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História 85 - Prólogo - Setembro de 1985


Escrita por: Marmito

Capítulo 1 - Prólogo - Setembro de 1985


      PARTE 1

           O NUNCA E O SEMPRE:

                              

 

                               - Give me love like her, cause lately I´ve been waking up alone, Pain splattered teardrops on my shirt, Told you I´d let Them go – Give me Love, Ed Sheeran;

 

                       

 

 

 

 

                        - I don´t wanna live without your love - Chicago

                       

 

 

 

                        - “Só os mendigos conseguem contar quanto dinheiro têm.” – Romeu e Julieta, William Shakespeare.

           

                            

 

 

                

 

 

 

 

 

 

 

                      PRÓLOGO            

              

               Setembro de 1985

 

            Ronald Baker nunca fora o melhor faxineiro do colégio Municipal de Downtown. Mas sempre gostou do que fazia. Até mesmo das partes mais maçantes, como aguentar as fofocas da zeladora Orta e seus bolinhos perfumados que passavam sobre um carrinho no início da manhã, quando os alunos nem sequer haviam acordado e seu turno nem começara. Não que os bolinhos eram ruins, na verdade, estavam bem longe disso, com seu recheio arroxeado de amora com açúcar mascavo e sua crosta grossa de massa quentinha. O problema era Orta, que não parava de falar sobre as notícias que lera na noite anterior em portais de veracidade discutíveis no Facebook. Mas no primeiro dia de aula, após um longo e duradouro verão, nada disso aconteceu. Ron e Orta passaram a madrugada toda arrumando os preparativos para o primeiro dia de aula, como cartazes retangulares dizendo: “OLÁ, TENHA UM BOM ANO LETIVO”, “COMO FORAM SUAS FÉRIAS?”, ou como outros mais audaciosos como: “TEM O SONHO DE SER UM ASTRO OU ESTRELA DO ESPORTE? ENTRE PARA O TIME DE BAISEBOL DE 1985!”   

            A escada vermelha de plástico quase caiu quando tentou colocar a última bandeira na parede do hall do Ensino Médio. Mas isso foi antes de Orta Obresfyeld segurar a perna da escada e o salvar do que provavelmente resultaria na quebra de um braço ou distensão muscular no tendão. Ron apoiou suas duas mãos na paredes de tijolos vermelhos do corredor, ouvindo sua respiração rouca de velho arfar cada vez mais.

            - Ah, obrigado Orta – falou Ronald, olhando para baixo e dando um riso nervoso para a companheira de trabalho – Essa foi por pouco.

            - Disponha – agora ela ajudava ele a posicionar a escada dobrável novamente na sua posição original -, tente não quebrar uma costela da próxima vez, não preciso lembrar que já está velho, né?

            Na verdade, não precisava mesmo, Ron já sabia que estava velho desde o dia que Nora havia partido. Que Deus a tenha. Seu vizinho, Jud havia lhe dito que aquela era uma das melhores formas de partir, depois de sofrer com pneumonia idosa. O médico local falava sempre “idosa” quando estava na frente dele, mas o Sr.Baker sabia muito bem que por trás dos panos era somente “doença de velho”.

            - Acho que é piração da sua mente, Ronald – murmurou Jud enquanto tomavam chá gelado (normalmente de maçã. O preferido de Nora) – Ela só estava velha demais, mas não acredito que nenhum marmanjo que tenha estudado por quatro anos seguidos sobre como o ovário se comporta, dificilmente teria esse comportamento. E mesmo se tivesse, quem se importa, porra? A tal “doença de velho” que falam está diretamente ligada a velhice mesmo, mas não significa que uma pneumonia fatal vai aparecer somente nessa idade quando se teve, anteriormente, uma vida completamente saudável.

            - Quem lhe contou isso, sabichão? – disse Ron, brincando. Dois dias depois do enterro de Nora, e estava começando a ter um pouco mais de humor, isso era bom, de acordo com seu psicólogo especialista, mais amigavelmente denominado de Jud Sand.

