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História Pecado Original - Dramione - Gênesis I


Escrita por: ckai

Notas do Autor


Olá, pessoal! Aqui estou eu de novo, com o maior capítulo que já escrevi na vida ~estou me sentindo muito orgulhosa, olha a bobeira da pessoa~. Continuamos na vibe de flashback e bom, é só isso mesmo, aproveitem! <3

Capítulo 8 - Gênesis I


Fanfic / Fanfiction Pecado Original - Dramione - Gênesis I

Sete meses antes

Eu estava sorrindo. Desde que a guerra acabara, foram poucos os momentos em que eu não sorria. E, para ser sincera, eu não via motivos para não sorrir: meus amigos estavam ao meu lado, vivos, o que era um saldo extremamente positivo devido às circunstâncias; meu emprego no Ministério, mesmo com minha pouca idade, era um cargo alto e renomado; e o melhor, o que me fazia sorrir de orelha a orelha, era que eu tinha um noivo maravilhoso, com quem me casaria em exatamente uma semana. Eu sentia meu coração cantarolar ao me lembrar disso. Esperara tanto por esse momento, e agora ele estava ali, bem a minha frente.

                - Ei, Ron... – eu murmurei entre um sorriso após olhar para o relógio que batia dez horas da manhã de forma escandalosa, ajeitando-me em cima da mesa de seu escritório. Ele, que estava mexendo em algumas prateleiras cheias de apetrechos coloridos, não se virou para mim, mas soltou um muxoxo como se confirmasse que estava escutando, mudando seu foco da prateleira colorida para um pergaminho em sua mão – Ron, a essa hora, em uma semana, estaremos nos casando. – pude escutar meu riso suave, até mesmo infantil, enquanto balançava as pernas no vão aparentemente infinito até o chão. Me casar. Aquelas palavras pareciam um sonho, sonho o qual eu nunca esperava que virasse realidade, de fato, mas ali estava eu, com borboletas no estômago e diamantes nos olhos. Sentia que a qualquer momento seria capaz de içar voo, tamanha era minha leveza. Estava sorrindo sem parar a meses, porque sempre que me distraía olhava para a aliança dourada em meu dedo, reluzindo como o coração acelerado em meu peito. Ergui os olhos para meu noivo, futuro esposo, e suspirei, desejosa. Ele ainda estava de costas, olhando para a mesma prateleira e para o mesmo pergaminho. Naquele instante, algo tremulou no meu coração, fazendo com que meu sorriso ameaçasse cair, mas fiz com que ele ficasse firme. Estava tudo bem.

Ron... – chamei, um tanto receosa. Por que ele não havia me olhado daquele jeito bobo, rido comigo e me rodopiado pelos ares dentro de seus braços? Continuei sem resposta, e uma angústia crescente começou a surgir em minha garganta. Tudo o que eu tinha eram seus fios ruivos e a silhueta de seus ombros largos cobertos por uma camisa branca que me permitia espiar suas sardas espalhadas pelas costas. Um dos meus maiores divertimentos era, justamente, traçar caminhos infinitos por aquelas sardas, mas naquele momento elas não me pareceram tão divertidas assim. – Ron, aconteceu alguma coisa? – eu perguntei sem querer saber a resposta, sentindo o frio indesejável em minha barriga ameaçar apagar a chama em meu peito, que já tremulava como minha voz. O que estava acontecendo? Por que ele estava agindo daquela forma? Eu tinha feito alguma coisa? Sempre falava muito, talvez tivesse falado algo... Flashes de toda a semana passaram por minha cabeça, e eu não encontrava nada que pudesse justificar aquilo; ele sequer me olhava. Pouco a pouco um desespero cruel foi invadindo minha mente, e eu cravei minhas unhas na mesa, tentando me sentir real, pois parecia que minhas bordas estavam esmaecendo, e eu queria me segurar a elas: eu tinha que existir.

