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História Perigosas Lembranças - Seus pais


Escrita por: jord73

Notas do Autor


Mais um capítulo. Divirtam-se!

Capítulo 4 - Seus pais


Fanfic / Fanfiction Perigosas Lembranças - Seus pais

Depois do almoço, Letícia teve um início de tarde cansativo.

Primeiro, foi transferida para um quarto maior e mais arejado, onde não precisava mais do aparelho que lhe media os batimentos cardíacos. Transportaram-na numa cadeira de rodas; Letícia podia caminhar, mas ainda sentia dores no corpo.

Depois, foi examinada mais uma vez por Rafael e outra enfermeira, uma tal de Vânia, que substituiu Solange quando o plantão desta havia acabado. Letícia aproveitou para perguntar que tipo de acidente havia sofrido, informação que se esqueceu preocupada com sua amnésia.

- Você foi atropelada por um carro e jogada a uma boa distância – informou Rafael – Sofreu várias contusões no corpo, mas a cabeça foi a parte mais atingida. Ficou internada na UTI por quase cinco dias entre a vida e a morte. Felizmente, você reagiu e ficou estável, mas a levamos para o quarto da outra ala para registrar sua atividade cardíaca e ficar em observação. Você permaneceu num estado de coma, embora não tão profundo.

- Então... estou aqui há quanto tempo? – indagou ela

- Há quase dois meses.

- Nossa!

- Você teve sorte. Há pessoas que entram num coma profundo e nunca mais acordam e outras que retornam depois de vários anos e, geralmente, com sequelas.

Letícia não perguntou mais nada, nem os detalhes de como foi seu acidente, fá-lo-ia depois com Ricardo.

Em seguida, Rafael a encaminhou a um neurologista, doutor Tiago, para realizar um eletroencefalograma e fazer alguns testes a fim de reaver sua memória temporariamente perdida. Como nenhuma imagem ou lembrança lhe ocorresse, frustrou-se

- Não desanime – disse Tiago, para animá-la – Estamos começando hoje. Só de você estar em pleno uso de suas faculdades mentais é um bom sinal. Se sua memória não voltar hoje, pode acontecer amanhã, depois... ou em questão de dias. Há casos que duram semanas... mas é muito improvável que fique ausente por muito tempo.

- Não corro o risco de ficar assim por muitos anos... ou para sempre?

- Relaxe – ele sorriu – Essas novelas ou filmes exageram o quadro de amnésia.

- Mas existe a possibilidade?

- Não digo que não. Seria um caso em cem... e mesmo assim, o paciente recobra uma boa parte das lembranças com o passar dos anos.

- Espero que eu não seja esse um desses casos.

Logo que terminou o procedimento, finalmente, voltou ao novo quarto. Estava ansiosa por rever seus pais, embora não fizesse a menor ideia de como eram; também queria saber quantos e quais eram seus amigos. Ao mesmo tempo, estava aflita por lidar com tantos rostos desconhecidos e ser vista com certa pena por seu estado.

Odiava ser objeto de piedade das pessoas. Surpreendeu-se ao constatar como se sentia a respeito. Seria uma marca de sua personalidade?

Outra característica que havia notado em si mesma era certa percepção no tocante às emoções das pessoas em relação a ela. Por exemplo, descobriu que a tal enfermeira Vânia por alguma razão não simpatizava com ela; a mulher não fez ou disse nada que demonstrasse o contrário, até tentava sorrir, mas Letícia captou a atmosfera.

Também detectou no tal neurologista – um homem bastante jovem e bonito, devia ser poucos anos mais velho – um interesse por ela, embora mantivesse uma postura profissional e nenhuma insinuação houvesse feito. A princípio, pensou que fosse impressão, fantasia, mas não. Estava certa assim como de que Ricardo gostava dela muito mais do que demonstrou no pouco contato que tiveram.

Ricardo.

Ao se lembrar dele, o estômago fervilhava como se mil bichos quisessem sair de dentro.  Descobriu que sentia sua falta mesmo com o pouco tempo em que estiveram juntos. Seria resquícios de sua memória e de seus sentimentos por ele?

