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História Pedaços Transformados - Biscoito


Escrita por: KurohimeYuki

Notas do Autor


Biscoito! Hoje é segunda!
Eu sei.

Capítulo 85 - Biscoito


biscoito

CALUM, 13 ANOS. LUKE, 12 ANOS.

Jantares em família sempre eram péssimos, um desastre social, e tudo o que Luke mais queria era engatinhar para debaixo da mesa e comer normalmente, como uma pessoa normal. E com as mãos, não com garfo e faca.

Quem comia pizza com garfo e faca?

Quem era esse ser social e educado?

Luke não queria conhecê-lo.

Cada vez que tentava cortar um pedaço, Luke sentia que cortaria o prato; cada vez que mordia, Luke sentia-se tentado a passar a língua pela faca para não perder nada, nem um pedaço de queijo derretido, porque... Hum, aquilo era gostoso.

Se estivesse comendo com as mãos, Luke lamberia os dedos e o prato – lamber o prato claramente seria inaceitável naquele momento (e em todos os outros), mas o queijo estava macio e derretido e crocante e suculento e hum...

Luke queria mais.

Ele amava pizzas que tinham todos os sabores misturados numa massa docinha... Era tão... tão...

Luke sentia-se derretendo como aquele queijo, todas suas preocupações e o que fosse que não entendesse descendo garganta a baixo, para bem, bem fundo, enterrando-se profundamente, porque aquela pizza era tão boa.

-Droga – praguejou, fechando os olhos e saboreando. – Isso é tão bom que... Droga. Mais um pedaço por... – Luke abriu os olhos, arregalando-os ao perceber seu erro tarde demais.

O silêncio que pairava no ar era a prova certa – e, se não fosse, os olhares de pena da sua irmã seria. Quando ela sentia pena de alguém e ficava calada? Até seu pai tinha aquele olhar no seu rosto que dizia “oh-oh, eu não queria estar no seu lugar”. E Calum o olhava. Calum, que se recusava a olhá-lo por mais de um segundo, agora o olhava fixamente.

Luke desviou os olhos, constrangido, para sua mãe, que nem prestava atenção nele, e, antes que pudesse suspirar de alivio, ela comentou calmamente, cortando a pizza como a pessoa educada que era:

-Complete isso e você está lavando os pratos hoje, Luke Hemmings.

-Droga não é palavrão! – exclamou Luke, contrariado.

-Qualquer palavra é um palavrão, Luke, querido – disse Liz, do mesmo jeito que o mandaria lavar a boca com sabão. – Eu poderia dizer "foda-se" que teria o mesmo efeito que droga, poderia falar "biscoito" que o sentido não mudaria.

Ahn... Luke abriu a boca e a fechou, impressionado.

Calum abriu a sua e começou a rir, por que quem diria que Liz Hemmings diria um palavrão e ele seria “biscoito”?

Andrew colocou um pedaço de pizza na boca com a mão, aproveitando o fato de que sua esposa não prestava atenção, e gemeu, fingido não prestar atenção.

Julie colocou os cotovelos sobre a mesa e observou tudo, como a pessoa curiosa que era.

-Oh, você está rindo, Calum? – Calum não estava... não muito. – Você vai ajudá-lo.

-Mas...

-Você vai reclamar? – questionou Liz, levantando a sobrancelha e Calum fechou sua boca, porque não seria ele a discordar dela. Não hoje. Não nunca. – E pegue um guardanapo ao menos, Andrew - murmurou ela, enojada. – Cadê a educação que eu te ensinei? – Andrew piscou e abriu a boca para retrucar, mas Liz foi mais rápida e completou: -– Nem ouse falar com essa boca cheia.

-Ei, mãe – chamou Julie, batendo os cotovelos na mesa para chamar atenção para esse fato. – Eu também estou...

-Não.

-Mas...

-Não.

-Por que...

-Porque da última vez que você lavou os pratos eu tive mais trabalho do que descanso, então não. Você não vai lavar os pratos para que depois eu precise lavar os pratos novamente.

-Você deveria dizer "lavá-los" e não...

-Julie – clamou Liz, fechando os olhos por um momento. – Por favor. Você não vai lavar os pratos, então pare. Estou ficando desconfortável com você se mexendo tanto nessa cadeira, como se tivesse sentada num formigueiro.

-Mas...

Julie sorriu, como se tivesse ganhado algo, quando na verdade perdia, e Luke não precisava ser um gênio para saber o que ela diria, embora ela devesse ser um naqueles momentos – Julie precisava saber a diferença entre provocação inocente e desrespeito, porque ela queria dizer “biscoito” e Liz sabia e as duas estavam num impasse.

Luke queria chocalhá-la pelos ombros.

Ele iria chocalhá-la...

Agora era sua chance de...

-Queridas – intrometeu-se Andrew, sorrindo para suas duas belas garotas, que estremeceram ao vê-lo lambendo os dedos. – Hoje é dia de karaokê! – anunciou ele, levantando-se com um braço para cima, como se fosse um super-herói salvando o dia. – Para a sala!

