HyukJae está sentado no ponto de ônibus mais uma vez pensando sobre aquilo que não sai da sua cabeça. Eu gosto de garotas. Eu gosto de garotos. Ele sabe disso desde os catorze anos. Contudo, faz um ano que usou a palavra para se descrever “bissexual”. Dezessete anos de “Será que eu sou gay?” e “Será que eu sou hétero” para por fim chegar no “Okay, não vou me definir”. Engraçado, porque quando pensou nisso imaginou que era uma ideia coerente, afinal só existem duas possibilidades: gay ou hétero. Ele nem percebeu o quanto se sentia deixado de lado, ou o quanto deixou de explicar sua própria sexulidade por que era muito complicado. Então, a palavra surgiu, HyukJae já tinha ouvido ela, mas enquanto observava aquela garota explicar o sua sexualidade, finalmente, encontrou um lugar.
Descobrir a palavra bissexual foi como encontrar um sinônimo para eu. É óbvio que a palavra não carrega tudo o que HyukJae é, mas carrega tanto dele. Foi como respirar enfim, por que existe um nome para isso! Existem mais pessoas como ele! HyukJae não é metade de nada. Não é uma escolha feita, por que só existiam duas opções e nenhuma se encaixava. Ver o significado e pensar: É isso, esse sou eu. Não apenas bissexual, mas com certeza bissexual. Pertencimento. O poder da linguagem. O poder de nomear. O poder de conseguir dizer sua sexualidade, porque é complicado, mas existe.
O rótulo porém trazia problemas.
“Bissexual, mas passivo?”
“Eu não quero chegar perto de vaginas nem por tabela é nojento.”
“Então você é meio gay e meio heterosexual?”
“Bissexualidade não existe”
“Quando você vai se assumir gay?”
Mas… Mas sou bissexual. O prazer de conhecer aquela palavra era agridoce. Apenas um cara heterosexual querendo se infiltrar no LGBTQ+, ou mais um gay enrustido. Escolha um lado, HyukJae, escolha a porra de um lado. O mundo tinha lhe oferecido duas escolhas, porém ele escolheu a terceira e achou que tinha acabado. Contudo, o planeta não aceita tão com tanta facilidade terceiras escolhas.
Levantar, escovar os dentes, olhar no espelho o rosto de um jovem adulto, lavar a face e encarar os seus próprios olhos escuros.
“Eu sou bissexual”
As palavras baixas, porque sua família não sabe. A vontade de dizer é enorme. Parece algo preso. Parece importante. Contudo, não tem ninguém para segurar sua mão. Ninguém para o apoiar e HyukJae se sente sozinho. Inseguro. Confuso. Assustado. Sozinho. Insuficiente.
Não é gay o suficiente. Não é heterosexual o suficiente.
Um personagem bisexual! Ele sorri mais uma vez. Oh, droga, ele vai participar de um threesome. Mais um! Ah, ela não diz a palavra. Parece um segredo. Bissexual. A palavra não dita. HyukJae observa aquele personagem que é como o antigo ele e também não consegue denominar. A vontade de abraçar esse personagem é dizer “Tudo bem se definir como bissexual” é enorme, porque esse ser inventado é como o antigo HyukJae. Aliás, existem vários antigos HyukJaes, negando sua identidade por acreditarem que está tudo bem em esconder essa parte deles. Se estou em uma relação, por que sair do armário. Contudo, é importante, pelo menos, pro HyukJae é muito importante. Ele não se importa com a falta de rótulos, ou das pessoas que se sentem confortáveis em não usá-los. Contudo, o garoto acredita que existam mais pessoas como ele que só não encontram o termo correto e quando o encontrarem vão se sentir tão bem quanto HyukJae se sentiu, por isso a vontade de gritar:
“Bissexual, Pansexual, Polisexual. Diferentes. São diferentes!”
Por favor, me escutem….
“Você está saindo com uma garota? Sempre soube que você era hétero”
Sua mão na dela. O mundo te vê como heterosexual. HyukJae pode andar sem medo. Sem medo de comentários. Todos dizem que ela é uma linda garota. HyukJae sente-se sortudo. Ele a ama. É uma pena que uma parte tão importante dele seja ignorada, apenas por beijar a pessoa que ama, mas tudo bem...São coisas da vida. Não tem como você deixar escrito na sua testa “Bissexual”. Não é culpa das pessoas assumirem a sua sexualidade sem te perguntar. O privilégio heterosexual, faz HyukJae sentir culpa, porque não ser visto ou reconhecido pelo o que ele é não parece um privilégio. Contudo, o mundo lhe diz que isso é sorte. Então, HyukJae engole suas frustrações e segura a mão dela.