Não podia negar que sua aparência física a atraía, sobretudo aqueles olhos tão profundos e ardentes, cheios de uma leve ternura. E tristes.

Por que uma tristeza presente neles? Ora, que pergunta. Ela quase morreu, isso deveria angustiá-lo se nutria alguma afeição por ela. E também provavelmente por seu quadro clínico de amnésia.

Ao mesmo tempo, tinha a impressão de que ele não estava muito preocupado com sua falta de memória, parecia até que queria que ela não se lembrasse.

Deus, estava louca! Talvez paranoia também fizesse parte de sua verdadeira personalidade.

Voltou a pensar nos pais e em como seriam. E também nas mil perguntas que pretendia fazer. Imaginou qual seria a reação deles ao se inteirarem de sua amnésia.

Ela o constatou por volta das três horas quando foram visitá-la. Estava folheando uma revista que havia pedido à “simpática Vânia” quando escutou batidas na porta.

- Entre – largou a revista mal contendo a ansiedade

Seriam seus pais? Ou Ricardo? Ele havia prometido que voltaria no horário de visitas. A porta se abriu. Era seu marido.

- Com licença – disse ao entrar.

Estava vestido com novo terno, um bege com a gravata marrom. Realmente, ele era um homem elegante, lindo e charmoso. Letícia estremeceu.

- Oi – respondeu ela com sorriso tímido, mas sentindo uma euforia inexplicável por revê-lo – Você voltou.

Óbvio, pensou, se estava ali. Mas não lhe ocorreu dizer mais nada.

- Eu disse que voltaria – ele sorriu com mais calor ao se aproximar. Deteve-se a centímetros de sua cama – E também… seus pais vieram. Eu os avisei da sua recuperação assim que saí daqui.

- Eles… estão lá fora? - engoliu em seco. As mãos se crispavam uma na outra.

- Sim. E loucos para te ver. Só não entraram comigo porque lhes contei sobre seu estado… e estão falando com o médico para confirmar. Eu disse que vinha preparar seu espírito – olhou-a sério – Fiz bem?

- Fez – ela assentiu – Eu… não me entenda mal. Quero vê-los, preciso tentar reconhecê-los, mas… ao mesmo tempo, me sinto tão insegura. Não sei como agir com eles.

- Ei, fique tranquila – ele pousou a mão sobre a que ela repousava no colo. Letícia se arrepiou, mas não fez nenhum gesto para repeli-lo – Você vai se sair bem. São seus pais, não tem porque se constranger com eles. Te amam muito e se preocupam com você. Posso te garantir.

O olhar de Ricardo era repleto de ternura, intensidade e serenidade. Ele lhe passava uma segurança tão grande; começava a lhe ter confiança, mas ainda ficava meio tímida com sua presença.

-Está bem – assentiu e abaixou a cabeça – Pode… pode mandá-los entrar.

Enquanto ele se afastava para abrir a porta, ela suspirou para se encher de coragem.

São meus pais. Posso não me lembrar quem são, mas são meus pais, pensou consigo mesma. E pais amam seus filhos incondicionalmente.

Soube que sua insegurança era infundada assim que levantou os olhos e viu o rosto de uma mulher no umbral da porta ao lado de Ricardo. Não precisava ser adivinha para deduzir que aquela era sua mãe. Seu rosto exprimia emoção e lágrimas escorriam dele:

- Minha filha! – sem se conter, correu até Letícia, sentou-se na beira do colchão e a apertou num abraço forte – Princesinha da mamãe, você acordou! E está bem!

Ai! - Letícia não pôde reprimir um gemido de dor pelo abraço apertado. Ainda sentia dores pelo corpo

- Cuidado, Luciana! – alertou Ricardo, estendendo o braço, mas permanecendo no lugar.

- Oh, meu bem, me desculpe! - sua mãe separou a ambas levemente – O médico avisou… mas eu esqueci. – a expressão era de visível aflição e ela passava a mão no rosto e nos olhos para enxugar as lágrimas – Eu… a machuquei?

