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História Perigosas Lembranças - Um mundo lá fora


Escrita por: jord73

Notas do Autor


Bem, mais um capítulo. Espero que gostem.

Capítulo 6 - Um mundo lá fora


Fanfic / Fanfiction Perigosas Lembranças - Um mundo lá fora

Chegou o dia da alta de Letícia, o quarto do seu despertar.

Por um lado, estava aliviada por seu corpo estar quase recuperado – ainda uma dor numa parte ou outra, mas nada que uma boa pomada e um analgésico não resolvessem –; por outro lado, estava apreensiva pelo momento de deixar o hospital e enfrentar o mundo que a esperava, um mundo do qual não se lembrava.

Não houve progresso na recuperação de sua memória. Realizou os exames com o doutor Tiago e mais testes, porém, sem nenhum avanço.

Os pais tentaram ajudar o mais que puderam relatando alguns fatos de sua infância e juventude, mostraram fotos dos vários álbuns de família, mas nada. Contudo, Letícia, por diversas vezes, notou espaços vazios em alguns desses álbuns, como se determinadas fotos houvessem sido retiradas, especialmente nos que retratavam acontecimentos em que ela era a protagonista, como seus aniversários, eventos e comemorações do colégio, festa de quinze anos...

E também evitavam determinados assuntos, especificamente sobre namorados, se teve algum antes de Ricardo – o que era provável, considerando que ela tinha mais de vinte anos, o curto período de namoro e o pouco tempo em que estavam casados.

- Não, ninguém muito especial – retrucou Luciana – Você não namorava durante muito tempo com alguém.

- Então... eu ficava com muitos rapazes? – Letícia se espantou, imaginando ser promíscua.

- Não, querida, não é isso – a mãe riu desdenhando a ideia – Você sempre foi garota de um homem só, como eu. Apenas... apenas era raro te ver com algum rapaz... e mesmo assim, ninguém... ninguém de quem você gostasse realmente. Você era mais focada nos estudos.

Luciana pareceu desconfortável ao fazer o último comentário. Por essa e outras, Letícia desconfiava que sua mãe mentia e ocultava fatos sobre sua vida amorosa, assim como seu pai. Sempre que lhe perguntava sobre algum provável “genro” antes de Ricardo, ele dava de ombros e dizia: “Pergunte à sua mãe, ela se lembra melhor do que eu”.

Será que teve alguma decepção a qual queriam poupá-la de se recordar?

Aliás, não apenas seus pais agiam desse modo, mas principalmente Ricardo.

Óbvio que não lhe fazia perguntas sobre seu histórico amoroso, duvidava que soubesse mais do que seus pais e, mesmo que fosse o caso, tinha consciência que a nenhum homem lhe agradaria falar de relações anteriores de sua esposa; havia perdido a memória, não a noção.

O que estranhava eram as evasivas sobre o próprio relacionamento deles. Toda vez que perguntava sobre o matrimônio, ele ficava tenso e respondia de modo vago como “Tivemos muitos momentos maravilhosos, difícil destacar algum” e logo mudava de assunto, perguntando sobre como ela havia passado o dia.

A atitude dele era mais estranha, pois os pais de Letícia pelo menos lhe relatavam algum fato, embora o fizessem como se editassem ou selecionassem o que contar; Ricardo parecia temer a menor indagação de sua parte fosse sobre o casamento ou outro evento qualquer.

Contudo, ele lhe fez duas concessões. A primeira foi mostrar o álbum da união deles.

- Não nos casamos na igreja? – ela se espantou ao observar que não havia fotos de nenhum templo ou catedral e se ver numa fotografia com apenas um vestido elegante, mas não próprio para uma noiva.

- Não... como resolvemos nos casar rápido... não houve tempo para cuidar de maiores detalhes. Casamos no jardim da minha... da nossa mansão com um juiz.

Ele o declarou e, mais uma vez, Letícia notou sua tensão e desconforto em comentar.

