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História Perigosas Lembranças - Sua sedução


Escrita por: jord73

Notas do Autor


Bom, espero que gostem. O capítulo está grande, mas com detalhes importantes.

Boa leitura!

Capítulo 10 - Sua sedução


Fanfic / Fanfiction Perigosas Lembranças - Sua sedução

O relógio marcava às seis quando Letícia saiu da cama.

Sua primeira noite em casa não foi das melhores, pois teve dificuldades em conciliar o sono.

Primeiro, por ter se acostumado nas três noites anteriores no hospital a dormir na companhia de alguém; no caso, com seu pai ou sua mãe. Com Ricardo, não teve tal oportunidade.

E segundo, por causa das palavras de seu marido com os empregados; não saíam de sua mente. 

Você não é paga para pensar e muito menos falar! É paga apenas para fazer seu serviço sem questionar! Entendeu?

E outra coisa... se Letícia fizer qualquer pergunta sobre o passado dela ou mesmo sobre sua rotina, vocês simplesmente respondam que não sabem muito a respeito. São essas as minhas instruções.

 

Parecia outra pessoa. Um homem autoritário e arrogante ao falar com seus empregados, principalmente com Larissa. A moça não havia falado nada demais, em sua opinião e, mesmo que fosse o caso, bastava uma leve repreensão. Porém, daquele jeito? Foi mais uma ameaça, além de coloca-la abaixo de zero.

Um contraste com os modos gentis e atenciosos que lhe demonstrava. Claro, era sua esposa. Ainda assim...

O que mais a intrigava foram as ordens de que todos os empregados se calassem a respeito de qualquer pergunta que ela fizesse sobre seu passado e seu cotidiano.

Por quê?

A resposta era simples e óbvia há bastante tempo: ele não queria que ela descobrisse o próprio passado e, muito menos, recobrasse a memória.

Confirmar tal suspeita não lhe trouxe alívio ou satisfação, ao contrário, causou-lhe certa decepção e desconfiança sobre o caráter de seu marido.

O que temia tanto que ela se recordasse?

Por outro lado, não era somente Ricardo; seus pais também. Esquivavam-se de várias perguntas que fazia e, em alguns álbuns que lhe mostravam, havia espaços vazios, com marcas de fotos antes presentes e, por alguma razão, retiradas.

Seriam fotos que lhe trariam recordações de fatos que desejavam lhe ocultar? Ou de alguém?

E se fosse o caso, será que estavam tentando protegê-la de algum desgosto? Talvez algum trauma?

Ricardo às vezes é protetor demais e um pouco controlador e isso irrita Marcos.

As palavras da mãe lhe voltaram à mente. Sim, era a resposta mais provável. Ela passou por alguma experiência muito triste e Ricardo de conluio com seus pais resolveu poupá-la de se lembrar. Porém, Marcos talvez não estivesse muito de acordo, o que justificaria sua resistência e dificuldade de esconder a mentira.

Era uma teoria meio maluca, mas não encontrava outra explicação. Que marido deseja que a esposa permaneça com amnésia? Que pais escondem certos fatos da vida da própria filha?

O que poderia haver de tão terrível para que não quisessem que se recordasse? Um estupro? Abuso sexual na infância por algum professor ou outro adulto?

Ou talvez o acidente de seu irmão? Será que lhe deixou marcas que repercutiam mesmo depois de anos do ocorrido? Afinal, todos diziam que eram muito ligados.

Não, se fosse sobre o acidente do irmão, nem mencionariam o fato e nem falariam muito sobre Sérgio.

Então restava a hipótese do estupro ou do abuso. Afinal, o assunto que seus pais mais evitavam era sobre sua vida amorosa anterior a seu casamento. Talvez significasse que não houvesse nenhuma antes de Ricardo devido a esse tipo de trauma.

Balançou a cabeça. Não sabia o que pensar, era difícil chegar a uma conclusão. A teoria era até plausível, mas ainda não explicava o motivo de Ricardo lhe ocultar sobre  seu cotidiano depois do casamento e antes do acidente.

Suspirou. Complicado.

É, aquela seria uma jornada que enfrentaria sozinha. Insistiria em questionar a seu esposo ou mesmo seus pais, mas duvidava obter muitas informações.

Decidiu ignorar o que havia escutado na noite anterior. Não, não se irritaria ou ficaria chateada com Ricardo. Com certeza estava querendo lhe proteger, mesmo que não concordasse com a maneira pela qual estava fazendo. 

Ele me ama.

 

Estremeceu com o pensamento. 

E acho que não vai demorar para eu amá-lo por igual.

 

Estremeceu mais anda pelo segundo.

Não tinha a menor dúvida de que ocorreria. Cada vez mais, sentia-se à vontade com o marido, ansiando por estar com ele... e cada vez mais atraída.

Desejava-o, não podia negar. Queria ser beijada, tocada, acariciada por ele. Queria fazer amor. Apenas não estava pronta; ao mesmo tempo que seu corpo clamava por ele, ainda havia o medo de se entregar. Tinha primeiro que lidar com essa insegurança.

- 0 –

Após um banho matinal, Letícia escolheu um conjunto de blusa e saia verde – o comprimento desta chegava até os joelhos – e desceu até a sala de jantar. Ricardo já se encontrava sentado à mesa e levantou-se quando ela se aproximou.

Ela tragou saliva ao vê-lo impecável em mais em um de seus ternos e ao sentir o perfume maravilhoso que usava.

- Bom dia – disse num tom baixo, mas firme

- Bom dia – ele respondeu com um largo sorriso e tomou sua mão para beijá-la. Ela estremeceu – Dormiu bem?

- Mais ou menos.

- É? – olhou-a intrigado e puxou a cadeira. Ela se sentou e agradeceu – Por quê?

