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História Pecado Original - Dramione - O pecado no mundo


Escrita por: ckai

Capítulo 12 - O pecado no mundo


                Quando acordei na madrugada do dia seis de junho, ainda com um vestido de gala enrolado em minhas pernas e com Draco suspirando entre os fios do meu cabelo, não pude deixar de sorrir, passando meus dedos para dentro de sua camisa, escutando-o resmungar qualquer coisa antes de se habituar a meu calor. Sua pele era quente ao meu toque, e apenas imaginar que ela pertencia apenas a mim, naquele momento silencioso quando nem o sol ousava me atrapalhar... Eu deveria estar sonhando.

                Os acontecimentos da noite anterior ainda latejavam em minha cabeça: a escadaria de mármore, os olhos escuros de Narcisa e suas mãos nos meus braços, o olhar desgostoso e cadavérico de Lucius. Senti um arrepio passar por minha espinha, encolhendo-me de encontro ao corpo de Draco, sem deixar de achar esquisita aquela situação: quando fora que me acostumara à ideia dele me dando conforto? Quando eu deixara de temer suas mãos, de relutar seus beijos? Quando eu começara a amá-lo tão profundamente ao ponto de aceitar ir até a sua casa para me apresentar formalmente aos Malfoy como uma possível integrante da família? A incerteza sobre todas essas perguntas me fazia suspeitar de uma loucura iminente, da qual eu não estava disposta a me livrar tão cedo.

                O fato era que, após a noite na residência de Draco, as coisas pareceram ficar mais leves do que uma simples pluma, se é que isso era possível. Eu o pegava me olhando com um sorriso bobo quando acordávamos, ou me prendia dentro dos seus olhos até que precisasse ser desperta com um beijo. Como pedido por Narcisa, voltamos a sua casa mais vezes, e embora não nos falássemos muito, ela sempre me dava um esboço de sorriso antes de ir para outro cômodo da mansão, que, embora menor que a residência Malfoy, ainda contava com algumas dezenas de quartos e duas alas bem divididas, além de primorosos jardins que se estendiam durante vários hectares, desdobrando-se em tapetes de tulipas e outras flores desconhecidas para mim, mas que Draco sabia nomear sem titubear por um segundo que fosse. Apenas quando tomei nota de seu conhecimento sobre botânica que pude entender como era tão bom em poções. A leveza de todo nosso relacionamento, no entanto, viu-se abalada com uma única notícia: o baile do final da Primavera.

                Por algum motivo, todos os anos o Ministério organizava esse evento, onde todos os funcionários eram convidados a participar com suas roupas de gala e sorrisos falsos, muitos querendo apenas uma promoção ou um aumento de salário de um galeão que fosse. Costumava revirar os olhos para esse tipo de confraternização, que não ocasionalmente terminava em bebedeira, mas, naquele ano em específico, não podia evitá-lo com uma desculpa qualquer. Afinal, ele seria realizado na Casa Branca. Isso, juntamente a todas as responsabilidades que implicava, estava deixando Draco louco, o colocando com um mau humor infinito e lhe dando uma infinidade de compromissos de última hora que nos impediam de ficar juntos. Não que eu o culpasse, mas já começava a sentir falta de suas mãos percorrendo meu corpo.

                Enquanto eu fechava o zíper do meu vestido perolado, meu coração parecia querer bombear sangue para todas as minhas veias ao mesmo tempo, deixando-me zonza. Passei as mãos pelo tecido desconhecido, sentindo a textura rugosa de todas as pedras que o compunham. Por mais que fosse adornado com lindas preciosidades, era tão leve que eu mal o sentia envolver meu corpo. Sorri, observando meu reflexo no espelho, meus olhos delineados com delicadeza brilhavam entre a maquiagem suave. Tinha sido um presente de Draco e, embora ele não tivesse deixado explícito, senti que gostaria de me ver usando a peça o quanto antes. Que momento melhor para fazê-lo senão em um evento importante como o baile do Ministério, ainda mais quando ele seria realizado na... Um solavanco engoliu meu corpo quando eu percebi que, por pouco, não tinha pensado “minha” casa. Ri com aquela possibilidade, balançando a cabeça e ajeitando meus fios alisados com a ponta dos dedos, que tremiam levemente. Onde já se viu? Eu, pensar que aquela casa majestosa tinha algo de meu senão o homem que morava nela. Respirei fundo ao encarar meu reflexo. Sonhar nunca era demais, era?

