- Sasuke? – Naruto exclama assim que abre a porta. – O que está fazendo aqui cara?
São onze horas da noite, Naruto espera na soleira da porta segurando-a com firmeza sem revelar o conteúdo de dentro do apartamento.
- Me deixa entrar, Naruto. Tá frio pra cacete aqui fora! – ele murmura.
Sasuke está péssimo, tremendo de frio em seu moletom preto de capuz, as mãos enfiadas nos bolsos do blusão. A calça jeans com certeza teve dias melhores, havia manchas de vômito seco nela.
Os olhos fundos e vermelhos provam que ele usara algum entorpecente a pouco tempo.
Sasuke dá de ombros, funga algumas vezes, limpa o nariz com a manga do moletom. Espera que o amigo de passagem para ele entrar, uma frente fria vem da praia e as ruas estão geladas.
- Está louco! – Naruto fala alto, passa a mãos nos cabelos loiros e completa sussurrando: - Não posso deixar você entrar assim... Ino voltou de viagem.
- Foda-se a Ino, Naruto! É sério, eu preciso de um lugar para ficar...
- Foda-se quem Naru? Quem está ai?
A voz vem de dentro do apartamento, detrás de Naruto. Uma voz doce e melodiosa tão conhecida pelos dois. Ino Uzumaki é a irmã mais velha de Naruto, dois anos mais velha.
- Nada, Ino... ele já está indo embora...
Mas, Sasuke aproveita que Naruto está distraído olhando para dentro de casa ao responder a irmã e empurra a porta com o ombro. A porta se escancara.
- Ah, Sasuke. - Ela fala sem animo algum.
As palavras de Ino pairam no ar durante segundos, os três em pé absorvendo elas.
- Eu preciso de um lugar para ficar essa noite, Ino.
Ele anuncia.
Tentando a sorte de parecer tão fracassado o quanto se sente, talvez assim, Ino tenha pena dele e o deixe ficar uma noite.
A verdade é que aquela mulher que mais parecia à própria Afrodite detestava Sasuke desde o fundamental.
Achava-o péssima companhia, e bem, ele realmente era.
Ela cruza os braços abaixo dos seios, seu blusão de lã fina sobe um pouco mais com o movimento. Ela conseguiria ser linda até tendo um saco de batatas como vestimenta.
- Por que não fica em um hotel? Os Uchihas ficaram pobres da noite para o dia? – Ela usa de sua melhor arma, o sarcasmo.
Naruto segura a porta, esperando o aval da irmã para colocar ou não o melhor amigo para fora.
Sasuke troca o peso do corpo do pé esquerdo para o direito. Aquilo era ridículo.
- Meu pai bloqueou todos os meus cartões. – Responde por fim.
Mesmo a contragosto, ele quer realmente ficar ali. Não quer passar a noite com Karin e acabar complicando ainda mais sua mente já confusa com as perguntas e joguinhos dela.
Tinha saído de casa na surdina com pensamentos nem um pouco cavaleirescos, rodará pela cidade em seu Jeep até cansar-se, então decidira ir até Naruto, quando se vira sem dinheiro vivo e sem os cartões de crédito. Claro que ele não tinha dinheiro vivo, entregara todo o seu dinheiro nas mãos de Orochimaru em troca de drogas.
Agora, a noite que ele desejava tinha ido por água abaixo.
Só queria sentar com seu melhor amigo no carpete da sala, fumar um baseado e comer qualquer coisa que não estivesse muito além do prazo de validade, mas, não.
Ino estava ali, com seus longos cabelos loiros como o sol de manhã caindo em um coque frouxo e aqueles olhos de safira que devia ser a marca registrada dos irmãos. Ela fora uma irmã chata para os dois no colegial.
Afinal, onde há fumaça sempre ha fogo não é? Naruto era a fumaça, ele não passava despercebido, seja pelo porte gigantesco que adquiriu muito novo, ou seja, pelo quão barulhento ele era. Sasuke era o fogo, ele com certeza era a mente brilhante por trás de todas as suspensões que os dois tomaram.