- Está… está tudo bem – respondeu Letícia um pouco confusa com o arrebato dessa mulher, mas ao, mesmo tempo, sorridente. Sua mãe parecia cheia de vida, amorosa, mais bonita e mais jovem do que esperava. O rosto oval e fino emoldurado por cabelos grandes e ondulados cor de mel, as feições harmoniosas e os olhos verdes, um pouco vermelhos devido ao choro. Era dela, com certeza, que tinha herdado a maior parte dos traços genéticos. Exalava uma leve fragrância agradável e trajava um conjunto azul claro de saia e camiseta – A senhora… que é minha mãe?

- Sim, meu bem, não se lembra de mim? - perguntou num tom ansioso, fungou o nariz, pegou as mãos de Letícia com cuidado e colocou-as sobre o rosto – Mamãe Luciana!

Antes que Letícia pudesse se manifestar, viu pelo canto dos olhos um homem se aproximar, inclinar-se atrás da mãe e colocar as mãos nos ombros dela como para contê-la:

- Querida, assim você vai assustá-la. Não se esqueça que o médico disse que nossa filha está sem memória.

Letícia ergueu a vista e olhou para o homem moreno claro, rosto quadrado, barba grisalha, sobrancelhas grossas e porte atlético que a fitava com expressão mais cautelosa. Ele também se vestia elegantemente com um terno preto e gravata da mesma cor. Apenas o olhar transmitia afeto mesclado com preocupação. Seu pai, com certeza. Pelos seus cálculos devido à sua idade e a que teria seu falecido irmão, supunha que o o homem deveria ter no mínimo uns cinquenta e seis anos, mas ele não aparentava mais de quarenta.

- Eu sei que nossa filha está sem memória, Marcos – a mulher desviou parcialmente o rosto para ele e esboçou um sorriso forçado – É por isso mesmo que estou tentando ajudar Letícia a se recordar de nós. E ele falou que a memória dela pode voltar até hoje.

- Ele não deu muita certeza.

- Ai, querido! Vira essa boca pra lá! – a expressão dela se alterou – Pensamento positivo!

- Tem razão – homem suspirou com impaciência e voltou a olhar para a filha

- Eu sempre tenho.

Letícia achou graça ao observar eles conversarem como se ela não estivesse presente. Detectou a afeição entre o casal naquela curta conversa, apesar da leve repreensão do pai.

- Desculpe… minha filha – foi a vez de Marcos se aproximar e abraçá-la, mas com mais cuidado, tocando-a levemente pelos ombros. Ela sentiu o cheiro de sua colônia suave, um cheiro bom; de pai. Ele se afastou para fitá-la, havia uma emoção incontida nos olhos e na voz – Sou Marcos, seu pai. Não sabe como ficamos felizes e aliviados por saber de sua recuperação... mesmo com sua amnésia.

- Er… oi, pai. - disse meio hesitante – Prazer.

- Querida, pra quê essa formalidade? É o seu pai! - replicou Luciana

- Eu…

- Dê um tempo a ela, Luciana – Marcos torceu a boca.

- Vou deixá-los a sós com Letícia - Ricardo ainda estava parado na porta. Letícia havia se esquecido de sua presença. As cabeças dos três se viraram para ele – Me chamem se precisarem de alguma coisa. Vou estar na sala de espera.

-Ah… obrigada, Ricardo – Luciana sorriu hesitante

- Muito obrigado, mas não precisamos de mais nada. - disse Marcos, por sua vez, num tom baixo, mas ríspido.

Luciana puxou a manga de seu paletó com olhar aflito, mas ele a ignorou. Letícia o olhou com estranheza, seu pai parecia tenso; em seguida, viu a expressão de Ricardo que se fechou; ele estreitou os olhos. Ao notar que ela o observava, abriu um sorriso forçado. Tornou a fitar o sogro e respondeu num tom de cordialidade falsa:

- Estarei lá de qualquer jeito – tornou a fitar a esposa, porém, a expressão se suavizou – Vai querer alguma coisa, Letícia?

-Não… obrigada – respondeu meio confusa.

- Então… com licença. - saiu com os olhos ainda fitos no dela e fechou a porta.

