- O que você faz aí sozinho? – perguntei, encontrando Caleb sentado na calçada, do lado de fora do nosso colégio.
- Esperando por você. – respondeu ele.
- Você não está mais chateado comigo? – perguntei. E ele balançou a cabeça dizendo que não.
- Aquilo foi besteira. Acho que fiquei com ciúmes.
- De mim? – perguntei.
- Não. Da barba que ele precisa fazer. – ele disse, e riu. Mas eu não achei graça alguma.
- Engraçado. – ironizei.
- Tenho uma coisa para te contar. O porquê eu fui até a sua casa ontem. Não foi só para me certificar de que você não havia feito outra besteira. - disse ele.
- Não faço besteiras o tempo todo. – me defendi, e ele voltou a rir, outra vez, sem que eu achasse graça.
- Tente se manter vivo. OK? – ele falou. – Suas ações deixam todos malucos.
- A maior besteira que eu fiz foi me apaixonar por você. – falei. Sem ter a intenção de ofendê-lo, era pra ter soado engraçado, mas ele abaixou a cabeça, como se estivesse concordando com o que eu havia dito.
- Hei. Eu estou brincando. – disse eu.
- Eu sei. Mas talvez isso tenha um fundo de verdade. – falou ele.
- O que você quer dizer? – indaguei.
- Quero dizer que, talvez isso tenha um fundo de verdade. – ele repetiu.
- Por quê? Olha, o Mark e eu estamos apenas... – comecei a me explicar, mas Caleb me interrompeu.
- Não tem a ver com esse tal de Mark. Tem a ver comigo, e você, e o que fomos.
- O que fomos? Porque você está falando no passado?
- É. Não que não seremos algo. – ele disse, com a língua enrolada. – Você sabe. Amigos. Amigos desde sempre.
- Amigos desde sempre? – indaguei. Não estava gostando do rumo daquela conversa. Ele estava acabando comigo.
- Meu tio me chamou para passar um tempo com ele. Ele disse que vai me ajudar a integrar a uma turma, num curso de designer, no instituto que ele trabalha em Londres. E eu vou poder terminar meus estudos lá. E vrrrrm... Direto para faculdade. Você sabe que eu adoro quadrinhos.
- Londres? – perguntei, ignorando todo o resto.
- É. Londres. – ele repetiu.
- Nossa isso é longe. Digo. Isso é bom! Parabéns. – Tentei me mostrar o mais empolgado possível. Mesmo que isso significasse que iriamos nos separar, e eu não poderia mais vê-lo com frequência. – Fique de pé para que eu lhe de um abraço. – Pedi e com muita preguiça ele se levantou, e eu o trouxe para um abraço apertado. E nesse momento, eu desejei pretensiosamente que pudesse ter o poder de convencê-lo a ficar. Que ele desistisse de tudo por minha causa. Mas é claro que não iria, nem deveria. Eu me sentiria horrível e feliz ao mesmo tempo, caso ele fizesse isso.
E me desculpe Caleb, se não pude ficar inteiramente feliz por essa sua conquista.
- O problema é que eu tenho que embarcar depressa. – disse ele.
- Ah. – falei, sem saber o que dizer de verdade. - Quando?
- Amanha. - respondeu ele.
- Ouh.
Pois é. Mas Hei. Tenho uma coisa pra você. – Disse ele, se afastando do abraço para pegar sua mochila no chão. Ele abriu o zíper, e tirou de dentro seu baralho.
- Já sei? – eu disse, ainda tentando parecer bem, e extremamente feliz por ele. – Quer que eu tire uma carta?
Caleb sorriu, e me estendeu o baralho. Retirei uma carta.
- Não me mostra. – disse ele. – Só coloca de volta.
- Você não tem outro truque? – eu perguntei, e ri sozinho. Porque ele permaneceu sério.
- Só coloca de volta. – ele pediu, e eu assim fiz.