Ela tornou a olhar a foto com atenção: o vestido era creme num estilo tomara-que-caia, longo e elegante; seu penteado bem elaborado, um coque no alto da cabeça sem um único fio solto; usava brincos longos, pareciam diamantes; estava devidamente maquiada e carregava um buquê de flores brancas. No entanto, a fisionomia não combinava de modo algum com o conjunto; sorria, era verdade, mas um sorriso tão imperceptível, tão falso, que se notava uma tristeza.

Espantou-se. Como poderia estar triste num dia em que deveria ser o mais feliz de sua vida?

Olhou as outras fotos em que aparecia ao lado do marido; este mostrava o semblante mais aberto, evidenciando sua felicidade, contrastando com o falso sorriso que ela emulava e, em uma ou outra foto, a falta do mesmo.

Aquilo a perturbou. Não fitava seu marido ao folhear o álbum, embora estivesse ciente do olhar sobre ela, como se esperasse alguma reação ou manifestação sua. Será que ele tinha a mesma percepção de sua fisionomia nas fotos? Não teve coragem de lhe perguntar.

Letícia viu outras fotos em que não aparecia, para disfarçar sua inquietação. Algumas mostravam o jardim da casa bem como a decoração; outras, seus pais (Marcos também não sorria, mas não lhe chocou tanto) e vários convidados cujos rostos não reconhecia. Não se animou a lhe indagar sobre os diferentes rostos, mas duas mulheres lhe chamaram a atenção, uma delas reconheceu de várias fotos dos álbuns que os pais lhe mostraram:

- Laura.

Apontou uma foto que destacava a si mesma e, posando ao seu lado, uma mulher de aspecto jovem, cabelos loiros, grandes e ondulados, que também trajava um vestido longo azul. Laura mantinha um sorriso imperceptível, mais aberto que o seu... embora forçado. Ricardo observou a imagem por uns momentos com expressão sombria:

- É... foi sua madrinha de casamento.

A curiosidade e a vontade de conhecê-la só aumentavam. Laura não foi visitá-la e nem poderia; Ricardo comentou – e foi confirmado por seus pais – que, infelizmente, ela havia viajado para o Rio no dia de sua recuperação, a fim de tratar de questões administrativas da filial da Girassol e ficaria por lá pelo menos uma semana.

Letícia lamentou, contudo, pôde falar com essa amiga duas vezes pelo celular que seu marido lhe trouxe. Laura quem lhe telefonou e, embora não houvessem conversado muito (o que teria a lhe dizer se não havia lembrança de evento algum?), pôde detectar um tom caloroso e feliz na voz da amiga ao tomar conhecimento de sua recuperação.

A princípio, detectou uma nota de constrangimento na voz de Laura na primeira conversa, mas logo se dissipou. E o pouco que se falaram foi o suficiente para Letícia sentir a espontaneidade e o companheirismo entre elas.

- Assim que eu resolver os assuntos aqui da ONG, irei vê-la – garantiu Laura no primeiro telefonema que lhe fez – Devem ter lhe contado que temos uma ONG.

- Sim – confirmou Letícia – Me contaram dos projetos... e também li numa revista especializada.

- Pois é... e como foi inaugurada essa filial da Girassol há pouco tempo aqui no Rio, eu tenho que orientar a equipe de coordenação de tempos em tempos.

- Espero recuperar minha memória logo para te ajudar nisso – Letícia suspirou – Deve estar sendo uma carga pesada nos seus ombros.

- Não se preocupe, amiga... estou recebendo grande ajuda de uma equipe competente que formamos – fez uma pausa prolongada, que Letícia quase chegou a pensar que a chamada havia caído, a não ser pelo som de um suspiro de Laura – E... não tenha pressa em se lembrar, apenas fique bem.

Letícia estranhou tal recomendação, quase igual a de Ricardo. E a conversa fluiu descontraída até terminar numa promessa de Laura visitá-la assim que retornasse a São Paulo.

Naquele momento em que via mais uma foto de sua amiga, ansiou mais do que nunca em revê-la... e tentar reconhecê-la. Talvez ela pudesse lhe responder com mais propriedade sobre assuntos mais íntimos, como sua vida amorosa antes e depois de Ricardo, o que claramente tanto ele como seus pais se esquivavam de responder.