Letícia sentiu um clima estranho pairando no ar. Seus pais voltaram os rostos para ela, entretanto, notou a breve troca de olhares entre eles, um repreensivo por parte da mãe.

- Er… então, querida, não se lembra mesmo de nós? - tornou a mãe com sua eletricidade, como para dissipar a tensão deixada no ambiente – Do seu pai?

- Não, não lembro. Me desculpem.

- Tudo bem, filha – Marcos fez um carinho no queixo de Letícia para tranquilizá-la e depois se sentou na cadeira ao lado da cama – Não se sinta pressionada. Você vai se lembrar naturalmente.

- Me contem... me falem sobre minha infância... algum evento do meu passado – alternou o olhar entre ambos – Talvez me ajude a lembrar.

- Boa ideia, filha! – aprovou Luciana – O que quer saber?

- Er... Ricardo me contou que... – começou, mas se interrompeu, hesitante

- O que ele te contou? – insistiu Marcos com o semblante fechado

- Que eu... tinha um irmão, ele se chamava Sérgio, mas morreu – observou a reação dos pais. A mãe abaixou a cabeça; Marcos engoliu em seco. Arrependeu-se na hora de ter tocado no assunto – Desculpem.

- Não, tudo bem, querida. Você tem que saber se for para se lembrar –Luciana acariciou a mão da filha – Sim, é verdade. Seu irmão se chamava Sérgio e ele morreu há onze anos... num acidente de moto.

- E... como ele era?

- Era um ótimo rapaz – continuou o pai – Um bom filho, um bom estudante e estava seguindo meus passos na administração da minha empresa.

- O senhor... tem uma empresa?

- Tenho. De eletrodomésticos, a Velmont Empire.

- Somos ricos? – arregalou os olhos

Seus pais trocaram um olhar divertido e riram.

- Claro que somos, Letícia – Luciana estendeu a mão apontado a si mesma e a Marcos – Tanto seu pai como eu viemos de famílias de aristocratas da época de Dom Pedro II.  E pelo lado de seu avô paterno, filha, seu pai também é descendente de condes lá da França. O nome Velmont da empresa é seu sobrenome de família.

Letícia olhou para o pai e viu o orgulho estampado em seu rosto. Surpreendeu-se em descobrir que vinha de duas famílias de posses e até da nobreza, mas não se envaideceu por isso; o importante era saber que tinha pais e estavam juntos, embora não se lembrasse deles.

- E onde eu nasci? Aliás, onde estamos? Sei que estou no Brasil, mas não me lembro em que cidade.

- São Paulo – disse Luciana – Você nasceu aqui... e seu irmão também.

- Me contem mais sobre nossa família. Sobre vocês… e sobre mim.

E eles contaram. Letícia procurou reter o máximo de informações possíveis que lhe passavam.

Os nomes completos de seus pais eram Marcos Velmont Soares e Luciana de Sá Velmont. Ambos tinham cinquenta e cinco anos, embora aparentassem menos, especialmente Marcos. Estavam juntos há trinta e sete anos, casaram-se aos dezoito anos por Luciana ter engravidado, ela esperava por Sérgio. Apesar da pressa do matrimônio, afirmaram que sempre foram felizes e não se arrependiam, o que Letícia sentiu ser verdade por ver o brilho de amor e felicidade em seus olhos.

Da união deles, nasceu Sérgio e, dez anos depois, Letícia. Mesmo com uma grande diferença de idade, o irmão e ela eram muito unidos. Ele se formou em Administração e estava prestes a se casar, quando sofreu o acidente de moto, vítima da imprudência de um motorista bêbado.

Os pais contaram dois ou três episódios engraçados da infância e adolescência do filho e acabaram arrancando boas risadas de Letícia. Percebeu o quanto seu irmão foi amado e querido pelos pais e por ela, segundo eles. Desejou mais do que nunca se recordar de Sérgio.

Disseram-lhe que era formada em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica e atuava em uma ONG a qual uma amiga e ela fundaram.

- Qual nome dessa amiga? – indagou

- Laura Machado – respondeu a mãe – Vocês se conhecem desde a quarta série. Ela se tornou sua melhor amiga.

