História Personal Soldier - Onde você está?

POV MARIE

Os olhos de Pyro flamejavam muito próximos das chamas que subiam de suas mãos. As piores intenções estavam claras neles. Eu não tinha ideia de como ele tinha entrado no meu quarto com tanta facilidade.

Ele colocou o dedo indicador nos lábios exigindo que eu fizesse silencio. O suor escorreu pelas minhas têmporas. Não sei se pela ameaça ou pelo calor. Lembrei-me de ter deixado a sacada aberta. Não teria sido difícil de todo escalar e entrar. Engoli seco. O que ele poderia querer ali? Roubar?

– Eu e você vamos dar um passeio, bonitinha.

Fiz menção de responder e ele me impediu. Fortemente agarrou meu braço, me conduziu para a porta e depois de ouvir atentamente se alguém estava ali, abriu-a. O corredor vazio e escuro me fez lamentar. Descemos as escadas e eu tentava pensar num modo de acabar com aquela situação. Pyro não valia nada, mas seria capaz de me machucar de verdade? Se eu gritasse alguém com certeza ouvia. Logan muito provavelmente. Seus sentidos vão muito alem do normal.

– O que você quer afinal Pyro? – Sussurrei tentando arrancar algo dele.

– Se você dar mais um pio eu queimo sua cara vadia! – Me ameaçou entre os dentes e fez com que o fogo dançasse muito perto das maças do meu rosto. Senti meus olhos arderem. Ele estava determinado.

Alcançamos a porta da frente e novamente eu lamentei mentalmente. Alguns adolescentes sempre burlam o toque de recolher. Logo hoje resolveram respeitar a regra?

– Pra onde estamos indo? – Perguntei ficando ainda mais aflita.

– Já disse que vamos dar um passeio.

Com ainda mais brutalidade ele me empurrou pelo jardim. Não teria jeito. Pyro estava me levando debaixo de ameaças para um lugar qualquer com o pior dos objetivos. Eu teria que me arriscar.

Gritei.

Ele ficou furioso. Novamente me ameaçou com o fogo. Olhei para trás. Nenhum sinal de luz acesa ou movimento na casa. Ninguém tinha ouvido.

Gritei novamente.

Dessa vez Pyro não ficou só na ameaça. Senti minha perna direita vacilar. Encarei-a e minha carne cintilava em vermelho. A dor cortou meu corpo. Ele tinha mesmo feito aquilo? O ardor me fez querer chorar. Segurei me em uma arvore e tentei colocar minha mão no local. Doía demais. Irritado Pyro me golpeou. Não vi se usou algum objeto ou só a força de seus punhos. Senti minhas vistas se escurecendo e minha coxa latejando. Desajeitada fui parar no ombro de Pyro que me carregou através da floresta escura.

Ao abrir meus olhos novamente me deparei com a figura radiante do mutante. Não parecia o cara nervoso dos momentos anteriores. Olhei ao meu redor. O rapto tinha dado certo. Esse era o motivo da expressão satisfeita dele. Eu pedi por ajuda e ninguém ouviu. Logan não me ouviu.

Não conseguia saber qual parte do meu corpo doía mais. A coxa queimada ou a cabeça golpeada. Uma disputa trágica.

Tentei me mover e só então percebi que estava amarrada a uma cadeira. Observei melhor o lugar imundo. Um rato passeou num canto do cômodo e saiu por um buraco na parede. O fedor de mofo e fumaça misturavam-se me deixando enojada.

Procurei por uma saída. Uma janela mediana na outra extremidade do cômodo e uma porta caindo aos pedaços. Provavelmente ele tinha me trancado por outra parte daquele lugar.

Pela janela eu conseguia ver o topo de um prédio. Um letreiro de um hotel barato ao longe. Eu não conhecia aquele lugar. Não fazia idéia de onde estava.

O encarei sentido toda a raiva do mundo. Qual o objetivo daquilo?

– Isso ai vai ficar bem feio Vampira. – Me avisou apontando para a queimadura.