- Acho que... foram tantas emoções para um só dia... e eu estava acostumada com a cama do hospital – não era mentira o que dizia, só não especificou mais

- Bom, não quero parecer insensível e nem que eu esteja tripudiando de sua noite, mas eu, ao contrário, dormi muito bem. – a expressão era marota – Quer saber o motivo?

- Sim. – devolveu o sorriso. Estava feliz por vê-lo mais animado, em vez daquela sombra de tristeza que notava em seu semblante nos dias em que esteve hospitalizada. – Qual?

- Você está aqui.

O coração de Letícia falhou uma batida. Não conseguiu dizer nada em resposta. Apenas continuou a fita-lo sem conseguir desviar o olhar. O dele era penetrante e intenso.

- Senhora, o que deseja tomar de café? – uma empregada se aproximou de Letícia interrompendo o clima.

Ela se virou meio atordoada para a mulher e respondeu com um fio de voz:

- Eu... não sei. Tem suco?

- De maracujá, abacaxi e...

- Maracujá, por favor.

Para se acalmar, se não quisesse transparecer mais ainda seu nervosismo para Ricardo.

Letícia se serviu de torradas com geleia, queijo, uvas e ovos mexidos. Tudo o que comeu era divino. A comida do hospital não chegava a ter nem a metade da qualidade do que lhe era servido em casa.

Não trocou muitas palavras com Ricardo, mas o silêncio entre eles não era mais tão desconfortável; ele parecia mais relaxado ao seu lado. Quando terminaram, ele se levantou.

- Preciso ir agora – disse com certo pesar como se não quisesse deixa-la – Vai ficar mesmo bem?

- Vou. – na verdade, não. Sem ele naquela casa, sentir-se-ia desamparada, mas não o incomodaria – Não se preocupe.

- Qualquer coisa, não hesite em ligar para a empresa. Eu venho correndo.

E Letícia tinha a certeza de que ele era bem capaz.

- Tá – alargou o sorriso – Pode deixar.

- Então... – fez um movimento de que queria se aproximar, mas hesitou – Posso beijá-la... no rosto?

- Claro – a boca se entreabriu trêmula, mas assentiu depois de uns instantes.

Pelo menos não a pegaria de surpresa como no dia anterior, o que não significava que não causaria o mesmo efeito

Letícia virou o rosto e esperou; Ricardo aproximou os lábios bem devagar e encostou-o na face oferecida. Ela estremeceu por aquele contato que lhe incendiou e pelo perfume que invadiu suas narinas.

Ricardo se afastou; no olhar, havia uma expectativa por algo mais, um beijo na boca, ela o notou; porém, ainda não podia lhe dar o que ele queria. Mesmo assim, ele sorria como se tivesse ganho um prêmio

- Até mais tarde – disse ele

- Até.

Ainda a encarou por alguns segundos antes de se virar e sair da sala. Ela o observou caminhar com graça, elegância e desenvoltura.

Suspirou. Ele era perfeito!

- 0 –

Letícia se trancou no escritório do marido e ligou o laptop que estava em sua escrivaninha. O papel com a senha estava ao lado da máquina, conforme ele avisou na noite anterior.

No recinto, havia três estantes repletas de livros, mas todos específicos da área administrativa. Possuía um aspecto mais sóbrio que o do resto da mansão, por ser anteriormente o lugar preferido de Otávio Fontes de Guerra, onde se fechava nas poucas ocasiões em que ficava em casa, segundo palavras do próprio Ricardo.

Letícia se sentiu oprimida naquele ambiente, aliás, sentia-se em qualquer lugar da casa, ainda mais sem a presença de Ricardo. E com os empregados, particularmente Glória e Anselmo, a sensação era maior; notava a antipatia e reprovação neles por mais educados que se apresentassem. Era a patroa, mas se sentia como uma intrusa, mera esposa do verdadeiro patrão.

Balançou a cabeça se concentrar na tarefa que se propôs. Digitou a senha do papel no laptop. O sistema carregou e logo a tela de apresentação iluminou o monitor.

Clicou no ícone da internet e teclou “Empresas Velmont” no espaço branco da pesquisa; listas de páginas se apresentaram, incluindo a oficial da empresa de seu pai. Pesquisou essa e outras, mas nada de relevante que lhe desse alguma luz. Olhou várias fotos que estampavam o rosto de Marcos como o grande empreendedor de linhas de eletrodomésticos da melhor qualidade; duas ou três dele com a família, incluindo Sérgio.

Nenhuma notícia sobre o desfalque, pelo menos não nas primeiras páginas; teria que ser mais específica. Digitou “desfalque nas empresas Velmont” e logo apareceram mais outras páginas. No entanto, nenhum site que falava sobre o ocorrido, como se não fosse de grande importância. Estranho. Ou não.

Seu pai era um homem rico e respeitado e sogro de outro mais ainda; tanto ele como Ricardo teriam influências suficientes para impedir que qualquer jornal, mesmo os de grande circulação, publicassem uma nota de escândalo sobre a empresa, ainda que o incidente fosse por culpa de um funcionário mau caráter.

Digitou Daniel Ribeiro na pesquisa. Ótimo! Vários homônimos, dentre eles um cineasta e um cantor de música Gospel.

Associou o nome às empresas do pai. Como era de se esperar, nada. Estava quase desistindo até reparar no final de uma quinta lista de pesquisas um pequeno ícone de uma notícia de um periódico não muito famoso – pelo menos que ela se lembrava –, que parecia remeter ao assunto.

