1. Spirit Fanfics >
  2. Prelúdio das Cinzas >
  3. 0

História Prelúdio das Cinzas - 0


Escrita por: rubiconvenus

Notas do Autor


Por favor, não leia se é muito sensivel. Essa história é uma tragédia.

Obra original protegida pelas leis de direito autorais. Não copie. Plágio é crime sujeito a penalidade.

Capítulo 1 - 0


Fanfic / Fanfiction Prelúdio das Cinzas - 0

Prólogo - A criatura


Era a última vez que eu veria aquela criatura, mas eu não tinha consciência disso ainda. Quem olhava para aquela monstruosidade não saberia dizer se era macho ou fêmea, porque era os dois e isso fazia dessa criatura algo repulsivo e ao mesmo tempo irresistivelmente encantador para todos os que pudessem seus olhos nela.

Seus pulsos estavam unidos e amarrados por um cordão de couro e tripa de animal, presos a uma grande corrente que se arrastava pelo chão. Seus cabelos eram quase da cor da noite, mas estavam marrom ocre, sujos de lama, e caíam em gomos grudentos na frente de seu rosto belo como o de um anjo ou de uma ninfa. Apenas metade de um de seus olhos ficava a mostra, sempre mirando para o chão, pois nenhum escravo possui o direito de encarar ao seu senhor. A criatura tinha olhos marrons claros como o cobre, mas não valiam nem um centavo, pois eram embebidos em servidão.

A lareira crepitava trazendo um pouco de calor para aquela noite e todos nós deveríamos de ser gratos por ter um lugar para dormir que não fosse na chuva, entre as trovoadas da tempestade que desenrolava-se do lado de fora. Os céus estavam em guerra, os seres de luz e os seres das trevas se enfrentavam, mas para nós, reles mortais de carne humana, isso pouco importava. Nossas almas já estavam condenadas e não haveria salvação. Pelo menos para nós, o que restava era a guerra, a doença, a fome, a ganância dos mais fortes… Nós sabíamos que esse dia viria, mas não acreditávamos. Os Sete Selos do Apocalipse haviam sido rasgados.

Após o jantar, Senhor acendeu um charuto fedorento, tragou duas vezes deixando a fumaça amarelada subir rastejando pelas paredes, empinou a barriga para frente e arrastou a cadeira para trás em um movimento barulhento e preguiçoso, que se assemelhou a um trovão.

-- Venha aqui, criatura. - Chamou com um puxão violento nas correntes de metal que segurava nos pulsos da criatura.

Sem escolha, a criatura obedeceu rastejando de joelhos até o pirata de barba grossa e escura. Senhor era um homem de cabelos totalmente pretos e seus olhos traziam toda a desesperança que assolava o planeta em um só homem. Ele fedia à cigarro e aguardente, não trocava muito de roupa, mas era sem sombra de dúvida, o mais limpo de todos nós.

Senhor segurava um charuto fedorento entre os dentes e levava uma vida abastada, tinha sempre o que comer: muito ovo, pão, legumes e carne, nunca faltava aguardente ou vinho em uma jarra em cima da mesa. Ele vivia em uma fazenda com trinta escravos, dez vacas e uns quinze porcos, além de um celeiro cheio de galinhas, mas era um saqueador dos ares. Um dos perigosos, andava sempre armado ainda que estivesse apenas dentro de casa. Um homem robusto, alto, cheio de músculos exercitados diariamente, com os quais já tinha se safado de algumas encrencas.

A criatura não tinha nada disso: músculos, armas, nem mesmo comida. De vez em quando, se o Senhor gostasse do serviço, dava o resto de seu prato para ela lamber. Até os cães tinham direito à sua porção de ração, mas não a criatura. Pensando que pudesse conquistar um pouco de comida, ajoelhou-se entre as pernas de Senhor, vestindo apenas trapos feitos de sacos de batata costurados com barbantes.

Com as mãos trêmulas, a criatura abriu o cinto de Senhor, que deu um sorriso de canto sem tirar o charuto da boca, mas tirou uma pistola cinza escura do coldre em sua cintura e engatilhou a bala, encostando o cano por entre os cabelos da criatura na têmpora:

-- Se eu não gostar, sua imunda, você vai morrer e depois eu mato a vadia da sua irmã. - Disse calmamente, como quem mata por estar entediado. -- Então, chupe bem direitinho.