            - Um amigo de viajem me contou – respondeu, com a voz um pouco rouca – Sabe, não sabe? Aquele tipo de viajante perdido que anda no acostamento da estrada, levantando a mão, na maioria das vezes? Então, um dia dei carona para um desses “tipos”, mas era um tipo bem diferente. Falava quase a todo momento, por Deus, Ron, quase não aguentei mais. Estava bem longe de Downtown naquele momento, na verdade, estava bem longe do Maine naquele instante. Talvez estivesse ainda na Rodovia 9, sei lá, mas era bem diferente daqui. E estávamos em Julho, amigo. Na porra de Julho, consegue acreditar? Era verão, e fazia um calor dos quatro infernos juntos...

            Apesar de Jud sempre gostar de contar muitas vezes sobre sua vida próspera como caminhoneiro, desde que se aposentara do trabalho (um ano antes), quase perdera o costume de antigamente. Na verdade, Jud ficou tão solitário com seu caminhão estacionado na garagem de seu casebre na Nova Inglaterra, que até mesmo adotou um gato três meses atrás. O nome dele era Bodye, e era mais peludo do que um lobisomem da primeira vez que Ron o tinha visto. Mas ganhou simpatia pelo animal principalmente quando Nora se enturmou com Bodye, de tempos em tempos, subia no telhado da casa deles se aninhava em um dos cantos perto da chaminé principal.

            - ...E o sujeito não parava de falar sobre como era sua vida de médico e como ele se tornou o melhor do estado. Dá pra acreditar que ele pensou que eu ia cair numa dessa? Mas sendo verdade ou não, eu perguntei sobre Nora, e ele me respondeu que naquela idade era muito comum o corpo humano estar mais apto a ter doenças que talvez nunca teve na juventude. Mas não disse nada sobre uma “doença de velho”.

            - Obrigado pela informação, Jud. – Ronald acendeu um cigarro com a mão direita e tragou duas vezes – Acho que é melhor você levar seu gato de volta para casa, parece ter se enfurecido com as pombas.

            Em frente á varanda, Bodye caçava pombas que se empoleiravam em alguns cantos do campo verde. Quase agarrou as penas de uma, mas que logo voou longe de seu alcance.

            - Deus, tem razão Ron – levantou-se da cadeira de balanço, desceu os degraus da varanda e foi até Bodye – Venha cá, bichano! – assoviou enquanto o gato se distanciava cada vez mais de sue dono – Ora Deus, venha cá!

            Depois de colocar entre os braços o gato ruivo, Jud deu despedidas, lamentou pela perda de Nora, atravessou a estrada e entrou pela garagem, onde seu caminhão Ford 1879 envelhecia e se enferrujava. Baker somente deu mais algumas longas goladas do chá que já estava esquentando, voltou para dentro de casas, rezou dois terços, e foi dormir antes dás nove, como sempre fazia. Mas agora com a cama dupla com o outro lado vazio. No outro dia, se sentiu mais velho do que antes.

            Após de duas horas seguidas resumidas em colocar os cartazes de esportes nas paredes daquele hall, sabia que tudo estava mais do que pronto. O Colégio Municipal de Downtown tinha mais três zeladores naquele momento, o diretor Wasawasky, mais amigavelmente chamado de Was, mas pelos alunos era somente apelidado de Carinha de Marmota, ou Nariz Turvado, e talvez coisa pior. Os outros três companheiros de trabalho era o novato Sr. Otton Melayne, quase tão velho quanto Ronald, que sempre costumava usar camisas xadrez longas, mesmo quando fazi o maior sol de verão; David Kasgward, mais baixinho, porém compensava com o tamanho de sua bebida de cerveja barata; e a Senhora Martha Eastwood, mais conhecida como Martha Coração-de-Melão pelos alunos do pré-escolar, pois sempre trazia melões de sobremesa no horário do almoço para as crianças.

            Todos se reuniram antes das oito e meia, que era quando os ônibus chegavam, lotados de alunos, carregados de mochilas (que mais cedo ou mais tarde teria que revista-las, e normalmente encontraria alguns cigarros e talvez algumas latinhas ou garrafas de vidro carregadas de Bud Light. E, talvez nos piores casos, bombas de grande porte, que só Deus sabia o que os alunos faziam com elas), no saguão de entrada. Até mesmo o diretor, alguns guardas de trânsito, inspetores, e as cozinheiras já com suas toucas transparentes guardando o cabelo.