Ino tinha que segui-los por todo canto, tentando retirar da cabeça deles as bobagens que tramavam fazer.
- Tá bem, mas, só essa noite e pode começar a me falar o que aconteceu... – ela aponta com o polegar para a televisão que ficava presa a parede da sala e transmitia um episódio de Two and A Half Men. – Se não... nada feito.
Ela gira nos calcanhares com maestria, volta para trás do balcão que divide a cozinha da sala de estar, e mesmo ocupando-se com as panelas mantem o olhar de águia em cima dos dois.
Sasuke larga-se no carpete e encosta-se no sofá, Naruto senta ao seu lado.
- Não foi tão mal assim... – Naruto sussurra para o outro, aumentando o som da televisão.
- Eu achei que ela fosse arrancar meu fígado com as unhas... – Sasuke fala entre sussurros e risos, enquanto retira os tênis e joga-os atrás do sofá.
- Eu posso ouvir os dois, sabiam?
Ela pergunta séria, mas logo caí no riso junto com eles. A normalidade que se gera ali é exatamente o que Sasuke está procurando por alguns instantes.
***********
- E você simplesmente saiu de casa e deixou-a lá? – Ino pergunta.
Os três estão sentados no carpete da sala, comendo macarronada usando a mesinha de centro como apoio, eles costumavam fazer muito isso antes de Ino virar modelo e começar a viajar tanto.
- Não... eu esperrei eula entrar no banhoiu... – Sasuke tenta explicar-se ao mesmo tempo em que enche a boca de espaguete.
- Que nojo, Sasuke! – Naruto se pronuncia.
Mesmo sendo um verdadeiro palhaço descuidado, ele portava-se conforme a etiqueta mandava à mesa. A mãe dos dois loiros era de uma família rica que falira e os ensinara toda a boa etiqueta antes de morrer em um desastre de carro junto do marido, deixando assim os irmãos Uzumaki órfãos. Ino tinha dezoito anos na época, Naruto tinha dezesseis. Sasuke na época com a mesma idade que o melhor amigo já estava entrando em seu mundo de perdição, quase o arrastou junto.
Naruto usava alguma coisa aqui e ali, mas, só na presença do amigo. E escondido da irmã. E mesmo não sendo o mais responsável do trio, trabalhava e cursava faculdade.
- Muito deselegante. – concordou Ino.
Sasuke sorri abertamente, mesmo com suas intrigas e picuinhas com Ino, não deixava de apreciar sua presença animadora e tão normal.
A mulher era quase uma mãe. Para os dois.
- Você deixou mesmo ela sozinha para lidar com tudo? Não acha que ela possa se machucar?
Ele só pensou nessa possibilidade quando estava no banho, mas, logo retirou isso da cabeça. Não acredita que Sakura vá se ferir propositalmente outra vez tão cedo, não depois de parar no hospital.
- Não, eu acho que ela pode lidar com a mãe. Na boa, eu não sei como lidar com tudo isso, sabe? Era só eu e bem... tô mais preocupado em não ficar preso outra vez. Na real vocês acham que eles podem prendê-la? Tipo ela é modelo iriam achar estranho se ela não aparecesse na segunda para trabalhar...
Ino e Naruto trocam olhares significativos que passam despercebidos pelo amigo. A história de vida de Sasuke era conhecida pelos irmãos, Ino sempre o aconselhava a parar de enfrentar o pai, manter a cabeça firme nos estudos e assumir liberdade financeira.
- Bem... – Naruto dá um gole na sua taça de vinho, usando a bebida como desculpa para pensar em como colocar as palavras em contexto. – Se ela está ferida talvez eles usem como desculpa para o sumiço... tipo... ela foi parar no hospital, então claro que pode ficar sem aparecer por uns dias...
- Agora você está me preocupando. – Sasuke admite.
- Não, ela não sofrer tantas consequências quanto você Sasuke. – Ino pontua. – No entanto, você ter sumido assim do nada vai deixa-la mal.
