OITO
A ida pra Londres foi logo abortada.
Enquanto faziam o trajeto pelo canal da Mancha, na embarcação já apropriada para esse trabalho, o comandante recebeu uma mensagem. Aparentemente, os rumores de que uma alemã tinha desaparecido do pelotão de Guernsey com possibilidade de estar ido para o norte chegaram aos ouvidos ingleses, deixando a tripulação preocupada. Estavam nas últimas duas horas de viagem quando o casal percebeu essa movimentação. E mais, anunciaram uma espécie de vistoria nos documentos das pessoas que ali estavam. Aquilo foi a gota d’água para Nancy, que logo entrou em desespero enquanto estavam na cabine que dormiam.
-É tudo culpa minha. – Ela sussurrava. Até o momento, acreditavam na história de sua surdez. - Vamos ser jogados no mar.
-Calma, eu dou um jeito.
Ultimamente, a criatividade de William tem trabalhado dobrado para que saíssem daquelas situações adversas. E suas ideias mirabolantes tem dado certo até agora, e tudo o que ele queria era chegar em um lugar seguro.
-Posso te ajudar, meu rapaz?
-Acho que pode, comandante.
O som do mar era trilha sonora naquela e muitas outras conversas ao longo do convés. Ainda não se via terra, propriamente dito, mas uma faixa colorida minúscula que se estendia no horizonte dava a esperança de chegada a muitos ali naquele segundo dia de viagem.
-Talvez tenha ficado sabendo do estado da minha noiva, que é surda e muda... por isso é tão quieta. – Comentou primeiramente, mexendo os dedos de forma calma. – E também como soube que haveria uma vistoria dos documentos, senti que teria que falar com o senhor.
-Pois fale, alguma objeção a isso? – Se dissesse que sim, isso só o tornaria mais suspeito. E por isso o comandante já analisava bem o ruivo, que engoliu em seco à pergunta.
-Não, claro que não. Mas teve um ocorrido com a família dela que nos fez fugir para a Inglaterra, e não nos sobrou nada além de algumas poucas roupas. Para embarcar de Guernsey só precisávamos de uma comprovação que morávamos lá, então...
-Entendo, entendo, problemas com a sogra? – Tendo em vista o bom humor do homem, William tentou responder de igual tom. – Não têm os documentos, então? Mas confesso que vocês dois estavam fora de suspeita, já que sua noiva está na situação de saúde que está. Quando chegarmos à Inglaterra, arrumaremos novas identificações, para que estejam legais perante à lei e ao Rei.
Ele sorriu, mais aliviado. E outra, o sobrenome de Nancy não parecia alemão, e nem era famoso, o que facilitaria um pouco as coisas. Estava realmente mais feliz com aquela resolução.
From a farm boy born near Belfast town, I never worried about the king and crown. 'Cause I found my heart upon the southern ground. There's no difference, I assure ya.
De um garoto da fazenda da cidade de Belfast, eu nunca me importei com o Rei ou a coroa. Porque eu encontrei meu coração nas terras do sul. Não tem diferença, asseguro-te.
Mas os problemas não acabaram quando chegaram a Falmouth. Decidiram que Londres era arriscado demais para irem, e a Inglaterra estava atrás de qualquer pessoa que tivesse características alemãs dentro dos seus domínios; e Nancy não se podia fazer de muda para sempre. Arrumaram suas identificações britânicas, mas decidiram que teriam que escolher um outro país: um mais pacífico. Porém, faltavam muitos detalhes antes de irem mais para longe.
-Meu irmão me disse que me ajudaria quando precisasse. – Ela girava o disco do telefone público quando dizia isso. Os dois estavam na cabine, isso por chover forte do lado de fora, uma tempestade que atingia toda a cidade naquela noite. – Fugiu de casa, e disse que quando eu decidisse sair dessa ‘loucura’ poderia chama-lo.
O número ela nunca esquecera, e também nunca perdeu a anotação. Agora, o que ela esperava? Que não tivesse mudado. Já fazia alguns anos...
-Alô?
-Ah, Hanz! É você mesmo?!
-Sim, sou eu. Nancy? É a minha irmãzinha que está me ligando?
-Ja, ja. – Ela suspirou, relaxando os músculos. – Onde está morando agora?
-Por que quer saber? Ainda está trabalhando para aqueles cretinos dos nazis?
-Não, eu... eu fugi. – Segurou a mão de William, e sorriu para ele, recebendo retribuição. No mesmo instante um relâmpago iluminou a rua, e por consequência o interior da cabine telefônica ficou ainda mais claro. – E preciso da sua ajuda.
-Finalmente caiu em si, então? Não sabe o quanto é bom ouvir isso mein Schwester¹, estou morando em Wexford, nordeste da Irlanda. Você vem ao meu encontro? Posso mandar um barco até onde está...
-Deus, está com tanto dinheiro assim? Tentarei ir até você... sinto sua falta, mein Bruder².
¹ - Minha irmã
² - Meu irmão.
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