Entrou no site e leu a nota. Na verdade, era um blog de um jornalista amador que escrevia sobre a alta sociedade. Não dava muitos detalhes, apenas confirmava o que seus pais haviam comentado. A foto de destaque mostrava um grande prédio – cuja fachada Letícia reconheceu serem da empresa por outras fotos –; do lugar, saíam quatro homens: três policiais e um civil. Ele cobria o rosto com as abas de um paletó, mas se antevia um cabelo loiro no alto. Os dizeres da legenda informavam: “Daniel Ribeiro, escoltado pela polícia”

 Nada mais de relevante. Ainda assim, Letícia não soube explicar, sentiu um aperto no coração ao ver a foto com o tal Daniel.

Quisera ver o rosto para saber com quem estaria lidando, caso ele se atrevesse a tentar se comunicar outra vez como no hospital ou até aparecesse em sua frente.

Será que se atreveria? E será que ainda devia ocultar o incidente de Ricardo?

Para a primeira questão não havia a resposta. Quanto à segunda... sim. Pelo menos, se o fato não se repetisse. Não queria preocupar seu marido à toa; se ele teve aquela reação estranha com um simples comentário de uma empregada, nem queria descobrir o que faria se soubesse do episódio das flores e do cartão de um criminoso.

Seu marido. Suspirou.

Ricardo mal havia saído e já começava a se sentir desprotegida. Não podia ter esse sentimento de dependência por ele e, tampouco, transparecer. Ou ele era bem capaz de deixar as responsabilidades da multinacional de lado para ficar a seu lado.

Pesquisou mais sobre ele e sua rede de empresas. Havia muito mais material do que sobre Marcos. Leu e confirmou várias das informações prestadas por sua mãe a respeito de Ricardo ou mesmo por ele próprio.

Estavam lá, sobre o pai dele e a mãe. Fotos antigas de Maria Carmen Batista Toledo no concurso de Miss Brasil que ganhou. Ela era realmente uma mulher linda! Mas... cruel. Como uma mãe tinha coragem de abandonar um filho tão pequeno?

Claro, com certeza não devia ser nada fácil viver ao lado de um marido adúltero, alcoólatra e violento, como insinuavam uma ou outra notícia e confirmado pelo próprio Ricardo. Mesmo assim... Por que não levou o filho com ela?

Letícia dirigiu seu foco apenas em pesquisar mais sobre Ricardo. Filtrou as pesquisas em imagens e viu várias fotos dele, destacando seu rosto perfeito e seu perfil. Clicou em uma e admirou-a.

Engoliu em seco. Só assim para contemplá-lo sem se sentir intimidada e corar. Viu outras fotos, algumas ela aparecia ao lado dele em várias ocasiões, inclusive as do casamento. Destacou uma que parecia anterior ao enlace; ela num vestido muito fino e brilhante; ele, de smoking, enlaçando o braço em sua cintura. Os dois sorriam, ele mais ainda. Estavam na festa de algum grande evento. O link de uma imagem a direcionou para um site de fofocas que destacava: “Ricardo Fontes Guerra e sua a mais nova conquista. Ou seria o amor definitivo?”

O site comentava sobre o noivado relâmpago deles e até a mencionava como filha de Marcos Velmont e dona da ONG Girassol. Apenas isso; toda a notícia era mais voltada para destacar seu marido e comentar sobre várias conquistas que teve antes dela; pelo visto, a fama de Ricardo ia além das colunas sociais.

O site encerrava dizendo: “Letícia Velmont Soares parece ser a sortuda que vai amarrar de vez o famoso bilionário brasileiro. Resta saber se Ricardo Fontes Guerra não vai seguir a mesma trajetória do pai, Otávio Fontes Guerra, e herdar seu status de mulherengo”

Saiu imediatamente do site; não gostou da notícia tendenciosa. A mãe mencionou por alto que o marido teve várias namoradas antes dela, porém, não se incomodou em sabe-lo na ocasião.

Voltou à página de imagens e notou mais embaixo fotos de seu marido com outras mulheres, todas deslumbrantes; algumas eram celebridades.

Súbito, bateu uma insegurança... e até irritação. Seria... ciúmes? Espantou-se. Estava com ciúmes de seu marido pelas mulheres que teve?

Sim, era ridículo, mas estava. Mal se lembrava dele e agora que estava voltando a lhe conhecer. O que não a impedia de sentir uma forte atração, intensificada por parte de uma lembrança de uma relação entre eles.

Suspirou pela recordação. Qualquer uma em seu lugar, teria aproveitado a primeira oportunidade para ocupar, de fato, seu papel como esposa; com certeza, várias daquelas mulheres nas fotos com Ricardo. Não somente pela enorme fortuna que ele possuía, mas por ele próprio. Sua beleza, seu charme, sua elegância e o ar enigmático que ostentava.

E dentre todas, foi escolhida para ser sua esposa. Por quê? Reconhecia ser uma mulher muito bonita, agora que havia se acostumado com a própria aparência. Mas todas aquelas mulheres eram igualmente bonitas como ela, ou talvez até mais.

O que teria de tão especial? 

Éramos como unha e carne. Apesar da diferença de idade, vocês dois se davam muito bem. Ele lhe protegia, você era como um raio de sol na vida dele... e é claro, eu também compartilhava do mesmo sentimento.

 

Era esse o diferencial. Conheceu-o em na época da juventude dele e compartilharam bons momentos junto com o irmão dela. Tinha a impressão de que talvez fosse a única recordação boa que ele tinha dessa época e estar perto dela era como não perder essa parte de si, que somente ela teve conhecimento. O que as outras provavelmente não conseguiam acessar.

 

Eu fui embora, tive que ir... e perdi o contato com vocês durante anos. E quando a reencontrei, você havia crescido... e se tornado uma mulher linda, sensual, espontânea, decidida, cheia de vida... e calor humano. Meu sentimento por você não só mudou, como se intensificou com todo o carinho que já lhe tinha.

