1. Spirit Fanfics >
  2. Pendulum >
  3. O Sobrevivente

História Pendulum - O Sobrevivente


Escrita por: Vinibrazuka98

Notas do Autor


Fala, pessoal! Peço mil desculpas pela demora nesse capítulo. Tive uma semana bastante cheia e também um outro (penoso) bloqueio criativo. Espero que me perdoem, hehe
Abração pra geral! Boa leitura!

Capítulo 6 - O Sobrevivente


Capítulo 6

 

  Pedro de Andrade Maria sempre fora introvertido. Desde pequeno não falava muito, buscava se esconder nas sombras e nos cantos, evitava multidões. Sempre encontrara abrigo em sua doce solidão.

  Aos nove anos de idade ele perdeu ambos os pais num terrível acidente de carro. A família voltava de uma viagem à Belo Horizonte quando, a pouquíssimos quilômetros de Ouro Santo, um caminhão que trafegava no sentido contrário tombou para o lado numa curva, acertando em cheio o carro deles.

  Pedro fora o único sobrevivente, escapando impressionantemente com apenas uma comprida e dolorosa cicatriz no ombro esquerdo, onde alguns pedaços de vidro acabaram acertando.

  Durante dias, aquele pobre garotinho viveu desamparado. Os poucos parentes que possuía viviam muito longe, em outros estados. Não havia praticamente nenhum suporte a crianças órfãs na região. Infelizmente, o orfanato de Ouro Santo havia sido fechado três anos antes, pois quase todos os funcionários haviam falecido, ou estavam velhos demais para trabalhar. Pedro vagou pelas ruas por cerca de uma semana, sobrevivendo com esmolas que eventuais passantes lhe concediam.

  Até que um dia, sentado num beco de uma das ruas comerciais da cidade, Pedro foi abordado pelo homem que mudaria sua vida. Era um sujeito ligeiramente gordo, roliço. Era calvo, mas ainda tinha um pouco de cabelo grisalho nas laterais da cabeça. Seu rosto era amigável, como se seu sorriso sábio e aconchegante convidasse aquele que o encara a relaxar e se deixar levar pelo lado bom da vida. Era a perfeita personificação de um avô ideal: um velhinho gentil que faria de tudo para deixar seus netos felizes.

  Seu nome era José Maria, o padre da paróquia local. Pedro sabia, no momento em que o agradável senhor perguntou seu nome, que havia encontrado seu salvador. Naquele dia mesmo, José Maria acolheu Pedro como seu próprio filho, chamando-o de Pedro de Andrade Maria.

  Apesar de sua introversão e seu peculiar gosto pela reclusão, o relacionamento entre os dois sempre fora leve e agradável. Não demorou muito para que uma confiança sólida fosse construída entre os dois. Pedro via José Maria como um pai. Nas aulas de catequese, onde conhecera Teodoro, sentia-se bem, e em paz com Deus e com a vida.

  Curiosamente, quando atingiu a fase da adolescência, Pedro vivenciou grandes mudanças em seu comportamento. Deixou o cabelo crescer, passou a sair de noite, após o toque de recolher... sua alma tímida e quieta havia finalmente provado do doce sabor da rebeldia juvenil.

  No entanto, quinze anos depois da morte de seus pais, o infarto quase letal do Padre José Maria, enfim, fez com que Pedro retomasse seu jeito tímido e calado, assim, como sua seriedade. Em contrapartida, havia recebido uma grande responsabilidade. Deveria cuidar bem da Igreja de Santa Helena... e honrar o legado de seu pai.

  Era manhã de sexta-feira. O Sol havia se erguido fazia pouco tempo. Pedro andava calmamente pelas ruas de Ouro Santo. Trazia consigo um saco com alguns pães que comprara na padaria do Velho João e uma pequena caixinha marrom onde guardava seus óculos. Tinha alguns assuntos para resolver na Igreja de Santa Helena; questões de contabilidade, em sua maioria.

  Chegando ao seu templo, estranhou ao reparar que a porta de madeira estava aberta. No mesmo momento temeu que as invasões houvessem recomeçado. Já fazia três desde a última vez que alguém entrara na Igreja de noite e roubara alguns objetos de valor.

