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História Pecados de um Chef - Deux


Escrita por: Ckjima

Capítulo 2 - Deux


              Trabalho, trabalho... 1,2,3 entrei no elevador lendo os números e apertei o botão enquanto colocava um sorrisinho nos lábios, atravessei o saguão rapidamente enquanto olhos me acompanhavam e tomei a direção ao elevador do estacionamento, peguei o carro e parti até o local que estaria minha equipe...

              Não demorou muito para encontra-los junto às caixas, minha assessora veio correndo em minha direção com um dos maiores sorrisos e eu sabia que teria que dar uma daquelas chatíssimas entrevistas.

—Bom dia Chef... Dormiu Bem? – sua voz saiu mais anasalada que o normal e me preparei psicologicamente para sua ladainha sobre imagem e divulgação do meu trabalho que teria início assim que respondesse.

—Muitíssimo Bem... Qual é o problema? – murmurei tentando surpreendê-la com minha habitual ironia, em outras palavras sorri, um grande sorriso.

—O Jornal local... Resolveu fazer uma matéria ao vivo e acompanhá-lo às compras, seria possível? – Seu sorriso parecia propaganda de creme dental, daqueles que a vida parece sempre divertida.

—Eles já estão aqui? – murmurei estranhando o silêncio atípico nessas situações.

—Não, estão esperando sua autorização – a assessora murmurou com um tom de dúvida na voz.

—Eu compro, faço a matéria no final, está bem assim? Assim posso ajudar á todos? – murmurei simpaticamente com meu tom naturalmente polido.

 

              Corri contra o tempo escolhendo os melhores produtos, experimentando sabores, testando texturas, separando, escolhendo e limpando os vegetais, hortaliças e frutas para meu cardápio daquela noite, produtos orgânicos... Milhos, cebolas e cenouras... Batatas... Não... Preciso de um purê tradicional... Que belo corte de pescado... Era o suficiente... Já começava a me entreter com as cores e sabores daquela feira, separava as ervas principais para fazer os pestos do cardápio, quando olhei para um maço de Manjericão, saudades de minha musa inspiradora? Saudades das mulheres de minha vida... suspirei... e, sorri, como sempre fazia quando lidava com uma situação de stress.

              A repórter me alcançou enquanto mastigava um pedaço de tapioca que uma senhora me oferecia e enquanto dizia o que gostava de me assistir no programa da televisão e perguntava sobre como era feita as provas... Eu ria de suas perguntas inocentes e tentava lhe responder de forma divertida sem ofendê-la que não poderia contar todos os segredos para que não parasse de assistir à atração, afinal de contas a emissora investira na franquia que era um sucesso internacional, todos os envolvidos ganhavam fama por causa do programa e, eu havia me tornado um sucesso nacional graças à ele.... Ela deu uma boa gargalhada e elogiou, sabendo que eu era um pescador e, não um garoto em busca de fama. A repórter olhava para mim conversando com a senhora e parecia congelada.

—Está tudo bem com você? – Perguntei ainda rindo enquanto a senhora feirante me dava um gostoso abraço do tipo de tia querida que você reencontra depois de muito tempo, algo que você sabe que só faz bem...

—Obrigado meu filho você é muito simpático... – agradeci me afastando enquanto voltava minha atenção à repórter que tentava se concentrar.

—Vamos falar no link ao vivo? – Tentei ajuda-la colocar o trabalho na cabeça enquanto ela demonstrava todo o nervosismo de repórter iniciante.

—Desculpe, me tornei sua fã... É sério! – a repórter riu desconcertada enquanto a equipe se aproximava e eu já fazia brincadeiras sobre o câmera que exibia os olhos ainda inchados de sono.

—Todo o glamour de acordar as cinco da manhã... Essa vida de ser Chef, de aparecer em rede nacional – murmurei apontando para os legumes encaixotados e os carregadores que estavam parados olhando para a equipe de reportagem e eles começaram a rir – Vocês estão acordados desde que horas? – perguntei com um tom de voz alto e eles me encararam —Sou eu mesmo, o cara do programa de televisão... Aquele lá que tinha aquele bando de gente cozinhando – respondi rindo.