 

Ele via nela mais do que um rostinho lindo e um corpo maravilhoso. Sorriu. Ricardo a amava, mais do que talvez pudesse imaginar. Não devia ter dúvidas.

Ele se portava como um cavalheiro, não a forçando e nem exigindo seus direitos como marido. Nem por isso, queria dizer que não sentisse desejo e a necessidade do sexo. Não podia facilitar!  Ela tinha que retomar seus deveres como esposa. Não esperaria recobrar a memória. Sabe-se lá em quanto tempo ocorreria!

Voltaria a ter relações com seu marido. Claro que não de uma hora para outra. Não era louca de se jogar em seus braços e, muito menos, deitar-se nua na cama dele e oferecer-se para uma noite alucinante de sexo, embora houvessem mantido relações.

Só de imaginar uma das possibilidades, corou. Não. Teria que ser aos poucos e, mesmo assim, dar-lhe indicações sutis. Mesmo para isso, sentia-se tímida, mas tinha que fazer.

Estava decidida. Naquele mesmo dia, assim que Ricardo voltasse da empresa, começaria a deixa-lo perceber suas intenções.

- 0 –

Depois do almoço, Letícia foi ao hospital para continuar as sessões de neurologia com Tiago. Raul, um dos seguranças, quis acompanha-la, mas ela o dispensou. Achava um exagero ter alguém para escolta-la. O motorista Pedro, era o suficiente, em sua opinião.

- Mas, dona Letícia, foram ordens do seu Ricardo. – explicou o segurança

- Deixe que depois eu falo com ele – pediu-lhe – Por favor, eu me responsabilizo. Não é por mal, Raul, sei que é seu trabalho, mas vou me sentir estranha.

O segurança fez uma expressão descontente, mas concordou, afinal, ela também era a patroa.

Quando perguntou pelo doutor Tiago no hospital, informaram-na que ele não era mais seu neurologista; em seu lugar, seria uma tal doutora Marcela, médica mais experiente na área.

Letícia estranhou. Por que Tiago não continuaria lhe atendendo? Será que.... Sim, porque ele estava interessado nela como supôs e não queria misturar as coisas. Por um lado, lamentou, por ter se acostumado com ele; por outro, talvez fosse melhor, era uma mulher casada e não se sentia bem em ter contato com outro homem que a desejasse.

Foi ao encontro de doutora Marcela, conversaram – ela estava bastante informada das circunstâncias de seu atropelamento e das sessões anteriores com o Tiago através de um relatório deste –, contou-lhe sobre o primeiro fragmento de lembrança de uma relação com o marido e fizeram mais alguns testes. Letícia se frustrou por não se lembrar de mais nada relacionado.

- É assim mesmo, Letícia, o processo é esse – animou-a Marcela – O fato de ter emergido uma simples recordação por mais fragmentada que seja é um bom sinal. É só ter paciência.

Paciência era o que menos tinha, mas não podia fazer mais nada. E gostou do método da tal neurologista, além de se sentir mais à vontade com ela. De fato, foi melhor interromper o tratamento com Tiago.

Após o término da sessão, procurou as pacientes com quem fez amizade para lhes cumprimentar – apenas três ainda estavam no hospital – e também ao doutor Rafael e a enfermeira Solange. Encontrou também a enfermeira Vânia quando conversava com Solange na enfermaria; Vânia apenas lhe dirigiu um leve aceno sem mostras de querer aproximação e saiu às pressas.

Letícia foi atrás dela assim que se despediu rapidamente de Solange. Vânia estava prestes a sumir por um corredor quando a chamou:

- Vânia! Vânia! – quase correu esbaforida. A enfermeira se deteve e olhou-a intrigada – Desculpe... posso falar com você?

- Eu... estou ocupada, dona Letícia – desconversou meio incomodada e fez um movimento para seguir caminho

- Por favor –Letícia se pôs ao seu lado – Só um minuto.

- Está bem – suspirou, não fazia mais a menor questão de disfarçar sua antipatia. Caminhou para um canto e Letícia a acompanhou – O que posso fazer pela senhora?

- Por que você não gosta de mim?

- Aham? – ela piscou os olhos

- Você tentava ser simpática, gentil e até disfarçava, mas eu notei que você não ia com a minha cara. Por quê? Eu te fiz alguma coisa?

- Dona Letícia... – Solange balançou a cabeça com expressão zombeteira e cruzou os braços

- Olhe, eu sei que você não tem obrigação alguma de gostar ou deixar de gostar dos pacientes que entram aqui... que só tem que fazer seu trabalho. Mas mesmo assim eu preciso saber... é que... – suspirou – Vocês do hospital foram as pessoas que eu mais tive contato aqui desde que perdi a memória... as primeiras que eu conheci, fora meu marido e meus pais. Eu... pode parecer bobagem, mas eu sinto um elo com vocês.

- Não se preocupe, esse elo logo vai perder a importância assim que a senhora recobrar sua memória – ironizou Vânia – Pessoas como a senhora se esquecem rapidinho de gente como eu.

- Você fala como se eu tivesse a esnobado – Letícia a observou intrigada – Eu a tratei mal durante a minha estadia aqui, Vânia? Fiz ou falei alguma coisa mesmo sem querer que a aborreceu?

- Pergunte ao seu marido, ele poderá lhe esclarecer melhor – antes que Letícia abrisse a boca para lhe questionar, Vânia lhe deu as costas – Com licença que tenho muito o que fazer.

E deixou Letícia ali, parada e confusa.

- 0 –

No caminho, Letícia não parava de pensar no que Vânia havia lhe falado.

O que ela quis dizer? Será que Ricardo a tratou mal ou aos outros funcionários do hospital?

Talvez. Afinal, pelo modo como ele havia se dirigido aos empregados na noite anterior, mostrava um lado seu um tanto arrogante.

Mas se fosse assim... que culpa ela tinha?