Embora aquela criatura não merecesse passar pela experiência de chupar um homem como Senhor, eu só conseguia pensar, com extremo alívio, que não era eu. Já tinha visto o que o Senhor costumava fazer se fossem fêmeas... Especialmente as inexperientes. Por algum motivo, a criatura estava segura em sua posição. Era só um maldito oral.

Aproximei-me da pia segurando o prato de Senhor, ele tinha terminado de comer, mas havia sobrado bastante farinha e batata. Tive o cuidado de separar os restos em uma tigela a parte, pois sabia que se Senhor estivesse de bom humor quando a criatura terminasse, eu poderia comer. Todos nós poderíamos comer em paz.

Por isso era fácil dar as costas, fechar os olhos, fingir que não era com você e que você não tinha nada a ver com isso. O fim do mundo desperta o que há de pior nas pessoas e em algumas, o pior é apenas a covardia.

Mergulhei o copo na bacia com água e sabão, passando um pano sujismundo para limpar o conteúdo. Coloquei o copo para o lado e peguei os talheres. Por cima do ombro, conferi que Senhor estava com a cabeça para trás, de olhos fechados, deliciando-se.

-- Ah, isso… continue. - Senhor arfou, pelos gemidos, devia estar satisfeito e era isso o que importava. A criatura sabia, tão bem quanto eu, que escravos tinham que manter seu senhor satisfeito, ou morreriam.

Envolvi uma das colheres na mão e enfiei por baixo do meu vestido de saco de batata, lavando apenas o garfo e a faca, entoando um mantra mental para que Senhor não visse o que eu estava fazendo. Se eu fosse pega roubando? Senhor separaria minha cabeça do corpo.

Nosso Senhor não era dos piores, apesar disso. Uma das escravas que Senhor havia comprado tinha passado por experiências terríveis: três dedos em sua mão esquerda haviam sido arrancados e tinham cortado-lhe a língua, para que não reclamasse de dor enquanto mancava, depois que amputaram um de seus pés. O senhor que ela tinha antes, era pior que nosso Senhor. Olhei para ela, essa mesma escrava manca e sem um pé estava passando um pano úmido na mesa, depois, ela limparia o esporro do chão, se Senhor não forçasse a criatura a engolir.

O que eu sabia daquela criatura era muito pouco: foi trazida com sua irmã mais nova por comerciantes e Senhor pensou que tinha feito um bom negócio comprando dois pelo preço de um, mas a mais nova era uma garotinha cega e inútil, que só sabia chorar e ficar encolhida no canto, assustada. Senhor não gostava de gente assustada, ele dizia e descarregava as frustrações do seu dia a dia na menina, que ficava com o rosto inchado toda vez. Eu lembro que tive que costurar um S em seu rosto, a pele desprendeu de tanto que Senhor esmurrou. A garotinha só não morreu porque a Criatura o convenceu a parar, oferecendo seus serviços.

Depois que provou a primeira vez, Senhor queria sempre, todo dia. Fazia uma semana que as duas tinham chegado na fazenda e muitos escravos tinham inveja da Criatura, que podia dormir na cama do Senhor, sem saber o que ela tinha que aguentar quando estava por lá.

-- Isso, isso! Me chupa delicia! - Senhor arfava de prazer, lambendo os lábios e segurando na cabeça da criatura puxando os cabelos sujos, forçando fundo em sua garganta. -- Quero que você engula tudo. Toma, toma… - Senhor continuou, mais rápido. -- Ahhhhhhhhh… - Estremeceu.

A criatura tossiu e senhor a socou, arrancando um filete de sangue de seus lábios.

-- Eu disse para engolir, sua puta.

A criatura não respondeu. Teria a língua cortada se respondesse, então apenas se encolheu aos pés de Senhor, fungando triste.

-- Tsc. - Uma das escravas fez, revirando os olhos e aborrecida, tirando o último prato de cima da mesa, era bem cheio de cenouras e batatas, daria para alimentar a todos os escravos do celeiro.

Todos nós ficamos aborrecidos quando a criatura não conseguia. Significava dormir com a barriga vazia e com dor, mas como eu não me voluntariava para revezar com a criatura, resolvi não reclamar. Achava até que a escrava não devia.

Senhor ficou um tempo fumando seu charuto fedido, olhando para a criatura. Continuei lavando devagar todas as coisas, esperando antes de jogar o conteúdo do prato no lixo. Quem sabe ele chamasse a criatura mais uma vez? Já tinha acontecido antes dele pedir mais de uma vez...