                                                                                    ♙♙♙

 

              A equipe parecia se divertir com meu jeito espontâneo e para minha sorte a repórter começou a relaxar, sabia que teria que conduzir a entrevista, mas o importante era ela não perder o foco e fazer perguntas erradas, com tantas entrevistas surpresas, você acaba pegando o jeito de fazer a coisa fluir, como em qualquer trabalho. Minha assessora apareceu com uma doma passada com meu nome e eu me neguei a vesti-la, era bom para o público entender que aquele era o momento de compras, era um comprador e não um chef. A repórter se aproximou e olhou para as ervas espalhadas por cima dos caixotes e sorriu.

 

—Podemos gravar? – A repórter perguntou olhando para mim e para a assessora.

 

—Pensei que seria um link ao vivo – murmurei olhando para minha assessora.

 

—O link é ao vivo... Só pensei em fazermos uma prévia antes – a repórter disse com a voz trêmula.

 

—Tudo bem... – respondi enquanto o câmera se aproximava e um garoto segurava o refletor.

 

—Estamos aqui... – a repórter aspirou ar e piscou olhando para a câmera —Agora?

 

—Três, dois, um... – o contra regra contou apontando para o papel enquanto eu olhava para o papel.

 

—Bom dia, estamos aqui com um dos ganhadores do  Masterchef Brasil, ele que fez seu curso na renomada escola de gastronomia Le Cordon Bleu, e ganhou fama nacional...  Hoje preparará um jantar exclusivo para o encerramento do maior simpósio de medicina do nosso estado e, ele vai dar dicas de como estão os alimentos nessa estação... – a repórter olhava para o cartaz e arregalou os olhos e girou olhando para as ervas —O que temos aqui? Pode nos dizer Chef?

 

—Bom dia para vocês, eu hoje estou em sua cidade comprando diretamente dos produtores locais os legumes, verduras e frutas que serão usados em meus pratos que serão oferecidos em um jantar muito especial, gostaria de agradecer a comissão pelo convite de preparar um jantar especial para tantos profissionais empenhados em melhorar o dia dos portadores de câncer da região... Tudo começa com uma boa alimentação e gostaria muito de dizer que todos os ingredientes frescos possuem valor nutricional e melhora o desempenho do nosso organismo, portanto, quanto mais fresco e natural mais saboroso é... Podemos aproveitar a safra das berinjelas que estão com preços mais acessíveis e preparar deliciosos e nutritivos pratos, as ervas como manjericão poderão ser utilizadas em molhos de tomate, carnes e pestos... A minha sugestão é uma lasanha de berinjelas com molho de tomates caseiro, temperado com manjericão e um pouco de queijo para alegrar – terminei com um sorriso.

 

—É isso aí Valéria... Vamos ficando por aqui enquanto converso com o Chef e peço para ele me ensinar a tal receita de berinjela – o contra-regra deu o sinal positivo enquanto a repórter sorria —Bom dia a vocês aí do estúdio e um bom dia aos telespectadores – a repórter sorria enquanto o câmera encerrava a reportagem com um close nas ervas.

 

—Obrigado... Tenham um bom dia... – agradeci a equipe e dei dois passos à esquerda e comecei a juntar as ervas que estavam nos caixotes.

 

—Obrigada... Vai me dar essa receita? – a repórter acenou enquanto minha assessora a acompanhava e me deixava em paz para terminar meu processo de desenvolvimento dos pratos que seriam servidos.

 

—Espera, você realmente irá fazê-la? – perguntei olhando aquela garota que me encarava com seus olhos castanhos e lembrei dos olhos de uma certa apresentadora... Saudades? É você sente saudades do anonimato, de andar pela feira sem ser reconhecido... Sem os aproveitadores e aves de rapina que se aproximam de você apenas para tomar carona em seu sucesso... – suspirei enquanto pegava a carona e ela me encarava —O que foi? – perguntei segurando uma risada enquanto ela se tornava carmim —Sabe saltear? Então, é para saltear as berinjelas okay? – disse entregando a receita escrita nas costas da pauta enquanto sorria, suas pupilas dilatavam e ela prendeu o fôlego.