Ou talvez não. Letícia não queria pensar na possibilidade, mas era a mais lógica. E se Ricardo teve um caso com a tal enfermeira e depois a dispensou?

Achava um pouco estranho porque pelo que leu e viu nas fotos sobre ele, era o tipo de homem que se envolvia com mulheres da alta roda. No entanto, todas eram muito bonitas. Mas Vânia também, a despeito daquele uniforme.

Em que circunstâncias seu marido poderia ter se envolvido com Vânia? Com certeza não com ela ali internada; achava Ricardo incapaz de tal infâmia. Mas... e antes deles se casarem? Será que teve um caso secreto com ela e a largou para se casar?

Talvez explicasse a antipatia que Vânia lhe nutria... e certo ressentimento.

Alguma coisa não batia com essa hipótese, mas não encontrava outra explicação.

Deixaria a questão de lado; não perguntaria nada a Ricardo. Primeiro, porque como sempre, ele se esquivaria de responder e ficaria tenso. E segundo, porque não queria lhe dar motivos para reclamar de Vânia para o pessoal do hospital. Parecia que qualquer pessoa que incomodasse a ela ou lhe insinuasse coisas sobre o passado, deixava seu marido furioso.

Quando chegou em casa, foi informada por Glória de que uma amiga a aguardava na sala de visitas do terceiro andar. Seria Laura? Mas havia conversado com a amiga por telefone no dia anterior pouco antes de sair do hospital e esta afirmou que só retornaria por volta de segunda ou terça.

Mesmo assim, animou-se em rever um rosto que talvez pudesse lhe suscitar lembranças perdidas.

- Quem é a pessoa, Glória? – indagou

- É a dona Cláudia, senhora Letícia. Se não estou enganada, é sua amiga desde a infância.

Franziu o cenho. Achava que sua única amiga fosse Laura. Não. Melhor amiga. Não significava que fosse a única.

- Certo... eu... eu irei recebê-la. Pode, por favor, providenciar um café ou um chá?

- Já tratei disso... senhora – retrucou a mulher num tom condescendente que não agradou Letícia – Pode ficar tranquila.

- Tudo bem – assentiu Letícia com meio sorriso

- Com licença.

- Toda.

E saiu. É, definitivamente a mulher não gostava dela, por mais solícita e educada que se mostrasse. Poderia fazer uma boa dupla com Vânia. Será que jogou pedra na cruz para ganhar a antipatia das duas?

Subiu às escadarias e encontrou uma jovem esbelta e de longos cabelos ruivos e lisos, que trajava um vestido vermelho que se colava a seu corpo. A mulher exalava um perfume forte, mas agradável. Estava sentada com as pernas cruzadas, batia impaciente o pé e olhava com certo tédio para a janela. Ao ver Letícia, descruzou as pernas, ostentou um sorriso e aproximou-se rápida, envolvendo-a nos braços.

- Amiga! Que bom te ver firme e forte! – falou numa voz esganiçada

- Er... oi... Eu... Prazer, meu nome é Letícia. – anunciou meio atordoada com o jeito da mulher

- Ah, é mesmo. – a moça se desgrudou tão repentina de Letícia como a havia abraçado – Você está com amnésia... o Ricardo me avisou.

- O Ricardo? – fez um gesto para que se sentassem

- Liguei para ele e perguntei se podia te visitar. Ele me explicou sobre sua condição, mas eu não me importei. – fez um gesto de desdém com a mão – Não gosto de hospitais, amiga, mas fui te visitar pelo menos três vezes. Só que você nunca acordava. Ah, a propósito... me chamo Cláudia. Nossa, é tão estranho voltar a se apresentar para alguém que já conhecemos – riu. Letícia tentou imitá-la, mas estava sem graça com o jeito da mulher – Ainda mais alguém tão próximo... Sabe, nós somos amigas desde a infância... acho que desde quando éramos bebês. – riu mais uma vez – Brincávamos de boneca uma na casa da outra... nossas mães se conhecem desde o colegial.

Falou uma porção de coisas e outras mais como se Letícia estivesse informada.  A mulher era mais frenética que sua mãe e pelo visto mais fútil. Letícia não podia acreditar que mantinha amizade com alguém assim. Não obstante, procurava ser o mais atenciosa possível, fingindo prestar atenção em cada detalhe do que Cláudia lhe dizia.

Do que conseguiu entender naquele emaranhado de informações, foi que a mulher tinha sua idade, foram companheiras de infância e era casada há três anos com um grande magnata de uma rede de hotéis, um tal Hernani Lombardi, que tinha negócios com Ricardo; não sentia a menor vontade de ter filhos. E só. Não passava de uma dondoca que vivia dos ganhos do esposo.

Em dado momento, a tal Cláudia se lembrou de perguntar à Letícia:

- Mas me conte... como você tem passado? Sua saúde física está boa?

- Er... sim.

- Já recebeu muitas visitas?

- Não... até agora não. Ricardo e os meus pais não deram permissão que ninguém fosse me ver no hospital devido à minha condição.

- Ah, concordo. Se bem que eles podiam ter aberto uma exceção para mim. – Claudia fez um bico

- É, talvez – Letícia entendia o motivo de Ricardo não ter permitido a liberação, embora a moça fosse sua amiga de longa data. Teria a assustado – De qualquer jeito, ninguém ainda ficou sabendo que estou em casa... apenas a Laura.

- Ah, aquela lá... – Cláudia fez uma expressão de desagrado que a intrigou – Ah, perdoe, amiga... Você não se lembra, mas a Laura e eu nunca nos gostamos. Ela chegou até a me chamar de perua inútil – riu com certo desprezo – Pode um negócio desses? Eu não sei como você a suporta, afinal, você e eu somos do mesmo quilate enquanto ela... hum...  – torceu a boca.