Respirei fundo com a pontada de dor maior que percorreu toda minha perna. A dor latejante e o ardor não passariam tão cedo. E com toda certeza eu ficaria com uma cicatriz enorme.

– Mais feio que a sua cara não ficará. Ainda bem. – Despejei minha acidez nele.

Meu relacionamento com Pyro foi de regular para péssimo depois de tudo que ele fez. Se aliar com Magneto, lutar contra humanos indefesos, ter parcela de culpa na morte de Jean... Bobby e Ororo foram os únicos ingênuos o bastante para acreditar nele. Ele nunca me convenceu. Na sua tentativa de se juntar a nós novamente eu não depositei um pingo de confiança. Por alguns dias ele se comportou como “Madalena arrependida”, entretanto, rapidamente colocou as garras para fora e aprontou algumas besteiras. Como alguém sem caráter poderia ser um X-men? Nunca daria certo. Quando ele finalmente parou de tentar fingir o que não era eu fiquei aliviada. O sumiço dele estava bom demais pra ser verdade. Eu deveria sentir pena pelas condições em que ele vivia ali. Mas não senti. Ele meio que merecia.

Depois de me encarar um pouco Pyro riu sarcástico.

– Olha quem fala... Nunca entendi o que Bobby viu em você. Tantas estudantes mais bonitas, mais divertidas e principalmente, que podiam transar.

Aquilo até poderia me atingir há um tempo, porém, não tinha nada a ver com quem eu era naquele momento.

– Eu fico aliviada que nenhuma dessas estudantes transou com você. Seria vergonhoso. – Tentei devolver as ofensas. E pela expressão desgostosa dele, tinha dado certo. – O que você quer afinal? Dinheiro? Uma boa quantia para me libertar? Ororo não vai simplesmente ceder as suas vontades. Ela vai arranjar um jeito de vir aqui e chutar o seu traseiro Pyro. Você a conhece.

Novamente ele riu.

– Eu conheço a coroa sim. Justamente por isso não quero problemas com ela. Meu problema é com seu namoradinho. – Fiquei sem entender. O que Pyro tinha contra Logan? Tiveram tão pouco contato. Aliás, como ele poderia saber que eu e Logan éramos “namoradinhos”? – Estou louco pra que o idiota do Bobby venha te salvar.

Eu não sabia se ria com a estupidez de Pyro ou chorava pela situação ridícula. Eu e Bobby já não éramos um casal há tempos! Ele estava atrasado. Inclusive, um dos motivos das nossas ultimas discussões como casal era Pyro. Bobby acreditando feito idiota em redenção e eu insistindo que não havia jeito. Dias depois que Pyro desistiu do Instituto, Bobby também desistiu de mim.

– Bobby? Desculpe te desapontar Pyro, mas eu e Bobby não somos mais um casal. Faz bastante tempo alias. – Agora Pyro é que estava confuso. Claramente seu castelinho de areia havia desmoronado. – Você sequestrou a garota errada.

– Deixe de ser mentirosa! Vi vocês no jardim esses dias. Se abraçando...

Então aquela sensação estranha que Bobby e eu sentimos eram os olhos vingativos de Pyro nos observando. Devíamos ter dado importância ao pressentimento. Vasculhar o jardim. Talvez teríamos pego esse idiota com a mão na massa e dado uma lição nele.

– Pyro, caso você não saiba, amigos se abraçam. É normal. Você não tem amigos, entendo que seja difícil assimilar isso. Você nos viu de mãos dadas, nos beijando, ou qualquer coisa mais íntima? – Ele só me encarou abobalhado. – Então...

– MERDA! – Esbravejou. Percebi sua pele ficando vermelha. – Vocês pareciam tão... – Pausou e aproveitou pra descontar a raiva em um balde velho no canto do cômodo. O objeto voou longe. A infiltração do teto começou a gotejar no chão com a falta do balde. – Ele está namorando quem agora? Não me diga que é aquela magricela da Kitty!

Todas nós temos um defeito pra ele?! Não podia ser diferente. Pyro só olha pro próprio umbigo. Como alguém tão feio por dentro pode ver beleza nas pessoas? Impossível.

