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História Polaroid - Kenny - 03h36


Escrita por: caulaty

Capítulo 5 - Kenny - 03h36


Começa a tocar Umbrella, a coisa mais inesperada que aconteceu essa noite inteira. E olha que foi uma noite muito esquisita por si. Em que ano eles acham que a gente tá? Bom, por algum motivo, isso deixa todo mundo muito agitado. Talvez seja um efeito que a Rihanna tem sobre as pessoas, mas eu ainda acho que a nostalgia faz coisas bizarras com a gente. Essa geração é muito eufórica sobre o início dos anos 2000. Todo mundo que já estava quase morto pelos cantos ressuscita pra voltar a dançar. Enquanto nós passamos entre esses bêbados inúteis, Kyle entrelaça os dedos nos meus. Eu começo a sorrir. Mantenho o corpo perto do dele pra me certificar de que ele não vai tropeçar e cair no meio da pista.

Não tem fila pro banheiro, pelo menos não pras cabines. Homem não gosta de mijar em lugar fechado, me parece. Kyle solta a minha mão e entra primeiro, se apoiando na divisória vagabunda pra ter firmeza no passo. Eu espero do lado de fora porque não quero forçar a intimidade aqui, talvez ele não queira alguém para segurar o cabelo dele no meio do gorfo ou coisa do tipo, embora eu possa fazer isso com toda disposição do mundo. Já fiz muito, aliás. Mas pra minha surpresa, ele coloca a cabecinha ruiva pra fora e me olha como quem pergunta: “tá esperando o quê, idiota?”

-Você quer ajuda? - Pergunto rindo, olhando dentro da cabine como se esperasse ver algo horrível. Não tem nada demais.

E a cara que ele faz, vou te dizer, deveria ser crime. Esse sorrisinho sacana dele me maltrata. Kyle lambe os lábios e coloca a mão no meu peito, enroscando o tecido da minha regata nos dedos longos, me puxando pra dentro sem força. É o suficiente pra eu entender o que vai acontecer aqui. Já ataco aquela boca antes de fechar a porta, pouco me fodendo pros pobres coitados que estejam vomitando ou cagando dentro desse banheiro, porque meus sentidos não estão normais e coisa nenhuma me importa além do calor desse corpo, a língua deliciosamente flexível dele, os dentinhos que ele roça pelo meu lábio inferior de vez em quando. Demora pra que a gente encontre um ritmo certo, uma posição certa. A cabine é minúscula, eu nem preciso dizer.

Ele me empurra contra a porta de um jeito muito mais predatório do que eu esperava de Kyle; avança novamente pra encontrar a minha boca com a sua, segurando a minha camisa com as duas mãos, na pontinha dos pés pra fingir que é gente grande. Eu sorrio em meio ao beijo porque vejo, com os olhos entreabertos, aquele rosto tão familiar. Não sei porque isso me deixa tão feliz, vê-lo assim de pertinho. Ele é lindo demais. Pisca algumas vezes, devagar, embriagado, interrompendo o movimento da língua pra ficar só com os lábios abertos contra os meus, respirando o mesmo ar quente. Amasso bêbado é uma das melhores coisas dessa vida. É tudo; o estrondo de música ruim, o gosto de álcool e de erva, ter que se apoiar no outro pra ficar em pé.

Acho que eu fico sorrindo feito um retardado porque eu sempre soube, no fundo, que Kyle era uma besta selvagem como qualquer um de nós. Tem alguma coisa tão excitante em vê-lo desse jeito, descontrolado, faminto, se roçando em mim tão ansioso, desconstruindo aquela imagem impecável que ele sempre quis passar. Ele não dá a mínima pro banheiro sujo, está ocupado demais me explorando com as mãos, violando tudo que ele pode alcançar. Sua mão quente passa por dentro da minha regada, pela lateral do meu tronco e escorregando pelas minhas costas, subindo, depois descendo, o quadril bem encaixado no meu, como se não houvesse nada que nos separasse. A roupa chega a coçar de tão incômoda. Tudo de que eu preciso agora é sentir essa pele na minha. Mas não vai ser aqui, eu sei. Meu pau lateja ainda mais quando eu penso que tenho que me controlar, mas as minhas mãos não obedecem porra nenhuma que meu cérebro manda. Elas descem por esse corpinho de maneira obscena, porque é assim que ele me beija, é assim que ele crava as unhas pelos meus músculos e geme baixinho no meu ouvido quando eu devoro o seu pescoço. O cheiro dele… Porra, o cheiro dele.