“Então você está em uma relação heterosexual?”
Invisível.
O privilégio, afinal parece mais um pesadelo. Não é gay o suficiente, mas não é hétero o suficiente - o privilégio parece quase pertencer a dois mundos, mas não existir de verdade em nenhum dos dois.
“Eu te amo”
Então, o amor termina. A relação se desgasta. Mais um adeus e ela vai embora. Tudo bem. É a vida. Relacionamentos terminam e começam. E quem se importa se o homem não contou para ela sobre sua sexualidade, por acreditar que isso não era pertinente. Cinco meses. São cinco meses sozinho apenas se divertindo. HyukJae está feliz. DongHae o encontra no meio de uma risada.
HyukJae não quer mais mentir, mas é assustador. E se DongHae o deixar? E se o outro homem não achar que ele é gay o suficiente? Que ele não gosta de homens o suficiente...
“DongHae… Eu sou bi. Eu não quero outra pessoa além de você, pelos menos não agora. Isso não muda nada. Isso é só quem eu sou.”
Ele entende e HyukJae quer chorar, porque é pertinente.
Mas nem com todos é assim…
“Sempre soube que você era gay!”
Não sou gay!
“Então você virou gay?”
Não!
E continua...
...Continua....
....Continua…
....Continua....
....Continua…
...
Agora, HyukJae é gay o suficiente. Validação pelo seu parceiro. Ele não mais tão sortudo, afinal agora o sociedade o lê como homosexual. HyukJae não pode mais segurar a mão do outro homem sempre que tem vontade e nem beijá-lo sem segundos pensamentos. Contudo, é amor. Então, HyukJae segura a mão de DongHae escondida por suas mochilas e sorri para o outro moreno de sorriso fácil sentado no ônibus. HyukJae ama DongHae. Contudo, às vezes quando está deitado na cama com ele encarando aqueles lindos olhos separadinhos que são um charme sente vontade de vomitar. Toda uma parte importante de sua identidade definida por seu parceiro. Gay o suficiente. Gay o suficiente, mas não exatamente. Hétero, mas não de forma completa. A história é a mesma, só muda quem ele ama. A sociedade continua o enxergando do jeito que ela acha melhor.
Na mídia é assim também. Bissexualidade interpretada pelo olhar monosexual de quem não sabe e nem tenta entender o que é ser. Ser tudo isso. Ser amado. Amar. Amar ambos. Amar vários. Amar todos. Contudo, não sentir atração sempre. Possibilidade. Terceira opção. Quarta opção. Quinta opção. Não ser uma puta ou um enrustido.
“Metade gay e metade hétero”
Eu sou inteiro porra!
DongHae abraça HyukJae enquanto ele chora de raiva. Frustração, porque nada mudou. Ele continua a não se encaixar. Afinal o mundo o encara como uma metade.
“Tudo bem, amor”
E ele tenta ouvir essas palavras e acreditar nelas, mas o resto do mundo grita, enquanto DongHae apenas sussurra.
“Eu sou bissexual. Existo. Não sou validado pelo meu parceiro. Não sou gay. Não sou hétero. Sou parte do LGBT”
HyukJae grita.
Grita.
Grita.
Mais alto.
Mais alto.
Mais alto.
“Pansexuaus existem! Polisexuais existem!”
É importante, porque HyukJae entende o que é ser validado pelo ser parceiro, ou representado por uma perspectiva que não o representa. Por fim, ainda o inviabiliza: “Bissexualidade é só gay ou hétero experimentando”.
“Não, sua monosexualidade não me representa! E eu quero ser representado! Então me escuta. Olha, é assim que me sinto… Não existe uma regra. Pessoas bi não precisam fazer sexo. A gente não precisa gostar de homens e mulheres na mesma proporção. Nós nem precisamos gostar de homem ou mulher, por que bi significa atração por dois gêneros e não por homem e mulher. Minha sexualidade não é confusão! Eu não sou promíscuo! Não quero fazer das relações homossexuais meu fetiche. Eu sou LGBTQ+ o suficiente. Me escuta! Para de assumir minha sexualidade! Para de me pedir provas da minha sexualidade! Para! Para! Para… E me escuta! Me vê! Me sente!”
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