            - Então, todos vocês já sabem de seus postos e onde devem ficar – a voz rouca do Diretor Was saía como se tivesse fumado dois maços de cigarro antes de ter começado a falar -, bem eu pelo menos espero que sim. Mas o que eu tenho mais a dizer é que trabalhem como se fosse seu último dia nessa escola. Sabemos que cada um de nós tem um papel importante nessa peça que se chama colégio. E fiquem atentos aos novatos do colegial, quero que garantam que não fiquem sozinhos ou isolados. Teremos um grande trabalho a fazer nesse ano letivo, principalmente no que diz questão aos esportes, nossos times de futebol e beisebol estão ficando uns dos melhores do estado, talvez até do Meio-Oeste inteiro...

            Todos mais ou menos já sabiam o que o diretor falava durante a reunião pré-ano-letivo, talvez algumas mensagens motivadoras a mais seriam a novidade do ano, mas seria bem difícil superar as anteriores, já que em 1982 Was deixou todos os funcionários e professores beberem algumas latinhas antes dos alunos explodirem na porta de entrada. Mas isso foi em 1982, muito antes das novas leis para as escolas da Nova Inglaterra.

            -... Sendo assim, todos ao trabalho. – as palmas de Was se encontraram e ele foi subindo as escadas até a diretoria, onde passava quase o dia todo, na maioria das vezes, só aparecia novamente se acontecia de algum aluno do futebol acabasse fraturando algum joelho ou se uma denúncia era feita, mas nada além disso – Ah, Senhor Ronald, venha aqui fazendo favor, preciso de alguns minutos de sua atenção.

            Deus queira que seja mais latinhas de Icehouse escondidas na despensa da área lá de trás.

            - Pode falar, senhor Was – falou Baker, após seguir, com um pouco de dificuldade, os degraus da escadaria principal -, estou a sua disposição.

            Cara de Doninha se aproximou perto de seu ouvido.

            - Meu escritório – sussurrou, antes de subir mais alguns degraus e virar o corredor, ignorando o mural vazio dos “Alunos do Mês”.

            Ronald só fora despedido uma vez na sua vida. E fora na juventude, devia estar com uns quinze anos, ainda não tinha feito o colegial, mas quem o conhecia de verdade sabia que nunca completou-o. Trabalhava toda semana, em uma lavanderia duas quadras abaixo de seu apartamento acima de um barzinho. Se chamava: “Clothes and Baths”, e era gerenciada pelo velho Bill Watson, que todo mundo odiava, bem, pelo menos todos os funcionários que foram demitidos, e Ronald se incluía discretamente nesse grupo. Seu turno sempre começava ás oito da noite e se estendia até ás onze e quarenta, talvez até mais nas terças, quando tinha que levar os sacos de lixo para fora.

            O trabalho até andava bem, de terça até sexta, todos os dias seguidos, e sábado havia trabalho também, sempre visitava a peixaria do centro de Downtown com seu tio Arnold, antes de ter que estudar por mais três horas e meia para tentar passar da oitava série pela terceira vez. Mas a peixaria não era mais do que um hobby, onde tio Arnold adorava cortar as escamas do peixe e sentir seu cheiro penetrante e salgado como mar, e depois limpá-lo completamente, talvez essa fosse a parte mais nojenta de todas.

            Mas o trabalho até que andava bem, tirando algumas briguinhas leves com os clientes mais arrogantes, como por exemplo, uma senhorinha que sempre frequentava a “Clothes and Baths”, o problema não era esse, o problema era que ela evidentemente sofria de Alzhaimer, mas nunca admitia isso. Ela sempre vinha de quarta e sexta.

            - Mas eu nunca vi esse preço em uma lavanderia na minha vida! – resmungava ela, com os olhos dominados pela indignação com o que estava passando naquele momento – Vic nunca me dava um preço desse quando vinha lavar aqui, bem aqui! – E sempre era a mesmo assunto. Ronald nunca havia perguntado ao seu patrão, por que talvez tivesse muita vergonha naquela época, mas preservava uma grande suspeita em sua mente que o tal de Vic trabalhava aqui, e talvez tivesse sido despedido por ter dado o tal desconto divino para a senhorinha – Por isso que eu sempre gostava dele! Colocaram você e então nunca mais vi o Vic! Acho que o gerente deve ter mudado ele para a área da lavanderia, deixa eu ir lá vê-lo...