-Eu amo esse dia! – exclamou Julie, seguindo-o animada

Muito animada... Luke desconfiava dessa animação. Talvez ela não fosse um caso tão perdido quanto achava, talvez sua irmã ainda tivesse salvação. Talvez alguém, algum dia, conseguisse salvá-la de si mesma. (Luke estava ansioso por esse momento.)

-Nós não temos esse dia – murmurou Liz, mas os seguiu. E então parou. – Lavem os pratos, todos os pratos – ordenou ela, olhando para cada um por um momento para ter certeza que estava sendo ouvida. – Entenderam? Ou...

Cabeças ansiosas assentiram em vez de rolar.

E Luke suspirou aliviado por uma briga não ter começado na mesa de jantar, por sua mãe e sua irmã não terem brigado, por seu pai ter interrompido antes que as coisas ficassem sérias (embora Luke achasse que toda aquela tensão entre as duas, aquela busca por ser mais inteligente, por ser “superior”, estava sendo cozinhada em banho-maria... ele não queria nem estar presente quando tudo fervesse e evaporasse de vez) e, Luke suspirou principalmente, porque ficaria sozinho com Calum e, mesmo que não soubesse o que dizer, ao menos tinha uma chance para descobrir.

Se não... biscoito!

 

Silêncio.

Novamente.

-Você não está com...

Calum pigarreou e balançou a mão, sem dizer, porque... Silêncios eram castigos divinos e ele perguntou-se se Liz sabia que eles não estavam se falando, porque ficar calado quando comunicação era essencial para não quebrar os pratos era...

Era um tormento.

Era um castigo.

Era uma bênção.

Existia algo em lavar os pratos um ao lado do outro, com Luke ensaboando e Calum enxaguando que era...

Calum parou-se antes que pensasse em "vida doméstica", mas era confortável e animador aquela ligação e aquele trabalho em equipe sem a necessidade de palavras, era como se algo estivesse sendo construindo ou se remendando entre eles – e Calum gostava daquilo.

Calum gostava de como suas mãos esbarravam e Luke não recuava (ninguém queria quebrar os pratos também, mas...); Calum gostava do fato de estarem lado a lado e de Luke ser um pouco maior do que ele, porque sabia o quão confortável seria encostar a cabeça no ombro dele (não que fosse fazer isso); Calum gostava de estar ao lado de Luke, mesmo que estivessem em silêncio, mesmo que não falassem, mesmo que algo ainda estivesse pairando no ar entre eles (provavelmente pratos sujos e espuma), porque sentia-se... Em casa. Em família. Porque sabia que mesmo que houvesse algo não resolvido entre eles, eles não iriam desistir.

Eles iriam tentar.

Calum iria tentar.

Tentar não pensar em Luke mais do que deveria, mais do que pensava em qualquer outra pessoa com quem se importava – não que... não que Calum pensasse em Luke mais do que pensava em Julie ou qualquer outra pessoa com quem se importava (embora Julie e Luke fossem as pessoas com quem mais se importava), mas...

Calum pensava em Luke como sempre pensou, ele se importava com Luke como sempre, não tinha nada de diferente quanto isso, mas, às vezes, Calum pensava em Luke...

E...

Era algo estranho.

Eram impulsos que não entendia.

Era querer estar próximo de Luke, era querer tocá-lo, e era sentir algo estranho quando o fazia e querer mais, era...

Era ficar vermelho e quente e confortável, era querer olhar para Luke e admirá-lo, porque ele era lindo e fofo e um idiota e Calum o amava.

-Eu não sei o que você acha de mim, Calum, mas eu não leio mentes.

Calum assentiu, de olhos arregalados, percebendo que divagava enquanto o encarava e tentou se concentrar no seu trabalho, nos seus pratos ensaboados. Sim, Luke não lia mentes. Graças a Deus, Luke não lia mentes. Sua sorte era que Luke não lia mentes, porque... Céus, o que seria dele, deles, se Luke lesse?

-Você está com raiva de mim? – perguntou, finalmente, porque... Calum afundou o prato na água, vendo a espuma se dissipar e tentou... Ele não queria que Luke estivesse com raiva dele.

Luke inclinou a cabeça para o lado, como se pensasse nisso, refletindo, e questionou de volta:

-Você está?

Calum franziu a testa, confuso, porque... uou, papéis trocados.

-Por que eu estaria?

-Por que eu estaria? – retrucou Luke, mas Calum ficou calado, não querendo dar motivos, ainda mais motivos, e o silêncio retornou.

E Luke odiou aquilo.

Encarando a esponja nas suas mãos, tudo o que mais queria era dizer ao seu amigo era que ele não tinha nada com o que se preocupar, pois não estava com raiva, mas era uma mentira, porque Luke ainda queria uma resposta.

Luke não conseguia deixar isso para lá, ele não podia fingir que nada tinha acontecido por mais que tentasse.

E ele tentou.

