História Personal Soldier - Sua hora ainda não chegou.

Aguentei aquele contato doloroso sem me importar. Aquilo significava que minha Marie estava viva e estava reagindo. Seu corpo, mesmo esgotado, ainda tinha o reflexo dos poderes.

Não era a primeira vez que ela fazia isso comigo. Há anos atrás, na estátua da liberdade, eu pensei que tinha a perdido, e então, seus poderes se manifestaram, mesmo que ela estivesse inconsciente. A dor que me consumiu naquele momento era forte. Entretanto, dessa vez, eu estava feliz com a dor. Eu estava grato por ela estar pegando meus poderes. Antes eu mal a conhecia, e agora, ela é tudo pra mim.

O choque parou. Esforcei-me para ouvir seu coração e o som fraco me fez sorrir.

– Você voltou pra mim Marie. Você voltou pra mim. Vai ficar tudo bem meu amor.

Aninhei-a ainda mais em meus braços e segurei sua mão fortemente.

O choque voltou. Dessa vez com maior intensidade. Aos poucos meus olhos não queriam mais ficar abertos tamanha a dor que eu sentia, mas eu sabia que era necessário. Eu sabia que se aquele contato se prolongasse por muito tempo eu provavelmente não resistiria. Meus poderes de cura são fortes, mas sempre tive a sensação que os poderes de Marie poderiam me superar. Ela suga a força vital de outros, exatamente como uma vampira e sinto que isso está ligado a algo mais místico do que propriamente físico. Aos poucos eu sentia que ela sugava cada pequena parte de minha alma despedaçada. Minha essência. Entretanto, não importava. Eu morreria feliz se isso fosse devolver a Marie toda sua vivacidade. Eu trocaria minha vida pela dela, sem hesitar. Ela merecia aproveitar o mundo muito mais que eu. Eu já havia visto muitas coisas e vivido demais, e ela merecia essa chance também. Aquela seria a ultima prova de amor que eu daria a Marie. Eu morreria para que Marie vivesse.

POV MARIE

O calor nas maças do meu rosto incomodou-me e então abri meus olhos. O sol forte sobre mim me fez querer fechá-los novamente. Usei minha mão para bloquear toda aquela claridade e conseguir finalmente enxergar. Ajeitei-me melhor e percebi que estava deitada sobre algo que fazia minhas costas formigarem, mas era macio. Um tapete de grama incrivelmente verde. Ergui meu tronco e olhei para trás, desconfiada. Ao longe várias arvores altas formando uma mata fechada. Eu estava em uma grande pastagem, provavelmente, uma clareira na floresta. Não havia mais ninguém e a minha frente um pequeno morro bloqueava a visão. Levantei-me e caminhei vagarosamente subindo pela pastagem. A copa de uma árvore foi preenchendo o vazio da vista, até que cheguei ao topo do monte e pude contemplar a alguns metros uma árvore frondosa próxima de um enorme lago.

Na sombra da arvore havia uma figura familiar de costas. Decidi continuar e ir até lá. Seria bom descansar na sombra e eu realmente tinha a sensação que conhecia aquela pessoa ali. Uma mulher, pra ser mais exata.

Meus passos eram apressados, mas de certa forma cautelosos. Algo dentro de mim estava inquieto. Eu não sentia medo, só sabia que algo não estava certo. Não conseguia me lembrar como havia chegado ali e nem onde “ali” era exatamente. Na verdade, eu não conseguia lembrar nem do que tinha acontecido antes. Quais fatos havia me levado aquele lugar? O que tinha acontecido comigo? Intermináveis dúvidas se formavam em minha cabeça e faziam meus pés descalços vacilarem.

Um raio de sol passou por entre os galhos da grande árvore e os cabelos da mulher cintilaram em um vermelho vivo como fogo. Eu reconhecia aquele tom.

– Jean? – Chamei receosa, mas no fundo eu sabia que não estava enganada. Aqueles cabelos eram únicos e inconfundíveis. Minha mão quase estava alcançando seu ombro quando ela se virou e me encarou sorrindo. Jean Grey em pessoa. Como isso era possível?

– Marie... – Seu sorriso se abriu ainda mais. O rosto de Jean não demonstrava nenhuma surpresa em me ver, já eu estava perplexa. Ela voltou sua atenção para o lago, distraída. – É lindo, não é? – Puxou conversa.

Observei atentamente o que ela contemplava. As aves dançando por sobre a água. A luz refletindo em tudo, deixando o aspecto das coisas alaranjado e saturado. As arvores muito verdes se balançando na musica suave que o vento tocava. Uma paisagem que parecia pintada a mão. Um cenário que transmitia serenidade. Respirei fundo sentindo a natureza e fiquei menos preocupada. Mesmo que tudo fosse confuso, um lugar como aquele não passava a ideia de perigo e ter Jean comigo era bom.

– É maravilhoso. – Respondi enfim. – Onde estamos? – Deixei a curiosidade falar mais alto. Eu não reconhecia aquele paraíso. Seria difícil esquecer algo como aquilo.

– Falando em beleza... Você também está linda. – Ela ignorou a pergunta e passou os olhos em mim.

