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História Prelúdio das Cinzas - 12


Escrita por: rubiconvenus

Capítulo 13 - 12


Fanfic / Fanfiction Prelúdio das Cinzas - 12

Capítulo 12: Questão de igualdade

 

A gaveta da cômoda branca ao lado da cama abriu-se no momento em que abri os olhos. Lorde Kaiser que estava amarrando a gravata verde escura virou-se para olhar e franziu a testa. Sua mão alcançou a gaveta e ele fechou.

-- Desculpe. - Eu me sentei na cama, coçando os olhos e bocejando. Quando foi que dormi? A visão fica um pouco embaçada, mas aos poucos, foca normalmente.

-- Por quê?

-- Por abrir a gaveta. - Passei as mãos pelos cabelos tirando os fios castanhos do rosto e dei um sorriso sem graça, envergonhado. -- Antes, na casa em que eu morava com minha mãe, acontecia bastante. Pensava que era um fantasma, mas Sua Majestade disse que não existem fantasmas. A menos que tenha um Ezuuta no quarto.

Lorde Kaiser passeou os olhos cor de sangue por todo o recinto, em absoluto silêncio, procurando alguém e acrescentou:

-- Não. Nenhum Ezuuta. Eu poderia captar seus pensamentos caso tivesse.

-- Hm. Então é oficial, sou sonâmbulo! - Afastei as cobertas e fiquei em pé de frente para o Imperador, alcançando a gravata, desfazendo o nó e fazendo novamente como Odette ensinou. Aquelas não eram as mesmas roupas que ele estava ontem a noite, até porque, nem as tirou, o que me fez concluir que ele tinha levantado e se trocado, o que era esquisito, mas me fez sorrir internamente, por ele ter ficado esperando eu acordar. -- Não tinha acontecido mais, mas também eu não tinha exatamente um quarto para abrir gavetas ou portas enquanto durmo.

-- Você disse que morava com sua mãe antes. Onde?

-- Toronto, Canadá. - Fechei os botões do colete de tecido prateado.

-- É mesmo? - Lorde Kaiser abriu os olhos surpreso. -- É bem distante de onde eu te encontrei.

-- Eu não saberia onde exatamente. O Chão mudou completamente com os Anjos e o emergir das cidades submersas. - Puxei o paletó cinza escuro da cadeira e abri. Lorde Kaiser me deu as costas e o vesti, primeiro um braço depois o outro. -- Buracos surgiram, cidades inteiras foram engolidas por terremotos e maremotos. Às vezes nem parece que estamos sob o mesmo planeta. - Bati a mão em seus ombros alinhando o tecido. -- Não existe essa segurança que tem no castelo e você fica nômade, fugindo dos perigos e procurando terra fértil onde possa plantar e caçar por um tempo.

-- Entendo. Então você teve uma vida normal até os Anjos atacarem.

-- Todos nós. Se é que podemos chamar de normal a vida de antes, com tanta poluição, miséria e homens gananciosos produzindo guerras e matando pessoas para enriquecer. Mas sim, eu tinha uma boa família… Três irmãos, uma irmã e… uma mãe.

-- Só encontrei você e sua irmã. O que houve com os outros? - Lorde Kaiser virou de frente para mim e acertei o paletó puxando.

-- Morreram. Mas não quero te aborrecer com isso, vamos mudar de assunto. - Eu dei um passo para frente e o abracei.

-- O que está fazendo?

-- Te dando um abraço de bom dia. - Ergui a cabeça, fiquei nas pontas dos pés e o beijei nos lábios. -- E um beijo. Assim sua noite começa de bom-humor. Vou me trocar para acompanhar você, meu senhor.

-- Não vai, não. Mandei chamar o alfaiate para fazer roupas que sejam mais apropriadas, você fica usando a mesma roupa e ela está cheirando a mostarda. - Reclamou se afastando. -- Quase não consegui dormir com esse cheiro horrível.

Puxei a camiseta e cheirei.

-- Hm. - Fiz uma careta e dei de ombros. -- Verdade, mas já foi pior.

-- Não é apropriado. Os nobres pensarão que não tenho dinheiro para cuidar do meu próprio escravo. - Ele puxou as abotoaduras das mangas, prendendo. -- Vai me contar o que houve ontem a noite, Edwyn, para esse cheiro de tempero impregnar você?

-- Não me pergunte. - Estendi a mão como um escudo.

