História Pingos de chuva - Lembranças

Para você um dia de chuva pode ser algo ruim, mas para mim é um pedaço crucial de uma lembrança de um dia, eu arriscaria dizer, de sorte. Coisas boas aconteceram. Claro, naquele dia.

 Amanheceu como sempre no outono, tudo era gélido e pálido, chovia bastante na pequena cidade de leanread, eu andava apressada nas ruas calmas daqui para chegar logo a faculdade era até irônico. No entanto alguma impediu naquela manhã, eu tomei um choque. É, um choque.

  Lembro de visões breves, de muitas pessoas na rua, depois barulhos, movimentação. E então um teto branco bem iluminado, nada muito amplo. Tinha paredes verde claro, duas portas brancas, um vaso no canto esquerdo com lindas folhagens. Um balcão ao meu lado direito com uma poltrona próxima a janela de persiana.Ao levantar os braços com dificuldade notei curativos e uma pulseira de identificação, eu estava em um hospital.

 Antes que pudesse criar mais dúvidas mamãe apareceu a porta esquerda. “Graças a Deus, meu anjo você está bem” disse ela passando a mão em meus cabelos ao se aproximar. Me contou o que aconteceu, que eu havia sido eletrocutada ao pisar em uma poça d'água com fio de energia desencapado.

 Que os paramédicos me tiraram da corrente, me reanimaram duas vezes após convulsões (o que explicava o desconforto no peito), e me trouxeram para o Snt. Mário, ligaram para minha mãe, me trataram por 28 horas. Tudo coberto pela prefeitura da cidade de que se responsabilizou pelo acidente. Eu não lembrava de muita coisa, o que era ótimo.

 Levei um tempo para processar toda a informação. 28 horas? Dois dias sem aula? Tim soube disso? Eu quase morri?

 Sentei na cama, não tão dura, de hospital, me sentia pesada e sentia como se tudo estivesse mais lento. Porém toda e qualquer sensação, qualquer eletricidade que ainda havia no meu corpo se desmanchou no calor que senti, que jamais tinha sentido, ao ouvir e ver alguém entrar.

 Quando o vi entrar pensei que poderia ser algum efeito colateral dos fatos ocorridos, mas concluí que não ao ver minha mãe cumprimentar aquele homem.

 “Obrigada mais uma vez por cuidar de minha filha dr. Parker!” Disse ela recebendo um caloroso sorriso de volta. “Foi um prazer sra. Markes.” Respondeu enquanto pegava uma prancheta ao pé da cama.

 “E então? Como se sente senhorita adormecida?” Perguntou vindo em minha direção. Devo dizer que encará-lo foi um desafio e um prazer ao mesmo tempo, seus olhos esverdiados eram inebriantes, assim como sua voz, e que voz.

 Seu rosto era jovial e seu jeito, curiosamente, confiante. Em meio a esses pensamentos, consegui dizer apenas um significativo “Me sinto melhor”.

 “Ora ora, que maravilha” o tom de entusiasmo me fez sorrir. “Vossa alteza receberá alta em 30 minutos, porém, se quiser ficar e repousar mais, não me importo em deixá-la por mais um dia”. 

"Não, por favor, acho que 28 horas cumpriram bem esse papel” respondi em tom meio sério. “Entendo” por um momento tive a impressão de ver seu sorriso vacilar. “Se minha presença te incomoda, não teria problema em me afastar, mas, lamento dizer, que seu retorno semana que vem foi agendado comigo” disse anotando na prancheta. Corei ao ouvi-lo, não quis que me interpretasse desse jeito (muito pelo contrário) no entanto, antes que eu pudesse protestar, ele já estava explicando a mamãe como me medicar, como se ela fosse fazer isso. 

Enquanto falavam, pude observar melhor, era de estatura média, pele levemente morena, ombros largos, carregava no pescoço um estetoscópio e uma corrente fina que não consegui ver, cabelo castanho escuro, liso e não muito comprido.

 Era, ao seu modo, muito bonito. Pela primeira vez eu queria conhecer aquele homem. Queria saber mais. Só que, para minha decepção, minhas vontades saíram pela porta com um breve “Até mais”.