            Ronald teve que barrar ela com seu braço esquerdo.

            - Desculpe, senhora. Mas não conheço nenhum tal de Vic, mas posso... – suspirou – Posso te dar o desconto que tanto deseja – foi abaixando a voz como o botão de um rádio -, só peço para que não conte ao gerente, senão... Sabe como é... Ele me mata.

            Ela cumpriu com sua palavra, mas o gerente não. Ele não matou Ronald, como era bem evidente, mas o demitiu pela primeira e última vez. Porém, dois anos mais tarde, começou a trabalhar como faxineiro em uma escolinha que mais tarde seria chamada de Escola Municipal de Downtown. Um nome pouco atraente, mas funcional.

            Mas eram tempos diferentes, uma idade bem diferente. Ele não pode estar dizendo isso, não tenho feito nada de errado. Mas ele sabia que talvez seria afastado por outro motivo, quem sabe talvez porque ele estava velho, e então Was resolveu substituí-lo por outro zelador mais jovem, mais forte e quem sabe um que não tinha suas costas estraladas toda vez que se agachava um pouco, talvez um chamado Tom, ou melhor, um chamado Vic.

            Mas, graças ao bom Deus, não era nada disso.

            Ronald subiu as escadas, pouco tempo depois de Was tê-las subindo, um pouco cambaleando, um pouco mancando. Mas Baker teve mais dificuldade com as costas, que estralavam praticamente a cada passo. Foi até a sala que tinha na porta a plaquinha de bronze de mentira que dizia: “Diretoria”. Deu duas batidas leves na porta e virou a maçaneta.

            - Entre – a voz soou abafada pela porta. Lá de longe, era possível escudar o barulho de rodas rolando e murmúrios altos de crianças e adolescentes se tornavam mais claros.

            O Diretor Was estava sentado atrás de sua mesa de cerejeira, onde um globo de metal, uma placa com seu nome escrito, um funko de beisebol, que chacoalhava sua cabeça de um lado para o outro quando o vento direcionado pelo ventilador no teto o atingia. Detrás de Was, havia uma grande parede de vidro, onde era possível ver toda a quadra, com duas grandes fileiras de arquibancadas, e mais ao fundo, quase causando uma miragem milagrosa, a Praça de St. Gabriel era iluminada pelo sol da manhã, e no centro a Igreja Matriz se estendia, cortando o céu como uma tesoura fazia com papel fino.

            - Senhor...

            - Sente-se, Ronald – Was lhe estendeu a cadeira de rodinhas que ficava do lado oposto da mesa – Fique á vontade. Se quiser um copo de água...

            - Não, senhor, muito obrigado mesmo.

            - Ora, não precisa ficar nervoso. – ele soltou um sorriso – Eu te chamei aqui para somente alertá-lo de algo que acho que deva saber.

            - Estou disposto a ouvir.

            Was sacou um cigarro do bolso de seu sobretudo de couro, acendeu com seu isqueiro prata, e tragou três vezes, enchendo o ambiente de fumaça, antes de começar a falar.

            - Sabe, Ron, eu trabalho aqui desde que me conheço por pessoa. Antes de mim, a Diretora Halphins cuidava de tudo, e ela era um amor de pessoa, sabe, ela deu aula de inglês a mim. Depois que se foi, tive que assumir, pois era vice-diretor, mas nunca quis de verdade isso para mim. É um grande fardo sabe? – o diretor começou a mexer com a ponta do indicador no globo de metal. Lá fora, mais alguns ônibus eram estacionados. – Mas infelizmente tive que carrega-lo, e você esteve sempre aqui, sempre do meu lado...

