História Pointe Shoes - Entrechat

"Aquele dia uma bailarina me apareceu. E a dor que eu tinha se fez franzina, menor doeu.”  –  Ivan Norberto

O chocolate quente parecia vibrar dentro da caneca que segurava. Ele ainda estava tremendo depois de tudo o que havia acontecido. A imagem de Jimin furioso era como o pior pesadelo que poderia ter, mas ainda assim ele se sentia aliviado pelo que ele tinha feito para ajudar Taehyung. Os outros três com quem dividia a mesa pareciam estar bem com toda a situação, pelo menos Seokjin parecia tentar se livrar de todos os pensamentos daquilo enquanto, repetidas vezes, dava bronca em Namjoon. De alguma maneira, esse e Yoongi tinham engatado em uma conversa qualquer. Hoseok tentava seu melhor para não prestar atenção na mesma.

— Você ainda está tremendo? – Seokjin o olhava, curioso, porém seu olhar tinha um pouco de preocupação.

— ‘Tá tudo bem. – sorriu para o outro, colocando a caneca na mesa. — Eu só estou um pouco... Assustado.

— Não fique. – ele repetiu o gesto com sua bebida. — Ele não age assim normalmente. Mesmo que seja um tanto quanto... – ele respirou fundo, engolindo qualquer que fosse a palavra que iria usar.
— Ele é um garoto calmo. Não vai acontecer de novo, certo? Prometo. – sorriu calorosamente. E foi retribuído por Hoseok, que acabou por entrar em uma conversa com o mais velho, se acalmando aos poucos.

Os seus passos ecoavam na rua, fazendo parecer que estava mais solitário ainda. Dessa vez Yoongi não o acompanhava, e por estranho que pareça, estava feliz por isso. Queria que o amigo encontrasse logo um emprego e pudesse, finalmente, fazer o que amava. Colocou as mãos nos bolsos, sentindo os dedos levemente gelados pela brisa noturna, se deixando pensar sobre qualquer coisa aleatória a sua mente. Parou no mesmo momento que percebeu ter esquecido a chinerina¹ na academia. A sensação pesada cresceu em sei peito ao pensar que precisaria voltar para lá, mas mesmo assim o fez.

Chegou rápido, não estava muito longe dali. Seokjin o olhou um tanto quanto confuso, mas logo que o outro apontou para cima acabou relevando e deixando que ele subisse. Uma música clássica, misturada com a contagem da professora, se espalhava pelos corredores. Provavelmente da aula da turma mais nova. Tinha curiosidade de ver Jungkook dançando, mas aquele não seria o dia para tal coisa.

Aproximou-se de sua própria sala, sem dar muita importância para qualquer coisa ali. Mas antes de se dar conta, o baque surdo de alguma coisa caindo contra o chão o assustou. Se escondeu de leve e viu que alguém estava na sala, deitado no chão, mas que logo se levantou. Jimin tinha um olhar cansado enfeitando suas bonitas feições. Não era como se ele ligasse para a presença de Hoseok, pois mesmo depois de o ver, continuou o que fazia antes. O mais velho continuou seu caminho, tentando ao máximo não olhar para o outro.

Abaixou-se perto das barras e, no milésimo de segundo que olhou para o mais novo, o viu virando seu pé de um jeito horrendo e, uma vez mais, caindo no chão. Podia jurar ter visto a lateral do pé do outro entrando em contato total com o chão antes de ele cair junto, gemendo baixinho de dor. Levantou-se, correndo para ver se o outro estava bem, mas quando o tocou, recebeu um tapa forte em sua mão.

— Eu só quero te ajudar. – disse baixinho, o encarando.

— Mas eu não quero a sua ajuda. – a voz do mais novo era seca, ríspida. — Além disso, já era pra ter ido embora, não?

Hoseok se afastou, franzindo o cenho e segurando a resposta que tinha para o outro em sua garganta. Queria sentir muitas coisas naquele momento, raiva, ódio... Se pudesse teria o chamado de todos os nomes que passaram na sua mente e ido embora logo. Mas algo fazia com que ele se sentisse preso ao mais novo. Jimin era... Incomum. Ele não fazia sentido, e aquilo intrigava Hoseok de uma maneira surpreendente. Ele olhou o mais novo por um tempo, antes de dizer algo mais.

— Por que ficar aqui até tarde? – a voz de Hoseok tinha mudado de tom, era mais rouca e levemente mais sombria que sua personalidade.

— Por algum motivo que não é de seu interesse. – por sua vez, Jimin tinha a voz baixa, quase inexistente. Ele estava concentrado em massagear o pé que tinha acabado de virar, e pelo nariz retorcido, ele sentia dor.