Houve uma pause, e segundos que mais pareceram horas de silencio entre nós.
Depois ele disse:
- Me desculpe pelo que te falei outro dia. Não quero que ache que estou fazendo isso pra esquecer você, porque a gente não deu certo.
“A gente não deu certo”. Essas palavras feriram profundamente minha alma. Acho que até agora sinto meu coração sangrar por ele ter pensado assim. Porque a gente deu. A gente deu supercerto.
Mas é claro que eu não discordei dele.
A forma diferente como ele me olhava, como se eu fosse alguém que ele estava disposto, não necessariamente a esquecer, mas deixar no passado junto a suas outras lembranças felizes e que passaram, fez-me de alguma forma, tentar convencê-lo que era exatamente nesse lugar, que eu estava disposto a encaixa-lo também.
- Sua carta. – disse ele. E assim que eu a segurei, os braços do Caleb subiram e envolveram a minha volta.
Era um abraço apertado, com gosto de adeus, e lágrimas que nenhum dos dois deixou cair. Pelo menos não ali.
- Tchau, Ian. – ele disse, como se eu não fosse vê-lo mais. Como se eu não fosse aparecer na casa dele só para olhá-lo mais uma vez, mesmo que essa visão significasse que ele estava me deixando.
Eu olhei para ele caminhando por aquela rua, não dei um passo. E ele desapareceu do meu campo de visão antes que eu pudesse gritar para ele que ele havia finalmente acertado a carta.
Um Valete de coração.
No dia seguinte ele partiu.
Não fui ao aeroporto nem nada, me despedi breve, e sem dizer uma palavra, em frente ao portão da casa dele, e todo o nosso momento foi ofuscado, porque a mãe dele não parava de chorar.
Comecei a sentir saudade dele, assim que ele entrou no táxi e eu soube que aquilo era verdade, estava acontecendo. Caleb me deu um último olhar enquanto o veiculo deslizava pela rua.
Dei um aceno breve, o assistindo acenar de volta e fazer uma careta contra o vidro da janela do táxi.
Sabia que se eu quisesse vê-lo essa noite, eu teria que fechar meus olhos e sonhar.
Depois dele, dentro do vazio onde ele me atirou, eu chequei os e-mails e minhas redes sociais todos os dias, mas Caleb parou de responder após as duas primeiras semanas.
- Ian. Você precisa comer. – a mamãe falou, depositando um prato assustador de aveia na minha frente.
- Dispenso. – disse eu, e empurrei o prato pela beirada.
- Você pode fazer outros amigos. – disse ela. E depois limpou o nó da sua garganta para continuar. – Conhecer outros rapazes.
Eu olhei para ela, com um olhar desprezível. Eu não acreditei que ela estava me dizendo aquilo. Como se Caleb fosse alguém facilmente substituível.
- Porque ele não me responde? – eu perguntei, e era uma pergunta para mim mesmo. Uma pergunta que só Caleb poderia responder.
- Talvez tenha ficado sem sinal, devido a alguma tempestade. – disse o papai.
- Ele está em Londres. Não no bairro vizinho. – falei, certo de que tempestades horríveis, e ventos fortes só acontecem na Carolina do Norte. Sei que estou errado. Mas o que pode haver de horrível com Londres?
- Não fique assim. Criatura. – o papai falou. – Quer ir com seu pai na plantação hoje? O Natal é semana que vem, podemos fazer as compras para a ceia. O que você acha?
- É. – concordei com a ideia. – Pode ser legal.
- Então levante sua bunda dessa cadeira, e coloque um casaco. Nem vai sentir falta daquele moleque ao lado do seu pai.
Papai estava tentando ser legal. Mas no fundo eu estava pensando o contrario. Seriam horas longas do meu dia. Mas uma boa oportunidade de escolher o que eu quisesse comer, e quem sabe, eu pelo menos ficaria livre dos preparos horríveis da mamãe, aqueles que ela acha sempre tão sofisticados.
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