lançou um meio sorriso típico, estendendo uma das mãos para mim, o que aceitei de bom grado. Obviamente eu sabia que o jantar não seria servido dentro de seu quarto, mas não podia evitar querer ficar ali até que cada móvel fosse intrincadamente avaliado, que eu pudesse ler página por página daqueles volumes grossos na estante e experimentar – não de forma tão casta – a maciez daquele colchão. Ter de sair dali também implicava algo com o qual eu relutava há quase um mês: voltar à mansão Malfoy. Engoli todos os meus medos, no entanto, e me deixei ser guiada para fora do quarto que lhe pertencia.

Assim que coloquei os pés para fora do aposento, franzi o cenho, o que não lhe passou despercebido. Deixou que um riso fraco saísse por seu nariz, e beijou o topo de minha cabeça, ainda andando. Sua mão estava fria e suando, assim como a minha. Tinha certeza de que nossos corações estavam acelerados a mesma medida. – Não estamos na mansão Malfoy, como percebeu. – ele pronunciou baixinho, terminando de percorrer um corredor e logo entrando em outro, que acabava em uma longa escada branca. Fora justamente toda aquela alvura que me pegara desprevenida, afinal ainda me recordava daquele lugar escuro e macabro no qual fora obrigada a residir por um tempo. Ergui meus olhos para Draco, a pergunta implícita dentro deles. O homem que me acompanhava franziu o nariz e deixou que um semblante triste passasse por sua face, como se pensasse bem no que ia dizer – Eu não queria te levar até lá sendo que eu mesmo não gosto mais daquele lugar. Não quero que nenhuma memória ruim venha hoje, e elas são as únicas que me vêm à cabeça quando sou obrigado a pisar naqueles quartos. – o loiro deixou um suspiro pesado sair dos pulmões, escondendo a dor de anos, aparentemente, antes de nos colocar defronte o primeiro degrau daquela escada maciça. Percebi, no entanto, que estava mais leve. Sua mão deixou a minha para que entrelaçasse nossos braços – Você está na minha casa. 

Deixei que uma exclamação de surpresa saísse, levando uma das mãos ao peito. Eu não esperava que... Foi com muita força que segurei as lágrimas de emoção: ele tinha pensado em mim. Em todas as dores, em todas as coisas erradas... Não pude deixar de apertar com mais força o braço que me segurava, perguntando, finalmente – Ela tem um nome? – Draco sorriu por um tempo enquanto descíamos os degraus daquela escada aparentemente infinita. Por conta do meu vestido longo, demorávamos mais do que o normal para trilhar nosso caminho até o andar inferior – Branca. Casa Branca.

Inevitavelmente uma risada irrompeu dos meus lábios, incontrolável. Sabia que os pais dele e qualquer outra pessoa que estivesse na casa teria ouvido meu descontrole, mas não havia como levar aquele nome a sério. Com os olhos cheios de lágrimas por conta do riso, virei o rosto para encarar um homem carrancudo e com uma das sobrancelhas albinas erguidas. Ele não tinha achado a menor graça, aparentemente – Draco... – eu disse ainda tentando segurar o riso, acariciando seu braço enquanto parávamos num lance de degraus mais extenso do que os outros. Sua expressão de contrariedade era impagável – Você tem alguma ideia do que seja a Casa Branca? – o vinco acentuado em sua face apenas me comprovou que não, ele não sabia, o que deixava a situação ainda mais hilária. É lógico que aquele tipo de coisa deveria provir de um Malfoy, mesmo que não intencionalmente. Revirei meus olhos, dando um beijo suave em seus lábios e vendo sua expressão séria atenuar-se ligeiramente. – Faz todo o sentido ela pertencer a você.

Embora não tenha ficado satisfeito com a falta de informações e com meu aparente ataque de loucura, foi o suficiente para esquecer aquele assunto durante o momento, mesmo que eu ainda risse internamente. O explicaria com maiores detalhes o que era a Casa Branca, e quem morava nela, mais tarde. Além do mais, o nome fazia todo sentido: tudo naquele lugar era alvo, vez ou outra pontuado por variantes de verde e prata. Me perguntava de onde tinha vindo aquela ideia, afinal as residências bruxas, mesmo as mais singelas, como A Toca, costumavam seguir um padrão de cores escuras. E, embora branca, nada naquele espaço remetia à modernidade: pelo contrário, tudo parecia voltar à Grécia antiga, com suas colunas dóricas e austeras estátuas de mármore. Não que eu tenha tido tempo de pensar muito sobre isso, afinal, após mais alguns instantes de descida, nos encontrávamos no primeiro andar, três grandes portas nos circundando. Ao meu lado, Draco engoliu em seco, seus dedos apertando meu antebraço com mais força, ao que retribui o toque. Você não está sozinho. Ele respirou fundo, erguendo a cabeça e voltando a andar, seus passos firmes quando abriu a porta a nossa direita, revelando um aposento igualmente esbranquiçado. Em seu centro, duas pessoas sentadas em um sofá cinzento ergueram os olhos ao mesmo tempo, paralisando logo em seguida quando o reconhecimento lhes bateu à porta.