Naruto concorda. Sasuke bebe seu vinho em um gole e começa a distribuir mais bebida nas taças.
- Porque você pareceu se importar com ela, porém, no primeiro embate com os pais saiu de fininho igual a um ladrão. - O loiro coloca seu garfo e a colher que usava para apoiar o macarrão paralelos no meio do prato, sorri recebendo sua taça cheia outra vez.
- Eu não me importo. – Sasuke passa a mão pelos fios molhados, entrega a taça para a loira e pousa a garrafa na mesa. – Quer dizer, me importo. Só que não sei me importar.
Ino levanta-se com os pratos, os dois garotos ficam em uma troca de olhares mudos. É difícil para Sasuke se importar com alguém além dele mesmo, Naruto sabe disso. O primeiro instinto dele sempre será correr para o lado oposto quando sentir-se ameaçado.
- Você vai ter que decidir, sabe disso não é? – ela pergunta da cozinha. – Querem sorvete?
- Claro, porque não. – Sasuke responde, mas não sabe dizer para qual pergunta foi.
A loira volta com um pote de sorvete de baunilha e três colheres de inox. Senta entre seus dois irmãos, o de sangue e o de coração, e encostando-se também no acolchoado do sofá, entrega as colheres a eles. Enche a sua própria colher com sorvete, e levando-a a boca fala pela milionésima vez:
- Você tem que sair dessa merda Sasuke. Tem que entrar na faculdade de engenharia robótica que sempre sonhou e levar sua vida a frente.
- E deixar Sakura sozinha? Naquela casa?
Ino pisca os olhos para ele intrigada. Sasuke parece não perceber o obvio, mas até mesmo Naruto que era o tapado dos três percebe e fala:
- Não foi isso que você fez?
As palavras se chocam contra ele com a mesma intensidade do azul profundo dos olhos do seu melhor amigo. Ele está certo.
- Porra... será que podemos falar sobre outra coisa? – ele muda de assunto nervoso. – Como foi em Londres, Barbie?
Sasuke com toda certeza não foi até ali para lidar com a sombra que Sakura Haruno tornara-se para ele. Ele buscava a normalidade de sua vida antes dela, mas ali estavam falando sobre ela. E sobre como ela se sentiria ou o que aconteceria. É demais para sua mente perturbada.
O assunto seria encerrado ali, mas, Ino ia trazer a tona em outra hora, há se ia.
- Londres está linda como sempre... um pouco fria e úmida.
Ela logo começa a narrar muitas histórias sobre sua temporada no Reino Unido, os dois deixam que ela guiem o resto da noite em volta de risos, sorvete e reprises de séries na tv à cabo.
Uma noite típica de O.C Perdido no Paraíso.
***********
Sasuke está debruçado na varanda da sala de estar no apartamento de Naruto, são duas e quarenta da madrugada.
Ele usa apenas uma bermuda de tecido fino, suas costas exibem cicatrizes altas de antigos cortes que foram profundos demais na carne. Os cabelos negros são jogados para trás pela brisa fria vinda do mar ali perto.
O apartamento é quase a beira mar, ele pode ouvir as ondas quebrando em algum lugar na escuridão, pode sentir o sal no vento frio que eriça os seus pelos.
Sente-se estranho, sufocado com um aperto no peito que não sabe identificar, que nunca sentiu. Preocupado e inquieto, não consegue dormir.
Mal sabe ele que aquele aperto, que mais parece um nó pulsando entre a garganta e o peito chama-se solidão.
Em apenas, sete dias Sakura entrara na sua vida e tomara proporções que ele não consegue entender. Sente empatia pela primeira vez na vida. A dor dela é mais importante que a dele, quando está perto dela sente-se livre, despreocupa-se com sua própria dor por breves momentos.
Só a dor dela importava. É empatia, tem certeza disso.
Ele sente uma mão delicada pousar em suas costas, dedos finos e quentes sobem e descem em um afago maternal. Ino acordara e está em pé ao seu lado, enrolada em uma manta felpuda e cor de rosa. Eles ficam em silêncio por instantes, é confortante.
