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História Pecados de um Chef - Trois


Escrita por: Ckjima

Capítulo 3 - Trois


              A vida profissional de um Chef começa muito antes de seu primeiro emprego, mão de vaca que eu era e, como era conhecido por boa parte dos meus amigos, todos sabiam de minhas regras, acordar antes das cinco da manhã era essencial para conseguir os ingredientes certos para o sucesso das receitas... Naquela madrugada quando o despertador soara eu pisquei algumas vezes e tentei jogá-lo contra a parede...

              Não, eu não faria isso, pois essa era uma atitude que eu me arrependeria caso algum erro fosse cometido, era natural me obrigar a sair da cama e encarar a ducha gelada como punição pela noite anterior.

              Poderia parecer ridículo e extremamente controlador não confiar a uma equipe profissional a compra de ingredientes para execução de um cardápio relativamente simples, entretanto, aquela era uma oportunidade de provar minha teoria de que a boa culinária se faz com bons ingredientes e não com nomenclaturas complexas e produtos exóticos. Simples, saboroso e barato, para muitos eu apenas poderia servir um menu autoral cheio de nomes complexos dizendo ser o momento gourmet, mas eu não faria isso com um bando de médicos... Eu tinha muito mais a oferecer, não era apenas o chef sensação... O cara do momento, o Crush das redes sociais... Eu queria provar que o programa realmente era sério e que eu era um Chef de talento, embora não tivesse tanta experiência, como os Chefs disseram eu era um Highlander, um cara que desacreditado, humilhado e questionado pelos outros candidatos que havia provado que seria capaz de se tornar um profissional de sucesso.

              Verdadeiros Chefs que estão diariamente lidando com tantas pessoas em condições de vida tão peculiares que os levaram a optar por carreiras na cozinha merecem muito mais do que serem “gourmet”... E, naquela noite, eu havia conseguido bagagem suficiente para provar a todos os presentes, imprensa e ex-concorrentes que me criticaram que eu era muito mais do que o candidato que ganhou o programa por minha aparência ou meu jeito introspecto... Após o fim do programa...

Convites... Comecei a aparecer em toda parte e, claro que, me tornar uma pessoa famosa na televisão me trouxe dinheiro e problemas. Era pavoroso ver o universo se expandir daquela forma, de uma forma tão automática e estéril...

Diante da fama instantanea que me levara à um lugar desconhecido onde a fama lhe oferece prazer e sofrimento... Ser reconhecido é motivo para fofocas, críticas, achismos, falsidade que acabou destruindo relacionamento com pessoas e projetos importantes... Foi quando acabei indo para o curso no exterior e, fiquei por lá, trabalhando duro, estudando...

              Durante um Master Class com um renomado chef alemão durante um fim-de-semana reencontrei com Henrique Fogaça, um dos jurados do programa ele ouviu tudo que eu disse, falou sobre a onda que passava e solidificava nomes no universo da gastronomia nacional, me convidou para voltar ao país, que iria me indicar ao seu amigo... Quando terminou o verão europeu, voltei ao Brasil, o contactei e ele me levou ao seu amigo... Trabalhamos juntos, meu nome voltou às colunas sociais, à televisão, dessa vez, pela gastronomia...

                            A comida exerce um fascínio nas pessoas, desperta desejos, supre necessidades, inspira delírios confundindo a profissão, eles devoram você se não estiver pronto para lidar com o público, naquele momento, eu lembrava tudo, principalmente de minha mãe...

              Estar naquele jardim, ouvindo os pássaros cantando era algo tão raro, apreciar essas pequenas situações que a vida lhe oferece, onde sua história começa a passar diante de seus olhos, um momento tão íntimo, lembrei-me da infância, das revistas “femininas” de minha mãe... Um calafrio acariciou maliciosamente minha medula, memórias da terrível professora de português que criticava valentemente minha terrível letrinha classificando-as como “rabiscos” nos cadernos de alfabetização e minha mãe, preocupada e ao mesmo tempo inteligentíssima, mesmo com sua vida atarefada, diante das ameaças de nunca melhorar minha caligrafia e ficar com a letra de médico, ou seja, ilegível... Inventou fazer um caderno de receitas... Para um menino de seis anos parecia idiotice, eu reclamava todos os dias, mas, minha mãe sabiamente me dobrava... Tornaria um hábito sagrado, como todas as orações antes das refeições e antes de dormir, ou sair sem pedir a sua benção para ter um bom dia...

—Chef... – a voz de minha assessora parecia mais doce do que o normal —Chef, terminamos o café, pode voltar à cozinha e começar a orientação ao mise en place?

—Claro – murmurei observando-a que parecia ter chorado durante minha ausência —Não se preocupe, tudo vai dar certo – disse sorrindo e a abracei.

—Ah... Você e seus abraços... – ela sussurrou contra meu peito — Vista sua doma e prove que você não é só esse homem que faz todos suspirarem por você...

—Suspirarem por mim? – perguntei segurando uma risada alienado ao que pensava minutos atrás.

—O diretor? A repórter? Será que eu sou a única que vê o quanto você mexe com as pessoas? – ela murmurou rindo enquanto andávamos rumo ao elevador.