A outra mulher que aparecia em duas fotos – uma entre Letícia e o marido, e outra somente ao lado de Ricardo – foi apontada também. Era magra e bela, de cabelos curtos e castanho escuro. Trajava um vestido de alças de cor preta.

- E quem é essa? – indagou Letícia

- Essa é a Patrícia Andrade – o rosto de Ricardo se suavizou – Uma grande amiga minha desde a época que cursei a faculdade.

Letícia detectou um vestígio de afeto na voz de Ricardo ao contar o fato e incomodou-se, mas procurou ignorar. Ela apenas assentiu.

A segunda concessão dele foi lhe mostrar cinco fotos de um tempo mais distante:  ela quando criança, seu irmão Sérgio adolescente e o próprio Ricardo, também um adolescente sem nenhum fio de barba no rosto. Fotos separadas de cada um e duas com o trio junto.

Ela havia visto seu irmão em outras fotos dos álbuns mostrados pelos pais. Os últimos retratos antes do acidente que o vitimou, mostravam Sérgio numa postura mais confiante; um homem atlético, bem-apessoado e bonito, com seus cabelos curtos e pretos e os olhos verdes, tais como os dela, herdados da mãe. Contudo, os primeiros que retratavam sua infância e juventude revelavam um jovem inseguro e desengonçado, que usava óculos, numa postura de nerd, como os que Ricardo lhe mostrava.

- Estávamos sempre juntos? – ela lhe perguntou.

- Éramos como unha e carne – retrucou ele com semblante relaxado e não parecendo desconfortável ao lhe fazer tal revelação – Apesar da diferença de idade, vocês dois se davam muito bem. Ele lhe protegia, você era como um raio de sol na vida dele... e é claro, eu também compartilhava do mesmo sentimento. – fitou-a com ternura e carinho que a fizeram enrubescer – Ele foi meu melhor amigo, talvez o único amigo de verdade que eu tive.

- Pelo jeito que você fala... até parece que era um antissocial.

- Na verdade... eu era... e não fazia a menor questão de ser o contrário – disse com expressão carregada – O preço de alguém com meu nome e filho de um... – súbito, ele se interrompeu, dando-se conta de que havia revelado muito sobre si

- Um o quê? – Letícia o olhou intrigada

- Bobagem. Nada que mereça ser lembrado – despistou com um sorriso forçado e voltou a olhar para as fotos nas mãos de Letícia – O fato é que vocês dois foram as primeiras pessoas com quem me abri de verdade... Vocês eram mais do que simples amigos... eram como irmãos para mim. Eu sou filho único, mas sempre senti a falta de um irmão ou uma irmã. Vocês supriam essa minha carência.

- Então... eu era como uma irmã para você?

- Nessa época, sim. Você era minha irmãzinha querida que eu desejava proteger assim como o Sérgio fazia.

- E... o que mudou? – indagou ela sem se conter, embora meio acanhada – O que fez você passar a me enxergar... de outra forma?

- Eu fui embora, tive que ir... e com o tempo, perdi o contato com vocês durante anos – ele a fitou profundamente, com uma nota de pesar na voz – E quando a reencontrei, você havia crescido... e se tornado uma mulher linda, sensual, espontânea, decidida, cheia de vida... e calor humano – Letícia desviou os olhos, o rosto pegando fogo pela intensidade crescente que via nos dele – Meu sentimento por você não só mudou, como se intensificou com todo o carinho que já lhe tinha.

Letícia engoliu em seco e não mais lhe fez perguntas a respeito, nem sobre a relação dele com Sérgio e ela. Talvez em outra hora em que seu coração não se descompassasse.

Fora esses dois momentos, Ricardo não lhe revelou mais nada sobre o próprio passado ou o dela. Aliás, ele evitava falar de si mesmo e, nas poucas vezes em que o fazia, sempre que por descuido introduzia algum assunto que evocasse as próprias lembranças, logo se interrompia brusco.