-- Por quê? - Uma sobrancelha escura ergueu-se em seu rosto bonito, pura discórdia. -- Não quer ter que mentir? Aponte os culpados.

-- Se eu tiver que culpar alguém pelo acontecido, eu culparei você. - Coloquei as mãos na cintura.

-- A mim? - Lorde Kaiser ventou rindo, com desdém. -- E por que eu seria culpado pelo que escravos fizeram a você?

-- Porque é o senhor que os humilha me oferecendo um banquete e não a eles, não eu.

-- Não quer suas vantagens? Ótimo a partir de agora ficará sem elas. - Lorde Kaiser disse em seco, já com a voz mais alta, em tom irritado.

-- Você nem entende, não é mesmo? - Dei passos para trás e sentei na pontinha da cama. -- Punir a mim só reforçará esse sistema de punições e humilhações! O que você tinha que fazer era oferecer algo a eles e tecer alguns elogios valorizando a posição que eles ocupam agora. É isso o que todos eles querem, a atenção da qual o senhor tem os privado desde que inventou essa…. Essas vantagens sem sentido.

-- E você chegou a essa conclusão sozinho?

-- Pensei enquanto dormia. - Suspirei. Mas espera! Eu não estava em posição de dizer a um Imperador como agir em seu castelo e governar seu povo. O sangue escorreu do meu rosto e fiquei em pé. -- Desculpe, eu deveria ter mais cuidado com a língua. Oh, meu Deus. Você me dá liberdade, depois tira a liberdade e eu não sei nunca em que momento falar o quê. Eu sinto muito, perdoe-me, por favor. - Abaixei bem a cabeça em submissão. Droga, eu nunca aprendo!

-- Muito bem. Suas conclusões são muito sensatas e até mais que as minhas já que é você que vive essa realidade e não eu. - Lorde Kaiser disse. -- Uma pena que seja impregnada com tanta burrice e falta de senso de autoproteção. Aguarde o alfaiate e encontre-me na biblioteca quando estiver vestido, que faz-se necessário uma leitura sobre política antes de continuarmos discursando sobre essa questão.

O Imperador acertou o paletó fechando os botões e deixou o quarto batendo a porta.


 

***

 

-- Você quer me matar? - Abri a porta da biblioteca com pressa, invadindo o salão do Imperador, os guardas deram um pulo e Lorde Kaiser, que estava sentado em uma cadeira em frente à sua mesa de trabalho, cheia de papéis, livros, porta lápis e uma luminária, ergueu a cabeça. Os guardas fizeram menção de me barrar, mas o Imperador ergueu a mão e o rastro de alfaiates e costureiras que vieram atrás de mim, pararam. Puxei a jaqueta preta. -- Essas roupas são de Benjamin. Eu já o vi com elas!

-- E vestem muito melhor no corpo dele que no seu, à propósito. - Lorde Kaiser disse.

-- Oh meu Deus. - Fique estático, de olhos bem abertos e a boca como um “o” de espanto.

-- Guardas, por favor. - Lorde Kaiser ordenou e os Guardas entenderam, saindo da sala e fechando as portas, isolando-nos dos alfaiates e costureiras que tentavam ver o que estava acontecendo. -- Isso não é sobre você. É sobre Benjamin. Ele precisa ser punido para ser contido.

-- Você quer mesmo me matar. - Caí sentado e sem esperanças na poltrona em frente à mesa de Lorde Kaiser.

O Imperador arrastou sua cadeira para trás, fechou o livro e se levantou, contornando a mesa, aproximando-se de mim. Eu estava curvado, com as mãos na cabeça e os cotovelos apoiados na perna, já contemplando o meu inferno. O que Benjamin faria comigo, minha irmã, Fernanda e Odette? Não queria pensar no assunto, mas o problema estava bem diante de mim, me atropelando.

-- Eydwen, olhe para mim.  - O Imperador ordenou e eu abaixei as mãos, erguendo a cabeça. -- Vivemos uma monarquia absolutista e não há lugar para seus ideais socialistas. Opressão é ordem nesse sistema.

-- Diz isso, mas é um homem de poder! No topo de tudo isso em uma posição confortável. Para todos os outros que estão por baixo, é apenas sofrimento. - Retruquei.