                O relógio na parede da cozinha marcou nove horas, e eu me empertiguei por completo, cada badalada ressoando em meu corpo. Como ajudante do ministro, eu deveria estar presente o quanto antes, portanto fiz questão de colocar minha varinha dentro de uma pequena bolsa, ajeitar o batom nos lábios e, sem me permitir pensar muito, rumar para aquela casa que, misteriosamente, eu começara a chamar de minha.

                Por um descuido, acabei aparatando não na entrada principal, como seria o esperado, mas dentro do quarto real da mansão. Senti minhas bochechas queimarem no mesmo instante, enterrando o rosto em uma das mãos. As paredes brancas e douradas pareciam zombar de minha tolice. Se alguém me pegasse ali... Céus, se alguém desconfiasse – embora eu já tivesse escutado alguns comentários pertinentes, mesmo que infundados, sobre minha relação com Draco – estaríamos perdidos. Respirei fundo, mordendo o lábio inferior ao passo que simplesmente cruzei o gigantesco aposento com determinação, fugindo dos lençóis brancos nos quais já passara diversas noites, sua maciez escorrendo por minha pele. Eu sabia que era impossível aparatar de dentro para fora, Malfoy havia me contado que isso era uma medida de segurança que tomara assim que construíra a mansão, então minha única escapatória era sair dali com o queixo erguido e esperar que ninguém me visse escapulir furtivamente de um quarto que eu sequer deveria saber da existência.

                Cheguei até as portas duplas e coloquei uma das mãos sobre a maçaneta, mas logo a soltei, começando a andar de um lado para o outro dentro do aposento. E se alguém estivesse do lado de fora? Brincava com a ponta dos meus cabelos, retorcendo-os inúmeras vezes, tamanho era meu nervosismo. Após o que passaram horas indo para todos os cantos, respirei fundo e deixei que uma única fresta fosse aberta, o suficiente para que apenas meu rosto passasse e vistoriasse o corredor, meu coração batendo tão forte que chegava a doer. Ninguém estava à vista senão uma pequena elfa doméstica que me cumprimentou como “senhorita Hermione” na correria de levar um pacote para o andar inferior. Sorri para a criaturinha de orelhas longas, sem sequer estranhar que ela soubesse meu nome e não tivesse feito um estardalhaço com minha presença no quarto principal. As coisas estavam tão adiantadas assim entre nós que seus próprios servos me reconheciam? Retirei aquela pergunta da cabeça o mais rápido que consegui e me pus para fora, ajeitando dobras invisíveis em meu vestido longo. No andar de baixo, eu já conseguia escutar um amontoado de vozes e o tilintar dos copos de cristal. A questão agora era: como me projetar para baixo sem ser vista?

                Me martirizei por ser tão estúpida, disparando xingamentos a torto e a direito enquanto eu caminhava pelo corredor alvo e repleto de cristais. Sorri ao perceber a semelhança entre a casa e meu vestido, ambos brancos e cheios de brilhantes. Malfoy tinha um gosto peculiar, no final das contas. Sabia muito bem que deveria haver outras formas de chegar ao térreo senão pelas enormes escadas de mármore, mas não tinha ideia de quais elas seriam. Por mais que já tivesse me habituado a estar ali, as passagens secretas e rotas alternativas ainda eram um mistério a ser desvendado.

                Assim que me vi parada defronte o primeiro degrau, percebi que meu peito subia e descia escandalosamente rápido, e as palmas de minhas mãos suavam de encontro ao corrimão dourado. Cada vez mais vozes se juntavam ao turbilhão no andar de baixo, e eu sabia que, quanto mais esperasse, mais difícil seria descer sem ser vista, maior seria a vergonha e o medo de alguém me perguntar o que diabos eu estivera fazendo acima daquelas escadas, mais xingamentos eu receberia pelo meu atraso... Sentia o mundo girar apenas com essas possibilidades. Enquanto eu encarava o vazio, tentando pensar em alguma solução que fosse, alguém puxava meu vestido, e eu só me vi desperta quando sua voz suave e melodiosa chegou aos meus ouvidos distantes. - Tia Mione?