Ela não lhe perguntava, intimidada por seu ar reservado e também porque em parte o sabia pela mãe; deduziu que devia ser muito doloroso para ele.

Luciana, como havia prometido, conversou com ela sobre Ricardo e revelou-lhe certas passagens de sua vida, ou o que se sabia.

Era filho do grande magnata Otávio Fontes Guerra, um sujeito que veio praticamente do nada, mas com uma mente brilhante e visionária e uma vontade de ferro para vencer. Desde a adolescência, era inovador e construiu ao longo das décadas a Dell Fontes, um império atuante em vários ramos da indústria que ia do têxtil ao tecnológico.

Era um amante de carros e de mulheres, sempre figurando na coluna social com um modelo de veículo diferente e uma nova conquista. Contudo, ao completar quarenta anos, casou-se com uma jovem vinte anos mais nova, uma que foi miss Brasil um ano antes do enlace. Da união, nasceu Ricardo, único filho do casal.

O casamento, porém, foi conturbado, segundo o que se noticiava. Alguns diziam que era devido às constantes traições de Otávio aliado ao ciúme doentio pela esposa e a bebedeira; dizia-se até que batia nela. Tal situação durou por seis anos quando o casal se separou. Na verdade, segundo palavras de Luciana, a mãe de Ricardo abandonou a ele e ao marido sem deixar rastros de seu paradeiro.

O jovem Ricardo cresceu, pois sob os cuidados paternos. Os professores o classificavam como um gênio nos estudos desde criança; porém, em matéria de disciplina, era um desordeiro, não respeitava autoridade em sala de aula e metia-se em brigas com vários colegas de classe; não era expulso graças à fortuna e influência do pai.

Por volta dos quinze anos, seu comportamento na escola melhorou tanto com os professores quanto com os outros colegas – talvez por influência da amizade que começou a ter com Sérgio –, embora continuasse a ser um jovem reservado e não muito sociável.

Depois de formado no colégio, acabou por estudar na Universidade de Princeton nos Estados Unidos. De volta ao Brasil, após se graduar em Gestão e Negócios, assumiu uma das empresas do pai, situada em Porto Alegre e, em seguida, por demonstrar grande habilidade e criatividade na área, assumiu mais outra, que ficava no Rio. E quando seu pai faleceu, Ricardo herdou toda sua fortuna e responsabilidades, vindo a se transferir de vez para a cidade de São Paulo, onde ficava a matriz de todo o império de Otávio.

Fazia quatro anos que comandava a Dell Fontes, tendo ampliado o alcance dos negócios. Muitos duvidaram que fosse ser capaz de manter o patrimônio do pai ou mesmo superá-lo, por mais brilhante que fosse e do mesmo sangue que Otávio Fontes Guerra. No entanto, Ricardo calou a boca de todos ao realizar tal façanha e mostrar que era muito mais do que um simples herdeiro ou uma sombra do pai: era mais inovador e dinâmico.

Sobre a vida pessoal do novo bilionário, pouco se sabia. Não era do tipo mulherengo, como foi Otávio até o último instante de sua vida, mesmo passando dos setenta. Tampouco Ricardo era um monge; era raro vê-lo sozinho. Sempre desfilava com alguma companhia feminina e seus relacionamentos não ultrapassavam seis meses de duração.  Contudo, parecia um homem mais constante e fiel, ao contrário de seu pai, antes e depois de se casar.

Foram essas informações que Luciana lhe passou do que sabia, comentava-se na sociedade e mais outras que Letícia colheu por meio de quatro revistas que a mãe lhe trouxe: três do ramo empresarial destacando sempre Ricardo como o magnata do ano; e a outra, um perfil de uma revista feminina de elite sobre os grandes partidos da atualidade, nela se destacava seu marido. Na verdade, era um perfil antigo, de dois anos antes de seu casamento com Ricardo; trazia informações sobre seus hobbies e preferências. A jovem achou interessante guardar tais informações, caso se resolvesse a morar com ele.