            É agora, agora que ele vai fazer um discursinho mais longo do que o  anterior sobre como eu fui importante nesses anos de escola, cuidando de tudo e de todos, seguindo as regras e as linhas. E depois vai me mandar embora, com a aposentadoria me minhas costas. Então voltarei para casa, brincarei com o gato ruivo do vizinho, fumarei mais cigarros, irei ingerir mais alguns copos plásticos de chá gelado com Jud, bater um papo longo e sem fim, rezar meu terço e ir dormir, talvez eu possa fazer algo diferente nos domingos, visitar o restaurante Bakerson´s talvez. E quem sabe também viaje com o dinheiro que me sobrar, sempre sonhei em ir para a Califórnia, porém é Setembro, se um furacão me atingir no caminho, ou se me deparar com um acidente de carro. E deuses, o carro. Como conseguirei dirigir por mais de dias seguidos se estou assim, quase sem a habilidade de agachar e levantar direito. Bem, a outra opção é viajar com o caminhão de Jud, ele iria gostar de tirar seu velho amigo daquela garagem empoeirada, além disso, está mais acostumado com a estrada do que eu. Vamos levar o gato também, quem sabe. E eu adotar um seria melhor do que ficar com o do vizinho, mais simples, pelo menos. Sempre quis ter um cachorro na infância, um daqueles malhados, com  pintas pretas mas com a maioria do pelo branco, ou talvez um cavalo. Montava cavalos mais novo, quem sabe eu saiba montar agora, sim, montar e cavalgar, quando o horizonte me atinge. Fazer todas essas coisas, sim, tudo isso, e depois é só esperar, só esperar para Deus me levar até um lugar melhor, onde encontrarei Nora, meu tio Arnold, e talvez até aquele velha da lavanderia que tinha Alzhaimer. Sim, seria maravilhoso.

            - Eu quero te dar um aumento, meu velho.

            A voz de Was soou como se fosse apaziguadora, como se fosse os anjos acalmando seu oração, seu pulmão, seu corpo todo em uma só tacada. Aquilo fora mais aliviante do que um jogo do Super Boll sendo ganhado, ou quando terminara de colar os cartazes de boas-vindas.

            - Mas – continuou o diretor -, quero que você seja meu mensageiro para os alunos nesse ano. Quero que esteja do lado do melhor, e ao mesmo tempo, do lado de todos, que lute ao seu lado, e que ajude em qualquer momento que for preciso.

            - Sim, senhor. Irei fazer como manda, com muito bom grato.

            - Ótimo, agora, Ronald, veja se não vá até a dispensa e me traga uma latinha de Icewake, por favor. E também pegue uma para você, vamos beber nesse primeiro dia de aula.

            Por um momento, Baker teve vontade de soltar um riso de alívio, mas a preocupação chegou com mais velocidade no pedal.

            - Mas... Senhor... Eu tenho que fazer muito trabalho hoje, não... Não vai ser possível, tenho que limpar os banheiros, ajudar os alunos, como mesmo o senhor disse, muitas coisas mesmo. Esse é o meu trabalho, aliás, Orta até mesmo fez uma lista de tudo que devemos fazer, quer dizer, foram duas listas porque...

            - Não se preocupe com isso, Ron. Fique calmo, fique calmo – Was deu um riso que mais pareceu estar mais nervoso do que Ronald antes de receber a notícia de verdade do que qualquer coisa - vai ser um ano bom. Não se preocupe. Como agora, eles vão entrar na porta principal, vão brincar, selecionar seus armários, os professores vão dar suas aulas, vão trocar figurinhas, alguns até mesmo podem começar um momento de namoro na adolescência. Tudo isso vai acontecer, Ron, e nós vamos estar bebendo duas latinhas bem cheias de cerveja gelada, ein? O que acha disso?

            - Acho que esse discurso foi a verdadeira prova de que eu estou mais novo do que você, senhor Was.

            - Há há, é disso que estou dizendo! Muito bom, muito bom! Agora, pode se retirar Ronald, traga as latinhas, está bem?

            - Tudo bem, Was. Tudo bem. – respondeu Ronald em um tom apaziguador.

            Saiu da sala da diretoria, talvez aquele teria sido o pior jeito para começar o ano letivo. Ou talvez o melhor, mas Ronald tinha certeza de um coisa, não ia ser um ano tão curto assim.