-O que você tá fazendo comigo, hein? - Sussurro no ouvido dele com um riso abafado, abraçando-o bem apertado contra mim, alisando as suas costas e descendo até a bunda pra apertar com as duas mãos. Ele ri também, escorregando a boquinha pelo meu maxilar, mordendo de leve. Eu deixo escapar um gemido com o jeito que ele pressiona o quadril contra o meu. - Você tá me deixando louco…

E aí o filho da puta dá uma risadinha sem vergonha nenhuma e desliza pelo meu peito, passando a pontinha do nariz pelo meu pescoço enquanto chupa sem pressa nenhuma. Eu ergo o queixo pra dar espaço e fecho os olhos, deixando o ar escapar dos pulmões lentamente, só curtindo a sensação quente e molhada daquela boca, fantasiando com a ideia de senti-la engolindo o meu pau todinho. E é exatamente isso que ele pretende. Abro os olhos quando sinto a mão de Kyle massageando o volume da minha calça de leve, provocando de um jeito que arrepia cada pelo do meu corpo. Mas antes que ele possa se ajoelhar, eu o seguro pelo braço. Ele está tão bêbado que chega a se desequilibrar e eu preciso puxá-lo para que fique de pé.

-Ei, ei. Espera. - Digo baixinho, rindo pelo absurdo de precisar negar isso. - Não vamos fazer isso aqui…

A expressão no rosto dele é tão confusa que eu preciso rolar os lábios por dentro da boca pra conter uma gargalhada. Ele é adorável demais. Bêbado desse jeito, nem parece tão assustador. Mas continua bem espertinho; aproxima o rosto do meu pescoço novamente e inala o meu cheiro, beija a região com os lábios abertos, espalhando a saliva.

-Mas eu quero tanto… - Ele murmura, a mão ainda sobre o meu pau, apertando com cuidado. Eu fecho os olhos com força, franzindo o nariz, tentando segurar o gemido na boca.

Mas respiro fundo e reúno toda força que tenho pra tirar as mãos das curvas do corpo dele, levando-as ao seu rosto redondo, uma em cada bochecha macia, roçando o polegar pela pele macia dele. Isso o força a olhar pra mim. Kyle sorri. Eu corro a língua pelo lábio superior e rio quase que envergonhado.

-Olha bem pra mim. Você acha que eu não? - Fico sério de repente, encarando aqueles olhos verdes na luz baixa do banheiro. Não sei quem é que inclina primeiro, mas nossas bocas se encontram novamente, agora sem tanta pressa, o beijo mais lento e úmido. Sem descolar os lábios dos dele, sussurro de olhos fechados. - Porra, eu já bati tanta punheta pensando nisso.

-É?

Isso dá confiança o suficiente pro desgraçado ajoelhar de novo naquele chão imundo. Agora, eu não tenho problema com sujeira. Mas Kyle deve estar muito, muito bêbado mesmo pra fazer um negócio desses. Eu nunca conheci uma pessoa mais germofóbica, talvez com exceção da Sra. Broflovski. Ele fica com as duas mãos bem firmes no meu cinto e beija o meu abdômen, pressionando o nariz e inalando sobre o tecido da minha regata, mas uma das mãos já insinua passar os dedos por baixo da barra e tocar a minha pele, o que imediatamente arrepia todos os pelos que eu tenho no corpo. Ele é tão bonito que chega a ser obsceno. Instintivamente, eu corro os dedos pelo topo da cabeça dele pra enroscá-los nos cachos vermelhos que tornam Kyle quem ele é. Ninguém deveria ter essa cor de cabelo. Você sabe que uma pessoa é especial quando a genética dá a ela uma cor de cabelo que ninguém deveria ter.