– Faz diferença? Me solta dessa cadeira logo. Que coisa mais idiota esse sequestro de quinta. – Tentei soar forte e determinada. Porém meu coração tamboreava irregular no peito.

Os olhos quase vermelhos de Pyro me encararam por longos segundos antes que a resposta saísse calma pelos seus lábios.

– De um jeito ou de outro Bobby virá. E enquanto ele não chega. Eu vou torturar você um pouquinho.

As mãos de Pyro se mexeram rapidamente, vi chamas dançarem no ar e senti meu braço ardendo. O desgraçado tinha me queimado novamente. Impedi um grito de escapar da minha garganta e choraminguei baixinho. O sorriso satisfeito no rosto de Pyro embrulhou meu estômago. Como alguém pode ser tão cruel?

Segurei as lágrimas de raiva, dor e frustração. Encarei a janela suja do local e respirei fundo. Quanto tempo exatamente levaria para nos acharem? Minhas dores não davam descanso, pelo contrário, aumentavam a cada segundo. Eu só queria que aquilo acabasse logo. Como um pesadelo ruim que vai embora tão rapidamente quanto apareceu. Eu só queria estar nos braços aconchegantes de Logan.

POV LOGAN

A sala de Ororo parecia pequena demais para minha ansiedade imensa. Andei de um lado para o outro e comecei a ficar sem espaço. Percebi o olhar curioso da amiga loira de Marie, porém ignorei.

– Ai! Que dó da minha amiga! Estou morrendo de aflição. – A garota falou com Ororo, cheia de gestos.

– Acalme-se Melanie. Vamos dar um jeito nisso querida. – Com a resposta de Ororo eu finalmente relembrei o nome da menina.

Bobby entrou juntamente com Kitty e eu decidi ficar quieto por um instante. Perambular pelo cômodo não ia adiantar nada.

– Revistamos o Instituto todo. Pyro só levou a Vampira. – O garoto de gelo avisou.

– Porque diabos esse tal de Pyro levou Marie? Aliás, quem é esse imbecil mesmo? Refresquem minha memória. – Pedi impaciente.

– É um ex-aluno do Instituto, Logan. – Ororo começou a me explicar com o tom de voz mais tranquilo do mundo. Como ela consegue?! – Ele era amigo de Bobby e acabou se tornando próximo de Marie também quando ela chegou. Magneto o recrutou pouco depois.

Conheci tantos mutantes ao longo da minha jornada de vida. Fica difícil lembrar rapidamente das pessoas. Pyro. Repeti o nome mentalmente forçando minha memória calejada. A imagem do garoto manipulando fogo me veio à cabeça. Eu lembrava claramente quem era. Por isso eu reconheci o cheiro como familiar. Mesmo com o pouco contato que tive com ele já sabia que não prestava. Desde antes de se bandear para o lado do Magneto ele já demonstrava não ser muita coisa. E eu sempre desconfiei que ele fosse dar problema.

A porta da sala se abriu com tudo e Warren apareceu esbaforido.

– O que aconteceu? Estão falando nos corredores. – Respirou fundo. – Não me digam que aconteceu algo com Marie...

O desespero nos olhos dele. Ele gosta mais dela do que eu podia imaginar. Eu não sou tão dramático. Aprendi a camuflar meus poucos sentimentos, porém, acho que meus olhos expressam a mesma aflição dele agora. Depois de ouvir as más noticias ele simplesmente se encolheu perto da porta.

– Sei quem é o moleque. – Quebrei o silencio voltando a conversa anterior. – Esse Pyro ficou esse tempo todo sem dar as caras. Porque agora? – Tentei entender.

– Na verdade ele não ficou desaparecido esse tempo todo Wolverine. – Encarei Bobby esperando que ele explicasse melhor. – Enquanto você esteve fora ele tentou se juntar a nós novamente. Não deu certo.

– Jonny tem dificuldades para trabalhar em grupo e seguir ordens básicas. Toda vez que ele descumpria uma exigência minha eu o ameaçava de expulsão, ele prometia melhorar e eu...