- O que quer dizer?

- Essa Laura... é tipo uma alpinista social que se aproveitou de sua amizade... eu sempre lhe digo isso. Ela só teve a sorte de estudar no mesmo colégio que a gente por causa do paizinho dela que foi um dos professores e até diretor. Fora isso... em que mundo ela poderia circular nos mesmos lugares? – desdenhou – E o primo dela também... O que ele fez só confirma o que sempre pensei daquela sonsa... – balançou o dedo em riste –... e você não me ouviu.

- Primo dela? – Letícia franziu o cenho – Quem?

- Ah... ninguém... esqueça – Cláudia se deu conta de ter falado demais

- Não, Cláudia, me diz... que primo é esse? E o que ele fez?

- Ninguém, Letícia, já disse. – ela balançou a mão como em negação e colocou-se de pé – Er... eu preciso ir agora. Tenho muitas compras para fazer hoje, sabe?

- Certo. – Letícia a olhou intrigada e também se levantou – Eu... vou acompanhá-la até a porta.

- Ah, sim... e amiga, temos que combinar um dia para fazer compras como antigamente.

- Claro.

Letícia concordou, mas a ideia não lhe agradava nem um pouco, menos ainda com Cláudia.

Depois que se despediu da mulher, Letícia se fechou no quarto para continuar sua leitura de “O Morro dos Ventos Uivantes”. A história a fascinava cada vez mais e, aos poucos, se lembrava de tê-la lido antes e do enredo.

Recebeu telefonemas da mãe e do pai, respectivamente, perguntando de sua primeira noite fora do hospital e de como estava se sentindo na mansão. Garantiu-lhes que estava bem, sobretudo, a Marcos que insistia em lhe afirmar para voltar a morar com eles, caso mudasse de ideia.

Em seguida, Laura também lhe telefonou. Conversaram bastante, Letícia percebia a diferença de conversa e sintonia que tinha com esta amiga, mesmo que ainda não houvessem se encontrado pessoalmente. Tão diferente do que tinha – ou não tinha – com a tal Cláudia. Pensou em lhe contar sobre a conversa que teve com a dita cuja e a menção a um primo, mas deixou de lado.

Laura confirmou que estaria de volta na segunda e iria visitá-la antes de passar na ONG, por volta das nove da manhã. Letícia se lembrou de que Ricardo havia combinado de irem juntos ao banco fazerem uma nova senha, porém, decidiu que poderiam adiar para outro dia.

No fim da tarde, tomou um demorado banho – o perfume forte de Cláudia ficou impregnado nela – e escolheu um vestido tomara-que-caia num tom alaranjado. Era um dos poucos comportados entre os que havia no seu guarda-roupa.

Se deixaria claro para Ricardo que pretendia voltar a ser sua esposa, mesmo que aos poucos, deveria recebe-lo. Estremeceu, mas se encorajou.

Desceu até a sala levando o livro, sentou-se no sofá e aguardou. Por volta das seis e meia, Ricardo estava de volta. Abriu um largo sorriso ao vê-la, a expressão foi de agradável surpresa.

- Oi, Letícia.- aproximou-se e parou a poucos centímetros

- Oi. – respondeu tímida

- Resolveu aproveitar a sala para se aconchegar?

- Na verdade... estava te esperando... queria te receber. – corou e abaixou o rosto. Queria enfiar a cabeça na terra igual uma ema

Durante uns instantes, pairou um silêncio. Não tinha coragem de erguer o rosto para saber a reação de Ricardo e a interpretação que faria de suas palavras. Ela soube quando ele a tocou pelo queixo e ergueu seu rosto. Arfou pelo contato.

- Que bom... Adorei a recepção. Me deixou contente.

Havia uma ternura e uma felicidade grandes estampadas no rosto de Ricardo. Ele a olhava como um garoto diante de seu ídolo. Ela engoliu em seco.

Ele aproximou o rosto, mirando o olhar em sua boca. Ela estremeceu. Sem que pudesse se conter, virou o rosto. Pelo canto dos olhos, percebeu ele interromper o movimento. Fechou os olhos frustrada consigo mesma.

Não, sua estúpida.

Logo sentiu os lábios de Ricardo encostarem em sua face. Afastou-se e soltou seu queixo. Abriu os olhos e voltou-se para ele. Notou um ar brincalhão em seu semblante e serenidade. Pelo visto, ele entendia o que se passava em seu interior e, ao invés de se aborrecer, divertia-se com a situação.

- Vou subir e tomar um banho rápido – disse – Não a deixarei esperando muito.... e depois jantamos. Tudo bem?

Ela apenas assentiu. Sentou-se e bufou.

OK, não devia se recriminar. Fazer jogo de sedução não era seu estilo, pelo menos não daquela sua versão sem memória. Mas haveria outras oportunidades.

Logo, Ricardo desceu; estava cheiroso, o cabelo um pouco molhado e vestido com roupas casuais – outra camisa que deixava antever seus braços fortes –; Letícia se esforçou para não deixar transparecer o nervosismo. Puseram-se a conversar na sala enquanto aguardavam pelo jantar, os dois sentados lado a lado no sofá

- Como foi sua consulta com o neurologista? – perguntou ele

- Na verdade, agora é a neurologista. Trocaram de médico. O nome dela é Marcela

- Ah, é? – o tom era de surpresa, embora o rosto não evidenciasse

- É, parece que foi o próprio doutor Tiago. Essa médica tem mais experiência na área.

- Ele deve saber o que faz... E você gostou da doutora Marcela?

- Sim, ela é muito boa também.

Por um momento, Letícia ficou calada. Recordou-se do seu encontro com Vânia.

 

Pergunte ao seu marido, ele poderá lhe esclarecer melhor.