—Sei, quero ver se me conhecessem enquanto era um magrelo comprido totalmente desengonçado... – murmurei enquanto me despedia das memórias e me concentrava no papel que estava em minhas mãos.

—Você? Desengonçado? – a assessora parecia se divertir.

—Ah garota... Tem tantas coisas que você sequer imagina que eu já passei em minha vida... Mas, isso é outra história... Vamos ao trabalho... – respondi enquanto andávamos abraçados rumo à porta de entrada.

—Tem uma parte de mim que acredita que você ainda se vê como garoto... – minha assessora riu.

—Você pode apostar que sim – respondi olhando para a equipe que já esperava nas bancadas, prontos para executarmos a pré-preparação... Expliquei o menu, distribui o trabalho entre eles, minha sous-chef era uma ex-conhecida do programa... Seus modos, sua deliciosa maneira de interagir, nos reencontramos e ela deixou um badalado restaurante para ser minha sous... Thaiana sorria enquanto eu a observava fatiar o pescado.

—Chef você gostaria que eu fatiasse mais fino? A espessura está boa para você? – ela perguntou enquanto eu analisava a preparação.

—Eu só posso dizer que amo vê-la fazendo o que gosta... – murmurei sorrindo —Todos vocês, façam tudo com muito amor, eu sinto essa energia fluindo... Que coisa maravilhosa... Estou agradecido...

              O trabalho continuava, as entradas, prato principal, acompanhamentos, tudo era fruto de meus estudos, minha determinação, eu conseguira através dos cursos, da aprendizagem durante os anos posteriores ao título aprimorar o meu lado oriental, um lado que me era tão forte e tão contrastante com meu exterior que levaram as pessoas a questionar minhas habilidades pessoais enquanto eu era lapidado, era isso que eu aprendera, era isso que eu necessitava percorrer durante todo o caminho...

              Nunca havia sido o garoto perfeito, desde muito cedo, eu era um pequeno guerreiro, lutando por minhas conquistas, as coisas pareciam todas tão óbvias que eu focava minha atenção naquilo que eu sequer entendia... Castigos e conversas, minha mãe sempre fora aquela que esteve sempre ao meu lado, aquela que me ouvia durante as crises, aquela que me acalentava nas noites de choro e insônia.

              Sempre observador, gostava de ver as pessoas agindo, aprendia através da observação e, me metia em brigas, como qualquer criança... Talvez esse período, tenha sido fundamental para me entender, quando você ainda está totalmente aberto, onde seus instintos são tão fortes que se manifestam através de gritos, birras e ações que levam os pais a loucura... Mas o objetivo é balancear o seu interior... Eu acreditava nisso e, isso trazia para minha comida essa necessidade de respeitar sua essência, do que você realmente é...

              A preparação havia sido adiantada e eu ouvia a conversa da equipe que aos poucos se afastava, voltei a esfregar a tigela enquanto minha assessora sorria.

—Chef? – ela murmurou sabendo que eu estava muito distante dali.

—Sim... – respondi erguendo os olhos em sua direção e ela tocou meu braço.

—Precisa de mais alguma coisa? – ela perguntou e observou meu rosto que permanecia sem expressão.

—Não, estou bem, apenas ajustando algumas coisas... – disse erguendo a sobrancelha enquanto ela me encarava.

—Chef... – ela sorriu afagando meu braço —Eu sei o quanto a cozinha te leva à esse lugar que você se autoanalisa e onde você encontra respostas para tudo, mas lembre-se temos um horário a cumprir.

—Me desculpe – murmurei e sorri ela era minha assessora principalmente por entender essa minha necessidade desse momento de introspecção.

—Estamos com você... – ela murmurou enquanto eu a observava sorrindo —Não se esqueça que você é nosso líder...

—Obrigado – murmurei olhando para seu rosto que expressava apenas calma e preocupação.

—Vou lhe deixar sozinho – ela murmurou e deu as costas andando rumo à saída.

              Eu sorria, andava pela cozinha vazia, observando as preparações para o jantar, meu dever de observar, conferir, aprimorar, elevar e conduzir aquele jantar enchiam meu coração de amor, meu espírito de força e eu agradecia àquela conexão única... Aquele momento onde tudo se conecta, ar, terra, água e fogo... Eu me sentia conectado ao mundo, me sentia inspirado ao oferecer aquele jantar uma rara oportunidade de através do paladar se influenciar, se tornar integro, reverenciar a terra, a ancestralidade, suas escolhas, a medicina me inspirava... Aquele menu era tão honrado... Que coisa mais inspiradora era a arte da observação... degustava o último pesto e sorri... Seria perfeito...

              Voltei ao hotel, extasiado, agradecido por uma equipe de pessoas tão fiéis à minhas ordens, não era arrogância, era reverência por aceitarem ser comandados por mim, isso era uma dádiva... Eu agradecia aos meus antepassados por me darem esse instinto que levava as pessoas a se unirem e acreditarem em mim e eu me sentia leal, eu as protegeria, ajudaria e lapidaria para que amassem a gastronomia como eu amava...



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