Kyle não deveria nem existir. Ele é indecente. E perigoso também, um desses garotos que te dão vontade de dar a ele tudo o que você tem; no meu caso, isso significa um maço de cigarro pela metade, um carro que mal pega e a minha roupa do corpo. Eu não devia mergulhar tão fundo nele, não devia mesmo, é inconsequência pra caralho da minha parte. Mas o meu corpo não me obedece, então eu só tento ignorar essa sensação esquisita que os olhos verdes dele provocam dentro do meu peito.

Eu balanço a cabeça pra afastar esses pensamentos imbecis de bêbado enquanto ele pressiona o rosto contra a minha virilha, literalmente roçando a cara no meu pau duro que ainda tá coberto pelo jeans, e porra, esse tecido parece ser a coisa mais grossa do mundo. Eu impulsiono o quadril pra frente sem perceber, soltando um gemido baixo, a mão segurando firme um bom punhado de cabelo dele, mas o bom senso ainda toma conta de mim. É a coisa mais difícil que eu já precisei fazer na vida, mas eu uso a mão pra puxar a cabeça dele pra trás com toda a delicadeza possível, tentando desviar o quadril daquele rostinho lindo enquanto ele se esforça pra abrir o meu cinto.

-Kyle, você não tá legal. - Eu tento explicar, mas é como se estivesse falando com uma criança. Na verdade, existem poucas diferenças concretas entre gente bêbada e gente de seis anos. Eu me inclino pra segurar o braço dele, tentando puxá-lo pra cima. Seu corpo parece tão mole que ele quase se desequilibra e por pouco não acaba sentado no chão. Você não senta no chão de um banheiro público, cara. Isso é pedir pra pegar DST. - Kyle, vem cá. Tá tudo bem.

Ele resmunga baixo e vira de costas pra mim, me empurrando sem força nenhuma com o braço, ainda ajoelhado. Ele se apoia na privada e, juro por Deus, encosta a testa na beirada como se nada houvesse. Assim ele fica por pelo menos vinte segundos. Eu sinto que ele vai me bater tanto no dia seguinte por deixá-lo fazer um negócio desses, mas eu percebo na hora que ele está tentando não vomitar. Me ajoelho ao seu lado, levo uma das mãos à sua nuca e massageio com cuidado, já puxando o cabelo dele pra trás.

-Coloca pra fora, Kyle, é bem melhor. Vai por mim.

Ainda demora um tempinho pra ele conseguir vomitar. É uma gracinha o jeito que ele sacode a cabeça e pede desculpa entre uma gorfada e outra, com os olhos ardendo e cheios de lágrima, respirando mal. Talvez ele tenha esquecido com quem tá falando. Eu rio baixo, aproveitando pra fazer um carinho na cabeça dele, colocando uma palma na sua testa suada pra segurar melhor o cabelo que cai por cima dos olhos dele e acalentá-lo ao mesmo tempo.

-Shh, cala a boca. - Digo com um sorriso besta que não quer sair do meu rosto. Não é que eu esteja contente de vê-lo passando mal, nada do gênero. Eu sei que ele provavelmente se sente um lixo agora. Mas eu ainda acho bonitinho toda vez que ele se permite passar dos limites, porque eu sei que essa sempre foi uma dificuldade muito grande de Kyle. Ele gosta de estar no controle de tudo o tempo todo e de não depender de mais ninguém. Não vou dizer que é bom vê-lo desse jeito, disposto a ajoelhar no chão do banheiro, disposto a fazer boquete num cara inapropriado e num lugar imundo, depois vomitando todas as coisas que ele não deveria ter bebido. Mas conhecer esse lado impulsivo de Kyle o torna muito mais interessante.