-- E o que espera? - Lorde Kaiser colocou as mãos na cintura , afastando o paletó e vi o colete que abotoei nele a pouco. -- Políticas assistencialistas? Que eu ignore as leis descredibilizando a eficácia com que trabalha a justiça? Eu perderia poder e aos poucos, seria como não haver leis. Você viveu no Chão e sabe o que a falta de leis pode gerar.

-- Não precisa ser assim.

-- Mas é assim. Eydwen. - Ele sentenciou. Fiquei um tempo calado e fechei os olhos, desejando que os problemas sumissem. O que eu ia fazer? Lorde Kaiser suspirou e colocou uma das mãos na minha cabeça. -- É tão bom que você tenha essas ideologias, como todos que as possuem, desejando um mundo de igualdade e de paz, porém, infelizmente, só funcionaria com um mundo repleto de pessoas boas e bom coração como você. Não um mundo cheio de homens e mulheres gananciosos. O que eu faço é o que precisa ser feito para manter a ordem.

-- Coloque-os em prisões, não incite a raiva dentro deles.

-- Dará no mesmo e aprisioná-los priva a liberdade, mas não ensina moral. Se eu achar que merecem a prisão, é para lá que os mandarei. - Ele soltou a mão da minha cabeça, os olhos sérios. -- Você e Benjamin precisam resolver essa inimizade entre vocês, estou apenas mostrando a ele um ponto. E o ponto é, eu quem mando, eu quem escolho quem veste o quê e ele que se coloque em sua posição.

-- Não gosto quando diz isso. Tira o mérito da pessoa, quando você a coloca em uma posição que quiser, como se fossem objetos com somente uma funcionalidade.

-- Sou o Imperador é isso que faço. - Ele ventou rindo. -- Pense no Império como um restaurante.

-- O quê?

-- Há o dono, um gerente, um atendente de reservas, garçons e cozinheiros. Não é?

-- Sim, mas…

-- Se todos forem donos, quem servirá ou cozinhará aos clientes? - Perguntou não me deixando continuar. -- E se todos forem garçons, quem organizará as questões mais burocráticas e será responsabilizado pelos erros? - Ele ergueu as mãos, comprimindo os ombros. -- Não dá para todos serem gerentes se não tiver quem execute o serviço. - E abaixou os braços rente ao corpo. -- O Socialismo é uma farsa, infelizmente a sociedade como um todo não está preparada para gerenciar a si mesma. Viraria um caos, como o Chão. Haveria aqueles que tentariam controlar uns aos outros, escute, até mesmo na natureza existe hierarquia, exceto é claro, nas árvores, mas elas não vivem em sociedade, não é mesmo?

-- E quanto às questões de igualdade? - Perguntei.

-- Todos os meus escravos são iguais, independente de raça, espécie, gênero, idade… Todos respondem às mesmas leis.

-- Exceto o favorito. - Pontuei cruzando os braços.

-- Certo, tem razão. Vamos acabar com isso agora mesmo, dê-me seu broche. - O Imperador estendeu a mão.

Ele estava punindo novamente, mas eu estava exausto de tentá-lo fazer entender que me punir resolveria a questão e ao mesmo tempo, eu esperava que ele acabasse logo com o posto de “escravo favorito” assim nem eu, ou Benjamin, ou qualquer outro, brigaria por uma posição e seríamos todos iguais. Suspirei e desabotoei o broche da jaqueta e coloquei sobre a palma dele.

Lorde Kaiser imediatamente apertou a mão e o broche ficou como um papel amassado, o que era impressionante, já que era um broche de ouro. Mesmo não sendo o metal mais duro do mundo, inclusive, o ouro é bem maleável, era impressionante que alguém pudesse amassá-lo como papel tão rapidamente e aparentemente, sem esforço.

-- Satisfeito agora? - Perguntou azedo.

-- Eu não sei. O que amassar o broche significa?

-- Que você vai pegar suas coisas e deixar o quarto anexo ao meu ainda hoje, devolver as roupas para Benjamin, que terá que dividi-las com todos, inclusive você. - Lorde Kaiser soltou o broche na lata de lixo e contornou a mesa, sentando-se em sua cadeira. -- Está dispensado, Eydwen. Quando passar pela cozinha, diga a Benjamin para vir aqui, quero notificá-lo pessoalmente além de beber umas gotas de sangue.

-- Por que na hora de beber sangue o senhor escolhe Benjamin?