Luke tentou não pensar sobre como eles estavam jogando bolas de neve um no outro e que, quando caiu em cima de Calum, seu amigo parecia tão feliz; quando Calum fechou os olhos, Luke o viu sorrir e seus lábios acompanharam o movimento, porque o sorriso dele era simplesmente iluminado e Luke o seguiria a qualquer lugar, faria qualquer coisa, contanto que Calum nunca parasse de sorrir; quando Calum abriu os olhos, tudo parecia bem por um minuto, mas então ele arregalou os olhos como se algo, tudo, estivesse errado, e Luke sabia que era sua culpa.

Apoiando as mãos na pia, apoiando-se, Luke perguntou:

-O que aconteceu, Calum?

-Eu não quero falar sobre isso – respondeu Calum rapidamente, certo que não era isso que queria.

Luke assentiu. Ok. Tudo bem.

Nada bem, mas tudo bem.

Calum não queria falar sobre isso e Luke não falaria sobre isso.

Luke balançou a cabeça novamente e se concentrou na espuma branca nas suas mãos – ele aceitava a escolha de Calum, então Calum tinha que aceitar a sua, e ele estava... Luke não estava com raiva, ele não tinha mentido, mas... Era algo mais profundo do que isso e menos explosivo e passageiro, era mágoa.

Luke estava magoado, porque, ao que parecia, Calum, seu melhor amigo Calum, seu mais antigo amigo Calum, não confiava nele. Depois de tudo que passaram juntos, apesar de tantos anos conhecendo um ao outro, Calum não confiava nele.

Não era raiva que Luke sentia, não era algo que passaria depois de se acalmar e pensar, era mágoa – e mágoa crescia e corria de dentro para fora, e Luke não sabia como se impedir de ficar ressentido.

-Desculpe – disse Calum, aproximando-se dele até que seus ombros estivessem tocando. – Eu não queria arruinar o momento, mas... Eu não quero falar sobre isso. Eu quero apenas esquecer. Não foi sua culpa – disse rapidamente – foi apenas algo que... aconteceu. E eu não estava confortável, mas... não foi sua culpa – repetiu. – Foi apenas... demais.

Luke assentiu, mudo, sem saber o que dizer, sem entender o que realmente aconteceu, mas sentindo que tudo foi demais, era demais, porque o tom de voz de Calum estava tão cru e sincero e...

-Pare – pediu Calum, pegando sua mão que Luke não tinha percebido até aquele momento que não parava quieta. – Não foi sua culpa. Eu estou bem agora. Você não fez nada.

-Mas...

-Lukeee – gemeu Calum, batendo o quadril no seu. – Por favor. Eu não sou Julie, então sem jogo de culpa para cima de mim.

-Não é culpa, é... preocupação – murmurou Luke, concentrando-se nas mãos deles que estavam juntas sobre a pia, brancas de espuma, e algo naquela visão fez... Fez com que seu estômago rodopiasse de um jeito agradável e o deu força para levantar a cabeça e fixar os seus olhos azuis nos cinzas de Calum, de confessar como se sentia: – Eu me preocupo com você, eu quero que você me diga o que está de errado, quando esta errado, e me deixe te ajudar. Eu posso... Eu não sei. Mas eu quero fazer algo, eu não quero te deixar sozinho quando algo assim acontecer. A menos que você precise de espaço, porque aí você pode me mandar...

-Luke! – assobiou Calum, baixinho, olhando sobre o ombro com medo. – Olhe a língua! Meus dedos já estão doloridos, então controle sua maldita boca!

-Se você controlar a sua, querido – retrucou, sorrindo ao tocar a ponta do nariz dele com seu dedo espumado.

-Oh! – Calum sorriu, tocando o nariz úmido. – Você não fez isso.

-O que?

Luke piscou, inocente, e Calum enfiou as mãos na espuma e...

Liz gritou, sem olhar para trás, e ambos se entreolharam, voltando rapidamente ao serviço:

-Espero que vocês estejam lavando os pratos. Lavando bem os pratos. Eu quero vê-los tinindo.

-Sim, mãe – concordou Luke, suspirando ao voltar a molhar as mãos de espumas.

-Claro, Liz – respondeu Calum, bocejando ao ficar do lado de Luke. – Nós estamos lavando os pratos.

-E secando.

-E guardando.

-E fazendo as pazes – murmurou Luke, batendo no quadril de Calum com o seu, como seu amigo tinha feito antes, acordando-o. – Certo?

Calum sorriu, cansado, e bocejou de novo, antes de dizer:

-Não sei do que você está falando, Luke. Fazer as pazes implica que nos estávamos em guerra e eu sou uma boa pessoa, a melhor pessoa do mundo, eu nunca brigaria com ninguém.

-Hum, não sei. Eu me lembro de...

-Eu tento, Luke – interrompeu Calum antes que seus podres fossem revelados e alguém os ouvisse. - E tentar é mais do que muitos fazem.

-Estou feliz por você ser – afirmou Luke, com uma certeza que Calum não tinha – uma boa pessoa.

Calum o encarou, percebendo que ele falava sério, e... Sim, era por isso que o amava – não de um jeito romântico nem nada, amor não tinha jeito. Ou talvez tivesse, mas Calum o amava por ser seu amigo, por ser quem era, por estar ao seu lado.

-Estou feliz por você não ficar muito atrás.



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