— Você fica aqui como se fosse te ajudar em algo. Já percebeu que faz totalmente o contrário? – o silêncio como resposta, agora, não mais incomodava Hoseok. — Por que ficar até tarde, se esforçando e se machucando? Tudo o que podia fazer já foi, isso não vai te acrescentar em nada.

— Eu já disse que não te interessa. – ele se levantou, ficando de frente com o mais velho mancando um pouco. — O que estou fazendo comigo mesmo é da minha conta. Eu fico aqui até a hora que a escola fechar, se eu quiser. Eu me machuco quantas vezes for preciso, eu não ligo. – o tom de voz baixo e frio, quase imutável, fez com que Hoseok sentisse arrepiar cada parte de si.

— Tudo isso para ser o melhor? Pra te venerarem? – os olhos se encontraram, fazendo com que Hoseok recuasse um pouco, mas não o fez parar. — Você passa as suas noites aqui pra mostrar que é superior aos outros? Só pra isso? Quão fútil…

— E se for? – Jimin o cortou, chegando mais perto dele e o empurrando contra a parede, segurando a gola de sua camiseta. — Tem alguma coisa contra? Você chegou em cima do patamar da sua mãe. Você não precisou abrir a boca uma vez sequer para que todos te adorassem. Você nem mesmo tinha dançado. – o largou ali em seguida, se afastando. — Se você tem suas metas, eu não me importo. Nem um pouco. Contanto que não me atrapalhe ou passe no meu caminho. Agora para de encher o meu saco e vai embora logo. Eu tenho mais o que fazer.

Hoseok suspirou baixinho enquanto o outro se afastava e posicionava no centro da sala, se preparando para outra pirueta. Terminou de pegar suas coisas, e de alguma maneira aquilo fazia seu coração partir. Ele se esforçava além do necessário todos os dias? E para que? Somente para que pudesse ser aplaudido em pé por todos? Não sabia dizer se aquilo era extremamente egoísta ou bonito, mas não achava que fazia bem de qualquer maneira. Antes de abrir a porta e sair, o som de Jimin caindo uma vez mais fez com que se virasse para o olhar. Ele resmungava baixinho, quase manhoso. Mas não se levantou, muito menos se moveu. Hoseok se virou uma vez mais para ir embora, mas aquela voz que ficava em sua cabeça o fez voltar. Pegou-o pelo braço e o puxou para si, quase num abraço.

— Eu mandei ir embora.

— E você passaria a noite jogado aqui? Não me parece uma idéia muito agradável. – o mais novo parecia mole em seus braços. Ele nem ao menos se debatia.

— Por que me ajudar?

— Porque não quero ser o responsável quando te encontrarem aqui, amanhã cedo, desmaiado. – o outro soltou uma risada irônica.

— Faça-me rir…

Revirou os olhos e o levou para a secretaria, agora totalmente vazia. Deixou-o no pequeno sofá que ficava ali. A expressão cansada e de dor tinha, agora, substituído aquele olhar frio que ele sustentava na maior parte do tempo. Não era como se ele quisesse ajuda, ele só precisava. Hoseok trouxe suas coisas, sem dizer uma palavra ou sequer direcionar o olhar para o mais novo uma vez. Esperou Seokjin finalmente aparecer para se despedir, e então, ir embora.

De todas às vezes com que esteve com Jimin, aquela foi a que mais o surpreendeu em questão de sua teimosia. Ou seria arrogância mesmo? Ele não era um garoto amável, pelo menos era a percepção que Hoseok tinha. Jimin era arrogante, superior e de uma frieza tão grande que duvidava ser humana. Ele simplesmente agia daquela maneira porque era ele mesmo? Ou a pessoal real se escondia por trás de toda arrogância? Não sabia dizer, não tinha noção alguma do que poderia pensar sobre aquilo. Jimin era um quebra-cabeça, que em alguns momentos agia como um filhinho mimado de uma família rica e noutros ele arriscava o próprio bem estar por outra pessoa.

O frio cortante passava pelas bochechas de Hoseok, que havia se perdido nos próprios pensamentos e parado a poucos metros da academia de dança. Ele estava se sentindo desconfortável com tudo aquilo, com todas as inúmeras situações que tinham ocorrido. Quando finalmente se libertou dos pensamentos e voltou a andar, percebeu o carro bonito e grande que passou por si parar na frente do prédio da academia. E antes de novamente se colocar ao caminho de casa, os gritos histéricos de uma mulher fizeram uma sensação horrível subir pelo seu corpo.

Aqueles gritos vinham da escola...