                Olhei para baixo imediatamente, vislumbrando orbes esverdeadas que eu conhecia bem até demais. Lancei um sorriso enorme para a criança, me agachando para vê-lo melhor, acariciando seus cabelos negros e retirando-os dos olhos esbugalhados. – James, o que está fazendo aqui? – perguntei, e vi o momento em que sua face infantil corou de vergonha. A criança de três aninhos se recusou a responder, e eu não pude deixar de rir, bagunçando seus fios escuros e lhe oferecendo uma das mãos, que ele prontamente aceitou. Descemos as escadas de mãos dadas, demorando mais tempo do que o normal para que o pequenino conseguisse vencer a distância de um degrau a outro. Ele soltava alguns suspiros vez ou outra, ou parava para ajeitar sua blusa social de forma desengonçada. Assim que chegamos ao final da enorme escadaria, eu queria dar um beijo naquela criança por ter me livrado de dar maiores explicações. Agora, tudo o que eu deveria fazer era encontrar os pais desnaturados do menino, e tudo ficaria certo de novo. Ninguém percebeu, e se perceberam não comentaram nada, que eu não estava na festa, e que simplesmente aparecera com o herdeiro Potter ao meu encalço, vinda do andar superior. As pessoas, eu aprendera ao longo do tempo, viam apenas o que queriam ver. E, naquela noite, tudo o que elas desejavam ver era Hermione Granger ser perfeita como sempre, carregando seu afilhado com delicadeza. Eu poderia fazer isso.

                Estávamos caminhando entre a multidão que começava a se formar e, embora eu pudesse me enganar dizendo que procurava por Gina ou Harry, sabia que meus olhos procuravam por uma única pessoa de cabelos platinados e vibrantes olhos azuis. Como ele estaria? Será que usaria uma veste bruxa ou ousaria colocar um terno, como eu já tivera o prazer de ver uma vez? Estaria de preto, destacando como uma sombra à alvura do meio dia? Será que suas roupas combinariam com as minhas por algum acaso? Antes que pudesse ter qualquer uma dessas respostas, avistei grandes fios ruivos em um ponto da casa, sem deixar de sorrir par a figura esguia de Gina se destacando no salão com um pomposo vestido roxo. Ela conversava animadamente com um rapaz, e Harry estava parado ao seu lado, sempre assentindo e sorrindo nas horas certas. Neguei com a cabeça e me aproximei dos dois, colocando uma das mãos no ombro da menina – Me desculpe, senhora Potter, mas acho que perdeu isso.

                A ruiva se virou para mim de repente, alguns de seus fios coloridos acertando meu rosto, mas eu já estava acostumada demais com aquele tipo de euforia para me importar. Sua face foi iluminada por um sorriso antes de raciocinar minhas palavras, olhar para o menininho de braços estendidos para ela e abrir uma carranca para Harry – Harry Potter. – ela começou, colocando a criança em seu colo e apontando um dedo esguio para a face do marido – Eu não acredito que você perdeu o James nos cinco minutos que eu usei para conversar com um conhecido! – o rapaz tentou de tudo para consertar a situação, gesticulando fervorosamente até que se deu por vencido, colocando o filho, que não se importava minimamente com a discussão, em seus próprios braços. Enquanto isso, tudo o que fiz foi rir. Eles nunca mudavam.

                Assim que o contratempo foi contornado, Gina revirou os olhos verdes para o homem a sua frente e se atirou em meus braços, apoiando o rosto fino em um dos meus ombros – Mione, você tem que exercer mais o seu papel de madrinha e começar a levar essa criança para as festas. Eu não aguento mais ver o Harry perdendo esse menino por aí, e isso é porque estamos apenas com um, hoje. – eu ri, abraçando-a de volta e logo me afastando, deixando-me iluminar pelo seu sorriso e pelo de Harry, que também cumprimentei com um abraço, agradecendo mentalmente por ela sequer ter perguntado onde eu achara seu filho. Fazia certo tempo que não nos víamos, e meu coração não pôde deixar de aquecer com aquele carinho repentino que os dois me proporcionavam. Percebi os olhos de Gina me avaliando por certo tempo, nossas mãos entrelaçadas trazendo calor para minha palma fria. – Hermione Granger... – ela começou, seus olhos finalmente deixando meu corpo para encontrar-se aos meus. Eu sentia que, com aquelas íris verdes, ela poderia ler minha alma, o que era deveras preocupante. Engoli em seco, embora ainda sorrisse – Você está deslumbrante! De onde veio esse vestido maravilhoso?