- Ela vem me visitar hoje?

- Ela veio algumas vezes quando você estava em estado mais grave – Marcos respondeu – Não pôde vê-la por seu estado crítico, o acesso era restrito apenas a mim, sua mãe… e a seu marido – a fisionomia do pai se anuviou ao se referir a Ricardo. - Mas vinha para nos dar apoio. Ela até tentou vir quando você foi transferida para o outro quarto, mas seu marido não permitiu.

- Como assim Ricardo não permitiu? - Letícia os fitou com estranheza – Eu… o médico me disse que as visitas estavam liberadas. - notou mais uma vez uma troca de olhares entre os pais – Pelo que entendi, antes eu não recebia outras visitas fora a de vocês e a dele.

- Você poderia receber visitas de pessoas mais próximas... e a Laura era uma delas, quase uma irmã para você. – seus olhos se estreitaram – Mas Ricardo não pensa assim.

Letícia olhou intrigada para o pai. Era evidente que havia uma hostilidade dele com Ricardo.

- Er… o que seu pai quis dizer...– acudiu Luciana lançando um olhar repreensivo ao esposo –… é que o médico sugeriu a Ricardo que talvez não fosse recomendável ainda liberar mais visitas, pelo menos por uns dois meses para ver se comprovavam se o seu estado se prolongaria – esboçou um sorriso bastante treinado no rosto – Seu marido concordou e achou melhor aceitar a sugestão.

- Exatamente… - Marcos suspirou e torceu a boca – Foi o que eu quis dizer.

Porém, Letícia tinha certeza de que era o contrário.

- Mas... com certeza ela vem amanhã. – Luciana pareceu se recompor – Hoje não, porque Ricardo avisou apenas a seu pai e a mim de sua recuperação e achou melhor que nesse primeiro dia o horário de visitas deveria ser apenas para nós... e ele.

- E... além da Laura, tenho outros amigos?

- Claro, meu bem, você é muito querida. O pessoal da ONG deve querer também te visitar amanhã.

- Se o seu maridinho não proibir... – Marcos não escondia seu desagrado com Ricardo

- Marcos... – Luciana o alertou entredentes.

Letícia não tinha dúvidas de que o pai não gostava de seu marido por algum motivo. Sua certeza se acentuou quando lhe perguntou:

- Como é o Ricardo? Que tipo de homem ele é?

- Vocês não conversaram? - retrucou Marcos – Pergunte a ele.

- Conversamos, mas não muito…  e eu queria saber de vocês.

O pai não respondeu, apenas virou o rosto, como se o assunto lhe incomodasse.

- Er... querido. Deixe-nos a sós – pediu Luciana – Talvez seja mais do meu departamento, sabe. Falar sobre o relacionamento amoroso da nossa filha.

Marcos deu de ombros e levantou-se.

- Tudo bem – disse com ar aborrecido – Você consegue fazer isso melhor do que eu. - abaixou-se e beijou o topo da cabeça de Letícia. – Tchau, filha. Depois conversamos mais.  - olhou-a com intensidade, quase uma angústia – Graças a Deus você se salvou e está melhor. Ou eu nunca me perdoaria.

Havia uma sombra de culpa na expressão do pai. Letícia ficava cada vez mais intrigada com ele.

- Vá querido. É melhor você ir – a mãe abria o sorriso o mais forçado possível como se quisesse disfarçar uma tensão – E aproveite para avisar Ricardo que estou indo antes que o horário de visitas acabe. Ele deve estar louco para ficar mais com a nossa filha.

Marcos não disse mais nada. Apenas olhou longamente para a esposa. Em seguida, despediu-se dela com um selinho.

- OK, fiquem bem vocês duas – afastava-se de costas em direção a porta. Apontou para Luciana e finalmente esboçou um sorriso leve – Cuidado para não enlouquecer nossa filha.

- Não se preocupe.

- Tchau... pai – Letícia acenou para ele junto com a mãe.

Marcos acenou de volta, abriu a porta e saiu.