 

Pensou em tais palavras e nas hipóteses que formulou. Não, esqueceria isso. Não queria estragar aquele momento de descontração.

- Letícia? – ele a chamou

- Sim?

- Algum problema? - olhou-a intrigado

- Não, nenhum – apressou-se em dizer – Er... veio uma pessoa aqui me visitar... uma tal Cláudia que se diz minha amiga desde a infância.

- Ah, sim, a Cláudia – ele abriu um largo sorriso zombeteiro. – E o que ela lhe pareceu?

- Nossa, eu... fiquei tonta.

- Imagino... ela fala demais, não é?

- Falar? Parece que engoliu um papagaio inteiro

Os dois riram.

- Me desculpe. Tentei dissuadi-la de vir, mas ela insistiu e não teve como impedir.

- Tudo bem, cedo ou tarde, vou ter que voltar ao convívio com as pessoas. Não posso me isolar.

- É, não pode – olhou-a de modo enigmático – E que mais você fez hoje?

- Continuei lendo “O Morro dos Ventos Uivantes” até meus pais me ligarem para saber como eu estava... e depois a Laura.

- Ah, certo – Ricardo fechou o rosto, Letícia notou

- Ela disse que segunda vai vir aqui antes de ir para a ONG. – observou-o – Ela perguntou se pode vir lá pelas nove. Sei que combinei com você de irmos juntos ao banco resgatar minha senha, mas...

- Não se preocupe, podemos deixar para outro dia.

- Ah eu ia lhe pedir isso. Obrigada.

- Não tem que me agradecer. Não há nada que eu não faria por você

Letícia pensou em desviar o rosto só de escutar aquelas palavras num tom amoroso e encarar a intensidade daqueles olhos, mas sustentou o olhar, mesmo que sentisse o rubor. Ricardo abriu um sorriso insinuante e continuou a lhe fitar com uma intensidade mais crescente. Os dois ficaram presos numa contemplação muda e intensa, Letícia deixou de lado a vergonha e se permitiu mergulhar naqueles olhos.

- Senhor Ricardo, dona Letícia... com licença – Glória interrompeu aquele silencioso interlúdio – O jantar está pronto.

- Obrigado, Glória – respondeu Ricardo suave, mas com uma leve revirada nos olhos pela interrupção. Levantou-se e estendeu-lhe a mão com um sorriso charmoso – Vamos?

- Vamos – enlaçou sua mão na dele demonstrando seu agrado, embora com um sorriso tímido

Dirigiram-se à sala de jantar, conversaram mais sobre a empresa dele e o que tinha feito naquele dia – Letícia demonstrava sincero interesse por seu trabalho e via a satisfação genuína que ele demonstrava em lhe contar. Em todo o tempo, não deixaram de se mirar, Letícia venceu o constrangimento e não fugia dos olhares de Ricardo.

Voltaram à sala e ficaram sentados mais próximos no mesmo sofá, de frente um para outro; um dos braços de Ricardo se apoiava no encosto e quase encostava na nuca de Letícia; ela o notou, mas demonstrou naturalidade. Conversaram mais; cada vez surgiam novos temas. Letícia não sabia se era pela habilidade de ele saber conduzir uma conversa ou pelo que havia dito no dia anterior, de ter sempre assunto entre eles antes do acidente. O fato é que se sentia cada vez mais íntima de seu marido.

- Não sabe como senti saudades de ficar conversando assim com você – declarou ele em dado momento. – Achei que... nunca mais teríamos isso.

Ele ficou mudo por uns instantes e ela vislumbrou aquela mesma tristeza em seus olhos nos primeiros dias no hospital. Seu coração se apertou; o acidente dela com certeza o afetou muito. Logo aquela tristeza se desvaneceu e, em seu lugar, um brilho se destacou enquanto ele retomava outro tema de conversação.

Chegada a hora de dormir, ambos subiram para seus respectivos quartos. Ricardo acompanhou Letícia até a porta do dela.

Na hora da despedida, ela se acovardou outra vez. Ele queria beijá-la na boca, mas sem que pudesse se refrear, lá estava outra vez oferecendo apenas a face. E Ricardo, um perfeito cavalheiro, não demonstrou aborrecimento ou incômodo, beijou com carinho seu rosto e, em seguida, sua mão.

Sozinha no cômodo, Letícia se recriminava.

Droga, qual era seu problema? Não podia encarar apenas um beijo? Bom, não era apenas um beijo. Era o beijo. Um passo mais significativo. Mesmo assim, era um limite confortável para uma aproximação maior com seu marido e com naturalidade voltar a dividir sua cama no momento certo.

Ela queria muito sentir a boca dele na sua. Desejava. Mas na hora... entrava em pânico e quando via estava agindo que nem uma menina boba e medrosa.

Aposto que a enfermeira Vânia não teria pudores. E mais: já estaria enrolada nos lençóis com meu marido.

E lá estava ela de novo cismada com a possibilidade!

Arf! O jeito era dormir com aquela frustração

- 0 –

Letícia corria desesperada. Ela queria fugir. Precisava ir embora. Fugir. A angústia, a aflição e o desespero. Passos se aproximavam. Alguém corria atrás dela e iria alcança-la. Mas ela não podia deixar ou não conseguiria mais sair dali.

Não via nada a frente, era tudo nebuloso. Apenas um caminho. E tudo o que sabia era que devia correr.

Correr. Correr. Correr.

 

- Letícia.

 

Há quanto tempo estava correndo? Ela não sabia.  Parecia não ter fim.

Finalmente, o caminho pareceu se alargar indicando que estava prestes a sair. De repente, escutou um barulho de alguma coisa se detendo ao seu lado, mas sem consegui-lo. Trombou nela e Letícia voou pelos ares.

 

- Letícia.

 

Ia cair. Cair. Cair. Cair.