  Entrou, cauteloso. Olhou em volta, para os bancos de madeira iluminados pelos raios de Sol matinais que entravam pelos vitrais no alto da construção. Tudo parecia estar em ordem... exceto por um suporte de vela que parecia ter caído.

  Pedro caminhou lentamente até lá, atento para qualquer som. Seu coração batia acelerado. Nunca fora um homem violento, mas faria de tudo para proteger aquele lugar sagrado.

  Seus olhos se arregalaram quando encontrara o suporte caído e também a figura que estava bem ao lado dele.

  -Deus... – Ele deixou escapar, tentando manter a calma, mas sentindo o pânico tomar conta de suas emoções.

  E sem hesitar mais, correu em direção ao corpo jogado ao chão. 

 

 

         ...

  -Téo? Téo?!

  Teodoro podia ouvir a voz o chamando, mas não conseguia responder. Também não podia ver quem estava lá, mas tinha certeza de que conhecia aquela voz.

  -Jesus Cristo, você precisa de um médico!

  A dor parecia aguda, mas também se espalhava por todo o lugar. Tudo girava, tudo causava náuseas intensas no rapaz. Sentia vontade de vomitar – talvez até já o tivesse feito.

  Sua consciência não duraria muito tempo. A última coisa em que reparou antes de apagar novamente, era uma sensação estranha de que seu corpo, quase todo dormente, estava sendo erguido no ar.

         ...

   Teodoro acordou num sobressalto. Podia sentir o suor frio escorrendo por sua face, um calafrio que percorria todo seu corpo. Por alguns segundos, pôde jurar que via o hall da Igreja iluminado apenas pelo luar e aquela misteriosa mulher correndo em direção ao telhado. Era vívida a imagem de seu próprio braço estendido, tentando, em vão, se agarrar às respostas que se afastavam rapidamente em direção à escuridão.

  -Téo!

  Uma voz tirou Teodoro de seu pesadelo. Num piscar de olhos, o ambiente mudara completamente. Não estava mais caído em meio aos compridos bancos de madeira.

  Estava numa espécie de sala pequena. Ao redor havia uma escrivaninha coberta de livros e papéis jogados sem muita organização, um armário de madeira escura e dois ou três quadros de Jesus pendurados pelas paredes.

  -Téo! Você está bem?

  Teodoro sentiu um grande alívio ao ver Pedro sentado numa cadeira ao seu lado. Ele não usava as suntuosas vestes de padre como na última vez que o encontrara. Vestia uma camisa preta de botões, fechada até o pescoço, e tinha seus óculos bem posicionados à frente de seus olhos. Mesmo sem a indumentária de sacerdote, era inegável seu ar pastoral.

  Apesar de ter levado uma vida tímida e de poucas palavras até então, era claro que Pedro havia aprendido a passar segurança com o olhar, e a deixar seu medo de multidões para trás. Agora, ele era um homem de Deus e do povo.

  -Onde... eu... – Teodoro tentava formular as palavras enquanto se punha sentado, com dificuldade.

  -No meu escritório, aqui na Igreja mesmo. – Pedro respondeu, calmamente – Você machucou feio a cabeça. Chamei um médico de minha confiança pra dar uma olhada. O doutor disse que provavelmente não quebrou nada. Graças ao bom Deus.

  - O que...

  Antes que Teodoro pudesse terminar a frase, sentiu um forte refluxo em seu interior e vomitou com força no chão. Pedro, surpreso, afastara a cadeira num rápido reflexo, se levantando.

  -Desculpa... – Teodoro conseguiu dizer, limpando a boca com as costas da mão.

  Só então o rapaz percebeu que repousava sobre um confortável sofá preto. Com um pouco de esforço, viu sua imagem refletida sobre o vidro da moldura de uma das pinturas de Jesus Cristo, bem à sua esquerda. Assustou-se ao perceber que seus olhos estavam extremamente avermelhados.

  -Minha nossa... o que aconteceu?

  -Bem... – Pedro arrastou a cadeira para trás e se sentou novamente – Eu planejava te fazer a mesma pergunta. Eu cheguei aqui algumas horas atrás e encontrei você jogado no chão, com a cabeça sangrando.

  -Minha cabeça? – Teodoro balbuciou com dificuldade e tocou o ferimento na nuca. Retesou bruscamente com a dor.

  -Um daqueles suportes para vela acertou sua cabeça de alguma forma. Sinceramente, eu gostaria muito de saber como e por que.