-Kenny! - Eu ouço de repente. É um berro tão esganiçado que eu levo um cagaço de verdade, ainda mais quando Stan começa a esmurrar as portas de todas as cabines fechadas. Franzo as sobrancelhas e endireito a coluna, minha mão ainda na nuca de Kyle. Ele não reage. Stan continua gritando pelo meu nome.

Alguns caras no banheiro berram em resposta. Xingam, tiram sarro, gargalham, agem como um bando de macacos loucos com a agitação. É muito difícil diferir um homem bêbado de um animal. Eu sei porque eu sou um. Tenho propriedade pra afirmar isso. E como todo homem bêbado em sã consciência faria, eu me levantei rapidamente e abri a porta violentamente enquanto Stan gritava:

-Eu sei que você está aí, abre essa merda!

Ele esbravejava isso socando a porta da cabine errada. Eu teria rido se não estivesse tão indescritivelmente puto com o escarcéu todo. Sabe, Stan é um bêbado descontrolado. Ele é uma das pessoas mais gentis que já conheci, e juro que, sóbrio, ele seria incapaz de machucar um mosquito. Mas quando bebe, o sangue de Randy Marsh é inegável ali. É foda ser filho de um imbecil alcoólatra, eu também tenho propriedade pra falar sobre isso. A questão é que Stan tem tendência aos vícios porque usa toxinas como forma de preencher o vazio existencial que todos nós sentimos e esse blablablá sentimentalóide todo. Quando embriagado, ele se permite tudo que não consegue sóbrio.

Lembrar dessas coisas todas faz com que eu me sinta consideravelmente menos irritado com ele. E olhar para seu rosto também; esses olhos gigantes de criança. Stan é como um bulldog babão; ele até pode ser grande e rosnar, mas por dentro é todo molenga e é duro demais brigar com ele.

-Stan, que merda é essa?

-Cadê o Kyle?!

Eu viro o rosto pra trás, como se tivesse me esquecido por um momento que Kyle ainda estava ali abraçado à privada. Ele não vomita mais, pelo menos por enquanto, mas continua de cabeça baixa e com os braços firmes em torno do vaso de porcelana gelada, agora sentado, as mãos trêmulas apertando a privada como se fosse a única coisa que ele tivesse pra se agarrar agora. E eu me sinto mal de não estar ali com ele no chão, de não ser esse algo para que ele possa se agarrar pra preservar algum senso de realidade. É foda, eu sei. É muito foda quando a sua visão está turva, tudo em torno está girando e você se sente sozinho.

-Eu não acredito nisso. - Stan continua, aproximando-se de mim com a necessidade de se apoiar na porta da cabine porque ele nem consegue ficar em pé direito. Não sei se pelo álcool ou pela raiva. Ele cospe pra falar, continua mexendo os pés sem propriamente parar num lugar só. Os caras mijando viram pra olhar como se estivessem esperando ver uma porrada de camarote ali mesmo. - Sabe, Kenny, eu sempre achei uma merda você se aproveitar de qualquer garota bêbada demais pra saber o próprio nome, mas eu nunca pensei que você fosse capaz de fazer uma porra dessas com um amigo teu. Você é muito filho da puta mesmo.

A minha única reação pra isso é erguer as duas sobrancelhas, porque ele realmente me pega de surpresa.

-Stan? - Kyle pergunta com uma voz tão fraca que talvez Stan nem seja capaz de escutar. Então eu viro de lado, coloco a mão na cabeça ruiva dele e massageio o escalpo um pouquinho.

-Tá tudo bem, Kyle.