Encarei minhas roupas e só então percebi que estava usando um vestido branco de muitos babados. Eu não tinha aquela roupa. Não compraria nada assim. Apesar de ser uma peça maravilhosa, não fazia sentido. Só então me liguei que ela estava de branco também. Um vestido longo e ligeiramente transparente. O corte deixava uma sobra de tecido nas mangas que também dançava com o vento. Os cabelos longos com leves cachos nas pontas pareciam ainda mais ruivos contrastando com toda aquela falta de cor na roupa.

– E você sempre foi linda, Jean. – Elogiei-a com a mais profunda sinceridade. Apesar de em alguns momentos eu ter certa raiva pelos sentimentos de Logan por ela, eu nunca a odiei. Ela era incrível. Não tinha como não admirá-la. Não só pela beleza em si, mas também inteligência e força. Jean sempre foi um símbolo para todos do Instituto. Lutou pelos direitos mutantes e sempre nos defendeu. Até em seu ultimo suspiro ela pensou no bem estar de todos sem se importar em perder a própria vida. – Sentimos sua falta. Sem exceção.

– Eu sei. – Ela encarou os pés também descalços por alguns segundos. – No inicio também sentia falta de vocês, mas olhe para tudo isso. Aqui não tem lugar para sentimentos assim Marie. Consegue perceber a energia boa daqui? É quase mágica.

Jean tinha toda razão. A atmosfera calma era quase palpável. Tudo estava em harmonia naquele lugar. Muito diferente do mundo em que vivemos. Cheios de guerras, fome, miséria, ódio, poluição... Senti que ali não tinha lugar para a maldade dos homens.

– Logan adoraria esse lugar. – Deixei meus pensamentos viajarem até o mutante e meu coração se apertou no peito. Uma sensação ruim me percorreu por um instante.

A risada de Jean ecoou e me distraiu.

– Mais ou menos Marie. Nós duas sabemos que ele acharia um tédio. Calmo demais para a fera e suas garras de adamantium. – Me permiti rir também. – Mas com o tempo ele gostaria sim. Você tem razão.

– Eu não entendo Jean. Onde estamos? Como vim parar aqui?

Mesmo com todo aquele clima tranquilo eu precisava entender como tinha chegado ali e o que estava acontecendo.

– Eu poderia prever que isso aconteceria, mas nunca tive certeza, afinal Logan é um cabeça dura... – Pensou em voz alta ignorando minhas perguntas. – Ele demorou pra perceber, não é?

– Perceber o que? – Fiquei ainda mais confusa.

– Você e Logan... – Jean se aproximou ainda mais e ficou de frente pra mim. – Estou dizendo que ele demorou pra perceber o que você sentia. É claro que ele sabia, mas ignorou achando que era uma bobagem passageira. E não era. Você sempre o amou. Mais do que qualquer um. Mais do que eu fui capaz de amá-lo. Eu estou feliz que ele tenha finalmente entendido isso.

– Como você sabe sobre nós? – Minha mente novamente estava atada em nós com aquela conversa. – Como você sabe Jean?

– Eu simplesmente sei. – Balançou os ombros. – Eu sei de muitas coisas e uma delas é que Logan precisa de você Marie.

– Precisa de mim? – Fiquei preocupada. Eu ainda não conseguia lembrar-me de como havia chegado ali. O que tinha acontecido comigo?! O que tinha acontecido com Logan?! – Como assim?

– Ele aprendeu tanto com você. Cresceu tanto... Logan era um homem que viveu tanto tempo e sofreu tantas coisas, mas ainda não entendia nada sobre sentimentos. Porém, você mudou isso. Você o ensinou a beleza de amar e ser amado. E ainda tem tantas coisas que você pode mostrar pra ele. Tantas coisas que vocês ainda podem fazer juntos... Desejo do fundo do meu coração que vocês sejam felizes. Tão felizes quanto eu e Scott somos aqui. Ou mais, porque não?!

 – Scott? Ele esta aqui? – Vaguei meus olhos a procura de alguém, mas só via a mesma paisagem calma de antes.

– Ele está me esperando do outro lado do lago. Preciso voltar. – As mãos quentes de Jean pegaram as minhas mãos frias com força. – E você precisa voltar também. – Seus olhos fitaram os meus com urgência. – Você precisa voltar agora. Sua hora ainda não chegou Marie. Você ainda tem muito para viver. Você e Logan. Vá Marie. Volte para Logan!

– Voltar para ele? Eu não consigo entender... – Encarei-a angustiada. – Me explique.

– Você irá entender Marie, mas agora você precisa correr. Seu tempo está acabando. Corra de volta para Logan. Vá!

– Correr para onde? – Olhei para os lados sentindo a adrenalina correndo em minhas veias. A urgência nas palavras de Jean fez meu coração se acelerar. – Jean...

– Vá Marie! Agora!

Sem que eu pudesse prever o movimento Jean levantou as mãos e usou seus poderes. Meu corpo foi lançado para longe com tudo e minhas costas se chocaram na grama com força. Meus olhos não focavam em mais nada. Pareciam estar com defeito. Tudo ficou borrado e a luz do sol foi sumindo aos poucos. Uma corrente elétrica se espalhou pelo meu corpo rapidamente me fazendo arfar.

– Você voltou pra mim Marie. Você voltou pra mim. Vai ficar tudo bem meu amor.

Ouvi a voz de Logan ao longe e então tudo ficou escuro.