                Meu sorriso alargou, e eu senti quando minhas bochechas queimaram igual brasa, fato que não passou despercebido pela ruiva, que me lançou um de seus sorrisos de canto. – Sei... Acho que tem algo a me contar, não é mesmo? – eu balbuciei qualquer coisa sobre ter ganhado de um amigo dos meus pais, certa de que Gina jamais engoliria aquela mentira, antes de me afastar a pedido de um dos funcionários do Ministro. Nunca agradeci tanto por uma emergência de trabalho quanto naquele instante em que era arrastada pelo salão para falar com um convidado de suma importância para alguma coisa no mundo bruxo. Mesmo que não pudesse escapar da pergunta invasiva ou dos olhos inquisidores de Harry por muito tempo, poderia adiá-la nem que fosse por mais algumas horas. Eu sentia em meu corpo inteiro que daquela noite meus segredos não passariam, e não sabia se seria capaz de aguentar o peso da verdade nos meus ombros. Calafrios tomavam conta da minha pele por completo, mesmo que das janelas escancaradas não entrasse vento algum.

                Durante quase uma hora fiquei encarregada de conversar com diversos convidados importantes, sempre espiando sobre seus ombros largos para tentar vislumbrar por um segundo que fosse o anfitrião da casa. Todas as vezes retornava sem receber sequer uma sombra de sua figura angulosa, o que me obrigava a voltar minha atenção para a pessoa com quem eu conversava com falsa animação. Assim que a última pessoa, uma mulher de cabelos azuis e olhos amarelos elétricos, se afastou de mim com o braço entrelaçado ao do Ministro, suspirei, deixando o ar preso em meus pulmões sair lentamente. Massageei minhas bochechas já doloridas pelos sorrisos incessantes, me virando para seguir caminho e voltar minha atenção para algum amigo.

                Assim que terminei de dar a volta ao redor do meu próprio corpo, me choquei com um dos convidados, não caindo no chão apenas porque suas mãos seguraram meus braços com rapidez suficiente, o que me obrigou a lhe encarar. Embora devidamente surpreso, como eu, me abriu um sorriso – Hermione... – disse, apenas, e eu não consegui me impedir de ser levada por aqueles olhos brilhantes e redondos, emoldurados por uma pele clara. Parecia que não nos víamos há séculos, e eu podia sentir que um sorriso já ameaçava se formar em meu rosto quando me toquei que aqueles olhos eram verdes. O que infernos ele estava fazendo ali? Coloquei-me de pé o quanto antes, desvencilhando-me com educação dos braços alheios e mantendo uma distância agradável entre nossos corpos. Meu coração batia com força no peito, rasgando-o lentamente enquanto eu tentava formular qualquer coisa que não fosse minimamente idiota dentro da minha cabeça. O lugar onde ele me tocara ainda queimava, eu sabia exatamente onde seus dedos estiveram em mim. Respirei fundo, e ousei erguer o rosto, dando-lhe meu melhor sorriso – Olá, Ron.

                Seus dentes largos apareceram entre os lábios, e ele cruzou os braços defronte o corpo revestido por uma bonita veste esmeralda. Eu não o via há aproximadamente um ano, embora soubesse um pouco do que lhe passava pelo que escutava de Gina e Harry, mesmo que eles mudassem de assunto sempre que eu chegava perto. Seu cabelo parecia mais ruivo, se é que isso era possível, e estava claramente mais gordinho do que da última vez, suas bochechas sardentas se projetavam para cima com a força do sorriso que mantinha polidamente. Ainda era bonito, mas algo naquele conjunto não parecia estar certo, mais: por que ele não tinha olhos azuis?

                Percebi que estávamos em silêncio a mais tempo do que o indicado, e logo arrumei algo para dizer, pois já sentia alguns pares de olhos nos encarando e vozes cochichando ao meu redor. Me empertiguei para começar uma conversa, dando um pequeno passo para trás em vista de aumentar nossa distância – Eu soube que foi para Massachussets, certo? – era uma pergunta meramente retórica, afinal já sabia sua resposta, mas vi quando seu sorriso tremulou com meu afastamento, e a força que fez para não ignorar o que eu havia dito e arrumado outro assunto. – Certo. – ele começou, coçando a nuca em um gesto nervoso. Eu sabia que, a cada segundo, mais olhos nos encaravam, tínhamos saído em todas as revistas possíveis há um ano, e agora estávamos ali, conversando como se Ronald não tivesse virado minha vida ao avesso. – Eu e George queríamos expandir os negócios para Ilvermorny, e como ele estava ocupado com Angelina, Fred e Roxane, decidi que iria. Estamos indo bem, a nova loja deve ficar pronta em menos de um ano.