Mas o Stan já cola na porta, perigosamente perto de mim, parecendo um cão de guarda pronto pra avançar se eu não sair dali. Kyle sente a presença e vira o rosto para confirmar que se trata dele mesmo, franzindo o rosto. Eu não sei identificar se é o enjôo ou se ele está mesmo tão irritado quanto parece. Logo, ele confirma:

-Some daqui, Stan! - Kyle esbraveja, soando muito mais como uma criança magoada porque roubaram seu pirulito. Depois de gritar, ele deita a bochecha na tampa do vaso e fecha os olhos, parecendo bem decidido a dormir ali mesmo.

E Stan não perde tempo em bater no meu peito; não é forte o suficiente pra me tirar do lugar, senão eu provavelmente teria caído em cima do Kyle, mas a atitude é suficiente pra começar a me deixar puto. Eu sempre soube que ele não ficaria feliz em saber que Kyle e eu tínhamos alguma coisa diferente do que ele imaginava. Eu gosto pra caralho do Stan, não quero soar como um amigo filho da puta que sabia que ele ficaria chateado e mesmo assim ficou com o cara que ele ama. Porque não foi isso. Eu acho que isso pouco tem a ver com ele ser apaixonado pelo Kyle e muito mais a ver com o ego dele estar doendo. Eu respeitaria totalmente os sentimentos dele se ele fosse honesto e assumisse que dói em vez de me dar um discursinho moral imbecil como esse.

-Que merda você disse pra ele?! - Ele me pergunta.

-Eu?! Agora a culpa é minha que ele tá puto contigo?

-Ô, vocês! - Um cara enorme e careca com uma barba gigante grita pra nós dois, apontando o dedo gordo em direção à porta de entrada. - Tem uma fila. Se vocês querem se socar, vão lá fora e desocupem aqui.

Stan assente com a cabeça como se o plano realmente fosse ir lá fora pra gente se socar, o que é hilário. Eu solto uma risada baixa enquanto ele sai trotando feito um cavalo. Levo a mão à testa e massageio as têmporas com o polegar e o indicador, respirando fundo, sacudindo a cabeça negativamente porque não era assim que eu planejava gastar o resto da noite. Então, me ajoelho brevemente atrás do Kyle, acariciando as costas dele com uma das mãos, sussurrando no seu ouvido:

-Você tá bem? Eu já volto aqui, viu?

Ele responde com um grunhido, o rosto escondido no próprio braço apoiado na tampa do vaso, a respiração bem pesada. Eu realmente não queria deixá-lo sozinho. Pra minha surpresa, assim que me levanto, dou de cara com Butters mordendo o lábio inferior e me encarando de um jeito esquisito pra porra. Ele parece inquieto, esfregando a própria nuca com cara de quem fez merda. Eu sinto que ele quer oferecer ajuda, mas não diz nada, só fica ali de pé na porta da cabine me encarando. Antes que eu possa perguntar o que foi, ouço Stan gritando da porta do banheiro:

-Kenny!

E então a porta bate. É uma convocação. E isso me faz revirar os olhos.

-Fica com ele. - Eu digo ao Butters, abrindo espaço pra passar por ele tentando não ser tão grosso, mas é difícil.

Tá tocando Dog days are over quando eu saio do banheiro, a música estourando os meus tímpanos como se tivessem aumentado muito mais o volume agora. E tem uma multidão de gente bêbada pulando que nem um bando de retardados, algumas pessoas vomitam, outras choram. É aquele ponto da noite em que já deu pra todo mundo, que nós deveríamos começar a reunir as pessoas, pagar a conta e vazar daqui. Meus amigos ainda parecem bastante contentes; em uma boa olhada ao redor, vejo Clyde se atracando com uma menina rechonchuda que eu não conheço (e provavelmente ele também não), Craig e Cartman conversando de canto enquanto os outros dançam na pista. E Stan me espera perto do bar com sangue nos olhos.

Legal. Tudo o que eu precisava.

-Que merda é essa, Stan? - Eu pergunto assim que chego perto dele.