- Mione... – sua voz era melodiosa para meus ouvidos, e mesmo que seu tom não fosse tão alegre quanto o habitual, escutá-lo já me fez feliz o suficiente para acreditar que eu estava ali, que estava tudo bem. Estava tudo bem, não é mesmo? Senti meu coração bater apertado no peito, pedindo para sair, e eu o forcei a ficar no lugar. O sorriso voltou ao meu rosto repleto de esperança, mesmo que ele ainda estivesse de costas, absorto no que quer que estivesse nas mãos. Ele estava... tremendo? Meu coração, novamente, pediu para sair do peito, e eu o engoli com força, sentindo-o rasgar minha garganta. Não ousaria deixar que ele saísse dali. Estava tudo bem, eu sabia que estava tudo bem, eu sorria porque estava tudo bem, e eu pude ver quando ele respirou para falar mais, ele falaria para mim que estava tudo bem

Eu não te amo.

Meus lábios tremularam, e o coração parou por um... dois... três... quatro... cinco... torturantes segundos, desmanchando a felicidade do meu rosto. Escutei o nítido som de algo quebrando, mas ao meu redor tudo parecia inteiro. Naquela hora, eu não reparei que fora estilhaçada. – Ron?... O quê? – eu comecei com um sussurro extremamente baixo e agudo, mas ele pareceu escutar como se eu gritasse, retesando os ombros. Queria ter gritado, mas não sabia nem que ainda possuía algum vestígio de voz. – Mione, eu não te amo. Não do jeito que eu deveria amar. – por que ele estava repetindo aquilo? Por que eu não conseguia respirar? Onde fora parar todo o ar do mundo e por que não estava no meu peito murcho? – Eu queria ter dito isso antes, mas eu precisava ter certeza, e eu não queria... Eu não queria estragar tudo, entende? Eu queria te amar, mas eu não consegui.

Entender? Eu não entendia nada. O que havia para entender? Ele me amava. Estava mentindo, tinha que estar. Ele tinha que me amar, era o dever dele, tornara-se sua obrigação desde que colocara aquele anel em meu dedo. Ele tinha que. Ele precisava. Eu precisava que ele me amasse. Meu corpo inteiro tremia e eu não entendia porque estava tão frio enquanto eu me encolhia em cima daquela mesa, encarando-o fixamente sem vê-lo, no entanto. Todas as cores que me rodeavam perdiam o brilho pouco a pouco, e meus lábios trêmulos tornavam-se gélidos. Céus. Minha cabeça rodava e doía tanto que eu sequer reparava no que ele fazia, em como tremia ao colocar o pergaminho na estante e apoiar a testa contra ela, sem nunca se virar para mim.

Tudo doía. Era ali que começava a dor: no momento suspenso em que um sorriso demora para desmanchar, e eu não fazia ideia de onde ela terminava, se era em meus pés pequenos, em minhas mãos firmes na madeira, em meus olhos arregalados tentando encontrar algum sentido. Soltei um gemido baixo, tamanha era a dor que começava a invadir meu corpo, consumindo meu peito. Íamos jantar fora todas as sextas feiras, morávamos juntos há quatro anos em uma pequena casa perto d’A Toca, planejávamos ter dois filhos, Rosa e Hugo, éramos amigos há mais de uma década, eu o amava há mais de uma década, e ele... Ele ousava me dizer que não me amava de volta?