Além dessas revistas, a mãe também lhe trouxe a Revista Caras destacando seu matrimônio como “o casamento do ano” e mostrando a maioria das fotos que viu em seu álbum e outras capturadas pelo próprio fotógrafo da publicação. Letícia achou bastante estranho se ver em destaque numa revista de circulação nacional, principalmente por aquelas fotos perturbadoras que ostentavam sua fisionomia nada feliz.

Ou talvez fosse impressão sua, talvez estivesse sendo exigente com a própria aparência nas imagens. Não. Não era tão paranoica assim e nem cega. Por outro lado, talvez houvesse outra explicação para seu semblante tristonho. Poderia estar indisposta ou simplesmente nervosa, tímida, algo do tipo. Mas se recusava a admitir tristeza num evento marcante de sua vida como aquele.

E agora entendia ou achava que entendia aquela tristeza que via nos olhos de seu marido: um homem solitário e fechado em si mesmo, marcado pelo abandono da mãe e talvez com uma relação difícil com o pai, agora falecido. Tal perfil que julgou traçar do marido serviu mais ainda para se enternecer por ele e querer mais do que nunca recuperar a memória e ser uma esposa dedicada e amorosa que o compensasse de qualquer decepção ou mágoa do passado.

- 0 –

Letícia voltava de um passeio pelo jardim do hospital, um lugar amplo e bem cuidado. Sua mãe havia ido há pouco com a promessa de retornar mais tarde como sempre o fazia.

O corpo de Letícia já não doía tanto e podia circular pelo hospital. Estava apreensiva para sair do único local que reconhecia e afastar-se daqueles – fora seus pais e Ricardo – com os quais se habituou naqueles poucos dias: o doutor Rafael, o doutor Tiago, a enfermeira Solange e cinco outras mulheres pacientes com quem travou amizade.

A exceção parecia ser a enfermeira Vânia. Por mais que a mulher se mostrasse solícita, Letícia não se enganava, a tal não gostava dela.

Por que razão? Aparentemente nenhuma. Talvez inveja, apesar de que não atinava para o quê.

Sua beleza? Letícia nem se achava tão bonita assim e menos ainda por estar internada, metida naquela roupa horrível de hospital. Se bem que não somente Ricardo, mas vários homens, pacientes e visitantes, demorassem seus olhares sobre ela ao circular por aí. Até mesmo o doutor Tiago não conseguia disfarçar seu fascínio.

Em sua opinião, a tal Vânia era uma mulher linda e um corpo escultural, mesmo metida em seu uniforme de trabalho: os cabelos longos, lisos e pretos, a pele num tom moreno invejável e traços delicados. Lembrava uma Juliana Paes.

Letícia sorriu. Que ironia! Era capaz de recordar de uma pessoa famosa que não conhecia pessoalmente para uma simples comparação com alguém que nem lhe era caro, ao invés de se lembrar de pessoas próximas a ela.

Os pensamentos voltaram à figura da enfermeira. Escutou comentários de que ela atraía bastantes olhares masculinos. Então por que sentir inveja se fosse por beleza? Se bem que mulheres não gostam de concorrência quanto aos seus atributos físicos.

Talvez fosse por Letícia ser uma mulher rica, casada com alguém mais rico ainda.

Também poderia ser por ter um marido rico, lindo, atencioso... e gostoso.

A última qualidade que atribuiu a Ricardo fê-la enrubescer.

Seja qual fosse o motivo, sentia a hostilidade disfarçada de Vânia e, por isso, não gostava muito de estar perto dela e ter que aturar seus cuidados; nesse ponto seria bom sair do hospital.

Eram nessas reflexões em que estava mergulhada quando voltou ao seu leito. Doutor Rafael se encontrava lá com um prontuário nas mãos e um sorriso otimista; ao seu lado, a enfermeira Vânia.

Por falar no diabo, Letícia apenas o declarou em pensamento, contudo, emulou um sorriso tão falso como o da outra e dirigiu um mais genuíno ao médico.

- Como vai, Letícia? – ele a cumprimentou – Bom o passeio?

