História Penumbra - Sweet Angel Child

Blake  Muller

O barulho da sala começara a me incomodar, respiro fundo tentando manter-me o mais calmo possível mas era uma tentativa inútil pois nada ali era capaz de tomar minha atenção por mais que dois minutos.

Foi então que a porta se abriu dando passagem a um corpo pequeno e delicado, pude notar no mesmo instante que sua pele era branca como papel e seus lábios bem desenhados e miúdos tinham um tom de pêssego, os cabelos cor de avelã caiam cheios e ondulados até a cintura, ela era surreal, ainda mais com seus olhos um azul como o próprio mar, outro negro como a própria noite detinham cílios tão fartos que tornavam seu olhar sedutor, demoníaco.

_Essa é a aluna nova - O velho dizia deixando as palavras passarem por entre os pelos de seu bigode - An...

_Anne Prince.

_Certo, certo Srta. Prince -  Diz agarrando o papel que a mesma lhe oferecia - Só não volte a interromper, vamos se sente aquele lugar está vago.

Ele acena em minha direção fazendo com que eu desperte, avalio-a novamente, qualquer pessoa que desafie o professor merece uma segunda boa olhada, mas ao olhar me senti levemente frustrado, ao contrário das minhas expectativas ela vestia o tradicional branco e dourado característicos do reino oposto ao meu, mesmo assim ela era diferente dos outros filhotes de anjo. Seus olhos encontraram os meus segundos antes dela se sentar fazendo-a corar levemente, ela definitivamente não era um anjinho convencional, veria com meus próprios olhos se ela saberia jogar.

O resto do período passou tão entediante quanto o início a não ser pelo fato de que agora o ar a minha volta fora tomado por um aroma adocicado que misturava frutas vermelhas a chocolate, quando o sinal soou tive de forçar meu pulmão a sair daquela atmosfera como se deixar aquele ar fosse me fazer sofrer de abstinência.

_Por que o olhar de caçador? - Jason sorria debochado ao meu lado já no corredor - Blake, quem é a presa dessa vez?

_Prince - Sorrio maliciosamente - Anne Prince.

_Não vi essa diabinha ainda.

_E nem vai ver - Digo achando tudo aquilo divertido - Ela veste branco.

_Você enlouqueceu? - Seu olhar era de reprovação - Desde quando você se interessa por filhotinhos de anjo? Espera ai, você tá me zuando?

_Cara ela não é só um filhotinho de anjo, sei lá é diferente - Paro para pensar em minhas próprias palavras, pareciam desesperadas - E eu só quero experimentar, vai que o fruto do outro lado me faz bem. - Sorrio maliciosamente.

_Já que está tão confiante - Diz sorrindo de maneira pretensiosa - Vamos fazer uma aposta, você tem até o final do semestre para levar essa garota para a cama se não levar terá de ser meu escravo pessoal pelo resto do ano.

_E o que eu ganho?

_Serei seu escravo pessoal e cometerei suicídio social ficando com Betty Willians.

_Apostado.

Caminhamos até o refeitório, rapidamente peguei meu almoço e segui até minha mesa, para minha surpresa ela estava sentada lá, um ponto branco no meio de um mar negro já que o refeitório se dividia de forma uniforme, pelo menos até agora. De primeiro momento pensei que ela estivesse me desafiando mas logo percebi que o lado branco estava cheio e ela só queria comer em paz.

Podia ver o entusiasmo nos olhos do lado negro do refeitório ao me ver caminhar em sua direção, não precisava ler mentes para saber que todos ali esperavam por uma briga.

_Está na minha mesa - Digo sem me importar ao fato dela estar ali.

_Não vi seu nome nela - Diz em um impulso olhando-me o que fez sua expressão mudar em segundos - Desculpe-me não devia ser tão grossa, se quiser eu saio.

_Não me incomodo com você ai - Dou os ombros e começo a comer.

_Ele está lhe incomodando? - Aquela voz eu conhecia perfeitamente, Noal o queridinho, filho da luz.

_Noal - Digo sem nenhuma vontade - Vai mesmo estragar minhas chances de fazer novas amizades?

_Blake - Cospe meu nome como se fosse uma das pragas bíblicas - Já encima da menina nova?

_Se me dão licença - Ela se levanta ignorando a nós dois completamente.

Aquela garota, o que ela tinha? Parecia tão alheia a toda aquela hierarquia que se erguia ao seu redor, era tão misteriosa e ao mesmo tempo tão delicada, aquilo tornava tudo mais interessante.

_Não chegue perto dela Blake - Noal disparou olhando-me com desprezo - Ela não é para pessoas como você.

_Pessoas como eu Noal? - Riu debochado - Você quer dizer  um demônio? Não se esqueça: existem pessoas mais podres que nós por dentro - Levanto e coloco o dedo em seu peito, depois me viro com um sorriso sínico no rosto apanho um bolinho da bandeja e saiu do refeitório deixando-o para trás.

Estava sem vontade de socializar, apenas voltei para a sala mesmo faltando cerca de trinta minutos para começar o último período, Noal conseguia me deixar enojado, coisa que não acontecia com frequência, mordo o bolinho e o mastigo sem nem mesmo sentir o gosto, quanto mais pensava em suas palavras mais irritado ficava. A sala estava praticamente vazia com exceção de Anne que permanecia sentada rabiscando algo em uma folha de papel, seus olhos se levantaram quando entrei e seu rosto corou levemente, sorri indo até minha carteira que convenientemente era atrás dela. Fiquei em silêncio observando seus cabelos por alguns minutos, ela não olhava para trás o que me deixava inquieto.

_Se importa? - Diz ela dando uma mordida no meu bolinho - Eu gosto de creme - Sua voz passa por entre seus lábios agora cheios de migalhas.