- Ronald, você está me traindo? – perguntei, infame, o gosto daquelas palavras roçando minha língua e deixando uma sensação áspera. Eu queria cuspi-las, vomitá-las e nunca mais vê-las, sequer pensei que algum dia teria de pronunciá-las e sentir como elas eram amargas ao meu paladar. Eu queria saber quem era. Não, não queria saber. Não queria saber porque, se eu soubesse, seria real: dar nomes às coisas tornava-as reais, e eu não queria que aquilo fosse real em nenhuma instância. Naquele momento ele se virou subitamente, olhando para mim, seus olhos verdes eram nada senão tristeza e remorso: como eu poderia querer afagá-lo quando ele me trazia tanta dor? Tremulei os lábios outra vez, passando a língua por eles para ter certeza de que o frio estaria dentro e fora de mim, sentindo-os macios, embora doloridos ao meu toque – Ronald, você está me traindo? – sua expressão se contorceu em dor com aquela lamúria esganiçada que soltei. Ainda era uma pergunta, e eu precisava daquela resposta o quanto antes, precisava saber o que estava acontecendo e a razão de acontecer, precisava de um motivo para o buraco em meu peito e para os ecos que aquelas palavras trouxeram dentro do meu corpo, ribombando pelos caminhos tortuosos das minhas veias azuis. Eu não vi que estava chorando até que pudesse senti o calor das lágrimas empoçando no meu pescoço: eu poderia me afogar silenciosamente com elas a qualquer instante.

O olhando dali, emoldurado por seus curtos fios ruivos e por todas as cores sem brilho da enorme estante, me lembrei de todas as vezes que eu o beijara ali, que vira aquela estante e pensara que em alguns anos nossos filhos viriam até ali brincar com tudo o que estava nela, que eu pediria para que não tocassem em nada perigoso, mesmo sabendo que teria de passar horas retirando algo gosmento ou colorido, talvez ambos, de seus cabelos e pele. Todos aqueles sonhos pareciam não existir mais. Me lembrei do vestido de noiva, bordado em pérolas e renda, que estava pendurado no armário da casa da minha mãe, e me contorci de dor, sentindo uma faca entrar dentro da minha pele, mesmo que eu não sangrasse. Sua alvura parecia muito imaculada para pertencer a qualquer um de nós, e eu chorei mais, começando a soluçar, pensando na textura que ele tinha em meus dedos. Ainda antes de sair de casa, naquela manhã, eu havia brincado com ele e me envolvido em seu tecido brilhante, aos risos. A luz esbranquiçada do meio da manhã chegava à pele cheia de sardas de Ronald, e eu ainda tinha o calor dela na ponta dos meus dedos, mas ele não era tão bonito quanto antes. Nada parecia ser.

- Mione, não. – murmurou ele, após muito tempo, ou apenas alguns segundos. Eu não fazia ideia de quanto era o infinito e quanto era um minuto. – Eu nunca te traí. Eu nunca seria capaz de te trair, tudo bem? Eu só... Eu não consigo te amar da forma como você me ama, Mione. Me desculpe. – ao mesmo tempo em que um peso saiu de mim, veio outro. Não havia mais ninguém em sua vida, e, mesmo assim, eu não era suficiente. Senti um soluço escapar de mim, sem pedir permissão alguma, o que me fez soltar os dedos da mesa e afundar meu rosto em minhas palmas, sem saber mais o que fazer. Com a rapidez do movimento, esbarrei em alguma coisa ao meu lado, deixando-a cair no soalho de madeira: o barulho que escutei foi o mesmo que veio à minha mente quando ele disse que não me amava. Sofri um espasmo ao me lembrar daquele momento de poucos instantes atrás, quando ele disse que não me amava. Como não? Como não me amava sendo que eu o amara durante tantos anos sem nunca perguntar a razão? Eu o amava e pronto, isso era um fato tão certo que eu... Eu não sabia mais nada: a ignorância total parecia queimar em todos os cantos. Tudo doía, tudo latejava, meus olhos prensados contra minhas mãos não viam nada senão a dor de perder tudo o que eu sonhara em ter com ele. Mordi meus lábios com tanta força até que senti o sangue se misturar com as lágrimas, erguendo meu rosto com rapidez para encará-lo, pontos brancos turvando minha visão: ele estava exatamente no mesmo lugar, e aquela criatura estática me deu ainda mais raiva.