                Assenti, assimilando cada uma daquelas palavras sem, de fato, prestar atenção. Novamente um silêncio incômodo abateu-se sobre nós, e cada vez mais pessoas nos olhavam, orbes de todas as cores e pescoços se contorcendo para verem Hermione Granger e Ronald Weasley, o casal quase perfeito, tentar manter uma conversa civilizada no meio de uma festa tão formal como aquela. Engoli em seco várias vezes, me remexendo no mesmo lugar, quase como se eu não pudesse sair dali. A única coisa que me deixava mais tranquila era saber que nenhuma das pessoas que nos encaravam era Draco, e eu sabia disso mesmo sem vê-lo na multidão. Reconhecia o peso de seus olhos em mim mesmo quando estava dormindo: era uma brisa primaveril.

                Percebi que Ronald cruzou os braços defronte o corpo, e que ele também não fazia a menor ideia do que falar, ou até mesmo se deveria falar alguma coisa. Aquilo era a prova mais pura de que não éramos mais os mesmos: antes de nos separarmos, ficávamos horas falando sobre nada, rindo sobre qualquer bobeira e nos divertindo com cada uma das nossas idiotices. Quando as coisas começaram a desandar, não éramos capazes de falar até mesmo sobre os assuntos mais importantes. Percebi, naquele momento, que o silêncio era a melhor forma de descobrir sua relação com alguém: ao lado de Ronald, eu o sentia me esmagando aos poucos, seus braços invisíveis rodeando meu pescoço e retirando meu ar. – Você está com alguém? – a pergunta disparou dos meus lábios antes que eu pudesse contê-la, e de imediato ergui uma mão até minha boca, tampando-a com total incredulidade. Arregalei os olhos para o ruivo, adquirindo um novo tom de rubor na face e me xingando mentalmente. Que tipo de pergunta estúpida era aquela? Eu não deveria falar aquele tipo de coisa, meu deus...

                Olhei para o rapaz, pedindo desculpas com os olhos, mas tudo o que ele fazia era sorrir mansamente, e não saber o que aquele sorriso significava era outro soco no estômago: havíamos nos perdido para sempre, e eu só percebera aquilo agora, quando não soube decifrar sua expressão. Abaixei a mão que tinha em meu rosto, colocando-a ao lado do meu corpo enquanto esperava por uma resposta, temendo-a qualquer que ela fosse. Se ele dissesse que sim, tinha alguém, o que eu poderia fazer? O que eu deveria fazer? Eu tinha que fazer algo, afinal? E se dissesse que não tinha? Eu deveria me sentir culpada por ter me entregado para outro homem tão inteiramente? Deveria pedir desculpas pelos meus pecados para ele, também? – Harry e Gina ainda não sabem... Na verdade, só o George foi noticiado disso, mas o nome dele é Dave. Dave Whitlaw. Estamos oficialmente juntos há dois meses, nos conhecemos quando ele levou a filha em um jogo de quadribol, e eu me ofereci para cuidar dela enquanto ele jogava.

                Senti minha boca abrindo a cada palavra que ele deixava escapar. Dave? Uma filha? Quadribol? Sempre adorara as palavras e tudo o que elas queriam dizer, mas, por algum motivo, elas pareciam desconexas naquele momento. Aquele nome, no entanto... Era como se eu o conhecesse de algum lugar e não conseguisse me lembrar mais... Era alguém do ministério? Um professor? De repente, um estalo veio na minha cabeça – Dave Whitlaw? O apanhador do Azulões de Fitchburg? – eu entendia pouco de Quadribol, mas não seria capaz de esquecer o rosto do homem que ficara pregado na minha parede durante anos. Ronald sempre fora apaixonado pelo americano, mas eu nunca esperaria... Um sorriso incrédulo passou pelo meu rosto, e eu só pude olhá-lo com ternura. Talvez por amar profundamente alguém, meu coração não se arranhara com aquela informação inédita, como eu achei que aconteceria. Ele, que antes parecia um pouco tenso, relaxou os ombros, e me lançou um sorriso aliviado, assentindo. – E... você? Você está com alguém, Mione?

                Toda minha calma desapareceu com aquela pergunta, e meu corpo antes relaxado ficou tão tenso que meus músculos doíam, começando a tremer. Passei meus olhos pelo salão outra vez, observando todos aqueles pares de olhos, todas aquelas pessoas, e a pessoa que eu queria estava ali em algum lugar, e eu sequer podia me atirar nos braços dela para pedir por uma resposta, eu odiava não ter respostas e havia um ruivo na minha frente querendo uma que eu não sabia se poderia dar... Onde estava todo o oxigênio do mundo? – Ronald! – um grito agudo fez-se ouvir ao meu lado, e logo em seguida Gina se lançava nos braços do irmão, abraçando-o com força. Harry chegou logo em seguida com James apoiado nas costas, seus óculos um pouco tortos no rosto lhe dando um ar infantil. Na verdade, ele parecia não crescer nunca.