  -Eu não...

  Pedro o interrompeu, pousando a mão sobre seu ombro:

  -Téo, meu velho amigo... você é um irmão pra mim. Sabe que pode confiar em mim. Sabe que pode me contar qualquer coisa. – Pedro fez uma pausa, encarando penosamente seu melhor amigo naquele estado decadente – Você tem bebido, Téo?

  -O que? – Teodoro foi pego de surpresa.

  -Aparecendo aqui na Igreja no meio da noite, agindo estranho. Não é difícil derrubar alguma coisa aqui dentro depois de beber além da conta.

  -Não, mas eu... não, eu não bebo. Eu só...

  -Téo, você conhece o programa de alcóolatras anônimos da Igreja. Sabe que nós podemos te ajudar. Se você tem problemas de bebida e precisa de alguém pra...

  -Não! – Teodoro interrompeu – Eu não bebo.

  Pedro suspirou, frustrado. Sentia que aquilo ia demorar mais do que esperava.

  -Então, por favor me conte o que você estava fazendo aqui ontem à noite. Lembre-se que sou seu amigo e também seu padre. Só quero te ajudar.

  -Você não entenderia. – Teodoro disse, sentindo náuseas com o cheiro podre da gola de sua camisa, que estava suja de vômito. Aos poucos, seus pensamentos voltavam ao normal. – Eu, sinceramente, não sei como explicar.

  -Meu caro irmão, eu já vi muita coisa esquisita. – O padre disse, bem-humorado e sorrindo - Duvido que você vai me surpreender. Pode mandar.

  -É que... lembra daquelas aparições que as pessoas têm visto na Igreja, no meio da noite?

  -Lembro.

  -E você acredita que isso tudo não passa de superstição... por causa do que aconteceu com o Padre José, não é?

  -Creio que sim. – Pedro deu de ombros.

  Teodoro respirou fundo antes de prosseguir. Pela primeira vez estava contando os acontecimentos estranhos das últimas noites a alguém.

  -Eu... eu não sei bem como dizer isso, mas... eu acredito que os boatos são verdadeiros.  

  Se Pedro foi surpreendido, não demonstrou. Mantinha uma expressão séria e pensativa.

  -Você acha mesmo que esta Igreja está mal-assombrada? – O Padre perguntou, firme.

  -Eu... eu não sei.

  -E como você veio parar aqui? Estava, por acaso, investigando algo?

  -Eu não me lembro direito. Lembro de ter visto alguém entrando na Igreja. Acho que era uma mulher... é, com certeza era uma mulher. E eu me lembro ter seguido ela e... nossa que dor de cabeça! – Teodoro levou as mãos à nuca com a súbita elevação da dor – Acho que ela me acertou com alguma coisa pesada.

  -Teodoro, um espírito maligno e poderoso pode ter um poder inestimável. Mas como pode ter tanta certeza de que esse é o caso?

  -Eu não tenho certeza. – Teodoro respondeu, ríspido – Mas não acho que era uma assombração. Era real. Eu acho que... acho que cheguei a tocá-la.

  -Téo... – Pedro tinha uma expressão pesada, quase como se sentisse pena de seu velho amigo – Esta Igreja é a casa do Senhor. É o pilar de fé ao redor do qual nossa foi construída. Nós crescemos aqui e sabemos muito bem: energias malignas não penetram por estas paredes. O que você me descreveu... me parece muito com algum truque de Lúcifer. Mas tenho que certeza de que há uma explicação perfeitamente lógica para isso.

  -Sim... – Teodoro concordou, mesmo relutante – E essa explicação perfeitamente lógica me acertou em cheio na cabeça.

  De repente, Teodoro resolveu olhar para o relógio em seu pulso e tremeu por completo no sofá quando leu as horas.

  -Não, não! – Ele exclamou – As horas!

  -Ah, acho que já passaram das dez ho...

  -Eu tenho que trabalhar hoje! – Teodoro interrompeu.

  E foi quando o rapaz enfim levantou do sofá, com o coração acelerado, que sentiu seu equilíbrio se esvair num piscar de olhos. Enfraquecido, Teodoro caiu como uma pedra de volta no sofá. Levou as mãos outra vez à cabeça, sentindo uma dor larga e latejante quase insuportável.