 

- Não! Não!

- Letícia, acorde!

- Nãooooo!

Súbito, Letícia deu um solavanco para a frente e despertou. Viu que estava em seu quarto e que havia tido um pesadelo, mas o pânico ainda tomava conta dela; braços a amparavam pelos ombros. Olhou para o lado, era Ricardo sentado à beira de sua cama com expressão preocupada.

- Por Deus, Letícia, até que fim... Já estava me deixando angustiado.

Ela não pensou duas vezes, na verdade, nem parou para pensar. Jogou-se em seus braços e chorou com aflição.

- Shhhh... Calma... calma – ele estremeceu ao tê-la, mas seus braços a estreitaram com firmeza e alisaram suavemente suas costas. Se não estivesse tão assustada, talvez se arrepiaria por aquele gesto – Está tudo bem. Foi só um pesadelo.

Não soube quanto tempo ficou com a cabeça enterrada no pescoço de Ricardo, com as lágrimas escorrendo e ele lhe tranquilizando; não importava. Só queria ficar ali, sentir-se segura e esquecer de tudo. Aos poucos, recobrou o controle e, ao se dar conta do papelão que havia feito, afastou-se dos braços dele, sentou-se na cama com as pernas ainda estiradas, enxugou as lágrimas e encarou-o entre confusa e envergonhada.

- Me... me desculpe... eu... não sei o que deu em mim.

- Tudo bem. Você estava tendo um pesadelo.

Súbito, os olhos dele abaixaram, escureceram e sua respiração falhou. Ela acompanhou a direção de sua vista e percebeu o motivo. Vestia uma camisola branca transparente de alças finas; a peça tinha um generoso decote que deixava antever boa parte dos seios fartos e, embora, os mamilos estivessem cobertos, o tecido fino da camisola transparecia os bicos. Além disso, a alça direita estava caída e deixava quase o seio direito totalmente exposto.

Por instinto, cobriu-se com os braços, ao mesmo tempo que os olhos se encontraram com os de Ricardo, que emanavam uma intensidade luxuriosa. Imediatamente, ele se levantou e desviou o rosto, consciente de sua indiscrição. Ele tremeu e ela até vislumbrou um volume se acentuar no meio das pernas masculinas sob o pijama que vestia. Ela ficou rubra, envergonhada... e quente! A respiração falhou.

Não disseram nada por um bom tempo, quase nem respiravam. A tensão sexual dizia mais por eles. Evitava de olhá-lo e até mesmo ele não a mirava de frente, talvez para não a constranger.

- Quer... um copo d’ água? – ele quebrou o longo silêncio, a voz meio rouca.

- S... sim... por favor – apontou para a cadeira da mesa do computador onde estava pendurado outra vestimenta – Mas... pode me passar meu robe antes?

- Claro.

Pegou a roupa e entregou-a, evitando de olhar para seu rosto e corpo, como uma demonstração de respeito. Em seguida, foi até uma pequena mesa com uma jarra e um copo; encheu-o.

Letícia o observava se mover enquanto fechava o robe sobre sua camisola e estirava-o por entre as pernas debaixo das cobertas. Havia dispensado o pijama por sentir calor, a noite estava quente. Pela reação de Ricardo e o clima sexual entre eles, não sabia se fez bem ou mal, embora não pudesse adivinhar que ele entraria ali.

- Tome – ele se aproximou e lhe estendeu o copo. Ela o tomou e engoliu de uma vez – Mais?

Ela balançou a cabeça para os lados e devolveu-lhe o recipiente. Ele o apanhou e colocou-o de volta à mesinha. Virou-se para ela com expressão séria. Ela engoliu em seco.

- Bem, eu... vou voltar para meu quarto – disse – Se precisar de alguma coisa...

- Por favor, não – pediu antes que pudesse se refrear – Fica... até eu poder dormir.

E se calou. Fechou os olhos e mordeu os lábios, quase desejando se bater. Sentiu-se uma completa tola e infantil por lhe fazer aquele pedido. Abriu-os e ele ainda estava lá a observando. Apenas sorriu de uma forma terna.

- Se é o que deseja.

Ela engoliu em seco. Esperava que não a tivesse interpretado mal e achasse que quisesse já partilhar de sua cama, por causa da atmosfera que pairou. Viu que sua preocupação era infundada quando observou ele adentrar o corredor onde ficava o guarda-roupa, escutá-lo abrir as portas, uma gaveta, tirar alguma coisa de dentro e tornar a fechá-lo. Voltou para o quarto, trouxe uma coberta fina e um travesseiro, estirou a cabeceira de uma poltrona– ficava à direita de sua cama a certa distância –, transformando-a num leito improvisado  e acomodou-se na mesma.

- Pode dormir tranquila –encarou-a da poltrona, com expressão terna – Não vou sair daqui até amanhã.

Letícia apenas assentiu, esquecendo-se de seu constrangimento e ajeitou-se na cama. Sussurrou um tímido “Obrigada” e ouviu em resposta um “De nada” e um “Boa noite”. Fechou os olhos, guardando a última visão de Ricardo ainda a fitando e entregou-se ao cansaço.

Estava segura e nenhum pesadelo mais a perturbaria. 


Notas Finais


Pois é, gente! Quanta coisa, hein?

Mistérios e mais mistérios. E esses dois estão em estado de ebulição, só falta um incentivo de Letícia. Eita, mulher mole! Em vez de atacar o gostosão, fica com frescura, rsrsrs... Mas compreensível por um lado, é como se ela vivesse seu primeiro amor com suas inseguranças e medos, enfim.

Sei que estão doidas para um beijo. Já vai rolar, daqui a três ou quatro capítulos, prometo.

Me mandem reviews, gente, por favor, não custa nada. Até a próxima.


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