- Muito bem, minha criança. Agora podemos conversar tudo o que quiser a respeito de seu marido – Luciana se voltou para a filha e segurou-lhe pelas mãos. – O que quer saber?

Havia um certo entusiasmo em seu semblante e voz, mas Letícia tinha a impressão de ser algo ensaiado. Bobagem. Talvez fosse outra paranoia. Começava a achar que devia ser mesmo uma de suas características. Porém, havia uma impressão evidente que não podia deixar passar:

- Antes me responda, mãe – começou ela – Meu pai... deu pra perceber que ele parece não se dar muito bem com o meu... com o Ricardo.

- Imagina, querida. É que... seu pai é assim mesmo – retrucou a mãe com semblante mais sereno e voz firme – Marcos está apenas aborrecido porque era ele quem devia ter passado a noite de ontem para hoje com você, mas seu marido insistiu muito em ficar. – desviou parcialmente o olhar – Ricardo às vezes é protetor demais e um pouco controlador e isso irrita Marcos. Os dois têm temperamentos fortes e parecidos, sabe? – ela sorriu – Mas se dão muito bem na maior parte das vezes... – deu de ombros – E Marcos costuma fazer uma tempestade num copo d’agua.

- É isso mesmo, mãe? – Letícia a olhou incrédula.

- Claro, minha filha – ela riu – Você parece o seu pai... meio cismada às vezes.

Letícia não detectou mais nenhuma hesitação na postura de sua mãe e suas palavras confirmavam o que suspeitava de si mesma, que era mesmo paranoica. Mesmo assim, havia uma sensação... Não, bobagem. Sua mãe não titubeou, parecia sincera.

- Certo – ela assentiu – Então... o que você pode me falar sobre o Ricardo e eu? Como éramos um com o outro? Aparentávamos ser um casal feliz?

- Claro – Luciana respondeu de imediato – Vocês são. E ele te ama... muito... mais do que deveria.

A última sentença soava mais como uma crítica do que propriamente um elogio, mas Letícia a ignorou. Um arrepio a percorreu por todo corpo ao se inteirar da intensidade do sentimento do marido.

- E... e o que ele faz? – procurou desviar o foco – Não tive muito tempo para lhe perguntar.

- Hum... Ricardo não faz... ele manda – Letícia arqueou a sobrancelha. Luciana sorria maliciosa – Ele é um bilionário... um dos homens mais ricos do Brasil, muito mais até que seu pai.

- Nossa! – Letícia abriu a boca e só depois lembrou de expirar o ar

- É muita informação pra você, né, querida?

- É – admitiu Letícia – E tão estranho não conseguir me lembrar.

- Não se preocupe, meu bem, você vai se lembrar. Vamos todos ajudá-la nisso – a mãe acariciou seu rosto – Confie na gente. Certo?

- Certo – esboçou um sorriso mais animado.

- Hum... acho melhor ir de uma vez porque senão o Ricardo não se despede de você

- Como assim? Ele não vai ficar?

- Não, hoje eu quem vou dormir aqui com você, é o meu turno. Podemos conversar mais sobre seu marido. – Luciana lhe sorriu –Vou te contar também vários episódios de infância e talvez você se lembre ainda hoje sobre sua vida.

- Tomara.

- Então daqui a pouco eu volto – ela se levantou e beijou a face da filha. Balançou o dedo em riste com um sorriso brincalhão – Não saia daí.

- Pode deixar. – Letícia sorriu em resposta.

Assim que Luciana a deixou sozinha, a cabeça de Letícia ficou martelando com tanta informação que havia recebido... ou presenciado. Podia não se lembrar de seus pais, mas tinha certeza que a amavam e eram bastante protetores, especialmente a mãe. Refletiu também sobre a hostilidade entre seu pai e seu marido, embora Luciana garantisse que fosse momentânea.

Ricardo abriu a porta e entrou. Letícia engoliu em seco ao se deparar com seus olhos intensos e profundos. Imediatamente veio à mente as palavras da mãe:

E ele te ama... muito... mais do que deveria.


Notas Finais


E então? O que acharam? Todo mundo misterioso, não.

Até a próxima


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