- Sim, doutor. Eles são sempre bons ainda mais num jardim lindo como esse. – acomodou-se na poltrona. Como havia visto Vânia antes de sair, não precisou cumprimentá-la outra vez. Limitou-se apenas a encarar o médico – Alguma novidade sobre o meu estado?

- Sim, trago boas notícias. Os resultados dos seus exames indicam que você está em perfeitas condições físicas. Significa que poderei lhe dar alta.

- A... agora? – apavorou-se.

Deveria ficar feliz, mas ainda estava insegura sobre a vida que a aguardava lá fora

- Não, lá pelas quatro da tarde. Seu marido e seus pais estarão aqui e então receberão a notícia. É melhor avisar a seu marido para trazer alguma roupa.

- Ahm... claro... obrigada, doutor.

- Bem... aproveite mais da nossa hospitalidade antes de nos deixar – ele abriu mais o sorriso que ela correspondeu sem entusiasmo – Até mais tarde.

E saiu seguido da enfermeira. Letícia olhou para baixo com desânimo.

Droga! O que queria? Ficar ali para sempre entre estranhos? Tinha uma vida, pais, amigos... e marido. Igualmente estranhos.

Calma, Letícia, calma. Você não está sozinha e nem desamparada. E nem é uma criança.

Não era, mas se sentia como uma, amedrontada e insegura. E indecisa. Ainda não sabia se devia morar com os pais ou com seu marido. O mais lógico seria a segunda opção, mas suava só de pensar em conviver na mesma casa, sozinha com ele. 

Mas se decidir voltar para nossa casa... claro que... você terá um quarto separado para você. Você não tem que se preocupar, Letícia. Jamais a forçarei a nada..

 

Tinha certeza disso, havia firmeza nas palavras dele. Porém, não mudava o fato de que saberia o tempo todo que ele a desejava, que já a havia visto nua... e tocado em todas as partes de seu corpo. Só de imaginar, ficava atordoada e assustada.

Desnorteava-se com as emoções e desejo que lia nos olhos de Ricardo e com as próprias sensações que ele lhe provocava com um simples olhar, toque ou elogio. Ela era como uma adolescente virgem e insegura com as transformações do próprio corpo e com o homem que lhe despertava desejos incapazes de lidar.

Na casa dos pais, sentir-se-ia mais confortável e até seria mais fácil de lidar com o que quer que começava a sentir por Ricardo. Porém, tinha a certeza que causaria uma grande tristeza ao marido, mesmo que lhe dissesse o contrário apenas para não a pressionar. Ele era um cavalheiro sem dúvida, mas não significava que não se entristeceria com seu afastamento.  E ela queria tanto tirar aquela tristeza que via nele e aproximar-se novamente.

Ah! Estava tão confusa! Queria e, ao mesmo tempo, não queria estar perto de Ricardo. Como um homem podia lhe causar tamanha contradição?

De qualquer jeito, Letícia resolveu ligar para ele a fim de lhe dar a notícia. Pegou o smartphone que guardava no armário do quarto e voltou a se sentar na poltrona. Observou o aparelho; não havia feito nenhuma ligação até então; Laura que lhe telefonou duas vezes.

Quando Ricardo lhe entregou o dispositivo, havia avisado que era novo, pois o outro havia se quebrado durante o acidente. Portanto, os únicos números que ele próprio adicionou no atual smartphone foram os dos dois Iphones dele, um do telefone direto do escritório da multinacional que comandava, os da secretária do lugar, o da mansão em que viviam, os dos pais dela e da mansão deles, o do escritório particular da empresa de Marcos e o de Laura.

Seu marido lhe explicou como se usava, talvez no caso de seu cérebro não ter retido tal conhecimento, mas ela não teve problemas em lidar com o aparelho. E ao selecionar os contatos, clicou nos dois números de Ricardo, ambos estavam desligados; talvez ele estivesse ocupado. Ficou na dúvida se ligava ou não para a empresa, até que se decidiu por deixar um recado caso não pudesse atendê-la. O telefone direto de sua sala não atendeu como imaginou, então ligou para a secretária.

