História ;pela última vez; - ;capítulo único;

Ah, já fazem dias desde que estou afundado em minha própria irreverência; por todas as vezes em que cerrei as pálpebras e senti o perjúrio sufocar-me ao tomar mais um gole do líquido quente e escuro e proferir palavras lânguidas de que te esqueceria; por todas os dias em que reparei no sorriso que você o lançava, na forma carinhosa que o tratava, no bem-estar que emanava daquela mesa, onde vocês sentavam e, como dois conferencistas, desencadeavam sensações e repartiam do mesmo sentimento; era infame a forma como eu me martirizava quando insistia em imaginar que, sim, era à mim que, todas as tardes, você expunha um sorriso exagerado e seu olhar castanho, afetuoso e pleno de luz.

Mais uma vez, estou o vendo impaciente aguardando o seu amado, enquanto toma em suas mãos uma pequena xícara de café, saboreando-o como quem provavelmente toma o melhor expresso de sua vida, e eu me pergunto: por que cacetes não levantar daqui no mesmo momento em que pronuncio em voz alta o quanto sou fascinado por seus olhos expressivos e seu êxtase pela vida, mesmo sabendo que a única coisa que conseguiria exprimir de mim mesmo seria um oi desnorteado?

É quando ele chega, cheio de encantos, desejando-te boa tarde e confidenciando o quanto sentiu sua falta; como o último gole de café e o amargo no céu da boca, eu te vejo sorrir com todos os dentes, enroscar suas mãos na camisa branca dele e o puxar pra perto, deixando-o perdido em seu próprio monólogo ao mesmo tempo em que o lança um olhar apaixonado, mais um em tantos outros.

Pela última vez, eu entendi: nós nunca vamos acontecer.