-Eu é que te pergunto que merda é essa! Olha o estado dele, caralho! Você não respeita nem a porra dos seus amigos?!

Ele grita tudo isso na minha cara, cuspindo e apontando pra porta do banheiro, quase tropeçando com a força com que o dedo indicador dele vai pra frente. Cara, ele tá muito bêbado. Tudo isso começa a parecer errado demais; eu não devia estar tendo essa conversa. Kyle devia. E não aqui, não nesse estado. Eu esfrego os olhos com a palma, dando-me conta de que eu também não estou em condições de discutir com eloquência agora. Eu não quero dizer nada que vá fazer com que Stan se sinta pior.

Craig e Cartman param o que estavam conversando pra nos observar a alguns metros de distância.

-Escuta, você já falou bastante besteira por uma noite. - Eu digo depois de um suspiro (um bufo, na verdade), tentando manter o que me resta de serenidade. - É melhor você calar a boca agora e arrumar uma carona pra casa, Stan.

-É isso que você quer, né?! Que eu suma pra que você possa passar a mão no Kyle em paz. Você me dá nojo, Kenny.

Eu nem tento segurar o sorriso incrédulo que brota na minha cara, mais largo a cada palavra que sai da boca dele. Balanço a cabeça negativamente, passando a língua pelo lábio superior (e sinto uma marca dos dentes do Kyle, que o desgraçadinho deixou enquanto me beijava) e botando as duas mãos na cintura. Chego a dar uma olhada em volta, querendo testemunhas pra ouvir aquilo e ter certeza de que eu não estava ficando louco. Meus amigos não decepcionam: já estão bem perto da gente, não só Craig e Cartman, mas Clyde, Token, Bebe, Tweek – os últimos três com uma expressão genuinamente preocupada, mais do que curiosa. Tem mais gente estranha nos encarando, sorrindo, torcendo pra ver umas porradas.

A raça humana é mesmo grotesca.

-Se você acha que eu vou te deixar sozinho com ele, você é retardado! - Stan continua esbravejando, chegando mais perto de mim. Começa a tocar Mr. Brightside e eu tento não gargalhar pela ironia. Será que o DJ também tá acompanhando o barraco? Quando volto a prestar atenção no Stan, ele já tá a poucos centímetros da minha cara, a mão dele agarrando o tecido da minha regata e me puxando contra ele com raiva. Eu ainda não reajo. Ouço Cartman gargalhando e batendo palma atrás da gente, e minha vontade de socar a cara dele é muito maior do que minha vontade de brigar com o Stan agora.

-E você vai fazer o quê, Stan? Você vai me bater?

-É o que você merece, seu bosta.

Aí eu começo a rir. Os dedos dele apertam com mais força o tecido e eu consigo sentir a respiração quente dele e o bafo de álcool bem perto do meu rosto. Rolo os lábios por dentro da boca e balanço a cabeça devagar, levando a mão ao pulso dele.

-Stan, para com isso, você tá se envergonhando. - Finalmente, eu o empurro pra ele me largar. Não é forte demais, porque eu também não quero que ele caia. Bêbado cai muito fácil, você imagina. Ele continuou firme em pé. - Você é um burguesinho suburbano, você não pode sair por aí ameaçando bater em gente que cresceu no gueto. Eu aposto que você nunca deu uma porrada na sua vida.

-Pelo menos eu não saio por aí assediando gente bêbada, seu filho de uma puta!

-Cara, eu tô falando sério. Você não quer me irritar.

-Senão o quê? - Ele volta a cortar a distância entre a gente, bate o peito contra o meu como um pavão que precisa se mostrar forte. Ele é maior do que eu, isso é verdade. - Senão você fica irritadinho? Olha a porra do teu tamanho, seu franguinho.

-Isso é tão bom, puta merda. - Eu ouço o Cartman dizer. - Levanta um pouco mais.