- A gente ia se casar! – gritei em meio às lágrimas, minhas palavras se embolando na garganta e saindo amargas como o gosto férreo do sangue. Elas escorriam pelo meu queixo e eu não tinha nada a fazer senão deixá-las ir. Não estava me importando com as outras pessoas do outro lado da porta, porque elas não existiam: tudo o que existia era a dor do pedaço que lhe pertencia dentro de mim sendo arrancado à força, e eu tentando segurá-lo a qualquer custo. Ele não podia retirar aquilo de mim daquela forma, podia? – Ronald, em uma semana estaríamos nos casando e você diz, hoje, que não me ama? – falar aquilo era pior do que escutar, e muito pior do que receber a maldição cruciatus. Só quem já teve um coração partido daquela forma saberia dizer como dói não ter algo que antes te preenchia, como é sentir tudo o que você tem sair pela garganta e cair por terra. A dor que vem de dentro é muito maior, porque ela arruma modos dolorosos de sair.

Solucei por mais alguns instantes, largada em cima daquela mesa, vendo-o tão perto e percebendo que, há muito, ele estava longe. Talvez nunca tivera estado perto o suficiente, afinal. As lágrimas eram cada vez mais quentes, nunca o suficiente para me aquecer. Eu não podia aguentar aquele coração em pedaços no meu peito. Com as mãos trêmulas e encharcadas pelo ódio e pelo pesar, retirei a aliança dourada do meu anelar direito, e aquele inútil pedaço de ouro relutou em deixar meu dedo, o que testou minha paciência. Puxei-o com força, gerando um pequeno corte onde a brilhante pedrinha roçara. Coloquei-a em cima daquela mesa escura, seu brilho ainda mais evidente, embora para mim ela nunca tivesse parecido mais opaca. O som oco daquele pedacinho de metal atingindo a madeira era uma sentença final. Quase ao mesmo tempo coloquei-me de pé, enfim caindo no abismo que me cercava anteriormente e do qual eu zombara sem sequer saber de sua profundidade. Precariamente caminhei até o homem que estava compartilhando o quarto comigo, fingindo uma força e uma determinação que eu não tinha ao parar defronte seu rosto, aquele rosto que eu tanto amava e desejava, que sabia exatamente como se moldava às minhas palmas... Eu sabia qual era a textura de seus fios ruivos quando se enrolavam na ponta dos meus dedos – Espero, Ronald, que seja feliz. Que seja capaz de amar alguém como eu te amo.

Meu coração gritou algo incompreensível quando terminei de pronunciar aquelas palavras, a força daquele grito ecoando pelo meu corpo, e eu coloquei-me na ponta dos pés para alcançar sua bochecha, beijando-a com serenidade, meus lábios formigando ao contato de sua pele. O cheiro dele... Céus, o cheiro dele fez com que as lágrimas rolassem com mais força dos meus olhos, mas ele não fez nada. Absolutamente nada. Ele não me segurou, ou me colocou em seus braços, não pediu que eu ficasse, dizendo que estava enganado. E, como não pediu, fui embora. Dei mais dois passos para longe dele, sentindo uma grande parte de mim ficar para trás quando eu aparatei para o primeiro lugar que me veio à mente.

Ironicamente, o primeiro lugar que eu pensei foi minha casa. E assim que me vi na sala de estar, que olhei para o sofá vermelho e para a pequenina mesa de centro com uma foto nossa da época em que começamos a namorar, voltei a chorar com intensidade, caindo de joelhos no chão e apoiando-me com as duas mãos para que não batesse o rosto. Doía tanto, tanto, tanto. Solucei, cheguei a gritar de dor enquanto sentia minhas vísceras serem corroídas por cada pedacinho do meu coração. Passei as unhas pela madeira, que entrou pelo pequeno espaço entre elas e a pele e me fez ganir com a dor aguda que me proporcionou. Aquilo não era nada, meu Deus, aquilo não era se comparado com o som das quatro palavras que ainda estavam atormentando minha mente. Mal conseguia ver enquanto me contorcia pela força daquelas palavras em mim, dançando pela minha memória. Estava no chão, os ossos do meu corpo reclamando com a posição desfavorável, meu peito pesado, chiando e doendo a cada batida do coração estilhaçado, e eu... Meu Deus, eu não sabia o que fazer. Meus sentimentos não permitiam que eu fizesse nada, então... Então eu precisava...