Meu coração batia tão, mas tão forte, que eu não duvidaria se seu contorno pudesse ser visto através da fina camada de roupa que eu usava. Dois pares de olhos, um escuro como ébano, e o outro idêntico ao do homem que estava ao meu lado, me encaravam com total incredulidade. Meu deus. Durante algum tempo, ninguém ousou falar nada, apenas olhares sendo trocados em uma conversa silenciosa que nenhum de nós quatro ousava interromper. Como assim? Por quê? Não. Se eu estava de pé, era apenas porque uma mão – sim, ele não soltara minha mão quando entramos naquela sala ampla – entrelaçava seus dedos aos meus, impedindo-me de ir a qualquer lugar próximo ao chão mesmo que minhas pernas tremessem.

- Ao menos agora eu sei onde você estava durante todos esses meses. – a voz de Narcisa foi a primeira a cortar o silêncio, e eu voltei meus olhos para ela, esperando qualquer traço de reprovação que não identifiquei em sua voz, mas não fui capaz de encontrar nada senão os lábios finos crispados de forma repreensiva, como se estivesse extremamente ofendida com a omissão do filho. Talvez ela fosse uma excelente mentirosa, visto que a ideia de que ela não ligava para quem eu era não passava por minha cabeça. Engoli em seco e me controlei para não morder o lábio inferior como eu tanto queria, sustentando seu olhar que parecia querer me devorar. Eu via dentro daqueles olhos escuros o mesmo que em Draco: esperança. E aquilo, aquela emoção complexa dentro de íris nobres, fez com que meu coração batesse mais leve, embora não mais devagar.

Eu sabia, mesmo sem olhá-lo, que o loiro ao meu lado não tinha desviado sua atenção do homem sentado a sua frente, e não me escapou o fato de que ele acariciava a mão da esposa até mesmo naquele instante de ódio, quando vi sua expressão se contorcer e ele se levantar, cambaleando antes de retomar o equilíbrio. Eu não via Lucius há anos, e nunca, por mais que Draco tivesse me preparado, estaria pronta para ver aquela figura decrépita vir mancando em minha direção, apoiando todo seu peso em uma bengala rica demais para combinar com seu corpo moribundo, meu ar ficando cada vez mais rarefeito. Seus pés não tinham força, seus braços estavam tão magros que deixavam as roupas frouxas ao seu redor, o rosto era desfigurado por anos dentro de Azkaban. Mas os olhos... Dentro daqueles olhos eu via, mesmo que no fundo, o homem que eu tanto temia, o que me fez retesar, apertando os dedos de Draco contra os meus. Eu o via dentro daquelas orbes cristalinas, e era impossível não compará-las com as do loiro que me acompanhava, mesmo sendo tão diferentes.

- Draco, o que é isso? – o escutei dizer, e não soube se a voz áspera me assustou mais do que a figura deformada pelo tempo. Não havia a melodiosa harmonia dos Malfoy naquela voz, apenas tristeza e desuso. Engoli em seco, pronta para lhe dar uma resposta à altura, mas vi o rapaz de cabelos longos se remexer ao meu lado, notando que sua respiração mudara, e que ele se controlava por algum motivo. Algo tinha mudado, como se uma alavanca fosse acionada e, de repente, o mundo tivesse começado a girar em outro sentido. Irritava-me profundamente desconhecer o motivo daquela mudança. O mais velho não repetiu a pergunta, apenas esperou por uma resposta que demorou alguns instantes para ser formulada ou para que Draco se acalmasse ao meu lado. Passei meus olhos pela matriarca, mas ela estava com a atenção fixa na cena a sua frente, naqueles olhos espelhados travando uma batalha silenciosa. Após o que me pareceram décadas, uma voz muito mais melodiosa preencheu o vazio.