 

—Dá seu autógrafo aqui? – ela murmurou enquanto a equipe se afastava e eu a observava.

 

—Autógrafo? – murmurei rindo e sussurrei —Vou lançar um livro, vou autografar em alguma livraria, aí eu te dou um autógrafo de verdade... – murmurei rindo enquanto assinava meu nome no fim da receita.

 

—Obrigada... – ela murmurou enquanto trocávamos beijinhos e ela acenava se afastando.

 

—Vamos? – minha assessora voltou andando rapidamente enquanto eu a encarava com um sorriso irônico —Desculpe, achei que seria um top para um jornal nacional.

 

—Está tudo bem, melhor ser uma repórter do que uma daquelas apresentadoras chatas só interessadas em aparecer... – murmurei zombeteiro.

 

—Aí... Vai tirar comigo até quando? – minha assessora começou a rir enquanto a equipe a encarava.

 

—Você sabe o quanto foi difícil ter que ouvir tanta bobagem? Tem uma caixa de cenouras para descascar... Se não consumiu sua culpa... – disse ironicamente.

 

—Eu vou deixar você em paz para preparar o menu – ela respondeu fazendo uma careta de desprezo.

 

—Quando vou convencê-la que cozinhar é bom? – murmurei rindo —Será que se alguém descobrir que você odeia cozinhar ficarei em maus lençóis? – perguntei já no estacionamento enquanto minha equipe explodia em risadas.

 

—Desaparece daqui... – minha assessora bateu com a mão na janela do carro enquanto eu buzinava.

 

—Bo... ba... – gritei e fechei a janela e saí em direção ao hospital. Dirigir por uma cidade pequena tem suas vantagens, as grandes avenidas levam sempre aos lugares mais importantes, assim, depois de dois cruzamentos, tomei a faixa para fazer a conversão à esquerda e assim acessar uma das principais avenidas da cidade, era arborizada, relativamente calma em comparação as capitais.

 

              Estacionei na vaga com a placa de visitante e tomei a direção da entrada. Minha assessora e o resto da equipe não demorariam a chegar e eu teria tempo de espairecer antes de iniciar o trabalho. Sentei-me em um dos cantos do estacionamento e observava os pássaros em seus afazeres matutinos, cantando, limpando, caçando insetos, aquelas coisas que você ignora e são tão belas e simples que despertaram minha gratidão, eu me sentia feliz por estar ali, compartilhando aquele momento.

 

—Qual o motivo do sorriso bobo e essa cara de apaixonado? – minha assessora balbuciou sentando-se ao meu lado e olhou para a árvore sem entender minhas reações.

 

—Coisas da vida... – respondi girando meu pescoço e a observei – Você aprontava muito na infância?

 

—Eu? – Ela engasgou e soltou a pasta – Irei avisar ao diretor que estamos prontos, tudo bem?

 

—Okay... – respondi revirando os olhos diante de sua fuga.

              Como sempre, ao ser recebido pelo organizador do evento, você tem que se armar com toda a paciência e tolerância para não discutir pelo motivo errado, sim, eu era um Chef com uma boa história, mas antes de qualquer coisa, eu era um sujeito que acreditava na paz, na união e que essa união faz diferença e, através dela, existe harmonia e para um cardápio ser bem aceito a harmonia é essencial, entre os ingredientes, entre os profissionais da cozinha e os requisitantes.

 

—É um prazer enorme conhece-lo pessoalmente – o diretor estendeu a mão e me cumprimentou.

 

—É gratificante trabalharmos juntos – respondi sinceramente enquanto tiravam fotografias e filmavam nosso encontro —Espero que se torne uma noite memorável para todos nós.

 

—Vamos até a cozinha... – o diretor murmurou me levando através dos corredores até ao elevador —Nossa, você é tão diferente da televisão... – o diretor do hospital murmurou me observando.

 

—Mais alto você quer dizer... – disse soltando uma risada enquanto minha assessora fazia careta.

 

—É... Também... Quero dizer... – o diretor murmurou e coçou a nuca —Intimidante.