Com dificuldade coloquei-me apenas de joelhos, sentando-me sobre meus calcanhares. Ainda estava tremendo, mordendo o lábio inferior e sentindo a água correr pela minha face, mas fui capaz de passar as mãos pelo meu rosto, retirando as lágrimas dele, ou ao menos tentando, puxando os fios de cabelo que se grudaram em minhas bochechas e lábios para trás. Quanto mais lágrimas retirava, mais delas apareciam para aquecer meu rosto. Passei o dorso da mão no meu nariz, fungando levemente para logo em seguida tentar ficar de pé. Tinha um gosto estranho na minha boca, que eu fiz questão de ignorar. A força que eu possuía nas pernas parecia não ser suficiente, mas coloquei em minha cabeça que, se tinha tido força suficiente para sair daquela sala, conseguiria fazer qualquer coisa.

Cambaleando fui até a escada, e seus míseros dez degraus pareceram centenas, mas venci um a um, puxando minhas pernas com as mãos quando necessário, quando elas pareciam não querer se mover, forçando-as a seguir caminho – Por favor, continuem caminhando, eu preciso de vocês agora. – reclamei com elas aos soluços, sentindo minha miséria e usando todas as forças que tinha para continuar subindo até o quarto que compartilhávamos. Durante todo o caminho, evitei todas as fotos, todas as lembranças, tentei não olhar para sua toalha em cima da cama, ele sempre deixava a droga da toalha em cima da cama, ou para suas vestes do dia anterior jogadas no chão, desviando-me delas como se fossem me envenenar a qualquer toque. Engoli o desejo de arrumar tudo, de colocar as coisas no lugar, mas achei que seria muita condolência minha ajeitar qualquer coisa quando ele me tornara uma bagunça.

Retirei a varinha do cós de minha calça, parando com ela sobre minha cabeça por certo tempo: o que eu estava fazendo? Fechei os olhos com força, até que visse pontos brancos através das pálpebras, e brandi a varinha em um círculo – Pack. – eu sussurrei, porque não tinha forças para falar mais alto, não tinha nada que estar fazendo aquilo, eu poderia ficar, eu poderia fazer com que ele me amasse, não? Ele não me amava há dez anos, como me amaria agora? Eu odiava ser racional em momentos como aquele, quando eu queria apenas cair em desespero e chorar até que não houvesse mais água no meu corpo, mesmo sabendo que aquilo seria impossível. Escutei todas as coisas que me pertenciam serem dobradas, ajeitadas e bem colocadas dentro de malas que estavam prontas quando eu abri os olhos outra vez. Aqueles segundos que passei com eles fechados, vendo infinitos inteiros, foram séculos de agonia que se concretizaram em três malas bem fechadas aos meus pés. Quentes, as lágrimas continuavam a cair dos meus olhos.

Encostei em todas as malas com a ponta dos dedos, olhando, talvez pela última vez, para aquele quarto. A cortina branca dançava com o vento, deixando o sol entrar por meio de frestas de luz que reluziam sobre o soalho e sobre os móveis de madeira de lei. Suspirei, sentido o peso de cada memória que aquele quarto guardava, todas findadas tão de súbito. Meu peito queimava quando, com um feitiço silencioso, aparatei para longe dali, em um lugar onde há muito eu não chamava de casa. A sensação de vazio que me preencheu não foi apenas porque estava viajando no tempo-espaço, e aquilo, aquela coisa se remexendo dentro de mim, continuou doendo muito mais do que eu esperava.