- Você me pediu para ter sempre o melhor possível. Para ser o melhor possível. Finalmente fui capaz disso, pai.

Um arquejar para cada pessoa dentro daquela sala, inclusive eu. As pernas do homem a minha frente fraquejaram enquanto ele precisou se apoiar ao ombro do menino para não cair, sem tirar os olhos dos dele, embora agora estivessem com uma expressão levemente diferente. Ali havia algo que eu não vira antes, uma espécie de compaixão que nunca tinha vislumbrado no Malfoy. Meu próprio corpo não respondia mais, e eu apenas pude entreabrir os lábios para o homem que eu amava e que estava ali, encarando a figura que ele mais temia no mundo apenas para... Passei a enxergar Narcisa, ainda sentada no sofá, e vi lágrimas escorrendo por sua face de porcelana. Seu peito tremulava para esconder os ruídos do choro. Eu não entendia a razão de toda aquela comoção, do porquê de tanta euforia, começava a aproveitar aqueles momentos de quietude para repassar as palavras e as ações em minha mente, até que achei algo. Estourou em meu peito como um gatilho: pai.

Arregalei os olhos com aquela constatação repentina. Durante todos os meses que convivemos juntos, e também nos anos anteriores, com nossas conversas sem emoção, eu nunca tinha visto Draco chamar o homem a sua frente de “pai”. Era sempre “Lucius”, sem nenhum outro complemento, desde que saímos de Hogwarts. E ali estávamos nós, compartilhando de um momento eterno quando o filho tinha vislumbrado o pai após anos de solidão. Eu precisei olhar em seu rosto para perceber que também estava mudado, que ainda havia ódio, mas não repulsa. Que seus dedos estavam sobrepostos ao do progenitor, deitados em seu ombro. Lágrimas me vieram aos olhos, também, mas não deixei que saíssem, logo sendo contemplada por antigos olhos azuis.

- Senhorita Granger. – o homem começou, engolindo, eu imaginava, todo o seu ego e seus preceitos, que não conseguia esconder de sua boca crispada em desgosto por ter de pronunciar meu nome de forma não ofensiva – Não vou dizer que é um prazer vê-la, muito menos que é um prazer que esteja com meu filho. – aquelas palavras me acertaram dolorosamente, mas não eram nada que eu não estivesse esperando. Vi quando Draco ficou tenso ao meu lado, preparando-se para tomar qualquer tipo de atitude. Com minha visão periférica, percebi que Narcisa secava as lágrimas com um lenço dourado discretamente. O homem tossiu, levando uma das mãos à boca para tentar parar com a falta de ar, e sua garganta estava audivelmente arranhada, o que me trouxe calafrios – Mas eu percebo que há muito perdi o direito de me pronunciar sobre qualquer coisa. Não aprovo, não gosto dessa mácula em nosso sangue, não gosto de você. Mas cabe a ele tomar e pesar suas próprias decisões, agora.

Eu assenti, sem coragem ou motivação para dizer qualquer coisa, querendo a todo custo me atirar nos braços do herdeiro Malfoy, que respirava como se nenhum ar fosse suficiente no mundo. Embora meu coração nunca tivesse batido tão forte, eu sabia que, agora, tudo ficaria mais fácil, e mal me importava com meu sogro dizendo claramente que não gostava de mim. Nossos olhares se cruzaram em um instante de euforia, pouco antes de sermos levados por Narcisa, já recomposta, até a sala de jantar, escondida atrás da porta que ficava à esquerda da escadaria branca. Foram três horas de silêncio quase completo, vez ou outro interrompido pela troca de pratos. Estávamos um casal defronte o outro, e a mão esquerda de Malfoy não deixou a segurança de minha coxa por nenhum instante. Todos sentados àquela mesa pareciam tentar entender como havíamos chegado a tal situação, e o quanto ela parecia absurda. Três sangues puros e uma nascida trouxa. Cada um remoendo seu ego e colocando panos quentes nas próprias feridas.

O último prato a chegar foi um bolo simplório, nada compatível com o resto dos pratos suntuosos que provei, e aquele prato foi o único capaz de abrir um grande sorriso no rosto de Draco, momentaneamente acompanhado por todos na mesa. Durante aquele momento, quando o rapaz cortava uma fatia generosa do doce, nenhum dos presentes pareceu se importar com as companhias alheias. Estávamos ligados àquele aniversariante de uma forma ou de outra, e todos queríamos a mesma coisa, eu sabia: que aquele sorriso não aparecesse apenas ali. Enquanto pegava um pedaço do bolo, meus olhos cruzaram com os de Lucius, trazendo-me um arrepio. Ele não desviou o foco, nem ficou mais sério, tinha certeza de que não gostava de mim e que preferia que o filho estivesse com um sangue puro qualquer, até mesmo um Weasley, a estar com uma nascida trouxa, mas pude enxergar uma promessa dentro daquelas íris azuis: ame-o. Eu apenas assenti levemente, apenas para que ele percebesse, antes de voltar meus olhos para Draco.