 

—Ah... – balbuciei ainda sorrindo olhando para aquele homem de terno que se mexia como se tivesse sido picado por abelhas —Esqueça aquele cara da televisão, sou o cozinheiro responsável pelo seu jantar, não precisa me tratar como se fosse uma celebridade – murmurei tentando acalmá-lo.

 

—Até parece... – o homem respondeu revirando os olhos e eu sorri —Eu tentei ir ao programa... Não consegui, tem fila de espera gigantesca... Como consegue lidar com a fama e fazer eventos, te vi em uma feira em um shopping com aquela Chef... Quatro horas de espera... Como consegue continuar calmo e tão educado? Eu acho isso um poço de irritação... Espera...

 

—O preço da fama... – murmurei observando as portas do elevador se abrirem e ele a segurou enquanto eu passava – Eu trabalhava com uma equipe muito boa, aqueles Chefs te ensinam a ganhar confiança, esse é o principal segredo do sucesso de qualquer profissional, pessoas nas quais você possa confiar, que acreditem em nosso talento, isso desperta sentimentos e talento, você aprende a lidar com o assédio, precisa de uma equipe, uma assessora – murmurei puxando a minha pelo braço.

 

—Essa é a nossa cozinha... – o diretor abriu as conhecidas portas de empurrar e entramos no ambiente que exalava um cheiro forte de desinfetante.

 

—O quê aconteceu aqui? Vocês fecharam a cozinha para fazer limpeza? – murmurei irritado com aquele cheiro que agredia meu olfato —Pensei que ela fosse funcional... Aonde estão os funcionários?

 

—O serviço tem inicio às 10 da manhã... – o diretor respondeu com a voz sumida.

 

—Não servem café da manhã? – perguntei estupefato.

 

—É uma cidade pequena... O café vem de fora... – Ele murmurou dando de ombros.

 

—Esse simpósio não é um evento nacional? – murmurei observando os fogões e as paredes.

 

—Sim, embora nosso hospital não esteja em uma boa fase... – o diretor murmurou e eu senti aquela situação mudar completamente meu humor, como se recebesse uma noticia ruim, momentaneamente me perguntei de onde sairiam às verbas para o nosso pagamento enquanto ele falava sobre mazelas dos hospitais públicos e sobre o quanto era difícil para ele como diretor ver o maior hospital da região viver de esmolas do governo com tantos bons profissionais prontos a oferecer bons atendimentos à sociedade brasileira, quanto mais ele falava mais irritado eu ficava, não gostava de ver uma cozinha sem movimento, sem vida...

 

              Para mim, cozinhar é muito mais do que uma arte ou modismo era uma forma de oferecer as pessoas um pouco de atenção, confortá-las em seu momento mais íntimo, a alimentação. O diretor apesar de gostar do meu trabalho, parecia insatisfeito por sua instituição ter sido escolhida para receber o simpósio e provavelmente sua atitude negativa estaria me afetando por isso.

 

—Independente do que esteja acontecendo por trás desse evento... – murmurei tentando encontrar as palavras para animá-lo —Você admira e respeita os profissionais que trabalham com você, por esse motivo, eu acredito que nada melhor do que uma mesa cheia de pessoas queridas, boa comida e amor.

 

—Me desculpe... – o homem se tornou mais vermelho do que uma malagueta – Acho que ver você... Sua sinceridade no programa... Suas atitudes... Desculpe... Isso não é... – o diretor falou gaguejando.

 

—Vamos fazer um acordo? Após o jantar, você pode falar para a imprensa sobre as dificuldades do hospital... Eu não preciso falar com a imprensa... – murmurei rindo internamente da situação.

—Me desculpe... – a assessora se aproximou segurando o menu enquanto eu a encarava.

—Muito engraçada você... – murmurei rindo —Quantas vezes vai continuar me enfiando nesses eventos onde contratam a equipe sem noção que preciso cozinhar de verdade? Agora você me explica como tirar esse cheiro horroroso daqui?

—Posso pedir para a equipe preparar um pequeno café da manhã... – ela me observava com os olhos arregalados – Não se preocupe, deixe comigo...

—É bom resolver isso antes que eu volte – murmurei irritado saindo da cozinha.

            



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