O lugar no qual cheguei estava empoeirado e com um desagradável cheiro de mofo, mas não me importei. Talvez eu também estivesse cheirando a mofo. Deixei as malas no chão do pequeno apartamento e me joguei em cima da cama sem lençóis, vendo uma camada de poeira subir quando o fiz. Tossi por alguns instantes, logo me acostumando com a sensação. Fechei os olhos com força, querendo dormir e não acordar até que eu soubesse que aquilo era um sonho, um sonho horrível de uma noiva em crise. Era isso, tinha que ser isso. Eu ergueria minha mão e ela estaria ali, redonda e brilhante... Abri os olhos de repente, encarando minha palma contra a luz: todos os meus dedos estavam vazios, havia uma faixa de pele com um tom mais claro onde a aliança costumava ficar. Comprimi meus lábios com força, e deixei que mais lágrimas caíssem dos meus olhos para o colchão macio até que todas as minhas forças se esgotassem, enfim, e eu dormisse um sono quieto não por tranquilidade, mas por falta de motivação até mesmo para ter pesadelos. Era tudo um completo vazio.

Quando acordei, sem saber se tinham passado horas ou minutos, havia um gosto estranho em minha boca, como se eu não comesse nada há dias. Segurei a vontade de vomitar e me concentrei em outra coisa. Meus olhos. Eu me concentrei nos meus olhos, mas eles ardiam e pesavam, estavam grudados por conta das lágrimas e do sono mal dormido, o que me forçou a esfregá-los com força para conseguir abri-los e constatar que, do lado de fora, não havia mais sol. Horas. Eu tinha dormido por horas dentro daquele apartamento desconcertantemente horrível. Engoli em seco, passando a língua pelos meus lábios rachados e sentindo as fissuras de onde saíra o sangue naquela manhã. As informações daquele momento iam e vinham em minha memória, fazendo com que minha cabeça doesse horrores. Gemi, virando-me para o lado e encolhendo-me como uma bola, sentindo todo meu corpo doer com em protesto.

Olhei para meus joelhos e vi que estavam roxos, provavelmente fruto da queda quando chegar a minha... minha antiga casa. Meus olhos arderam outra vez, e tive que fechá-los com força para não voltar a chorar compulsivamente, embora não tenha conseguido evitar um espasmo de dor em meu peito, fruto de um soluço mal contido. Precisava fazer alguma coisa, e rápido. Algo dentro de mim queria simplesmente continuar deitado ali, esperando até que qualquer coisa viesse me consumir ou que eu morresse, apenas, mas a parte racional que eu ainda possuía me puxou para fora da cama e me arrastou até o banheiro há muito não utilizado, forçou-me a abrir o chuveiro e deixar a água escorrendo até que esquentasse e deixasse de sair marrom, me fez tirar as roupas, mesmo que cada gesto doesse o mundo, e, por último, a maldita parte racional me jogou debaixo do chuveiro e fez com que eu acordasse.

Estava feito. Simples assim: um dia se tem tudo, um dia se tem sonhos, e no outro você não é ou tem mais nada. Estava espantada com a facilidade com que as coisas terminavam. Mordi o lábio inferior. O que eu diria para meus pais? O que diria para Harry, para Gina? Isso é, se eles já não estivessem sabendo e eu fosse a última a entender aquela palhaçada toda. Aquela perspectiva me assustou, então preferi ignorá-la a ter de ficar remoendo-a em minha mente, que já doía demais. As gotas quentes caiam no meu rosto, substituindo as lágrimas para que eu não precisasse chorar de novo, tentando retirar a sujeira do meu corpo, embora ela estivesse muito funda para que apenas água e sabão a levassem para longe. A pressão em minha cabeça era tanta que eu mal conseguia parar de pé, mas eu precisava, então saí do banho, e, ainda nua, coloquei-me defronte o espelho. Eu não conhecia aquele rosto.