                Senti o ar deixar meu peito de súbito, feliz com a conversa animada que Gina engatou com o parente enquanto eu organizava as ideias na minha cabeça. Ron estava começando uma nova vida longe dali, com outra pessoa, e ele não tinha medo de dizer assim tão sereno, como se amar não fosse um peso difícil demais para se carregar. Mordia meus lábios com certa força, perdendo a vista em um ponto qualquer do tapete chique, diversas perguntas inundando meu cérebro enquanto meu coração se recusava a ficar calmo em meu peito. Senti uma mão em meu ombro esquerdo, o calor daquela palma me despertando e me forçando a olhar para olhos verdes emoldurados por óculos de aros redondos. Havia um sorriso neles e nos lábios de quem me encostava, e eu não pude deixar de retribuir, notando que algumas lágrimas se formavam no canto dos meus próprios olhos. – Mione, você tem certeza de que não quer conversar? – ele perguntou, sabendo que nenhum dos Weasley estava prestando atenção em nós. Harry poderia parecer apenas um homem que dera sorte na vida, mas eu sabia que ele era muito mais do que isso, que havia doçura e sabedoria em sua alma. Não pude deixar de pensar que Dumbledore se orgulharia do homem que havia criado. Eu encarei suas íris coloridas por alguns instantes de silêncio até que me dei por vencida, suspirando. Eu não podia deixá-los no escuro por mais tempo. Havia enfrentado Lord Voldemort, e pior: a família de Draco; eu podia fazer o que quisesse.

                Tomada por uma coragem repentina, a mesma que me impulsionara a chamar por Draco alguns meses antes, olhei para o par de ruivos a minha frente, e pigarreei para ser notada. A essa altura, Harry já tinha dado James para o primeiro conhecido que viu, em uma atitude sensata. Os três agora me encaravam, e o peso daqueles olhares era cruel, inquisidor, mas eu não deixaria que fosse o suficiente para me calar. Abri a boca por um momento, me assustando quando palavra alguma saiu dela. Ainda sentia meus olhos úmidos, e tive de respirar fundo mais algumas vezes até que percebesse que nunca seria capaz de falar algo com meu coração batendo na garganta. Ao menos não com todas aquelas pessoas em volta. Lancei aos meus amigos um sorriso amarelo e pedi o mais baixo que pude – Vocês poderiam me acompanhar por um minutinho, por favor?

                Não esperei uma resposta, apenas me virei de costas para eles e comecei a abrir espaço entre a multidão, percebendo que a cada passo que eu dava, era acompanhada por diversas pessoas que não tinham nada a ver com a situação, e isso me enfurecia. Não havia razão para que eles ficassem nos encarando daquela forma. Que fosse para o inferno tudo o que tínhamos feito, dane-se Lord Voldemort. Era culpa daquele tipo de fama que eu não podia viver uma vida normal, que cada respiração minha era noticiada em jornais, que cada sorriso de Harry era fotografado e impresso em questão de minutos. Salvar o mundo era gratificante, mas exaustivo a um ponto que me impedira até mesmo de amar durante por muito tempo.

                Venci a onda de rostos desconfiados até sair do salão principal, rumando para o labirinto de corredores que se iniciavam abaixo da escadaria de mármore. Escutava o farfalhar do meu vestido arrastando no chão brilhante, e o eco de nossos passos sumindo em baixo das portas fechadas. Agradecia mentalmente o silêncio dos três que vinham ao meu encalço, mesmo sentindo que eles trocavam olhares entre si. A cada centímetro que me afastava, sentia meu coração bater mais depressa e minha respiração rarear, até que não sobrasse nada senão um fio e uma porta branca que eu sabia que nunca era trancada. Empurrei-a com delicadeza, escutando-a ceder com meu gesto com um clique suave. As janelas estavam abertas, deixando a luz clara da lua brilhar dentro do aposento tão branco como o resto da casa, o piano de calda que eu tanto adorava – o dia que Draco descobrira que eu tocava piano, tinha pedido com urgência que colocassem um naquela casa, e passávamos ali a maior parte do nosso tempo. A outra era gasta nas dezenas de quartos ou nos jardins – reluzia com sua madeira branca. Não pude deixar de sorrir mansamente com as lembranças daquele cômodo, mesmo que meu coração se recusasse a ficar calmo dentro do meu corpo, ocasionando tremores incontroláveis.