Assim que o bolo foi devidamente provado e bebidas quentes foram dadas a todos, o aniversariante se ergueu, pigarreando e declarando que já iria embora. Pude ver o olhar de desalento de sua mãe, que se levantou logo em seguida, sendo acompanhada pelo marido e por mim. Narcisa deu a volta na mesa que nos separava, abraçando o filho com força e lhe dando um beijo em cada uma das faces. Sussurrou algo que não fui capaz de ouvir, e, por fim, fixou seus olhos negros nos meus. Engoli em seco, erguendo um pouco a face, e... E ela estava sorrindo para mim? Não podia dizer ao certo se aquilo era um sorriso ou não, como se a mulher a minha frente fosse Monalisa, cheia de seus segredos. Ela me chamou para um canto mais afastado da sala, e após receber uma confirmação do loiro ao meu lado, decidi segui-la até onde os outros ouvidos não fossem capaz de captar nossas vozes.

Quando Draco me contou que traria uma acompanhante, não pude deixar de ficar feliz. – começou ela, avaliando-me de cima a baixo pela segunda vez na noite, como se procurasse algum defeito. Engoli em seco, pensando qual seria o rumo daquelas palavras – Achei que fosse Parkinson. Eles sempre foram amigos, pensei que poderiam ter decidido se unir para um bem comum. – retorci os lábios tanto com a menção da menina quanto para o maldito “bem comum” ao qual ela se referia, o que não lhe passou despercebido e a fez sorrir de desdém ou incredulidade, eu não saberia dizer. – Nunca esperaria que fosse você... – deu ênfase em “você”, como se fosse a coisa mais absurda do mundo, o que de fato era, sem conseguir esconder a surpresa por aquele romance. Começava a sentir uma sensação esquisita no peito, e já estava pronta para lhe soltar algumas verdades quando Narcisa ficou mais próxima e ergueu ambas as mãos, tocando-me nos cotovelos. Um arrepio percorreu todo meu corpo, e eu não tive outra reação senão olhá-la com perplexidade – Volte mais vezes. – ela disse tão baixo que eu até mesmo duvidei se tinha dito – Eu não via meu filho sorrir a dez anos.

Meus lábios tremularam, evidenciando que eu estava prestes a chorar com aqueles dizeres, mas os olhos inquisidores da mulher não me permitiram, então pude apenas assentir, sussurrando um leve “obrigada” em resposta antes dela se afastar de mim, indicando que nossa conversa dava-se por encerrada. Voltei ao meu lugar ao lado de Draco, que tinha a cabeça levemente inclinada. Percebi que passara os últimos minutos conversando com seu pai, e não lhe respondi, apenas neguei devagar, sorrindo levemente. Quando me dissera que sua mãe era uma pessoa maravilhosa, eu não acreditara. Erro estúpido, o meu. Me despedi de Lucius com um aceno de cabeça que não foi correspondido, vendo-o virar a cara para mim. Suspirei: aquilo era melhor do que o que eu tinha imaginado, no entanto. Poderia sobreviver.

A próxima coisa que fizemos foi aparatar para meu pequeno apartamento, que pareceu-me ainda menor após visitar a casa de Draco, mas isso não importava. Ainda com as roupas de gala e o coração apertado, ambos absorvendo o que exatamente tinha ocorrido nas últimas horas, debrucei-me em seus braços e ali dormi quase imediatamente, estava exausta, e todo meu corpo pareceu sucumbir naquele instante em que não precisava mais ser forte, permitindo até mesmo que algumas lágrimas saltassem dos meus olhos cansados. Não importava qual fosse a casa, meu lar era estar apoiada em seu peito, escutando seu coração bater. 


Notas Finais


Olá pessoal! Muito obrigada para quem leu até aqui, vocês são uns amores de pessoas, são mesmo <333 Eu queria agradecer por todos os favoritos, por todas as visualizações, MUITO obrigada!!! Vocês fazem meu dia com tanto carinho! Até semana que vem!!!


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