  “Isso não pode tá acontecendo comigo... O Senhor Pinheiro vai me queimar vivo, que nem aquelas pobres mulheres em Salem”!

  Pedro levantou-se, preocupado, e foi acudir o amigo.

  -Eu realmente acho que você não deveria trabalhar hoje. – Disse, deitando-o de volta no sofá - Precisa descansar, esperar sarar esse seu ferimento na cabeça.

  -Você não entende. – Teodoro retrucou, retomando o fôlego – Meu chefe é um alcóolatra orgulhoso. De todos os tipos, tinha que ser logo esse.

  -Não sabia que havia muitos tipos de alcóolatra.

  -Sim, tem. E de todos, com certeza esse é o pior. Meu pai também era assim.

  Fingindo indiferença ao próprio comentário, Teodoro tentou se levantar outra vez, porém mais devagar. Conseguiu, enfim, se manter de pé sem se apoiar no encosto do sofá.

  -Obrigado pela ajuda, Pedro. É... muito bom ter você por perto de novo.

  E os dois se abraçaram. Depois de alguns segundos, o Padre interrompeu:

  -Sua roupa ainda está suja de vômito.

  -Ah... – Teodoro recuou, examinando a gola suja de sua camisa – Acho que eu preciso lavar isso.

  Pedro concordou apenas com um sarcástico aceno de cabeça, que logo virou um sorriso bobo. Dessa vez com um aperto de mão, os dois se despediram e Teodoro saiu da sala. Atravessou o hall da Igreja, deixando-a, apressado, pelas portas de madeira. Se corresse, talvez ainda conseguisse escapar da fogueira. Infelizmente, naqueles tempos de “Inquisição Moderna”, seu chefe não parecia ser um poço de misericórdia.

         ...

  Pedro espiou Teodoro de longe, enquanto ele se aproximava da porta de madeira. Esperou que ele deixasse a Igreja para retornar à sua sala. De dentro de uma das gavetas de sua escrivaninha, ele retirou uma pequena caixinha de couro. De dentro dela, por sua vez, tirou uma chave metálica ligeiramente enferrujada.

  Aquela pequena chave, que Pedro segurava em suas mãos como se fosse um tesouro de milhões de dólares, abria a porta de um pequeno armazém, do outro lado do hall, ao lado da escada que levava ao telhado. Pouquíssimas pessoas sabiam da existência daquele lugar, até porque apenas ele e mais uns dois ajudantes da Igreja transitavam por aquela área. Ainda assim, Pedro era o único que possuía a chave, antes pertencente a seu pai adotivo, José Maria.

  O armazém em si era pequeno, do tamanho de uma sala de zelador de escola. Servia apenas para guardar objetos de algum valor que pudessem ser roubados à noite, ou itens pessoais dos padres. Ainda assim, desde que se tornara Padre da Igreja de Santa Helena, Pedro esvaziara o armazém por completo. Porém, numa noite da qual jamais se esqueceria, ele resolveu guardar um único objeto lá.

  Pedro girou a chave, ansioso. Sentia uma forte e inexplicável vontade de contemplar o que havia guardado ali dentro. Saber que aquele objeto de valor inestimável estava sob seu domínio, para seu uso exclusivo; aquilo era indescritivelmente prazeroso.

  Depois de abrir a porta, tomou em suas mãos seu inestimável prêmio. Tratava-se de uma caixa de madeira cujas dimensões não deviam passar de cinquenta centímetros de largura e trinta de comprimento. O objeto era detalhadamente talhado em madeira resistente e bela. Seu charme de verniz enchia os sentidos de Pedro de satisfação, ainda que suas duas travas de metal denunciassem a longa idade que aquela coisa possuía.

  -Como eu senti sua falta, meu amigo. – Pedro começou a sussurrar para o objeto, como se falasse com uma criança – A hora de você ver a luz do Sol novamente está quase chegando.

  Então, carinhosamente, pousou o objeto de volta sobre o chão frio e cinzento do armazém. À primeira vista, não havia nada de diferente ou incomum naquela caixinha de madeira. O único detalhe que chamava alguma atenção, era uma pequena placa dourada de metal, localizada no centro, como uma identificação. Sobre ela, entretanto, havia apenas algumas letras parcialmente apagadas pela ação do tempo. Infelizmente, não mais se podia ler o que estava escrito.        



Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...