                - Mione, até parece que você conhece essa casa! – riu Gina, já se aventurando a bisbilhotar uma das estantes abarrotadas de objetos mágicos, tocando uma bola de cristal com delicadeza. Eu não respondi, sentindo um solavanco em meu estômago. Olhei imediatamente para baixo, para a barra cintilante do meu vestido, e simplesmente esperei. Harry e Ron não se moviam e isso me dava nos nervos. Não queria levantar os olhos, não queria encarar a verdade, não queria perder meus amigos em troca de um amor, da mesma forma como não queria perder um amor pelos meus amigos. Havia alguma forma de conciliar ambos? Mordendo os lábios, ousei olhar para Harry, e eu soube. Assim que nossos olhos se cruzaram e ele soltou uma exclamação de surpresa, eu soube que não havia mais volta: ele tinha entendido tudo.

                - Hermione, você?... Você e... ele? – ganiu o moreno, sua última palavra saindo ainda mais esganiçada que o resto da frase, e eu não pude fazer nada senão me encolher ao redor do meu próprio corpo. Por que eu ainda havia nutrido esperanças de que eles entenderiam? Não conseguia desvencilhar meus olhos dos de Harry, que me encarava com total perplexidade. Estava alheia as outras duas pessoas na sala, queria que ele entendesse. Ele era meu melhor amigo, ele tinha que entender, era só isso que eu precisava. Ficamos em silêncio por quase um minuto, até que uma risada fraca e incrédula saiu de sua boca e ele levou as mãos até o cabelo, bagunçando-o por completo e começando a andar de um lado para o outro – Ele? Ele, Hermione? Você poderia ter qualquer um, e escolheu ele?

                Continuei sem responder, sem saber se sentia ódio de mim ou do meu melhor amigo, aparentemente incapaz de entender que eu não podia simplesmente escolher a pessoa que eu amaria. Não queria parar de olhá-lo, mas Gina chamou minha atenção, levando uma das mãos à boca como se apenas naquele momento tivesse entendido tudo. Capturei seus olhos com os meus, e embora visse choque, não conseguia encontrar repúdio, era pior: ela me olhava com pena. Aquilo foi suficiente para me fazer acordar do meu torpor, e uma onda de raiva subiu do meu peito até meus lábios, de onde começaram a jorrar palavras para aqueles dois – Sim, ele. Ele, eu o escolhi, eu o amo e eu sei que ele me ama de volta, porque vocês não sabem o que eu passei durante quase um ano, vocês não perceberam e ele percebeu tudo, ele foi tudo o que me segurou durante meses! Não me importo com o que ele já falou para mim antes, eu quero mais é que se exploda! Vocês me mostraram como mudaram durante os anos, vocês viram como ele não é o mesmo e eu vi mais de perto, então... Sim. – ergui meu queixo com confiança, surpresa por não ter lágrimas escorrendo pelo meu rosto – Sim, eu amo o Malfoy.

                Um silêncio macabro, que em nada combinava com a maravilhosa sala onde estávamos, caiu sobre nós quatro, minha respiração suspensa em um daqueles momentos de coragem onde eu não fazia nada senão encará-los com firmeza. Era aquilo. Eu os amava, sim, mas também amava aquele loiro de olhos encantadores, e não me sentia minimamente culpada por isso, porque eu não deveria, em primeira instância. De repente, porém, uma risada irrompeu pela sala. Rouca, sem emoção, o sarcasmo impregnado em cada uma de suas pontas. Olhei para Ronald, que não se pronunciara até então, e me surpreendi com sua frieza. Ele ria como nunca tinha visto, e de uma forma que me dava calafrios. Quem era aquele homem? Pela forma espantada com que o casal o olhava, eu percebi que eles tinham a mesma dúvida.

- Te amar? Você está louca, Hermione? Malfoy nunca, jamais, seria capaz de te amar. – eu abri a boca para negar, para falar que não era só porque ele não me amava que outras pessoas não seriam capazes de fazê-lo, mas me contive prontamente com suas próximas palavras - Por que ele te amaria, Hermione? Você é uma sangue-ruim! – o silêncio após aqueles dizeres doeria mais do que qualquer outra coisa. Doeu mais do que um “eu não te amo”. Foi como se o mundo estivesse me dando tempo para escutá-las ecoando em minha cabeça, apreender seu olhar surpreso: nem mesmo ele podia acreditar no que tinha falado. Eu não acreditava. Não que eu precisasse acreditar em alguma coisa para que ela fosse ou não real, Deus era a prova disso, e como sempre, Ele parecia zombar de mim. Uma sangue-ruim. Estava tão perplexa que nem mesmo as lágrimas acharam o caminho dos meus olhos. Não precisei de muito, embora aqueles breves segundos de total silêncio após os gritos tivessem parecido horas. Antes mesmo que eu ou qualquer pessoa presente se desse conta, Ronald já estava nos ares, segurando seu pescoço com ambas as mãos.