– E você cedia. – Conclui. – Quando você ficou assim tão coração mole Ororo? – Indaguei com ironia. A mutante simplesmente me ignorou.

– Bobby e Ororo tentaram ajudá-lo várias vezes. É o que o Instituto representa Logan. – Kitty se intrometeu, como sempre. – Nós não podemos virar as costas para os mutantes que precisam de...

– Podemos sim! – Interrompi o papo “humanitário” dela. – Se ele só causa confusão! A coisa mais lógica é afastá-lo dos outros alunos. Você não pode deixar uma fruta podre perto das outras. – Usei uma metáfora para fazê-los entender o pensamento simples.

– Nós achamos que...

– Vocês acharam errado. – Cortei a fala de Kitty mais uma vez. – Ignorando a burrice que vocês fizeram deixando esse garoto rondar o Instituto e conviver com os alunos novamente... Quero saber como vamos resgatar Marie. O idiota deixou alguma bilhete ou indício de onde a levou?

– Mais ou menos. Além da mensagem com fogo, que todos vimos ele também pichou a parede lateral da casa. Disse que está esperando por mim. Ele me quer. – Bobby respondeu firme. Não aparentava medo, mas vai saber. Não é todo dia que um maluco te chama pra um “mano a mano” assim. Eu também não me preocupo por ele. É poderoso e bem treinado. Só tenho em mente Marie, e o que ela pode estar passando agora.

– Mas porque levar justo Marie? Não seria mais lógico te atingir levando Kitty que é sua namorada? – As coisas ainda estavam confusas para mim.

Em resposta ao meu pensamento Kitty apertou a mão de Bobby com mais força e o encarou receosa.

– Ele foi embora antes que eu e Kitty estivéssemos juntos. – Bobby me esclareceu. – Talvez ele pense que ainda estou com Vampira. E eles nunca se deram muito bem, mesmo que andássemos juntos. Pyro sempre teve inveja de mim, de alguma forma. Pensei que poderia reverter isso, mas não consegui. Brigamos feio antes que ele fosse embora e eu vi vingança nos olhos dele. Só não imaginei que se concretizasse.

– Vocês são muito idiotas. – Warren soltou antes de um sorriso nervoso e sarcástico. – A Marie avisou vocês disso. Ela disse que não era boa ideia.

– Não vamos voltar nisso Warren. O que está feito, está feito. – A líder tentou apaziguar.

Rapidamente Warren se moveu pela sala e ficou cara a cara com Bobby. Mudei minha postura já esperando uma briga, entretanto, ele só o encarou bem de perto.

– Se alguma coisa acontecer com ela... – Warren praticamente cuspiu as palavras ameaçadoramente. – Você será o único culpado.

Os olhos de Bobby se abaixaram lentamente. Ele estava envergonhado. Assim como Ororo provavelmente estava. Apostaram as fichas em alguém que não merecia. E agora tudo estava desmoronando sobre eles.

Diferentemente de Warren eu não culpava diretamente Bobby e sim o maluco que raptou Marie. Ele sofreria as consequências quando nos encontrássemos.

– Algum mutante aqui pode localizá-la? – Chamei a atenção de todos para o problema maior: Marie. – Ou se teletransportar para onde ela está? – Tentei pensar numa solução.

– Não Logan. Não temos nenhum mutante rastreador ao nosso alcance, e o teletransporte é subjetivo. A pessoa precisa conhecer o lugar para onde quer ir. Você sabe disso. – Ororo respirou fundo. Aparentemente, ela já tinha pensado nisso tudo. E se não tinha apresentado nenhuma solução é porque não havia uma.

– Então nós vamos simplesmente ficar aqui esperando esse imbecil ligar? Ou mandar um sinal de fogo? – Praticamente gritei irritado. Eu só queria encher o moleque de porrada e resgatar minha pequena.

– Pelo jeito sim. – Melanie praticamente sussurrou e os outros ficaram em silencio.

Eu ia explodir de tanta preocupação. Esse sentimento de impotência, de estar paralisado, de ser inútil pra alguém que precisa... É simplesmente terrível.