- Empresas Dell Fontes, Bianca, bom dia. – uma voz suave e educada respondeu do outro lado da linha.

- Er... bom dia... Bianca. Quem fala é Letícia... a esposa de Ricardo, eu...

- Oh, bom dia, dona Letícia! – a voz da secretária se animou mais ainda – Seu Ricardo comunicou que a senhora se recuperou e passa muito bem. Todos da empresa ficaram felizes em saber.

- Ah... obrigada. – estava pouco à vontade com a informação. Nem sequer se lembrava da tal secretária – Bianca, meu... o Ricardo está?

- Ele está numa reunião, mas vou chamá-lo.

- Ah, não... não. Eu não quero interromper, só quero deixar um recado.

- De maneira nenhuma, dona Letícia. Ele me ordenou claramente que o chamasse caso a senhora telefonasse, não importava se estivesse no fechamento de um grande negócio.

- Bianca... er, não precisa, eu...

- Prometo que será num instante. Aguarde um momento na linha, por favor.

- Ah... está bem.

Letícia esperou. Um nó se formou em sua garganta ao se dar conta da importância que Ricardo lhe atribuía a ponto de não se incomodar em ser interrompido mesmo no meio de grandes transações.

- Letícia? – a voz ansiosa de Ricardo se anunciou após alguns minutos

- Oi, Ricardo... desculpe te ligar e interromper sua reunião.... er... – se ele pudesse lhe enxergar veria seu rosto queimando de vergonha

- Imagina... é um prazer escutar o som de sua voz logo pela manhã – disse sem rodeios.

- Nossa... er... obrigada. – prendeu a respiração por um segundo antes de responder – Eu... tentei ligar para seus celulares, mas estavam desligados.

- É que várias pessoas também me procuram pelo celular, então tenho que desligar... ou não consigo fechar negócios – ela detectou uma nota brincalhona em sua voz. Sorriu e ficou mais relaxada – Mas para minha secretária, ordenei que se fosse você, me passasse imediatamente a ligação ou eu a despediria.

- Que isso, Ricardo! – Letícia riu, imaginando se tratar de uma brincadeira

- Sério – respondeu ele num tom firme. Ela teve dúvidas se deveria acreditar ou não, mas limitou-se a ficar calada. Súbito, não conseguia articular palavras. Um longo silêncio se fez. Ela só escutava o som da respiração dele – Letícia?

- Ah... o quê? – despertou confusa

- Eu não sei... Pode me falar o que quiser. Foi para isso que ligou, não é? Para conversarmos. – havia um tom brincalhão em sua voz – Ou também foi para escutar apenas o som da minha voz?

- Ah... não, claro que não – ela se desconcertou. Escutou o riso dele. Sabia que a estava deixando sem jeito – Eu... queria te avisar que o médico vai me dar alta hoje.

- Vai? – súbito, ele ficou mais sério – Agora?

- Não, lá pelas quatro.

- E você está me ligando apenas para me avisar ou para que eu leve alguma roupa para você?

Silêncio. Entendia a implicação da pergunta. Questionava-a se voltaria com ele para a mansão em que moravam ou não. E ela ainda não havia resolvido.

- Eu... sim, vou voltar pra nossa casa com você – viu-se respondendo. Escutou um leve suspiro dele, como se fosse de alívio – É o certo... você é meu marido.

- Tem certeza? Eu... não quero que se sinta obrigada – ele queria ser gentil e não pressioná-la, mas podia detectar a ansiedade e a alegria em sua voz – Vou entender se... preferir ficar com seus pais.

- Não, eu quero mesmo voltar para nossa casa – falou mais decidida – Se é para lembrar de quem eu era, o mais lógico é tentar retomar a minha rotina de antes do acidente.

- Claro... se é o quer. – Ricardo mal disfarçava a alegria na voz

- Mas... caso eu não me lembre, eu... – calou-se por um segundo. Envergonhava-a falar da intimidade entre eles, mas precisava – Eu... quero que tenha paciência comigo... eu... não poderei ser sua esposa ainda... vou precisar de tempo.