Naquelas poucas horas, olheiras haviam surgido debaixo dos meus olhos, que estavam opacos, tristes e moribundos. Minhas bochechas estavam inacreditavelmente pálidas, e meu nariz, avermelhado pelo choro. Havia algo de esquisito em como meus cachos molhados caíam ao redor da minha face, e mesmo que eu passasse meus dedos por eles, não pareciam se encaixar em mim. Joguei-os para trás, tentando me encontrar naquele reflexo. Para onde eu iria, agora? Quem eu seria? Definitivamente, não mais Hermione Weasley. Que droga. Apoiei-me na pia, soltando a respiração pouco a pouco, sem parar de me encarar na imagem embaçada pelo vapor quente que começava a se dissipar, trazendo o frio até meus pés. Era verdade que queria um ombro amigo, mas todos os meus amigos também eram amigos dele, o que me deixava terrivelmente sem opções viáveis para recorrer. Não iria até minha mãe, e todas as outras pessoas que imaginava fariam mais perguntas do que o necessário. Por um momento de loucura pensei em ir para a Rússia, talvez Krum ainda estivesse na temporada de Quadribol por lá como da última vez que o visitei e... Me lembrei de Ronald falando que ele estava viajando em lua de mel, e gani de ódio, espantando qualquer coisa que pudesse me lembrar dele da mente. Eu iria fazer alguma coisa, mesmo sem saber o quê. A imagem no espelho assentiu junto comigo, como se concordasse. Eu estava ficando louca, falando com os reflexos.

Saí do banheiro e fui imediatamente invadida por um frio cruel que vinha do lado de fora da janela aberta, o que me fez xingar em alto e bom som, arrepiando todos os pelos do meu corpo desnudo. Estávamos na primavera, desde quando era tão frio na primavera? Reclamei por mais alguns momentos até que retirasse alguma coisa de dentro das malas. Era esquisito procurar minhas roupas dentro de malas, e não do meu espaçoso armário... Forcei-me a lembrar que aquele armário não me pertencia mais, e que teria de me acostumar com aquelas malas até que comprasse um novo armário para o apartamento que possuía há anos, mas nunca tinha utilizado. Eu dizia que aquele apartamento era para emergências, mas nunca imaginei que eu seria a emergência. Engoli, de novo, as lágrimas e meu coração, que ameaçavam sair de mim. Coloquei uma calça preta e uma blusa branca que ia até metade das minhas coxas, suas mangas finas cobrindo meus braços arrepiados. Não prestei muita atenção no que escolhia para vestir, colocando a primeira bota que veio às minhas mãos, e, sem mais nenhuma cerimônia, deixei meu apartamento para trás, batendo a porta quando saí e levando nos bolsos alguns galeões, um pouco de dinheiro trouxa e minha varinha. Sequer tinha me preocupado em passar maquiagem, porque minha aparência não ficaria melhor nem se eu quisesse.

Ao passar pela portaria, o porteiro franziu o cenho para minha figura, afinal o coitado não havia me visto entrar, mas apenas acenei com a cabeça e fingi que não havia nada de errado enquanto saía para as ruas londrinas, sentindo o vento roçar meu rosto e bagunçar meus cabelos cacheados. Respirei fundo, sentindo o ar entrar em meus pulmões, mas foi inútil tentar preencher meu coração vazio: ele continuava pesado e doente em meu peito. Sem querer chorar, continuei andando pelas ruas, escutando meus passos e prestando atenção em cada som: os carros, o trepidar das luzes mal conectadas, as pessoas se movendo dentro dos prédios, a risada de alguns jovens sentados nos bancos de praças. Qualquer coisa para que eu não focasse no tanto que meu corpo ainda reclamava por existir e por estar sendo arrastado por aí daquela forma. Notei que tinha sentido falta daquilo: da normalidade trouxa, que não precisava se preocupar com quase nada senão a bolsa de valores em queda. Suspirei, mordendo o lábio inferior para não derramar uma única lágrima sequer. Não percebi por quanto tempo andei sem me tocar do mundo, apenas parando de caminhar quando me vi defronte um pub iluminado em tons de roxo. Observei o ambiente pela parede de vidro, vendo que estava relativamente vazio e que ali as chances de encontrar alguém conhecido eram quase nulas. Ergui meu rosto e empurrei a porta, que cedeu facilmente ao meu toque, colocando-me para dentro.