O vazio em seu peito enche-se com a presença dela aos poucos. O afeto dela diminui um pouco o aperto em seu peito.
- Não consegue dormir? - pergunta com suavidade.
Sasuke olha-a de esguelha, ela é linda e sabe disso. Linda por dentro e por fora, a dor a fizera crescer como ninguém e aprecia isso nela. Sua força e vitalidade luminosa, capaz de iluminar o mais escuro dos caminhos.
Ele balança a cabeça em resposta.
- Sabe Uchiha, por mais escuro que seja o caminho sempre a uma luz. Embora você esteja ferido deve se manter forte e seguir em frente.
Ino fala com aquele jeitinho que só ela tem, suave e cheia de dedos com medo de amedrontá-lo ainda mais, ela sempre tenta mostrar o caminho que ele deve seguir, mas sem empurrá-lo.
- Eu sei Uzumaki. Só não consigo enxergar como... – ele suspira. – Não consigo ver essa luz no final do túnel, eu passei tanto tempo ignorando meus sentimentos que acho que não sinto mais nada.
Ino revira os olhos, não concorda com nada disso. Não acredita que ele seja fraco, e não quer que ele seja fraco.
- Você que se enfia nessas situações Sasuke, como Karin. Porque se mantem nessa relação destrutiva?
- Porque ela sempre está lá por mim, só esperando o meu telefonema... - ele olha pensativo para o céu da madrugada, suspira longa e profundamente, olha para a loira e continua: - Quando só existem sombras em mim ela as aceita e me lembra do porque eu ainda estou aqui... É difícil.
Tudo para Sasuke é difícil, por isso ele não consegue distinguir o que lhe faz mal do que lhe faz bem. Ele não se lembra da luz, da tranquilidade ou do amor. Nunca se abrira de verdade para nenhum sentimento bom, nem mesmo para Mikoto.
- É fácil na verdade, bem logico. Karin sempre aceita toda essa porcaria, sem perguntar nada. Ela recebe as migalhas que você oferece a ela. – É a vez de ela suspirar. – Você se sente perdido e sombrio, e ela aceita as trevas que você guarda ai.
Ino aponta com o queixo o peito nu dele. Sasuke sorri fraco, um sorriso penoso demais até para ele.
- Sabe Barbie você pode ser bem legal quando não está sendo inconveniente. – ele brinca.
- O único inconveniente aqui é você Uchiha. – ela sorri um sorriso triste, o mesmo que costumava a dar quando falava dos pais. – Quando você parar de sentir pena de si mesmo e de se castigar por erros que sua mãe cometeu vai perceber que consegue seguir em frente.
Ela dá de ombros virando-se para sair dali, tem a intenção de deixar as palavras pairando entre eles. Quer que elas ecoem na cabeça dura do garoto até surtirem efeito, porém, para ao olhar o marcador luminoso do aparelho da tv a cabo.
- São três horas da manhã Sasuke. Sabe as coisas que acontecem às três da manhã?
Ele vira-se para olha-la nos olhos, aqueles olhos idênticos aos do seu melhor amigo, azuis como uma pedra de lapis lazuli, cheios de uma misteriosa alegria e uma dor tão profunda quanto à dele próprio.
- O que acontece às três da manhã sua maluquinha?
Ino é cheias de superstições desde a época do colégio, ele e Naruto divertiam-se a beça à custa dela, naquela época.
- O véu entre as trevas e a luz fica mais fino... decida-se logo Sasuke, onde você quer ficar, sozinho no escuro ou pretende seguir para a luz.
E com um último sorriso, dessa vez um sorriso verdadeiro ela sai da varanda, deixando-o sozinho para lidar com suas palavras. Sozinho para tomar as decisões que podem mudar ou não toda sua vida. As três da manhã.
As três da manhã, ele teria de lidar com as palavras que Ino jogou em sua cara. Ela era assim, incontrolável, um verdadeiro furacão.
O furação Ino Uzumaki.
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