- Não se preocupe, Letícia... eu... sei disso... e realmente não me importo. Como eu disse, só quero que você esteja bem... e feliz. E só o fato de estar ao meu lado vai me deixar muito feliz.

Letícia não retrucou. Não sabia como responder a tamanha manifestação de amor. Sim, porque cada vez mais se convencia de que Ricardo a amava.

- Bem... então é isso. – foi tudo o que conseguiu dizer – Eu... esperarei por você.

- Não esperará muito, eu lhe garanto. – ele não se continha. Parecia uma criança que havia recebido a notícia de que ia para a Disneylândia – Muito obrigado, Letícia.

- Que isso... sou eu que tenho que te agradecer por estar a meu lado... desde que acordei... não... desde antes.

- Verdadeiros maridos fazem isso por suas esposas.

Nova pausa prolongada.

- Er... até mais tarde – foi ela quem quebrou o silêncio

- Até...minha querida.

Estremeceu por ouvi-lo chama-la novamente de “querida”, mas não disse mais nada e desligou. Soltou um longo e profundo suspiro. Colocou o celular em cima da pequena mesa.

Agora não havia mais volta, era definitiva sua decisão. Regressaria à casa com seu marido. Um tremor acompanhado de calor a percorreu só de imaginar estar tão próxima a ele. E sozinha.

Fechou os olhos para acalmar as batidas do coração. Quando os abriu, viu uma moça de uniforme parada na porta e segurando a maçaneta com uma mão. Mas não era uma enfermeira.

- Desculpe, devia ter batido. – disse ela sem graça – É que sou recepcionista e nova no trabalho... e às vezes minha ansiedade me atrapalha.

- Não, tudo bem. Pode entrar. – respondeu Letícia. – Qual o seu nome?

- Evelyn. – a moça entrou e apresentou com a outra mão um ramalhete de flores brancas com pequenas manchinhas nas pétalas – É que mandaram entregar para a senhora. Quer recebê-las?

- Quem as mandou? Foi meu marido? – indagou, embora duvidasse já que havia acabado de conversar com ele por telefone. A não ser que houvesse mandado antes como uma surpresa – Tem algum cartão?

- Eu não sei... o boy apenas me avisou que disseram que era da ONG Girassol

- Ah, certo... deve ser do pessoal de lá. Eu as recebo sim. – Letícia se levantou e tomou o ramalhete das mãos da jovem – Obrigada, Evelyn.

- Eu é que agradeço.

A moça saiu e fechou a porta. Letícia olhou um momento para as flores. Eram muito bonitas. Tentou puxar da memória de que tipo eram, mas desistiu. Procurou por um cartão e encontrou um envelope branco no meio do buquê. De um lado não havia nada, mas do outro havia um nome escrito numa caligrafia bonita em letra de forma.

DANIEL RIBEIRO 


Notas Finais


E aí? Ficaram curiosas? Quem será esse tal Daniel Ribeiro? Alguém mesmo da ONG? Um amigo? Parente?

Sobre a tal enfermeira Vânia, devem ter ficado intrigadas do motivo de ela não gostar da Letícia. Bem, isso só será esclarecido em uma segunda parte da fic.

Sei que disse que neste capítulo a Letícia finalmente voltaria para casa, mas não deu porque ficou grande. Mas no outro, como ela se resolveu, vamos começar a vê-la em seu cotidiano com o maridão e garanto que vão ter momentos de tensão sexual, rsrsrs...

Sei que estão doidas para um beijo e para a pegação geral entre eles, mas sejam pacientes porque a história pede um ritmo um pouco mais lento até essa hora, mas a demora compensará. Para quem acompanha outra fic minha "O Momento do Amor" já viu que minhas cenas de sexo são bem detalhadas e picantes, assim como em outras fics e esta não será exceção. Aliás, creio que vai ser mais picante ainda. Preparem-se!

Enfim, até a próxima.


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