-- Porque ele não está anêmico como você. - Respondeu reabrindo o livro. -- Eu preciso de muito sangue e já que abdicou de seu posto, eu sugiro que se esforce para manter a sua função aqui no castelo, pois um escravo que não pode doar sangue, não me serve e nem a meus familiares. Agora vá, Edwyn, que estou sem tempo para continuar discutindo essas bobagens com você.

Exalei ar pela boca e suspirei, ficando em pé.

-- Por que exalou? - Ele perguntou antes de me deixar ir.

-- É só ciúmes, eu não espero que um homem incapaz de amar alguém compreenda o sentimento. - Disse, cruzando os braços.

-- Vá logo embora antes que comece a me aborrecer. - Lorde Kaiser abanou a mão.

Caminhei até a porta e abri, todos estavam me olhando e esperando que eu dissesse alguma coisa, então eu passei por eles sem dizer nada.

 

***

 

Eu podia ouvir os cochichos quando eu passava pelo corredor. Aquela foi uma noite de especulação, com Benjamin se gabando por ter doado sangue novamente e recebido suas roupas de volta, enquanto eu vestia meu velho macacão e a jaqueta preta, dessa vez, sem o broche.

Lord Kaiser não tinha mandado me chamar, nem voltado atrás na sua decisão, mas o que doía mesmo em mim era que agora ele me via como a qualquer outro escravo. Realmente, um homem como ele não sabe o que é amor.

Raspei a tábua cheia de cascas de laranja e joguei tudo para dentro de um saco de lixo, pensando que era basicamente o que tinha acontecido com as palavras que ele tinha me dito quando estava bêbado, sobre querer aprender a ser alguém melhor e que queria minha ajuda nisso. Não, ele não queria, ele só estava bêbado. Eu nem deveria considerar aquele pedido de desculpas. Eu me sentia como uma namorada ao término de namoro, entende? Com vontade de chorar, considerando que tudo foi em vão e que fui idiota para me deixar enganar e iludir.

Nossa, pensa numa pessoa trouxa? Agora multiplica pelo infinito, sou eu.

Sim, porque além de tudo eu estava sofrendo com isso. Morrendo de saudades e me amaldiçoando por ter jogado tudo fora. Quer dizer, antes, ao menos, eu tinha seus beijos.

Fernanda passou por mim e me viu limpar  as lágrimas. Ela revirou os olhos e decidiu parar de me ignorar, como todos estavam fazendo, incluindo Odette, bravos porque eu tinha jogado fora o broche, desafiado o Imperador e perdido todas as facilidades que tinha conquistado e que servia, de um jeito ou de outro para todos eles. Fernanda passou o braço por meus ombros, balançando-me:

-- Vamos Eydwen, não se culpe, ok? Você falou tudo o que acreditava, você tentou. Uma pena que a única igualdade que conseguiu foi perder o posto em vez de banquetes para todo mundo!

-- Mas se todos ganhassem banquetes, quem iria cozinhá-los? Certo, eu já entendi isso. Lorde Kaiser deixou bem claro. - Eu olhei para ela e vi uma marquinha em sua pele no pescoço, por baixo de um lenço que ela estava usando para esconder. -- Isso é uma mordida.

-- Ohhh! - Ela colocou a mão e se afastou, ajeitou o lenço e olhou para os lados, para ter certeza que nenhuma das cozinheiras viu. -- Fique quieto sobre isso, está ouvindo.

-- É problema seu… Mas…

-- Oh, você não consegue ficar quieto, não é mesmo?

-- Não mesmo. - Sorri, o único momento em que eu realmente sorri depois daquela conversa toda com o Imperador. -- Foi Lorde Gavril, não é? Como sabe que ele não está apenas usando você?

-- Ele está apenas me usando eu sou uma das escravas de sangue dele. Eu gostava de dizer que era a favorita… Mas você me fez mudar de opinião. Eu não quero ser a favorita, eu quero ser especial.

-- Que sorte a nossa. - Ergui as sobrancelhas com armagura, passei a tábua e a faca para Fernanda e fechei o saco de cascas, dando um nome. -- Temos desejos impossíveis.

-- Vou te contar um segredo, Eydwen. - Fernanda ergueu um dedo, indicando “um”. -- Nada é impossível. - Ela piscou um olho e se afastou, indo lavar a tábua e a faca.

Eu ri. No meu caso, o que eu queria, era impossível.

(Continua)

 



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