Olho para ela e depois para o doce em minhas mãos e começo a rir.

_Você é estranha - Digo limpando o creme que escorria pelo canto de sua boca com o polegar e depois lhe oferecendo o restante do bolinho.

_E você tem olhos azuis - Fala enquanto pega o doce de minhas mãos - Demônios não deveriam ter os olhos negros? Ou você é só um anjo que resolveu se vestir de preto?

_Sou do reino negro mesmo - Digo sorrindo, ela era bem observadora e curiosa - Mas olha só quem diz, a garota dos olhos coloridos.

_Você tem razão - Diz dando um sorriso leve - Estamos empatados, ambos viemos com defeitos.

O jeito como ela falava era confortante, gostaria que fosse tão simples como suas palavras diziam mas se ela soubesse a verdade nunca iria querer nem sequer sentar ao meu lado.

_Não se sente desconfortável em conversar com alguém do outro lado?

_Não - Ela passa a língua por toda a extensão do bolinho retirando o creme - É conveniente.

Ergo as sobrancelhas, ela era abusada disso não tinha mais duvidas, pela primeira vez senti uma pontada de insegurança, eu era uma conveniência para um filhote de anjo? Desde quando o jogo  havia mudado tanto?

_Não se sinta usado - Diz rindo - É que você tinha um bolinho de creme eu precisava come-lo.

Solto uma risada leve, leve do tipo que não consigo nem mesmo com meus amigos mais íntimas. Ela realmente estava ali conversando amigavelmente com um ser do outro lado, não que ela parecesse se importar com todos os rótulos, eramos apenas ela, eu e um bolinho de creme, me senti livre de segredos e mentiras pela primeira vez em dezessete anos.

_A propósito sou Blake - Estendo a mão em sua direção.

_Anne - Diz segurando firme minha mão - Já estava me perguntando quando iria se apresentar oficialmente.

_Digo o mesmo.

_Como é? -  Pergunta tímida soltando aos poucos minha mão - Digo,  do outro lado.

_Bem é uma construção idêntica ao seu lado creio eu, apenas mais melancólica em questão as cores - Seus olhos brilhavam timidamente.

_Se importa - Diz virando-se e pegando seu caderno e uma caneta - Se eu desenhar você?

_Não.

E nos minutos seguintes ao sinal permaneci imóvel enquanto a caneta rabiscava furiosamente a folha de papel, meus pensamentos não saiam de seus lábios e todas as milhares de coisas que eu poderia fazer com eles nesse exato momento enquanto estávamos totalmente a sós.

Os alunos começavam a chegar aos poucos tomando os seus lugares na sala, mesmo de canto de olho podia ver os olhares sobre nós, Anne parecia não se importar continuava a finalizar o desenho com a maestria de um anjo até que a mulher que conduziria a aula chamou a atenção de todos pra si.

_Bem hoje faremos uma breve introdução para essa aula - Começa seu discurso monótono - História dos reinos, estudaremos em detalhes a Guerra do Livre Arbítrio e todas as suas consequências, espero que se mostrem dispostos a aprender pois isso será de suma importância no Dia da Escolha e é por isso que estamos aqui, para preparar vocês para o que será a escolha mais importante de suas vidas.

Suas palavras passavam por meus ouvidos sem som algum, não dava importância alguma para todo esse protocolo que os professores seguiam, no final não precisava escolher todo o meu destino estava traçado desde meu nascimento até agora. Começo olhar ao redor observando os rostos sagazes de todos ali devorando aquelas meias verdades sobre liberdade de escolha, mas Noal não, ele permanecia entorpecido olhando para Anne como se essa fosse algo que lhe possuía.

_Aqui terminei - Diz mostrando-me o desenho, os traços eram perfeitos e o retrato idêntico.

_Onde aprendeu a fazer isso? - Digo pegando o papel em minhas mãos - É surreal, você fez muito rápido.

Ela apenas sorri pegando o papel de volta e guardando-o em suas coisas, do outro lado da sala Noal encarava-me com um ódio mortal instalando uma tensão palpável no ambiente.

_Sra. Connor - Levanta-se e começa seu discurso de ódio - Creio que devíamos mover a aluna nova de lugar, não é bom para sua construção moral ficar perto de pessoas tão desprezíveis e imorais quando as que ela tem se relacionado desde que chegou, creio que o melhor pra ela seria ficar somente ao lado dos seus.

Todo o lado negro da sala pareceu ficar agitado e com razão, a maneira como ele se referia a mim, a nós era de fato revoltante. Meu coração se apertou com ódio quando Anne se levantou e seguiu em direção a Noal que permanecia com um sorriso vitorioso no rosto, todos do meu lado pareciam  sentir ódio dela nesse momento.

O som que veio a seguir foi um estralo, Noal tinha sido acertado em cheio na face com um tapa que fez com que as marcas vermelhas aparecessem instantaneamente em sua pele, todos prendiam a respiração sem exceção, o gesto tinha vindo da pequena Anne.

_Você não sabe quem eu sou, não diga o que é melhor pra mim - Sua voz era alta e áspera - Minha construção moral seria prejudicada se eu ficasse perto de pessoas como você, independente se vestidas de branco ou negro, você me da nojo garoto! É podre por dentro.

_Srta. Prince! - A professora parecia desesperada - Não serão toleradas agressões físicas ou verbais, retire-se da sala agora!

_Com prazer - Rapidamente ela pega todas as suas coisas e sai pela porta deixando todos estupefatos.

_Você tem razão - Jason sussurra atrás de mim, por ironia do destino tínhamos aquela aula juntos - Ela não é igual aos outros anjos.

_Isso deixa as coisas bem mais divertidas - Abro um sorriso em frente aos meus pensamentos maliciosos.