Assim que entrei, um cheiro forte de álcool e um calor inesperado me atingiu, e não tivesse eu adquirido a habilidade de permanecer de pé naquele dia, teria caído com aquele torpor. Pensei em dar meia volta e ir para outro lugar, mas eu não pertencia a lugar nenhum, então qualquer um serviria. Levei a mão até o anelar direito em um gesto nervoso, e encontrar o vazio foi o que eu precisava para continuar ali. Passei meus olhos pelo local, focando-os em uma figura solitária no fundo do pub. Seus olhos me encaravam de forma mortal, faiscando na escuridão.

Eu via seu rosto sob as luzes arroxeadas, dando-lhe um ar sobrenatural, ainda mais quando ele sorriu sem mostrar os dentes, levando um copo preenchido com um líquido âmbar aos lábios finíssimos. Meu coração finalmente deixou o estado letárgico e começou a bater forte por todas as razões possíveis. As mangas de sua blusa azul estavam arregaçadas, deixando à mostra sua marca negra, um tanto desbotada, no antebraço esquerdo. Mesmo que soubesse que ela estava ali, sempre era desconcertante vê-la, quando, normalmente, estava escondida atrás de várias camadas de roupa escura. Eu estremeci, vendo a tinta bruxulear em sua cútis sob a luz artificial, e me perguntei como deveria ser para ele poder deixá-la à mostra, sem se preocupar com alguém lhe lançando olhares tortos por saber de seu passado hediondo que aquela simples tatuagem carregava. Ele era marcado por sua pele, e eu, pelo meu sangue.

O observei abaixar o copo lentamente, me aproximando sem vontade, impelida pelos meus pés cretinos, variando o olhar entre suas íris enegrecidas pelas pupilas dilatadas e seu antebraço. Era quase como se ele tivesse me enfeitiçado e estivesse me puxando para si, para seu corpo esguio e repleto de ângulos, fazendo-me desviar dos poucos clientes que me separavam dele. Escutei-o rir, mesmo que baixinho, quando cheguei perto o suficiente, separando-me dele apenas por uma mesa quadrada e cheia de marcas de copos.

- Ah, aqui está uma presença ilustre que eu jamais esperaria encontrar... – ele levou a ponta dos dedos aos lábios molhados, avaliando-me com aqueles olhos de cobra. Sua expressão era algo entre a dúvida e o divertimento, o que fazia meu peito bater forte, e a respiração ficar presa em meus pulmões, quase sem sair. Aquele era outro tipo de dor que eu não havia sentido no dia. Percebi quando ergueu uma das sobrancelhas albinas – Não vai me cumprimentar?

Eu pensei em dar as costas para aquele homem e ir embora, certamente o veria em algumas horas no ministério, onde fingiria que nada daquilo tinha acontecido, o trataria com a mesma cordialidade de sempre, mas algo me fez ficar. Algo irracional que me dizia o mais óbvio: eu não tinha para onde ir.

- Olá, Malfoy. – respondi com certa amargura, sem desviar meus olhos dos seus, ajeitando os cabelos com uma das mãos em um gesto nervoso. Senti seu sorriso rasgar o rosto e me atingir em cheio, parando meu coração outra vez, mas por um motivo diferente: ele batera tão rápido que sucumbira, afinal, deixando um último eco em meu peito.



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