            Passou pelos corredores, agora lotados de alunos, alguns veteranos lhe davam ois simpáticos, outros novatos o estranhavam. “Como que um velho com a careca lisa como chão e rugas aparecendo mais do que a própria pele pode trabalhar em uma escola pública?” As batidas de armário eram bem comuns, os risinhos de meninas e alguns deboches dos alunos mais velhos contra os alunos mais novos eram completamente normais. Os cartazes que antes pendurara estavam sendo agora descolados por alguns alunos que escorregavam pelo corredor com seus skates. Esses que foram chamados a atenção mais de uma vez. Novos chicletes eram grudados no chão. Professores chegando que se apressavam para não atrasarem em sua própria aula. Reconheceu a professora Barbhara, de Inglês, o professor Richard, de História, Melissa, de Estudos Sociais, e muito mais.

            Grupinhos era a coisa mais vista de toda a escola. Mas Ronald fazia parte de todos eles ao mesmo tempo. Havia os nerds, que se escondiam em um canto, com seus óculos reflexivos ou seus aparelhos que iam até a ponta da orelha, alguns se sentavam nas mesas da cantina e jogavam dados com mais números do que Ronald já conhecera. Os quaterbacks eram os mais comuns, aglomerados todos em um só espaço, rindo, conversando sobre o que fizeram no verão, olhavam de canto para as garotas, conversavam mais um pouco. Ronald conseguiu ouvir poucas palavras, mas eram o suficiente para saber que se repetiam mais do que o normal. “Ei, ouviu o que a oitava série disse sobre o beisebol e o futebol? Dizem que vão ganhar esse ano, que piada. No ano passado teve uma bola deles que voou do estádio, minha mãe me contou que quase atingiu o pátio da Igreja.” Outros comentavam sobre o ano terceiro, a maioria, que era do segundo, dizia que o terceiro iria “rodar” nesse final de temporada, eram muito grandes para aguentar isso, o que seria quase irônico senão fosse verdade. O terceiro andava com muitos alunos repetidos nos últimos anos, todos eles, quase nenhum conseguia ir para o time oficial da escola para lutar contra os Winkiins na Temporada de Inverno, e os poucos deles que conseguiam ou ficavam no banco ou eram desclassificados nas primeiras partidas.

            Grupos e mais grupos se espalhavam entre eles, como por exemplo, algumas meninas mais populares, outras menos, as que eram mais normalmente batiam papo sobre menino ou onde viajaram nas férias, talvez Portland ou Orlando, no melhor dos casos. As menos eram as mais bonitas, mas talvez as que menos conseguiam o que a hierarquia deveria fazer elas conseguirem.             Ronald conhecia um grupo maior daquelas especificamente. Reconheceu Juliet Sweetheart, Nance Mustage, Agatha Lanperstreet, e mais algumas outras.

            Ronald virou mais de três corredores, a cada um deles, era visível que os alunos iam aos poucos sumindo, dando lugar as somente os cartazes restantes e os armários já fechados. Ele sabia onde ficava a dispensa, mas não estava indo até lá.

            Foi até o banheiro masculino número 1, parou em frente sua porta. Estendeu o braço para pegar o cabo do rodo que mergulhava dentro do balde de água. Pegou os dois e os levou até lá dentro. O banheiro estava deserto, mas sabia que não demoraria muito para que eles lotassem de meninos querendo soltar algum barro ou fumar, alguns talvez fossem mais honestos e estariam realmente apurados, mas isso não importava para Baker naquele momento.

            Segurou firme o cabo do rodo, observou sua ponta, cheia de fiapos de pano molhado com água limpa, mirou o chão. Apontou o objeto como se fosse uma espada parta baixo, sua ponta tocou o chão. Então o Sr. Baker começou a limpar o chão, esfregando o rodo de um lado para o outro, rodando ele em movimentos giratórios, outros mais laterais, alguns verticais, de todos os modos possíveis.

            Quando se deu conta, estava assoviando “Hound Dog” e em alguns momentos, até cantando-o. Mas nunca foi até a dispensa. Nunca.

 

 

 

 

 

 

 

 

 



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