-- Vem aqui, sua putinha gostosa, suba em mim dessa vez. - Senhor puxou mais uma vez a criatura. Olhei por cima do ombro, assustada. Aquele era um pedido inusitado. Senhor não pedia essas coisas para a criatura. Vi quando a criatura hesitou, não querendo obedecer. Recebeu mais um puxão em resposta. -- Venha cadela, quero te comer de um jeito ou de outro, ou vem aqui ou amanhã você estará em partes no caldeirão… Ou talvez, a sua irmãzinha. - Senhor sorriu malvado.

Ele não estava brincando. Ele tinha porcos, vacas, galinha, mas sempre que podia levava um de seus escravos para o abate. Ele gostava especialmente da crianças.

Respirei fundo e apertei a colher que escondi debaixo do meu avental. Era só mais essa noite e com aquela colher eu abriria nossas correntes, estaríamos fora dali! Ouvi um chorinho… Ttalvez para a criatura, fosse muito ter que esperar pela madrugada.

-- Ah, você não vai chorar, vai? - Senhor puxou a criatura, que ergueu o seu corpo magro e se aproximou de senhor. Ele segurou firme em suas nádegas por cima do saco de batata, com as duas mãos. -- Hmm, sim… você é bem gostosinha aqui atrás. Aposto que é bem apertadinha... - Senhor colocou as mãos nas coxas da criatura, subindo devagar. Havia agora um filete de água descendo pelos olhos da criatura, lavando com uma linha a sujeira de seu rosto, os lábios trêmulos. -- Deve ser bem apertadinha na frente também… Por onde eu vou começar? Vou te comer primeiro pela frente e depois… Aqui atrás.

Se eu tentasse contra Senhor, ele me mataria. Era apenas uma menina fraca, de braços atrofiados pela fome, mas não queria deixar criatura desamparada, nem mesmo o monstro mais bizarro do universo merecia o que senhor faria com ela. Ontem, foi outra criança e ele a rasgou toda, a garota estava desmaiada no celeiro, eu queria levar um pouco de comida para ela.

Pensando nisso, derrubei um copo no chão.

-- O que você quebrou aí, sua imunda? - Senhor levantou-se da cadeira, empurrando a criatura de volta para o chão.

Ele veio para cima de mim, eu me encolhi, esperando o tapa, mas ele parou, com a mão no ar. Vi a mão da criatura no ombro dele, impedindo.

Senhor passeou os olhos por ela e por mim:

-- Ahhh, as putinhas são amigas! - Senhor mostrou um sorriso de dentes dourados e malvado, lambeu os beiços. -- Eu devia comer as duas juntas, mas você, eu já comi todinha, não é? - Ele deu um tapa no meu traseiro, ardeu muito, mas não gritei. -- Lave os pratos e tente não quebrar mais nada, ou vou te socar tanto que não conseguirá dormir. - Senhor virou-se para a criatura. -- Onde estamos? Ah, sim… Aqui, nesse seu traseiro. - E a empurrou contra a mesa de jantar. -- Abra suas pernas para mim, vadia.

A escrava que há pouco tinha reclamado, correu para tirar a comida de cima da mesa. Um resto de pão, arroz e o ensopado de legumes, do qual Senhor comeu toda a carne. As lágrimas escaparam de mim. Eu pedia perdão mentalmente por não poder ajudar  criatura, ou por ter tentado e apenas piorado as coisas para ela.

Senhor foi para cima da criatura na mesa, girando-a de costas, depois de frente, um pouco indeciso por onde começar. Ele abaixou as calças e a colocou sentada, abrindo suas pernas.

Plim, plim.

O sino da frente estalou um som fino. A campainha! Se era um cliente, estava ignorando o aviso de “fechado” na frente da loja de bugigangas.

-- Aaaarrrrrrrr. - Senhor rugiu e colocou as calças de volta. Criatura correu para se esconder em baixo da mesa, escapando, mas sabia que não seria para sempre. -- Estamos fechados! - Senhor gritou detrás da porta.

-- Abra! Abra! - Uma voz masculina falou, batendo com força contra a porta. -- É a Comitiva do Imperador, Vossa Majestade Kaiser de Vorsery!

-- Vá, você, abra a porta. - Senhor apontou para mim.

Eu estremeci, como sempre estremecemos diante de uma ordem, mas meu coração pulava em agradecimento. Por um minuto, acreditei que Deus tinha escutado minhas preces e que aquele era um sinal que vinha nos salvar.

Essa noite, pensei, essa noite nós fugiremos todos daqui.


(Continua)


Notas Finais


Obrigada por sua leitura. Se gostar, comente para me deixar feliz e vote se achar que valeu.
Obrigada!


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...