Quando viro o rosto, Craig está com o celular apontado pra gente. Aí o meu sangue começa a ferver de verdade. Token se aproxima, conciliador como sempre, colocando a mão no meu ombro porque sabe que não se pode contar com a racionalidade do Stan nesse estado.

-Craig, eu juro por Deus que vou enfiar esse celular no teu rabo se você não parar de filmar essa merda agora! - Eu grito, já cerrando os punhos, mas logo a minha atenção volta ao Stan. Token me fala alguma coisa condescendente que eu não escuto por causa da música alta, já que ele está tentando sussurrar de modo que o Stan não escute o que quer que seja. O que chega aos meus ouvidos é como Cartman diz ao Craig pra não me dar ouvidos e continuar gravando.

A essa altura, Token tenta me empurrar pra trás, mas eu finco os pés no chão como se eu fosse uma porra de uma árvore, porque agora é uma questão de honra. O sangue já corre mais rápido das minhas veias, porque meu coração bombeia na velocidade da luz, mandando uma quantidade intoxicante de adrenalina pro meu cérebro.

-Você sempre foi afim dele, né? - Stan diz bem perto da minha cara com desprezo, o queixo bem erguido. - Mas você só tem coragem de fazer alguma coisa quando ele tá frágil porque sabe que ele nunca te daria a mínima se estivesse sóbrio.

Olha só quem ficou eloquente de repente.

-O Kenny vai destruir a cara dele. - Ouço o Clyde comentando com Craig logo atrás de mim.

E eu já vou deixar claro que eu sei que essa não é a coisa certa a dizer antes mesmo de as palavras saírem da minha boca, porque elas já tem um gosto amargo, mas a expressão arrogante na cara dele me irrita a tal ponto que foda-se, eu vou dizer. E digo.

-Eu já fico com ele faz tempo, seu trouxa! Para de fingir que tá tentando defender a honra dele ou coisa parecida, você tá é mordidinho porque não tem coragem de terminar a merda do seu namoro e admitir que é afim dele, você queria que ele ficasse atrás de você que nem um cachorrinho pra sempre. Isso sim é nojento.

E aí ele tenta me dar um soco na boca.

O que, admito, eu também tentaria se fosse ele.

O punho dele pega no meu pescoço porque ele não consegue enxergar nem um palmo em frente ao próprio rosto, e por esse mesmo motivo, a coisa nem vem com tanta força assim. Eu nem preciso devolver o soco pra derrubá-lo; só agarro o punho dele e o empurro com o tronco pra que ele caia de costas no chão. E eu não sou um babaca completo, eu me sinto mal sim. Ele acidentalmente empurra uma menina durante a queda, bate a cabeça no piso e se encolhe, cobrindo o rosto com uma mão. Acho que ele deve estar bêbado demais pra sentir vergonha, mas é alguma coisa parecida com isso. Eu sinto vontade de estender a mão pra ajudá-lo a levantar, mas nem eu consigo ser cara de pau a esse ponto. De qualquer forma, não é necessário. Token e Bebe se ajoelham perto dele, cada um agarra um braço, tentam pelo menos fazer com que ele se sente. Eu fico esperando os xingamentos, qualquer coisa, mas Stan não me diz mais nada.

Só agora eu percebo o quanto tô suando. Eu tiro o gorro, esfrego o meu rosto e dou as costas pra essa cena durante alguns segundos. Um segurança já tinha percebido a comoção e começa a andar até mim, mas eu já levanto a mão pra não ter que dizer: tudo bem, eu já tô saindo.

No meio dos rostos conhecidos, eu encontro aquele par de olhos verdes que, agora, parecem com muito menos brilho do que de costume. Ele está pálido, os lábios sem cor. Sinto um impulso de andar até ele e pedir desculpas, mas Kyle não espera que eu me mova; ele mesmo sai andando, empurrando as pessoas com o cotovelo, abrindo caminho pra ir embora. E eu o sigo, com alguns passos de desvantagem, sentindo um peso medonho dentro do peito.



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