- Retire o que disse! – uma voz, uma voz que eu conhecia bem demais para desconfiar dos meus sentidos, irrompeu pela sala. Virei meu rosto para encará-lo, parado ao lado da porta entreaberta, vestido inteiramente de branco e dourado, como se fosse o próprio Deus. Seus cabelos platinados estavam soltos, ao contrário do habitual, e caiam como uma cascata em seus ombros finos. Seu rosto, dali, estava pálido e contorcido em dor. Eu queria abraçá-lo e dizer que estava tudo bem, que ele não precisava sofrer por nada, me jogar em seus braços, mas um deles estava erguido, a varinha em riste, e ele colocava tanta força naquele movimento que suas veias pulavam do antebraço magro. Conseguia ver que tremia. Suspenso, Ronald engasgava, o rosto ficando cada vez mais rubro pela falta de ar. Ele tossiu, buscando por oxigênio, e aparentemente foi naquele momento em que todos nós percebemos que podíamos nos mexer, correndo para lados opostos. Harry e Gina se postaram ao lado do ruivo, tentando fazê-lo descer, enquanto eu corri para o lado do antigo sonserino.

- Draco, por favor, solte-o, você vai sufocá-lo! – implorou Harry com uma voz diferente do tom autoritário habitual. Ele estava com medo, e não apenas do que o Malfoy poderia fazer com o amigo, mas com o que mais ele poderia dizer que seria como uma facada no peito para todos nós, porque eu sabia que aquelas palavras não haviam doído apenas em mim. Eu podia sentir meu coração sangrando naquele instante, derramando-se sobre meu corpo, mas não me importava. Coloquei uma das mãos no ombro de Draco, sussurrando-lhe mansamente - Draco, você pode ir preso se fizer alguma coisa, se alguém vir isso você sabe que não...

- Eu não me importo! Eu não me importo de ir para Azkaban, Hermione! Existem lugares piores nos quais podem me prender. – gritou novamente, seu rosto pálido adquirindo um tom tão vermelho quanto o do homem que suspendia com um feitiço. Eu não via aquele Draco há muitos anos. A luz azulada preenchia a sala, enroscando-se no pescoço de Ronald, que se debatia inutilmente. Se não fosse do desejo de Draco, nós sabíamos, ele ficaria ali para sempre, até que não houvesse mais vida pela qual se debater. Desviando-se do meu toque, foi a passos largos até onde o ruivo estava, ficando tão próximo que mais um único centímetro e seria alvo dos pontapés frenéticos. Os olhos verdes já saltavam do rosto, mas eram olhos de vidro que o encaravam de volta, e uma língua áspera que sibilou, cortante. Ninguém ousava mexer um músculo sequer – Se você não retirar o que disse, eu prometo, prometo que te mato aqui e agora, e não vou me arrepender por nenhum segundo.


Notas Finais


Oláaaaaaaaaaa! Primeiramente, não me matem pelo fim desse capítulo, eu já fiz pior e vocês sabem, mas amo vocês, amo de verdade <3
Agora, alguns pequeninos recados:
1) eu adicionei capas para os capítulos 8 e 9 (Gênesis I e II), se alguém quiser conferir :3 Não tinha antes porque eu fiz as duas há pouco, quando estava entediada, mas só tive tempo de postá-las agora;
2) odeio falar isso, odeio mesmo, mas me sinto na obrigação de dizer que esse é o antepenúltimo capítulo da fic </3 Não sei se já estão de saco cheio de mim, mas eu decidi avisar para não pegar ninguém desprevenido. Já está tudo escrito, prontinho para ser postado, e eu espero de todo coração que gostem do que fiz;
3) MUUUUUUUUUUUUUUITO OBRIGADA por todos os comentários, pelos 80 favoritos (oiiiii???? isso é coisa demais pra mim, gente, nunca tive tantas pessoas lendo o que eu escrevo!), pelas mais de duas mil visualizações... Sinceramente, obrigada do fundo do meu coração, porque vocês estavam escrevendo ao meu lado, eu sei disso, e eu só tenho a agradecer pelo carinho de vocês <3
4) e no mais, parabéns para o QG Dramione, que está fazendo dois meses hoje. Meu presentinho de aniversário é esse capítulo... (presente de grego, né?)


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